Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência das disfunções sexuais femininas em clínica de planejamento familiar de um hospital escola no Recife, Pernambuco

Female sexual dysfunction prevalence in a family planning clinic at a university hospital located in Recife, Pernambuco

Resumos

OBJETIVOS: determinar a prevalência de disfunções sexuais femininas em mulheres atendidas no Centro de Atenção à Mulher do Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, utilizando os critérios de classificação da 4ª. edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. MÉTODOS: estudo transversal, cujos dados foram obtidos em formulário estruturado, aplicado durante entrevista individual com 100 mulheres com idades entre 20 e 39 anos, no período de abril a maio de 2004. Determinou-se a freqüência das disfunções sexuais femininas e sua associação com as características biológicas, demográficas e reprodutivas das mulheres, assim como sua associação com o método contraceptivo usado no momento da entrevista. RESULTADOS: a prevalência de algum tipo de disfunção sexual foi de 36%. A disfunção do orgasmo foi constatada em 18% das entrevistadas e dispareunia em 13% das mulheres no último mês anterior ao estudo. A disfunção do desejo foi relatada por 11% das mulheres, 8% tiveram disfunção da excitação e apenas 1% referiram vaginismo. Observou-se uma associação positiva estatisticamente significativa das disfunções sexuais femininas com a idade da coitarca menor que 20 anos, freqüência de apenas uma relação sexual por semana ou menos e lactação. CONCLUSÕES: os achados sugerem que diversas medidas preventivas podem impedir a ocorrência de disfunções sexuais femininas em determinado grupo de pacientes: melhorar o nível educacional da população, facilitar seu acesso à informação e aconselhamento, estimular ações preventivas de saúde e por fim investir em programas de treinamento e educação médica continuada.

Disfunção sexual feminina; Desejo; Orgasmo; Dispareunia


OBJECTIVES: to determine sexual dysfunctions of the women seen at the Centro de Atenção à Mulher of the Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, based on the classification criteria of the 4th edition of Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disturbances. METHODS: a cross sectional study with data obtained through a structured form applied during individual interviews with 100 women aged between 20 and 39 years old in the period of April to May, 2004. The frequency of female sexual dysfunctions and association with biological, demographic and reproductive characteristics of the women, including contraceptives used, was determined. RESULTS: prevalence of at least some type of sexual dysfunction was of 36%. Orgasm dysfunction occurred in 18% of the respondents and dyspareunia appeared in 13% of the women during the month prior to the study. Sexual appetite dysfunction was reported by 11% of the women, 8% had excitation dysfunction and only 1% reported vaginismus. A positive, statistically significant association of female sexual dysfunction and the first sexual intercourse, before 20 years old, frequency of only one sexual intercourse per week or less, and breastfeeding. CONCLUSIONS: the findings suggest that different preventive measures could stop the occurrence of female sexual dysfunctions in a specific group of patients: improving education, facilitating the access to information and counseling, encouraging health preventive policies and finally investments in ongoing medical training and education.

Dispareunia; Female sexual dysfunction; Desire; Orgasm; Dyspareunia


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLE

Prevalência das disfunções sexuais femininas em clínica de planejamento familiar de um hospital escola no Recife, Pernambuco

Female sexual dysfunction prevalence in a family planning clinic at a university hospital located in Recife, Pernambuco

Ana Laura Carneiro Gomes Ferreira; Ariani Impieri de Souza; Melania Maria Ramos de Amorim

Centro de Atenção à Mulher - CAM, Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP. Rua dos Coelhos, 300. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.070-550 Tel: 81 2122.4186 Fax: 81 2122.4727 E-mail: analaura@imip.org.br

RESUMO

OBJETIVOS: determinar a prevalência de disfunções sexuais femininas em mulheres atendidas no Centro de Atenção à Mulher do Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, utilizando os critérios de classificação da 4ª. edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.

MÉTODOS: estudo transversal, cujos dados foram obtidos em formulário estruturado, aplicado durante entrevista individual com 100 mulheres com idades entre 20 e 39 anos, no período de abril a maio de 2004. Determinou-se a freqüência das disfunções sexuais femininas e sua associação com as características biológicas, demográficas e reprodutivas das mulheres, assim como sua associação com o método contraceptivo usado no momento da entrevista.

RESULTADOS: a prevalência de algum tipo de disfunção sexual foi de 36%. A disfunção do orgasmo foi constatada em 18% das entrevistadas e dispareunia em 13% das mulheres no último mês anterior ao estudo. A disfunção do desejo foi relatada por 11% das mulheres, 8% tiveram disfunção da excitação e apenas 1% referiram vaginismo. Observou-se uma associação positiva estatisticamente significativa das disfunções sexuais femininas com a idade da coitarca menor que 20 anos, freqüência de apenas uma relação sexual por semana ou menos e lactação.

CONCLUSÕES: os achados sugerem que diversas medidas preventivas podem impedir a ocorrência de disfunções sexuais femininas em determinado grupo de pacientes: melhorar o nível educacional da população, facilitar seu acesso à informação e aconselhamento, estimular ações preventivas de saúde e por fim investir em programas de treinamento e educação médica continuada.

Palavras-chave: Disfunção sexual feminina, Desejo, Orgasmo, Dispareunia

ABSTRACT

OBJECTIVES: to determine sexual dysfunctions of the women seen at the Centro de Atenção à Mulher of the Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira, IMIP, based on the classification criteria of the 4th edition of Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disturbances.

METHODS: a cross sectional study with data obtained through a structured form applied during individual interviews with 100 women aged between 20 and 39 years old in the period of April to May, 2004. The frequency of female sexual dysfunctions and association with biological, demographic and reproductive characteristics of the women, including contraceptives used, was determined.

RESULTS: prevalence of at least some type of sexual dysfunction was of 36%. Orgasm dysfunction occurred in 18% of the respondents and dyspareunia appeared in 13% of the women during the month prior to the study. Sexual appetite dysfunction was reported by 11% of the women, 8% had excitation dysfunction and only 1% reported vaginismus. A positive, statistically significant association of female sexual dysfunction and the first sexual intercourse, before 20 years old, frequency of only one sexual intercourse per week or less, and breastfeeding.

CONCLUSIONS: the findings suggest that different preventive measures could stop the occurrence of female sexual dysfunctions in a specific group of patients: improving education, facilitating the access to information and counseling, encouraging health preventive policies and finally investments in ongoing medical training and education.

Key words: Dispareunia, Female sexual dysfunction, Desire, Orgasm, Dyspareunia

Introdução

A sexualidade é capaz de influenciar a saúde física e mental e pode ser afetada por fatores orgânicos, emocionais e sociais.1 O transtorno de qualquer uma das fases da resposta sexual (desejo, excitação, orgasmo e resolução) pode acarretar o surgimento de disfunções sexuais.2 Na mulher a disfunção sexual também pode se manifestar por vaginismo e dispareunia, resultando em angústias pessoais e dificultando tanto as relações interpessoais quanto a qualidade de vida.3

Uma extensa revisão sistemática em 2004, sobre disfunções sexuais femininas, constatou uma prevalência de 64% de mulheres com disfunção do desejo, 35% com disfunção de orgasmo, 31% de excitação e 26% de dispareunia.4 No Brasil, Abdo et al.,5 avaliando 1219 mulheres, observaram que 49% tinham pelo menos uma disfunção sexual, sendo 26,7% disfunção do desejo, 23% dispareunia e 21% disfunção do orgasmo.

Falta de conhecimento sobre a própria sexualidade, desinformação sobre a fisiologia da resposta sexual, problemas de ordem pessoal e sobretudo conflitos conjugais são capazes de desencadear sérios problemas emocionais nas mulheres e consequentemente alterar a sua resposta sexual.6

Alterações vasculares, que ocasionam diminuição no fluxo sanguíneo da vagina e do clitóris, provocam enrijecimento e esclerose de suas artérias cavernosas interferindo na resposta de relaxamento e dilatação que ocorre frente a um estímulo sexual. Essas alterações do fluxo sangüíneo produzem sintomas de secura vaginal e dispareunia.7 Qualquer alteração no tônus dos músculos que formam o assoalho pélvico, em especial o músculo elevador do ânus e os músculos perineais pode determinar o surgimento de vaginismo ou anorgasmia coital.8

Condições que determinam hipoestrogenismo, tais como, disfunção no eixo hipotálamo-hipófise, castrações cirúrgicas ou medicamentosas são igualmente capazes de gerar disfunções sexuais.2 As queixas sexuais mais comuns associadas à deficiência de estrogênio ou testosterona são o ressecamento vaginal, diminuição do desejo e disfunção da excitação.9

Diferentes medicações podem interferir de forma negativa na resposta sexual. Mulheres usuárias de agentes anti-hipertensivos, inibidores seletivos da recaptação de serotonina e drogas quimioterápicas, freqüentemente relatam diminuição do desejo sexual, da excitação e dificuldade em atingir o orgasmo.7

Condições uroginecológicas como: incontinência urinária, cistites, infecções urinárias, vulvovaginites, e cirurgias ginecológicas também podem comprometer física e psicologicamente os símbolos de feminilidade podendo resultar em disfunção sexual.6

O diagnóstico de disfunção sexual, de acordo com a 4a edição do American Psychiatric Association (DSMI-IV),10 baseia-se em três critérios: a) manifestações psicofisiológicas, isto é, falta de orgasmo, falta de desejo sexual, dor durante a relação sexual e outros transtornos sexuais não especificados; b) acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal; c) quando a perturbação não é melhor explicada por outro transtorno do Eixo I (que são os transtornos mentais propriamente ditos como neuroses e psicoses) nem se deve exclusivamente a efeitos fisiológicos diretos de drogas de abuso, medicamentos ou uma condição médica geral.

A maioria dos trabalhos sobre prevalência das disfunções sexuais femininas11-13 tem estudado apenas os critérios a e c, omitindo o critério b. Em relação à ausência do critério b do DSM IV, Lauman et al.11 afirmam não haver instrumentos internacionalmente validados para aferição das questões subjetivas pertencentes ao mesmo, o que causa dificuldade na quantificação e registro objetivo dos dados

Apesar de abundante literatura sobre a prevalência das disfunções sexuais femininas4 estudos utilizando critérios metodológicos explícitos e definições diagnósticas precisas das disfunções sexuais femininas, conforme os critérios diagnósticos do DSMI IV, ainda são escassos.10-12

Desse modo, o presente estudo teve por objetivo determinar a prevalência das disfunções sexuais femininas baseado nos critérios a e c do DSM IV em mulheres atendidas em um Ambulatório de Planejamento Familiar, sua associação com as variáveis biológicas, demográficas e reprodutivas, assim como com os métodos contraceptivos utilizados pelas mesmas.

Métodos

Realizou-se um estudo descritivo, tipo corte transversal nos meses de abril e maio de 2004, no qual foram incluídas as mulheres sexualmente ativas com idade entre 20 e 39 anos, atendidas no Ambulatório de Planejamento Familiar do Centro de Atenção à Mulher (CAM) do Instituto Materno Infantil Prof. Fernando Figueira (IMIP) em Recife, Pernambuco, Brasil, e que estavam fazendo uso de método contraceptivo há pelo menos quatro meses no momento da entrevista. Foram excluídas mulheres portadoras de doenças ginecológicas, e malformações genitais e usuárias de outra medicação que não o anticoncepcional hormonal.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Instituição. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido as mulheres foram entrevistadas utilizando um questionário baseado em um modelo internacionalmente validado, o Inventário Breve sobre o Funcionamento Sexual Feminino (Brief Index of Sexual Functioning for Women),14 com perguntas fechadas, pré-codificadas. Foram estudadas variáveis biológicas, demográficas e reprodutivas e suas associações com as disfunções sexuais.

O tamanho da amostra foi calculado com base em uma prevalência de disfunção sexual de 38%,15 admitindo-se um erro de 5% e um nível de confiança de 95%. Deste modo foi necessário 90 mulheres e considerando as eventuais perdas e diferentes prevalências de disfunções sexuais femininas em nossa população, a amostra foi ampliada para 100 mulheres. Todas as mulheres atendidas no Ambulatório de Planejamento Familiar nos meses de abril e maio de 2004 foram convidadas a participar do estudo por ordem de chegada ao serviço não tendo havido nenhuma recusa. A entrevista foi realizada previamente à consulta, em sala fechada situada no ambulatório da mulher, garantindo a confidencialidade das informações.

A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Epi-Info 6.04b. Inicialmente foram construídas tabelas de distribuição de freqüência, para descrição das características das entrevistadas, obtendo-se freqüência relativa e absoluta para as variáveis pesquisadas bem como medidas de tendência central e de dispersão para as variáveis quantitativas.

Para determinação da associação entre as disfunções sexuais e as variáveis independentes, utilizou-se o teste qui-quadrado de associação, considerando-se o nível de significância de 5%. O teste exato de Fisher foi empregado, quando uma das frequências esperadas no qui-quadrado era menor que cinco. Para determinação da força de associação entre as variáveis independentes e a variável dependente, utilizou-se a Razão de Prevalência (RP) e o Intervalo de Confiança a 95% (IC95%).

Resultados

A média de idade encontrada foi de 27,5 anos, sendo que 65% das mulheres tinham entre 20 e 29 anos. Cerca de 60% tinha oito anos ou mais de instrução e 73% eram provenientes do Recife e da Região Metropolitana. Apenas 26% referiram exercer atividade remunerada. A idade da coitarca variou entre 11 e 29 anos (média de 18,2 anos), sendo que 72% das mulheres iniciaram atividade sexual com idade menor que 20 anos. Pouco mais da metade (53%) referiu um único parceiro durante toda a vida e 18% relataram história de violência sexual. Quanto ao número de partos verificou-se que 5% eram nulíparas, 60% primíparas, 30% tinham história de dois a três partos e 5% quatro partos ou mais.

Observou-se ainda que o número de partos transpelvianos (normais) variou de zero a seis, sendo que 27% das mulheres nunca tinham tido parto normal, enquanto que 62% referiram ter tido de um a dois partos normais e 11% tiveram três ou mais partos transpelvianos. O número de operações cesarianas variou de zero a dois, sendo que 72% das mulheres nunca haviam sido submetidas à operação cesariana e 28% já haviam realizado uma a duas cesáreas. O parto a fórceps foi referido por apenas uma mulher verificando-se ainda que 22% das mulheres estavam amamentando no momento do estudo. Analisando-se as características da atividade sexual no último mês, observou-se que 64% das mulheres teve uma relação sexual por semana, enquanto 15% tiveram relação sexual duas a três vezes no mês e 6%, uma vez por dia (Tabela 1).

Das cem mulheres entrevistadas 36% referiram algum tipo de disfunção sexual. A disfunção do orgasmo foi observada em 18%, enquanto que 13% referiram dispareunia no último mês de atividade sexual. Constatou-se que 11% eram portadoras da disfunção do desejo, 8% tinham disfunção da excitação e apenas uma mulher entrevistada referiu vaginismo (Figura 1).


Analisando-se as características biológicas e demográficas não foi observada associação entre idade, procedência ou atividade remunerada e presença de disfunções sexuais (Tabela 2). Em relação à escolaridade, verificou-se uma maior prevalência de disfunções sexuais em mulheres com zero a sete anos de estudo. Quanto às características reprodutivas, observou-se que as mulheres com a idade da coitarca menor que 20 anos tiveram um risco 4,28 vezes maior de serem portadoras de alguma disfunção sexual (p = 0,001). Mulheres com história de um único parceiro sexual apresentaram um menor risco de desenvolver disfunções sexuais (RP = 0,5; p = 0,010), enquanto que a lactação esteve fortemente associada à presença de disfunções sexuais. Verificou-se que a prevalência de disfunção sexual entre as mulheres que estavam amamentando foi duas vezes maior quando comparadas àquelas que não estavam lactando. (RP = 2,0; p = 0,010). Não foi evidenciada associação entre disfunções sexuais e partos vaginais, uso de condom, dispositivo intrauterino (DIU), contracepção hormonal e violência sexual. Em relação à freqüência da relação sexual no último mês, observou-se uma maior freqüência de disfunção sexual nas mulheres que tiveram uma relação sexual por semana ou menos do que nas que tiveram maior número de relações sexuais.

Discussão

A prevalência de disfunções sexuais neste estudo foi considerada alta, pois 36% das mulheres referiram ao menos uma disfunção sexual baseada nos critérios diagnósticos do DSM IV,10 concordando com outros estudos, nos quais a prevalência de disfunção sexual variou de 25% a 63%.11,16 Isto evidencia que a sexualidade feminina possui características próprias e com prevalência diferente da masculina, que em geral são mais baixas (em torno de 10%).12,13 Essas diferenças se devem, entre outros fatores, que durante séculos a sexualidade feminina esteve predominantemente voltada para a procriação e só recentemente foi considerada como parte integrante dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher.16 Além disso, a sexualidade feminina sofre modificações ao longo das fases de vida da mulher (idade, ciclo menstrual, gravidez).4

A anorgasmia, seguida da dispareunia e da disfunção do desejo foram as disfunções mais freqüentes, diferentemente da excitação e vaginismo que foram menos referidas. Os achados do presente estudo são semelhantes aos encontrados pela maioria dos estudos sobre disfunção sexual feminina,11,17 embora pesquisa realizada recentemente por Abdo et al.5 na cidade de São Paulo, tenha observado uma ordem de freqüência diferente, onde a disfunção do desejo foi a mais encontrada (26,7%), seguida da dispareunia (23%) e anorgasmia (21%), sugerindo que atualmente esteja havendo uma modificação no padrão da freqüência das disfunções sexuais.

Shokrollahi et al.,15 analisando as respostas de 300 questionários sobre o comportamento sexual, o conhecimento e a atitude em relação à sexualidade de mulheres iranianas, observaram que 38% das mulheres entre 16 e 53 anos relataram pelo menos uma disfunção sexual. Verificaram que a disfunção do orgasmo ocorreu em 26% das mulheres, a do desejo em 15% e a da excitação em mais 15%. Cerca de 8% apresentaram vaginismo e 10% dispareunia. Estes resultados são concordantes com os encontrados no presente estudo no que se refere à presença de pelo menos uma disfunção sexual em mais de 1/3 da população estudada e na ocorrência da disfunção do orgasmo como a mais freqüente.

Embora tenha se verificado nos últimos dez anos um crescente aumento de estudos epidemiológicos sobre as disfunções sexuais femininas, parece não ter havido avanços na abordagem empregada para avaliar o problema,4,17,18 dificultando a comparabilidade dos resultados. Vale ressaltar que apenas 16% dos estudos que avaliaram as disfunções sexuais femininas foram baseados nos critérios diagnósticos do DSM IV10 e mais de um terço dos trabalhos não mencionou sequer definições diagnósticas claras das diferentes disfunções sexuais.19

Assim, não são baseados num sistema de classificação comum que possibilite comparações entre os resultados encontrados nos diversos estudos.17 Abdo et al.5 enfatizam que essas variações na prevalência das disfunções sexuais femininas se devem também a: características da amostra (mulheres da comunidade ou mulheres que freqüentam serviços de sexualidade), tamanho da amostra e instrumento de coleta usado no estudo. Portanto, as grandes variações e discrepâncias na prevalência das disfunções sexuais femininas nos diferentes estudos podem dever-se à falta de utilização de critérios diagnósticos explícitos.

Em uma metanálise que reuniu 52 estudos publicados de 1990 a 2000, Simons e Carey19 destacaram a importância da presença dos três critérios de diagnóstico das disfunções sexuais femininas, baseados no DSM IV10 como um dos principais fundamentos metodológicos na avaliação dessas disfunções. Consideram esses autores que o critério a tem sido adotado na maioria das investigações, porém os critérios b e c vêm sendo constantemente omitidos.

Os dados da presente pesquisa revelaram apenas 11% de mulheres portadoras de disfunção do desejo enquanto um grande inquérito populacional realizado nos Estados Unidos11 tenha identificado 33,4% de pacientes com disfunção do desejo e Abdo et al.5 tenham relatado 26,7% de prevalência de desejo sexual hipoativo. Essa discrepância entre as diferentes incidências pode ser atribuída a algumas características da amostra: ausência de mulheres mais velhas (a média de idade das mulheres foi de 27,5 anos), assim como a exclusão de mulheres com doenças crônicas e usuárias de medicações ou drogas, visto que tais condições estão fortemente associadas à disfunção do desejo.5 Simons e Carey19 referem estudos que encontraram uma associação positiva entre disfunção do desejo e sintomas depressivos, HIV/AIDS e pós-menopausa.

Apesar de vários estudos5,11,20,21 verificarem uma associação diretamente proporcional entre a idade e a presença de pelo menos uma disfunção sexual, não foi encontrada no presente estudo associação positiva entre essas variáveis. Isto poderia ser explicado pela composição etária da população estudada, composta principalmente por mulheres com idade inferior a 30 anos.

Em relação à escolaridade e renda não foi observado associação com disfunção sexual. Nazareth et al.12 e Kadrik et al.22 têm evidenciado uma associação inversa entre a atividade remunerada e a ocorrência de disfunção sexual. Outros autores5,17,20 referiram uma associação positiva entre baixa escolaridade e a presença de disfunção sexual.

A maior freqüência de disfunções sexuais em mulheres que estavam amamentando poderia ser explicada pela ação inibidora da prolactina sobre a testosterona e consequentemente os estrógenos, visto que tanto a testosterona como a dehidrotestosterona são fortes precursores do estrogênio.23 De fato, o grupo de mulheres que estava amamentando apresentou duas vezes mais chance de ter alguma disfunção sexual em comparação com as mulheres não lactantes.

A associação entre a freqüência de coito e disfunções sexuais femininas foi observada nas mulheres sexualmente ativas no último mês que antecedeu ao estudo. Corroborando os achados de Nazareth et al.,12 a pesquisa verificou uma maior prevalência de disfunções sexuais nas mulheres que referiram uma relação sexual por semana ou menos. Em São Paulo, Abdo et al.5 observaram uma prevalência de disfunção sexual de 69% entre as mulheres sexualmente inativas. Segundo esses mesmos autores, as mulheres sexualmente inativas excluídas da maioria dos estudos de prevalência devem estar evitando a relação sexual por presença de alguma disfunção sexual. Desse modo, a inclusão de mulheres inativas seria capaz de determinar taxas de prevalência superiores às taxas encontradas.

À semelhança dos resultados encontrados por Martin-Loeches et al.,23 não foi encontrada associação entre o uso de métodos contraceptivos e disfunções sexuais. Embora saiba-se que contraceptivos hormonais, cuja composição contenha ciproterona, que possui ação antiandrogênica, possam causar diminuição do desejo sexual.24

A falta de associação entre o número de partos e a presença de disfunções sexuais femininas observadas no estudo encontra respaldo nos trabalhos de Jameison e Steege25 que também não verificaram relação entre paridade e o desenvolvimento de disfunções sexuais.

Embora a violência sexual tenha sido relatada por 18 mulheres deste estudo, não foi evidenciada associação entre este relato e disfunções sexuais, o que discorda de um estudo sobre prevalência das disfunções sexuais em ambos os sexos realizado por Rosen26 que mostrou uma significativa associação entre coerção sexual e ocorrência de disfunções sexuais. Esta discordância pode ter sido decorrente da falta de padronização da definição de violência nos dois estudos, sendo necessária a especificação de suas diferentes manifestações (forma e natureza) e populações vitimadas, para uma melhor avaliação.27

Apesar das limitações metodológicas pertinentes ao desenho do presente estudo, é necessário enfatizar a sua importância, em virtude da escassez de dados na literatura brasileira avaliando a prevalência das disfunções sexuais femininas, em particular sua relação com diversos fatores de risco na Região Nordeste do Brasil. As taxas de prevalência das disfunções sexuais femininas encontradas nesta pesquisa e sua associação com algumas variáveis epidemiológicas, demográficas e reprodutivas dão suporte à realização de um diagnóstico situacional da sexualidade feminina em uma população usuária de métodos contraceptivos, possibilitando a implementação de medidas estratégicas de intervenção para o problema.

A partir destes resultados, é possível concluir que vários fatores concorrem para a crescente relevância de estudos sobre os transtornos da sexualidade feminina: mudanças nas expectativas sexuais das próprias mulheres, maior liberação sexual feminina atestada nos dias atuais e informações constantemente veiculadas pela mídia sobre o tema. Progressivos avanços na indústria farmacêutica, crescente sensibilidade de profissionais de saúde quanto à sexualidade feminina e, sobretudo, a alta prevalência das disfunções sexuais femininas também são fatores que relevam a importância do tema.

Recebido em 9 de novembro de 2006

Versão final apresentada em 23 de fevereiro de 2007

Aprovado em 10 de março de 2007

  • 1
    OMS (Organização Mundial de Saúde). Instruccion y asistencia en cuestiones de sexualidade humana: formacion de profisionales de la Salud. Genebra; 1975.
  • 2. Clayton A. Sexual function and dysfunction in women. Psych Clin of North Am. 2003; 26: 202-19.
  • 3. Munarriz R, Noel K, Goldstein I, Traish AM. Biology of female sexual function. Urol Clin North Am. 2003; 29: 685-93.
  • 4. West SL, Vinikoor LC, Zolnoum. A systematic review of the literature on female sexual dysfunction prerevalence and predictors. Annu Rev Sex Res. 2004; 15: 40-172.
  • 5. Abdo CH, Oliveira WM, Moreira ED, Fittipaldi JAS. Prevalence of sexual dysfunction and correlated conditions in a sample of brazilian women: results of the Brazilian study on sexual behavior (BSSB). Int J Impot Res. 2004; 16: 160-6.
  • 6. Phillips NA. Female sexual dysfunction: evaluation and treatment. Am Fam Phys. 2000; 62: 127-36, 141-2.
  • 7. Berman RJ, Goldstein I. Female sexual dysfunction. Urol Clin North Am. 2001; 28: 405-16.
  • 8. Geiss IM, Umek WH, Dungl A. Prevalence of female sexual dysfunction in gynecologic and urogynecologic patients according to the international consensus classification. Urology. 2003; 62: 514-8.
  • 9. Min K, Munarriz R, Berman J, Kim NN, Goldstein I, Traish AM, Stankovic MR. Hemodynamic evaluation of the female sexual arousal response in an animal model. J Sex Marital Ther. 2001; 27: 557-65.
  • 10
    American Psychiatric Association. DSM IV Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 4. ed. Rio de Janeiro: ArtMed; 1994.
  • 11. Lauman EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and predictors. JAMA. 1999; 281: 537-44.
  • 12. Nazareth I, Boyton P, King M. Problems with sexual function in people attending London general practioners: cross sectional study. BMJ. 2003; 37: 423-9.
  • 13. Mercer CH, Fenton KA, Johnson AM, Wellings K, Macdowall W, Mc Manus S, Nauchahal K, Erens, B. Sexual function problems and help seeking behavior: results from a British probability sample survey. BMJ. 2003; 327: 426-7.
  • 14. Taylor JF, Rosen RC, Leiblum SR, Bachmann GA. Prevalence of sexual dysfunction in women: results of a survey study of 329 women in outpatient gynecological clinic. J Sex Marital Ther. 1994; 19: 171- 88.
  • 15. Shokrollahi P, Mirmohamadi M, Mehrabi F, Babaei G. Prevalence of sexual dysfunction in women seeking services at family planning centers in Theran. J Sex Marital Ther. 1999; 25: 211-5.
  • 16. Faundes A. Gênero, poder e direitos sexuais e reprodutivos. Femina. 1996; 24: 661-70.
  • 17. Spector IP, Carey MP. Incidence and prevalence of sexual dysfunctions. A critical review of the empirical literature. Arch Sex Behavior. 1999; 19: 389-408.
  • 18. Hayes RD, Bennett CM, Fairley CK, Dennerstein L. What can prevalence studies tell us about female sexual difficlty and dysfunction? J Sex Med. 2006; 3: 589-95.
  • 19. Simons JS, Carey MP. Prevalence of sexual dysfunction: results from a decade of research. Arch Sex Behav. 2001; 30: 177-219.
  • 20. Fugl-Meyer AR, Sjogren-Meyer K. Sexual disabilities, problems and satisfaction in 18-74 year old swedes. Scand J Sexol. 1999; 3: 79-105.
  • 21. Davis SR. Androgens and female sexuality. J Gend Specif Med. 2000; 3: 36-40.
  • 22. Kadrik N, MchichI KH, Mchakra S. Sexual dysfunction in women: population based epidemiological study. Arch Women Ment Health. 2002; 5: 59-63.
  • 23. Martin-Loeches M, Orti RM, Morfort M, Ortega E, Rius J. A comparative analysis of the modification of sexual desire of users of oral hormonal contraceptives and intrauterine contraceptive devices. Eur J Contracept Reprod Health Care. 2003; 8: 129-34.
  • 24. Kaplan HS. O desejo sexual. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1983.
  • 25. Jameison DJ, Steege JF. The prevalence of dysmenonhea, dyspareunnia, pelvic pain and irritable bowel syndrome in primary care practices. Obstet Gynecol. 1996; 70: 55-8.
  • 26. Rosen R.C. Prevalence and risk factors of sexual dysfunction in men and women. Curr Psychiatry Rep. 2000; 2: 189-95.
  • 27. OMS (Organizacion Mundial de la Salud). Informe mundial sobre la violência y la salud. Wasghington, DC; 2002.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Abr 2007

Histórico

  • Aceito
    10 Mar 2007
  • Revisado
    23 Fev 2007
  • Recebido
    09 Set 2006
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br