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Crescimento somático de crianças e adolescentes brasileiros

Body growth in Brazilian children and adolescents

Resumos

OBJETIVOS: apresentar o perfil de desenvolvimento somático de crianças e adolescentes brasileiros de 7 a 17 anos; propor normas de avaliação para o crescimento e comparar o comportamento das curvas de estatura e massa corporal dessas crianças e adolescentes com as curvas da referência internacional.. MÉTODOS: amostra composta por 55679 escolares de 72 municípios brasileiros. Foram consideradas as medidas de estatura e massa corporal. Para as análises descritivas, foram consideradas as escalas percentílicas (percentis 10, 50 e 90) dos padrões de crescimento das crianças e jovens brasileiros e da referência internacional (National Center for Health Statistics - Center for Disease Control and Prevention, 2000). RESULTADOS: a estatura dos meninos tende a desacelerar o crescimento por volta dos 16 anos de idade, apresentando valores superiores em relação ao padrão internacional até essa idade. Nas meninas, tende a desacelerar o crescimento por volta dos 13 anos de idade, assim como ocorre com as americanas. Na massa corporal observou-se variabilidade no desenvolvimento entre as diferentes curvas percentílicas e em relação ao padrão internacional para os dois sexos. CONCLUSÕES: os resultados reforçam a necessidade de considerar normas nacionais para avaliação do crescimento somático de crianças e adolescentes brasileiros.

Crescimento; Criança; Adolescente


OBJECTIVES: to present the profile of body development in Brazilian children and adolescents aged between 7 and 17 years old; to propose a growth norms evaluation for 7 to 17 year-old Brazilian children and adolescents; and to compare the Brazilian 7 to 17 year-old population's stature and body mass profile with the international benchmark. METHODS: the sample comprised 55,679 schoolchildren from 72 Brazilian cities. Height and weight measurements were taken into consideration. For the purpose of analysis, percentile scales (the 10th, 50th and 90th percentiles) for growth of Brazilian children and adolescents and for the international growth standard (National Center for Health Statistics - Center for Disease Control and Prevention, 2000) were considered. RESULTS: the boys' height tends to decelerate growth by 16 years of age, displaying values higher than the international standard up to this age. In girls, growth tends to decelerate by 13 years old, as in US girls. The weight showed variability in the profile of development across the different percentile curves and in relation to the international standard for both sexes. CONCLUSIONS: the results strengthen the argument that there is a need to consider adopting national norms for evaluation of body growth in Brazilian children and adolescents.

Growth; Children; Adolescent


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Crescimento somático de crianças e adolescentes brasileiros

Body growth in Brazilian children and adolescents

Gabriel Gustavo BergmannI; Daniel Carlos GarlippI; Gustavo Marçal Gonçalves da SilvaI; Adroaldo GayaII

ILaboratório de Pesquisa do Exercício. Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Rua Felizardo, 750, Sala 201. Porto Alegre, RS, Brasil. CEP 90.600-200. E-mail: gabrielgbergmann@gmail.com

IIEscola Superior de Educação Física. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: apresentar o perfil de desenvolvimento somático de crianças e adolescentes brasileiros de 7 a 17 anos; propor normas de avaliação para o crescimento e comparar o comportamento das curvas de estatura e massa corporal dessas crianças e adolescentes com as curvas da referência internacional..

MÉTODOS: amostra composta por 55679 escolares de 72 municípios brasileiros. Foram consideradas as medidas de estatura e massa corporal. Para as análises descritivas, foram consideradas as escalas percentílicas (percentis 10, 50 e 90) dos padrões de crescimento das crianças e jovens brasileiros e da referência internacional (National Center for Health Statistics - Center for Disease Control and Prevention, 2000).

RESULTADOS: a estatura dos meninos tende a desacelerar o crescimento por volta dos 16 anos de idade, apresentando valores superiores em relação ao padrão internacional até essa idade. Nas meninas, tende a desacelerar o crescimento por volta dos 13 anos de idade, assim como ocorre com as americanas. Na massa corporal observou-se variabilidade no desenvolvimento entre as diferentes curvas percentílicas e em relação ao padrão internacional para os dois sexos.

CONCLUSÕES: os resultados reforçam a necessidade de considerar normas nacionais para avaliação do crescimento somático de crianças e adolescentes brasileiros.

Palavras-chave: Crescimento, Criança, Adolescente

ABSTRACT

OBJECTIVES: to present the profile of body development in Brazilian children and adolescents aged between 7 and 17 years old; to propose a growth norms evaluation for 7 to 17 year-old Brazilian children and adolescents; and to compare the Brazilian 7 to 17 year-old population's stature and body mass profile with the international benchmark.

METHODS: the sample comprised 55,679 schoolchildren from 72 Brazilian cities. Height and weight measurements were taken into consideration. For the purpose of analysis, percentile scales (the 10th, 50th and 90th percentiles) for growth of Brazilian children and adolescents and for the international growth standard (National Center for Health Statistics - Center for Disease Control and Prevention, 2000) were considered.

RESULTS: the boys' height tends to decelerate growth by 16 years of age, displaying values higher than the international standard up to this age. In girls, growth tends to decelerate by 13 years old, as in US girls. The weight showed variability in the profile of development across the different percentile curves and in relation to the international standard for both sexes.

CONCLUSIONS: the results strengthen the argument that there is a need to consider adopting national norms for evaluation of body growth in Brazilian children and adolescents.

Key words: Growth, Children, Adolescent

Introdução

Estudos sobre o crescimento de crianças e adolescentes têm sido desenvolvidos em vários países ao longo dos anos. Um dos mais importantes foi realizado nos Estados Unidos da América pelo National Center for Health Statistics (NCHS).1 No Brasil, um estudo de grande projeção nacional foi desenvolvido no município de Santo André, pertencente à área metropolitana da Grande São Paulo.2 Outro importante estudo referente ao crescimento de crianças e adolescentes brasileiros foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAM),3 onde indivíduos de todo o país foram incluídos na amostra e uma série de estudos foi desenvolvida com este banco de dados.4-7

A relevância desses trabalhos está no fato de que o crescimento, principalmente nos países em desenvolvimento, configura-se como um importante meio para a avaliação das condições de saúde de crianças e jovens, tendo em vista que constitui um dos indicadores de qualidade de vida de um país. Além disso, o acompanhamento do crescimento durante a infância e adolescência possibilita a comparação dos índices individuais com os valores apresentados pelo grupo ou com referências pré-estabelecidas, possibilitando assim o diagnóstico precoce de possíveis problemas de subnutrição ou de sobrepeso e obesidade.

Historicamente, profissionais da área da saúde têm utilizado a estatura e a massa corporal como medidas para avaliar as alterações no crescimento. Essas medidas antropométricas, em nível individual, podem ser usadas para obter informações sobre o comprometimento da saúde ou o bem-estar nutricional. Já em nível populacional, podem ser usadas para obter informações sobre o estado nutricional de um país, de uma região, comunidade ou grupo socioeconômico, e para estudar os determinantes e consequências da má nutrição. No Brasil, estas análises têm sido realizadas, tradicionalmente, utilizando referenciais internacionais, mesmo com referências sugeridas a partir de dados de crianças jovens do próprio Brasil.2,3 A referência internacional mais utilizada para avaliar o crescimento de crianças e jovens, e recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é baseada em dados de estatura e massa corporal do NCHS,1 revistas e divulgadas pelo Center for Disease Control (CDC/NCHS).8

Neste sentido, o presente estudo tem como objetivos: a) descrever o desenvolvimento somático de crianças e adolescentes brasileiros; b) propor normas de referência nacionais de estatura e massa corporal para a avaliação do crescimento e c) comparar o comportamento das curvas de estatura e massa corporal da população brasileira de 7 a 17 anos com as curvas da referência internacional CDC/NCHS (2000).8

Métodos

O presente estudo descritivo corresponde ao relatório parcial dos dados coletados pelo Projeto Esporte Brasil (PROESP-BR), no período de 2004 e 2005, em todas as regiões do país, abrangendo 72 municípios (incluindo todas as capitais estaduais), os 27 Estados e o Distrito Federal. O Projeto Esporte Brasil se constitui num programa de abrangência nacional que se desenvolve no âmbito da educação física e esporte escolar, e tem por objetivo monitorar os indicadores de crescimento, estado nutricional e de aptidão física de crianças e jovens brasileiros. Este projeto é coordenado pelo Centro de Excelência Esportiva (CENESP) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), executado pela Rede de Centros de Excelência Esportiva (Rede CENESP) da Secretaria Nacional de Esporte de Alto Rendimento do Ministério do Esporte e por secretarias estaduais e municipais de esporte e de educação.9

Os dados utilizados para a elaboração deste estudo foram captados a partir dos seguintes procedimentos: 1) Houve o convite do Ministro de Estado do Esporte aos secretários estaduais e municipais de esporte e educação para que o PROESP-BR fosse aplicado em todos os estados e em diferentes cidades, onde através de documento escrito o PROESP-BR e suas formas de ação foi apresentadas; 2) Foi realizado em Brasília um curso de treinamento para avaliadores de todos os Estados e do Distrito Federal. Os avaliadores foram indicados pelas secretarias estaduais e municipais de esporte e educação.

O treinamento foi realizado por membros pesquisadores do PROESP-BR; 3) foi criado um site com todas as informações sobre os procedimentos de avaliação (www.proesp.ufrgs.br); 4) a partir das secretarias estaduais e municipais de esporte e educação foram encaminhados convites para participação das escolas da rede pública e privada; 5) realizou-se no dia 5 de setembro de 2004 em todas as capitais brasileiras o Dia Nacional de Avaliação. A participação das escolas foi voluntária, sendo incentivada pelos avaliadores indicados pelas secretarias de esporte e educação; 6) após o dia 5 de setembro as equipes de avaliadores, previamente treinadas, concentraram-se em visitas as escolas (urbanas e rurais) conforme cronograma anteriormente estabelecido pelos coordenadores regionais. As escolas que tiveram escolares avaliados foram aquelas que voluntariamente se prontificaram a participar após o convite feito pelas secretarias de esporte e educação. Portanto, a avaliação prosseguiu nas escolas brasileiras até outubro do ano de 2005; 7) Todos os dados foram digitados pelos avaliadores treinados no software PROESP-BR e enviados pelo site PROESP-BR para o Centro de Processamento de Dados da UFRGS, onde se localiza o Banco de Dados PROESP-BR. Os dados de todos os indivíduos eram processados e, caso fosse solicitado pelo avaliador que digitou os dados, um relatório individual era gerado, podendo ser impresso ou arquivado. Além disto, os dados podem ser acessados a qualquer momento pelos avaliadores cadastrados que os digitaram.

Como fruto deste processo, foi gerada uma amostra não aleatória de 55.679 escolares de 7 a 17 anos de 72 municípios brasileiros (incluindo todas as capitais estaduais e Distrito Federal), abrangendo as cinco regiões do país (Tabela 1). Foram consideradas as medidas de estatura e massa corporal. A estatura foi medida utilizando uma fita métrica ou estadiômetro (±0.1mm). Para a medida da massa corporal, foram utilizadas balanças com aproximação em 500 g. Os sujeitos foram medidos descalços e vestindo apenas roupas leves. Com relação ao tratamento dos dados, foram verificadas a possível ocorrência de erros de digitação e de casos outliers. Para as análises descritivas, foram identificados os valores de distribuição dos percentis 10, 50 e 90 das duas variáveis. A comparação das distribuições (P10, P50 e P90) de estatura e massa corporal da população brasileira foi feita com os valores das distribuições da população americana.8 O programa estatístico SPSS for Windows versão 13.0 foi utilizado em todas as análises estatísticas e na geração dos gráficos. O PROESP-BR foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul na reunião número 11, ata número 91 de 09/08/2007. Considerando que o projeto de pesquisa PROESP-BR é realizado com dados provenientes de uma base de dados já previamente constituída, a aprovação pelo Comitê de ética da UFRGS fundamentou-se na Resolução Normativa 01/07, que trata da Utilização de dados provenientes de prontuários e de bases de dados em projetos de pesquisa.

Resultados

A distribuição dos valores de estatura e massa corporal da população brasileira de 7 a 17 anos de idade obtidos pelo PROESP-BR está apresentada na Tabela 2. Os valores apresentados correspondem às sugestões de normas para a avaliação da estatura e da massa corporal das crianças e adolescentes de 7 a 17 anos do Brasil.

Ao analisar os valores, pode-se notar que a estatura dos meninos é crescente até cerca dos 16 anos, quando tende a diminuir o ritmo de ganho no percentil 10 (P10), e estabiliza os valores nos percentis 50 e 90 (P50 e P90). Observa-se que os valores de estatura das meninas apresentam um padrão muito semelhante ao dos meninos. Valores crescentes até cerca dos 16 anos, com redução no ritmo de ganho em estatura no P10 e estabilização nos valores de P50 e P90. Porém, diferentemente dos meninos que apresentam aumentos variando entre 3,5 e 6 cm de estatura de idade para idade até os 16 anos, as meninas diminuem seu ritmo de ganho em estatura precocemente. Até cerca dos 14 anos as meninas aumentam entre 3 e 5 cm de estatura de idade para idade. A partir daí este ritmo diminui para cerca de 1 cm de acordo com o avançar da idade até os 16 anos, quando os valores praticamente estabilizam.

Ao analisar os valores de massa corporal, nota-se que são crescentes ao longo de todas as idades para os dois sexos, diferentemente do ocorrido na estatura, onde os valores estabilizaram aos 16 anos. Esses resultados indicam que, de um modo geral, os jovens brasileiros continuam aumentando seus valores de massa corporal após encerrar os ganhos em estatura. No que se refere à comparação entre os valores da distribuição da estatura e massa corporal da população brasileira em relação à referência internacional, as Figuras 1-4 apresentam o perfil de desenvolvimento de meninos e meninas brasileiros e da referência internacional. Ao analisar a Figura 1, observa-se que em relação à referência internacional, os meninos brasileiros tendem a apresentar valores de estatura superiores. Este comportamento é observado tanto nos valores intermediários (P50), quanto nos valores extremos (P10 e P90).





Considerando as curvas do P10 para americanos e brasileiros, observa-se que os meninos brasileiros mais baixos apresentam valores superiores de estatura em relação aos americanos até os 13 anos de idade. Nos valores intermediários (P50) e superiores (P90), o comportamento é semelhante, porém, os brasileiros continuam apresentando valores superiores até os 15 anos de idade. Ao que parece, os brasileiros desaceleram o seu desenvolvimento a partir dos 16 anos de idade, praticamente estabilizando a estatura, enquanto os americanos tendem a manterem-se em crescimento.

Ao analisar o desenvolvimento da estatura das meninas brasileiras em relação à referência internacional (Figura 2), observamos um comportamento semelhante ao do sexo masculino. Até os 12/13 anos de idade, as meninas brasileiras apresentam valores superiores de estatura em relação às meninas americanas. A partir dos 13 anos, tanto as meninas brasileiras quanto as americanas tendem a desace-lerar o desenvolvimento nessa variável, apresentando valores e curvas muito semelhantes. Esse comportamento é observado tanto nos valores extremos (P10 e P90) quanto nos valores medianos (P50).

Em relação ao perfil de desenvolvimento da massa corporal de crianças e jovens brasileiros, observa-se certa variabilidade nesse aspecto em relação aos meninos brasileiros (Figura 3). Nota-se um desenho de desenvolvimento diferente entre os percentis e entre os seus respectivos pares americanos. Analisando o P90, observa-se que, até os 14 anos de idade, os meninos brasileiros apresentam valores superiores de massa corporal em relação ao padrão americano. A partir dos 15 anos, os americanos superaram os brasileiros em massa corporal. Porém, tanto os americanos quanto os brasileiros apresentam ganhos de massa corporal à medida que avança a idade. Pelo desenho das curvas, esse implemento de massa corporal a cada ano tende a manterse nas idades seguintes.

Considerando as curvas medianas, observa-se que, até os nove anos de idade, os brasileiros apresentam valores superiores de massa corporal em relação aos americanos. A partir dos dez anos de idade, as curvas de desenvolvimento sobrepõem-se, apresentando um perfil de desenvolvimento muito semelhante entre brasileiros e americanos. Em relação às curvas inferiores (P10), nota-se que, aos sete e aos oito anos de idade, os meninos brasileiros apresentam valores superiores de massa corporal. Aos nove anos, os valores são semelhantes. Dos 10 aos 16 anos, os americanos apresentam valores levemente superiores em relação aos brasileiros. Aos 17 anos, o perfil volta a ser semelhante.

Ao contrário do que se observou em relação aos meninos, tanto as meninas brasileiras, quanto as americanas, passam a desacelerar o desenvolvimento da massa corporal por volta dos 16 anos de idade. Analisando as curvas de desenvolvimento da massa corporal de forma mais detalhada, nota-se que no P90 as meninas brasileiras apresentam valores superiores até os 11 anos de idade. Aos 12 anos, os valores são equivalentes. A partir dos 13 anos, o padrão americano supera a curva brasileira e mantém-se superior nas idades seguintes.

Observando a curva dos valores medianos, nota-se que o perfil do desenvolvimento de meninas brasileiras e americanas é semelhante. Porém, até os 13 anos de idade, as meninas brasileiras apresentam valores levemente superiores em relação às americanas. Aos 14 e aos 15 anos de idade os valores são semelhantes. Aos 16 anos, as brasileiras voltam a superar as americanas, mantendo-se ligeiramente superiores até os 17 anos de idade.

Assim como no P50, o desenvolvimento da massa corporal no P10é semelhante entre as meninas brasileiras e americanas. Aos 7 e 8 anos, as brasileiras são superiores. Aos 9 e aos 10 anos, as americanas apresentam valores mais altos. Dos 12 aos 14 anos, as brasileiras voltam a ser superiores. Aos 15 anos os valores se equivalem. Aos 16 anos as brasileiras superam as americanas, e aos 17 anos de idade os valores voltam a se equivalerem. É importante destacar que as diferenças entre as brasileiras e americanas no P10 descritas anteriormente são muito discretas, diferente do que ocorre dos 7 aos 10 anos no P90, onde as diferenças a favor das brasileiras se destacam.

Discussão

O presente estudo apresenta a distribuição dos valores de estatura e massa corporal da população brasileira de 7 a 17 anos de idade, sugerindo-as como normas para a avaliação dos níveis de crescimento de crianças e jovens brasileiros, e a comparação desses valores com a referência internacional (NCHS/CDC, 2000).8 A sugestão dos valores da distribuição de crescimento apresentados pelo PROESP-BR para avaliar os níveis de estatura e massa corporal de meninas e meninos brasileiros de 7 a 17 anos segue uma tendência recente que propõe que cada país avalie os níveis de crescimento de suas crianças e jovens a partir de normas feitas para própria população, pois dessa forma estaria se respeitando as características sociais e biológicas do local. Essa tem sido a proposta de alguns especialistas da área e alguns países a têm adotado.10-13

A partir dos resultados de nosso estudo, a sugestão de avaliar os níveis de crescimento de crianças e adolescentes pelas normas da própria população parece fundamental em relação à população jovem brasileira, visto que diferenças importantes aparecem no desenvolvimento tanto da estatura, quanto da massa corporal de nossos jovens, ao realizarmos uma comparação com a referência internacional. Desta forma, os valores dos percentis 10, 50 e 90 de estatura e massa corporal constituemse como a proposta para avaliação dos níveis de crescimento da população brasileira de 7 a 17 anos.

As diferenças encontradas entre os valores de distribuição da estatura e massa corporal das crianças e jovens brasileiros em relação à referência internacional devem ser compreendidas, ao menos em parte, levando-se em consideração as características e diferenças da população de cada estudo em relação a fatores genéticos e ambientais.13 Alguns autores sugerem que as diferenças genéticas entre as populações têm caráter decisivo nas comparações entre valores de crescimento.14 Por outro lado, autores como Habicht et al.15 e Hass e Camparino16 sustentam que os fatores ambientais se sobrepõem aos genéticos, apoiados pela observação de que crianças de grupos socioeconômicos privilegiados de diferentes populações apresentam menor disparidade de crescimento do que subgrupos da mesma população pertencentes a estratos socioeconômicos mais baixos.

No Brasil foram realizados estudos indicando que tanto as características genéticas quanto as características ambientais apresentam influência no crescimento de crianças e jovens. Um estudo realizado na cidade de São Paulo,17 com escolares de ascendência japonesa (três ou quatro avós nascidos no Japão), com nível socioeconômico elevado, demonstrou que esses escolares apresentam valores médios de estatura inferiores aos valores do P50 do NCHS.1 Esses resultados reforçam o posicionamento dos autores que sustentam que a estatura é influenciada principalmente por fatores hereditários. Todavia, é importante destacar que esta diferença nos valores de crescimento entre crianças e jovens de nível socioeconômico elevado de determinada população em relação à referência internacional parece persistir apenas nas populações asiáticas ou de descendência asiática.7,16 Por outro lado, Corso et al.,18 estudando escolares da cidade de Florianópolis, encontraram associação entre o nível socioeconômico e déficit estatural (estatura/idade) utilizando os valores do P50 do NCHS como referência, corroborando com estudos que demonstram que crianças em ambientes desfavoráveis apresentam crescimento inferior à referência internacional.

Contextualizando a importância dos fatores genéticos e ambientais nas diferenças encontradas entre os valores da distribuição do crescimento das crianças e jovens brasileiros em relação à referência internacional (NCHS/CDC, 2000),8 algumas considerações devem ser realizadas. A população brasileira é composta por uma variedade de influências étnicas oriundas dos índios nativos do Brasil, dos negros de diferentes países africanos, dos brancos de vários países europeus, e de asiáticos - principalmente do Japão. A partir dessa multiplicidade étnica, a população brasileira tornou-se extremamente miscigenada, o que torna difícil atribuir aos aspectos genéticos as diferenças encontradas entre os valores da distribuição do crescimento das crianças e jovens brasileiros em relação à referência internacional. Corroborando essa posição, Ulijaszek7 destaca que devido à grande miscigenação étnica ao redor de todo o mundo, as diferenças encontradas em estudos que comparam o crescimento de crianças e jovens entre diferentes países ou com a referência internacional devem ser atribuídas mais aos fatores ambientais do que aos fatores genéticos, uma vez que se torna complexo caracterizar geneticamente uma amostra de um levantamento populacional.

Atribuir as diferenças encontradas entre os valores da distribuição de crescimento das crianças e jovens brasileiros em relação à referência internacional aos fatores ambientais também parece não ter uma justificativa suficientemente consistente. Essa afirmação parte do fato de que a referência internacional foi feita a partir de indivíduos saudáveis e criados em ambiente propício para o alcance de seus potenciais máximos de crescimento,13,16 e a população do presente estudo não apresenta uma caracterização ou estratificação socioeconômica, o que pode inclusive ser considerado como uma limitação do estudo.

Considerando que o Brasil é um país de desigualdades sociais, e que a amostra deste estudo reúne crianças e jovens de escolas públicas e privadas, de zonas rurais e urbanas - podendo, dessa forma, representar a população brasileira jovem como um todo - seria de se esperar que a distribuição dos valores de crescimento das crianças e jovens brasileiros apresentasse valores inferiores à referência internacional. Essa hipótese é considerada a partir das constatações de dados coletados entre grupos de crianças de diferentes níveis socioeconômicos de países em desenvolvimento que mostraram que o crescimento é influenciado principalmente pelo nível socioeconômico e não pela classificação étnica. As distribuições de valores de massa corporal para estatura e estatura para idade para os grupos de nível socioeconômico elevado desses estudos e a referência internacional são praticamente idênticas, enquanto para os grupos de nível socioeconômico baixo ficam abaixo dos valores da referência internacional.16,19

Como as diferenças encontradas entre a distribuição dos valores de crescimento das crianças e jovens brasileiros em relação à referência internacional não apresentaram justificativas suficientemente consistentes tanto nos aspectos genéticos quanto nos aspectos ambientais, pode-se supor uma outra hipótese para tal fenômeno. Diferenças no processo de desenvolvimento maturacional de diferentes populações demonstram variabilidade no momento, duração e magnitude no estirão do crescimento adolescente.20 A distribuição dos valores de crescimento em estatura das crianças e jovens brasileiros apresenta valores superiores aos valores da referência internacional até em torno dos 14 anos nos meninos e até cerca dos 12/13 anos para as meninas. Diante disso, pode-se propor que o processo de maturação ocorra precocemente na população brasileira em relação à população de referência, explicando as diferenças entre a distribuição dos valores de crescimento.

A hipótese de a população brasileira ingressar em processo de maturação precocemente em relação à população de referência parte de evidências que o clima de uma região tem influência no processo maturacional dessa população.21 Essas evidências sugerem que a temperatura média de uma região é moderada e negativamente correlacionada (-0,50 a 0,60) com o início do processo de maturação.22 Considerando que o Brasil é um país que em quase toda sua extensão apresenta clima tropical e que o país da população que originou a referência internacional é eminentemente de clima temperado, pode-se supor que o Brasil sofre uma ação maior do clima em relação à idade de início do processo maturacional. Dessa forma, a aceleração nos ganhos de crescimento somático, característicos durante o período pubertário, aconteceria precocemente na população brasileira em relação à população de referência, o que poderia explicar a vantagem até em torno dos 14 anos para os meninos e 12/13 anos para as meninas, com posterior aproximação dos valores da referência internacional.

No entanto, é importante destacar alguns resultados de estudos que compararam indicadores de maturação em diferentes populações. Em estudo de revisão realizado por Duarte,23 os valores médios de idade nos estágios de desenvolvimento de mamas, genitais e pêlos pubianos de meninas e meninos brasileiros e americanos foram similares. Corroborando com essas informações, Parent et al.20 mostraram não haver praticamente diferenças nas idades médias nos diferentes estágios de desenvolvimento das características sexuais secundárias e do pico de velocidade em altura, em indivíduos americanos e de diferentes países da América do Sul. Todavia, é necessário salientar que os dados que deram origem à referência internacional foram coletados nas décadas de 60 e 701 e atualizados em meados da década 80,8 períodos próximos a muitas das informações dos estudos utilizados por Parent et al.20 e Duarte.23 Esta diferença temporal entre aos dados que originaram a referência internacional e os dados que originaram a distribuição de valores do crescimento do PROESP-BR podem reforçar a hipótese traçada em relação à população brasileira entrar em processo maturacional precocemente em relação à população da referência internacional.

Existem evidências de estudos seculares indicando que o início do processo maturacional esteja ocorrendo mais cedo hoje do que há vinte, trinta ou quarenta anos.21 Como as informações disponibilizadas por Duarte23 e Parent et al.20 foram confrontadas entre estudos realizados em períodos próximos, não sofreram influências temporais. No caso dos valores de crescimento apresentados pelo PROESP-BR e pela referência internacional existe uma grande diferença temporal, fato que somado às condições climáticas, pode reforçar a hipótese de a população brasileira entrar em processo maturacional precocemente em relação à população da referência internacional. Isso é fortalecido quando os resultados de Bergmann et al.24 são considerados. Nesse estudo, os autores indicam que o pico de velocidade em estatura de uma amostra do sul do Brasil ocorre cerca de um ano antes do que em estudos americanos. Porém, mesmo fundamentadas por informações de estudos científicos, as suposições apresentadas para explicar as diferenças encontradas em relação à distribuição de valores de crescimento da população brasileira e a referência internacional devem ser acompanhadas de cautela.

Agradecimentos

Os autores agradecem as relevantes contribuições do Ministério dos Esportes e do CNPq para a elaboração deste artigo em específico, e de todo PROESP-BR em geral. Além disto, os autores agradecem de forma especial a todos os professores de educação física do Brasil que receberam treinamento para realizar as avaliações da bateria de testes do PROESP-BR e que têm colaborado para o desenvolvimento deste projeto.

Recebido em 6 de outubro de 2008

Versão final apresentada em 15 de dezembro de 2008

Aprovado em 13 de fevereiro de 2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Mar 2009

Histórico

  • Aceito
    13 Fev 2009
  • Revisado
    15 Dez 2008
  • Recebido
    06 Out 2008
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