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Caracterização da qualidade de vida segundo o estado menopausal entre mulheres da Região Sul do Brasil

Characterization of the quality of life by menopausal status among women in the South region of Brazil

Resumos

OBJETIVOS: caracterizar a qualidade de vida de mulheres climatéricas residentes na Região Sul segundo o estado menopausal delas. MÉTODOS: foram entrevistadas 236 mulheres com idades entre 40 e 65 anos, durante feira de saúde realizada em cidade do Sul do Brasil, em março de 2005. Na avaliação da qualidade de vida, utilizou-se a versão brasileira do instrumento Menopause Rating Scale. RESULTADOS: das entrevistadas, 133 eram pré-menopáusicas e 103 pós-menopáusicas. As primeiras referiram sintomas climatéricos moderados e severos em 37,6% e 24,0%, respectivamente, enquanto as mulheres pós-menopáusicas, relataram sintomas moderados e severos em 36,9% e 39,4% dos casos, respectivamente. Os escores globais de qualidade de vida não mostraram diferenças entre os grupos estudados (p=0,12), ainda que o grupo pré-menopáusico tenha referido mais sintomas psicológicos (p=0,05) e o pós-menopáusico mais sintomas somato-vegetativos (p<0,01) e urogenitais (p=0,01). CONCLUSÕES: a qualidade de vida não foi influenciada pelo estado menopausal neste estudo. A maior severidade dos sintomas somato-vegetativos no grupo pós-menopáusico provavelmente se deva ao maior hipoestrogenismo nessa fase, favorecendo sintomas vasomotores e atrofia urogenital. A maior severidade dos sintomas psicológicos entre as mulheres pré-menopáusicas pode estar relacionada à maior preocupação acerca da menopausa e suas implicações para saúde.

Climatério; Menopausa; Qualidade de vida


OBJECTIVES: to characterize the quality of life of climacteric women residing in the South region by menopausal status. METHODS: two hundred and thirty-six women aged between 40 and 65 were interviewed during a health fair held in March 2005 in a city in the South of Brazil. Their quality of life was assessed using the Brazilian version of the Menopause Rating Scale. RESULTS: of those interviewed, 133 were pre-menopausal and 103 post-menopausal. Moderate and severe climacteric symptoms were reported by 37.6% and 24.0% of the former, respectively, while 36.9% and 39.4% of the post-menopausal women reported moderate and severe symptoms, respectively. There were no differences between the two groups studied in terms of overall scores on the quality of life scale (p=0.12), although the pre-menopausal group reported more psychological symptoms (p=0.05) and the post-menopausal group more somatic-vegetative (p<0.01) and urinogenital (p=0.01) symptoms. CONCLUSIONS: quality of life was not influenced by menopausal status among the women covered by this study. The greater severity of somatic-vegetative symptoms in the post-menopausal group is probably due to the greater likelihood of hypoestrogenism at this stage in life, which may lead to vasomotor symptoms and urinogenital atrophy. The greater severity of psychological symptoms among pre-menopausal women may be related to a higher level of concern regarding menopause and its possible health implications.

Climacteric; Menopause; Quality of life


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Caracterização da qualidade de vida segundo o estado menopausal entre mulheres da Região Sul do Brasil

Characterization of the quality of life by menopausal status among women in the South region of Brazil

Dino Roberto Soares De Lorenzi; Lenita Binelli Catan; Tiago Cusin; Roberto Felini; Filipe Bassani; Ana Claudia Arpini

Ambulatório Multidisciplinar de Atenção ao Climatério. Universidade de Caxias do Sul. Rua Francisco Getúlio Vargas, 1130. Caxias do Sul, RS, Brasil. CEP: 95.070-560. E-mail: dlorenzi@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: caracterizar a qualidade de vida de mulheres climatéricas residentes na Região Sul segundo o estado menopausal delas.

MÉTODOS: foram entrevistadas 236 mulheres com idades entre 40 e 65 anos, durante feira de saúde realizada em cidade do Sul do Brasil, em março de 2005. Na avaliação da qualidade de vida, utilizou-se a versão brasileira do instrumento Menopause Rating Scale.

RESULTADOS: das entrevistadas, 133 eram pré-menopáusicas e 103 pós-menopáusicas. As primeiras referiram sintomas climatéricos moderados e severos em 37,6% e 24,0%, respectivamente, enquanto as mulheres pós-menopáusicas, relataram sintomas moderados e severos em 36,9% e 39,4% dos casos, respectivamente. Os escores globais de qualidade de vida não mostraram diferenças entre os grupos estudados (p=0,12), ainda que o grupo pré-menopáusico tenha referido mais sintomas psicológicos (p=0,05) e o pós-menopáusico mais sintomas somato-vegetativos (p<0,01) e urogenitais (p=0,01).

CONCLUSÕES: a qualidade de vida não foi influenciada pelo estado menopausal neste estudo. A maior severidade dos sintomas somato-vegetativos no grupo pós-menopáusico provavelmente se deva ao maior hipoestrogenismo nessa fase, favorecendo sintomas vasomotores e atrofia urogenital. A maior severidade dos sintomas psicológicos entre as mulheres pré-menopáusicas pode estar relacionada à maior preocupação acerca da menopausa e suas implicações para saúde.

Palavras-chave: Climatério, Menopausa, Qualidade de vida

ABSTRACT

OBJECTIVES: to characterize the quality of life of climacteric women residing in the South region by menopausal status.

METHODS: two hundred and thirty-six women aged between 40 and 65 were interviewed during a health fair held in March 2005 in a city in the South of Brazil. Their quality of life was assessed using the Brazilian version of the Menopause Rating Scale.

RESULTS: of those interviewed, 133 were pre-menopausal and 103 post-menopausal. Moderate and severe climacteric symptoms were reported by 37.6% and 24.0% of the former, respectively, while 36.9% and 39.4% of the post-menopausal women reported moderate and severe symptoms, respectively. There were no differences between the two groups studied in terms of overall scores on the quality of life scale (p=0.12), although the pre-menopausal group reported more psychological symptoms (p=0.05) and the post-menopausal group more somatic-vegetative (p<0.01) and urinogenital (p=0.01) symptoms.

CONCLUSIONS: quality of life was not influenced by menopausal status among the women covered by this study. The greater severity of somatic-vegetative symptoms in the post-menopausal group is probably due to the greater likelihood of hypoestrogenism at this stage in life, which may lead to vasomotor symptoms and urinogenital atrophy. The greater severity of psychological symptoms among pre-menopausal women may be related to a higher level of concern regarding menopause and its possible health implications.

Key words: Climacteric, Menopause, Quality of life

Introdução

O climatério, período de transição entre a vida reprodutiva e a não reprodutiva da mulher, se inicia por volta dos 40 anos e estende-se até os 65 anos de idade.1-3 É um fenômeno fisiológico decorrente do esgotamento dos folículos ovarianos, caracterizando-se por um estado de hipoestrogenismo progressivo, culminando com a interrupção definitiva dos ciclos menstruais (menopausa) e surgimento de sintomas característicos.1-3

Nas últimas décadas, o Brasil tem passado por um processo acelerado de transição demográfica, resultando em um aumento do contingente populacional com mais de 60 anos. Tal situação resultou em um interesse crescente acerca das questões relacionadas ao climatério e as possíveis implicações dele para a saúde e qualidade de vida da mulher.3-5

Estima-se que a maioria das mulheres venha a referir sintomas vasomotores e relacionados à atrofia urogenital nos anos que seguem a menopausa em decorrência da queda dos níveis estrogênicos, podendo comprometer a qualidade de vida e sensação de bem-estar.4,5 No entanto, nos últimos anos, outros fatores relacionados às queixas climatéricas têm sido apontados, além do hipoestrogenismo, visto as frequentes mudanças de comportamento e a maior labilidade emocional nessa fase.5-7 Nas sociedades ocidentais, a mulher é valorizada principalmente pela sua juventude e beleza. A menopausa é percebida culturalmente como um símbolo do envelhecimento e decrepitude, cuja ocorrência pode favorecer sentimentos de desvalia e baixa auto-estima, potencializando o sofrimento trazido pelos sintomas climatéricos.5-7

Atualmente a hipótese é de que qualidade de vida no climatério seria influenciada tanto pela severidade dos sintomas decorrentes do declínio estrogênico, como por fatores psicossociais e culturais ligados ao próprio processo de envelhecimento.3-7 No Brasil, no entanto, pouco ainda se conhece acerca das implicações da menopausa na qualidade de vida da mulher, pois a maioria dos estudos disponíveis tendem a centrar-se em aspectos clínicos específicos do climatério.8

Na avaliação da qualidade de vida instrumentos genéricos e específicos estão à disposição. Os instrumentos genéricos são usados quando se pretende avaliar a qualidade de vida de indivíduos com ou sem agravos à saúde deles, ou seja, saudáveis ou não, sem focar em qualquer aspecto específico. Por sua vez, quando se deseja avaliar a qualidade de vida de indivíduos portadores de determinadas enfermidades ou que estão vivenciando situações particulares que interferem em sua saúde, opta-se pelos instrumentos específicos. No climatério, são exemplos de instrumentos específicos de avaliação da qualidade de vida o Women's Health Questionnaire (WHQ), o Menopause-Specfic Quality of Life Questionnaire (MENQOL) e o Menopause Rating Scale (MRS).7,9

O presente estudo teve como objetivo caracterizar a qualidade vida, segundo o estado menopausal, de um grupo de mulheres climatéricas da Região Sul do Brasil, considerando dimensões clínicas e psicológicas, visando uma maior compreensão dessa etapa da vida feminina.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal e descritivo, do tipo inquérito, envolvendo uma amostra de conveniência constituída de 236 mulheres com idades entre 40 e 65 anos, sendo 133 pré-menopáusicas e 103 pós-menopáusicas, todas participantes de uma feira de saúde promovida pela Universidade de Caxias do Sul no município de Bento Gonçalves, Rio Grande do Sul, Brasil, em março de 2005.

A seleção da amostra baseou-se na história menstrual no último ano e nas definições de climatério propostas pela Sociedade Internacional de Menopausa e pela Organização Mundial da Saúde. Segundo estas, o climatério compreende uma fase pré-menopausal – começa em torno dos 40 anos de idade e se estende até o início dos ciclos menstruais irregulares; em seguida, inicia-se a fase peri-menopausal, que se estende até o primeiro ano após a menopausa, podendo ser acompanhada de sintomas relacionados ao declínio estrogênico. Por fim, tem-se a fase pós-menopausal, iniciada um ano após a parada da menstruação e que se estende até os 65 anos de idade.1,2

Devido à dificuldade de precisar o estado menopausal apenas utilizando a história clínica, foram excluídas as mulheres com histerectomia prévia ou usuárias de medicação a base de estrógenos nos últimos seis meses, bem como as mulheres com ciclos irregulares ou em amenorréia há menos de um ano (peri-menopáusicas).1-5,7

A coleta de dados foi possível mediante entrevistas conduzidas por acadêmicos de Medicina treinados, em locais reservados da feira de saúde e previamente estabelecidos junto à coordenação do evento. A qualidade de vida no climatério e os sintomas climatéricos foram avaliados através da Escala de Avaliação da Menopausa (Menopause Rating Scale – MRS), instrumento validado e reconhecido para uso no Brasil e que possui 11 questões distribuídas em três domínios: sintomas somato-vegetativos, sintomas urogenitais e sintomas psicológicos. A resposta de cada questão é classificada em uma escala de severidade que varia de zero (ausência de sintoma) até quatro (sintoma muito severo).10,11

O escore total do MRS é obtido através do somatório da pontuação de cada domínio, de forma que, quanto maior a pontuação obtida, mais severa a sintomatologia e pior a qualidade de vida. A intensidade geral da sintomatologia climatérica referida pode ser ainda categorizada segundo a severidade dos sintomas climatéricos que compõem cada domínio do MRS em: sintomatologia ausente ou ocasional (0-4 pontos), leve (5-8 pontos), moderada (9-15 pontos) ou severa (> 16 pontos).10,11

Além da qualidade de vida e da sintomatologia climatérica, foram avaliadas as seguintes variáveis: idade, cor (classificada pela própria entrevistada como branca ou não branca), estado marital, história obstétrica, renda familiar (em salários mínimos per capita), escolaridade, ocupação e atividade sexual regular (pelo menos uma relação sexual por semana, no último mês), Índice de Massa Corporal (IMC) – considerou-se com sobrepeso as mulheres com um IMC entre 25 e 29 Kg/m2 e obesas as com um IMC >30 Kg/m2, história de tabagismo nos últimos seis meses, história de co-morbidades clínicas crônico-degenerativas (diabetes, doença cardiovascular, hipertensão arterial e doença reumática) e prática regular de atividade física (no mínimo 60 minutos/três vezes por semana ou 30 minutos/cinco vezes por semana).4,5,12

Os dados foram analisados por meio do programa SPSS for Windows (versão 11.0). Inicialmente, foram descritas as frequências simples, médias, desvios-padrão e medianas. Para a análise de proporções, utilizou-se o teste não paramétrico do qui-quadrado e para a comparação de medianas, o teste de Mann-Whitney. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Caxias do Sul. Todas as mulheres entrevistadas assinaram previamente um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Das 236 mulheres entrevistadas, 133 (56,0%) eram pré-menopáusicas e 103 (44,0%) pós-menopáusicas. A idade média no grupo pré-menopáusico foi de 47,9 (±4,2) anos e no grupo pós-menopáusico de 54,7 (±5,6) anos. A idade média por ocasião da menopausa foi de 48,7 anos (+/-4,3) anos.

A escolaridade e o percentual de ocupação remunerada mostraram-se significativamente maiores entre as mulheres pré-menopáusicas. A escolaridade nesse grupo foi igual ou superior a cinco anos de estudo em 84,2%, enquanto no grupo pós-menopáusico esse percentual foi de 69,9% (p<0,01). A maioria das entrevistadas, tanto pré-menopáusicas (67,7%) como pós-menopáusicas (50,5%), confirmou uma ocupação remunerada (p<0,01), não havendo diferenças significativas, no que se refere à renda familiar per capita, entre elas (Tabela 1).

Não foram identificadas diferenças significativas entre os grupos em relação ao número de filhos e ao estado marital. No entanto, aproximadamente 93,2% das mulheres pré-menopáusicas referiram pelo menos um intercurso sexual por semana no último mês em comparação com 76,7% das pós-menopáusicas (p<0,01).

A prevalência de co-morbidades clínicas foi maior no grupo pós-menopáusico (46,6%), o mesmo ocorrendo com o sobrepeso e a obesidade (52,4%). Entre as co-morbidades avaliadas, foram identificadas 56 mulheres portadoras de hipertensão arterial crônica, 12 de diabetes melito e cinco de doença reumática. Nove entrevistadas referiram ainda história prévia de neoplasias e duas de acidente vascular cerebral. A prevalência de tabagismo e a proporção de mulheres com uma atividade física regular foram similares entre os grupos estudados (Tabela 1).

Quanto à intensidade da sintomatologia climatérica, esta se revelou moderada em 37,6% e severa em 24,0% das mulheres pré-menopáusicas. Achados semelhantes foram observados no grupo pós-menopáusico, onde 36,9% e 39,4% das entrevistadas relataram sintomas climatéricos moderados e severos, respectivamente (Figura 1).


A comparação das medianas relativas aos diferentes domínios que compõem o instrumento utilizado para a avaliação da qualidade de vida (MRS) mostrou piores escores nos itens relacionados a sintomas psicológicos, entre as mulheres pré-menopáusicas (p=0,05), ao passo que, entre as mulheres pós-menopáusicas, os piores escores foram os relativos a sintomas somato-vegetativos (p<0,01) e urogenitais (p=0,01). Entretanto, a despeito dessas diferenças, a análise comparativa das medianas relativas aos escores totais da MRS não revelou variações significativas entre os grupos estudados, indicando que o estado menopausal não interferiu nos índices de qualidade de vida das mulheres (p=0,11). (Tabela 2)

Discussão

Não se verificaram diferenças significativas entre os grupos pré e pós-menopausa. A maior ocorrência de mulheres com ocupações remuneradas e sexualmente ativas no grupo pré-menopáusico era esperada, devido à menor faixa etária. Da mesma forma, a maior prevalência de co-morbidades clínicas, nos anos que se seguem menopausa, era previsível, visto estarem essas frequentemente associadas ao próprio processo de envelhecimento.7,9

O estado menopausal não se associou significativamente com os escores gerais de qualidade de vida, ainda que estes tenham mostrado um comprometimento moderado ou severo, na maioria dos casos, e variações significativas tenham sido observadas nos diferentes domínios que compõem o instrumento utilizado para a sua avaliação. Enquanto no grupo pré-menopáusico constatou-se uma maior severidade das queixas relacionadas à esfera emocional ou psicológica, entre as mulheres pós-menopáusicas, as queixas mais severas foram às relacionadas a sintomas somato-vegetativos e urogenitais.

A maior severidade das queixas relacionadas a dificuldades emocionais nos anos que antecedem a menopausa, entre as mulheres pesquisadas, parece ocorrer pelo surgimento de dúvidas e incertezas acerca das mudanças físicas que se aproximam, contribuindo para maiores níveis de ansiedade e estresse. A sintomatologia climatérica e a própria qualidade de vida nessa fase seriam diretamente influenciadas pelos sentimentos e percepções das mulheres em relação à menopausa e ao processo de envelhecimento. Haveria uma forte inter-relação entre os sintomas somáticos e os fatores psicológicos e sociais, que, geralmente, não é percebida pela mulher climatérica. Além disso, atualmente se reconhece que a forma como a mulher percebe e vivencia a menopausa reflete diretamente na sua qualidade de vida.4,5,9,13

Os sintomas vasomotores (ondas de calor, taquicardia e sudorese), bem como aqueles relacionados à atrofia urogenital (ressecamento vaginal e dispareunia) seriam os únicos associados exclusivamente ao hipoestrogenismo, ao passo que, a maior tendência à labilidade do humor, o menor desejo sexual, as dificuldades com a memória, os problemas com o sono e as dores articulares, frequentemente referidas pelas mulheres nesta fase, estavam associados, principalmente, a fatores psicossociais e relacionados ao estilo de vida, em especial à atitude feminina em relação à menopausa.13

Entre os vários fatores implicados na qualidade de vida da mulher climatérica, os mais relevantes parecem ser as condições físicas e emocionais prévias, a inserção social e experiências de vida. É oportuno lembrar que, culturalmente, o climatério é identificado como um período de crise e perdas. As mudanças físicas decorrentes do processo de envelhecimento tendem a ser equivocadamente atribuídas à menopausa, interferindo na autoimagem corporal da mulher, afetando a sua autoestima e favorecendo sentimentos de tristeza e desvalia. Além disso, a menopausa coincide frequentemente com o crescimento e independência dos filhos, bem como, com a morte de familiares e cônjuge, situações que demandam ajustes emocionais, nem sempre fáceis para a mulher.6,7,13

Estudo etnográfico realizado por pesquisadoras da Universidade de São Paulo avaliou o conhecimento e o significado cultural da menopausa em uma amostra intencional de mulheres climatéricas. Nele, a forma como a menopausa é percebida e vivenciada revelou-se influenciada principalmente por fatores culturais, de tal forma que, para algumas das mulheres estudadas, a interrupção dos ciclos menstruais significava deixar de ser mulher.14

Outro aspecto que parece contribuir para o maior sofrimento psíquico entre as mulheres pré-menopáusicas é a preocupação ou a apreensão em relação ao possível impacto da menopausa para a saúde. Talvez, parte dessa preocupação seja consequência de uma exploração excessiva e, por vezes, inadequada do climatério pelos meios de comunicação, reforçada pela indústria farmacêutica com o intuito de resgatar o uso da terapia hormonal, cuja imagem ficou bastante abalada com a publicação dos resultados do estudo Women's Health Initiative Investigators (WHI).15

O fato de a maioria das entrevistadas possuírem baixa escolaridade pode ter favorecido a formulação de concepções errôneas acerca da menopausa. Corroborando com essa hipótese, pesquisa também realizada em Caxias do Sul, Rio Grande do Sul, em 2005, mostrou que a sintomatologia climatérica tende a ser mais intensa entre as mulheres com menor escolaridade e com uma percepção negativa da menopausa.4 A escolaridade estaria, assim, diretamente relacionada ao nível de entendimento dos processos orgânicos e não orgânicos envolvidos no climatério, favorecendo a construção de representações mais positivas sobre a menopausa e o processo de envelhecimento feminino.4,7,16

Dificuldades com a contracepção nos anos que antecedem a menopausa é um aspecto relevante, visto que maior restrição ao uso de contraceptivos hormonais e dificuldade comum de adaptação a outros métodos pelos casais é comum a partir dos 40 anos. Tal situação é agravada pela tendência à pouca participação masculina no planejamento familiar, sendo delegada à mulher a responsabilidade com a contracepção. Assim, a menopausa seria vista como um grande alívio para mulher, afastando o risco de uma gestação indesejada e liberando-a para um maior exercício afetivo-sexual, contribuindo para redução dos conflitos emocionais nas mulheres menopausadas.17

Por fim, vale destacar a relação existente entre sintomatologia pré-menstrual e qualidade de vida nos anos que se seguem à menopausa. Fuh et al.,18 ao avaliarem 1360 mulheres climatéricas moradoras da ilha de Kinmen, em Taiwan, verificaram que a história prévia de sintomas pré-menstruais era um forte preditor da qualidade de vida após a menopausa. Nesse estudo, as mulheres com queixas pré-menstruais mais severas tendiam a apresentar uma menor deterioração da qualidade de vida nos anos pós-menopausa.

A menor intensidade dos sintomas de natureza psicológica entre as mulheres menopausadas relacionaram-se, provavelmente, a uma redução gradativa da preocupação com o evento, possibilitando que, com o passar do tempo, eventuais fantasias e ansiedades em relação a ele se desvanecessem, descortinando novas perspectivas.4,7

A intensificação dos sintomas somato-vegetativos e urogenitais identificada entre as mulheres pós-menopáusicas foi um achado esperado, devido à intensificação dos sintomas relacionados ao hipoestrogenismo e maior prevalência natural de co-morbidades crônico-degenerativas, associadas ao processo de envelhecimento. Ondas de calor e fogachos representam cerca de 50% a 70% das queixas somáticas após a menopausa.4-7,19 A fisiopatogênese desses eventos não é totalmente conhecida, sendo atribuída a uma instabilidade do centro termo-regulador hipotalâmico secundária ao declínio estrogênico. De modo particular, as ondas de calor interferem na qualidade do sono e nas atividades cotidianas, causando irritabilidade e perda da sensação de bem-estar.7,5,19,20-22

Ainda em relação aos sintomas somato-vegetativos, as doenças crônico-degenerativas frequentemente têm a sintomatologia ou o surgimento equivocadamente atribuídos à menopausa.20,23 Um estudo realizado em São Paulo comparou a qualidade de vida entre mulheres climatéricas com e sem cardiopatia isquêmica. As primeiras referiram não somente mais limitação física, como mais dificuldades emocionais quando comparadas ao grupo controle, o que se refletiu negativamente na qualidade de vida delas.23

Queixas relacionadas a dores musculares e articulares, na maioria dos casos decorrentes de processos de osteoartrite ou fibromialgia, ainda que não estejam diretamente relacionados ao hipoestrogenismo pós-menopáusico, podem ser magnificados por eventuais disposições emocionais, bem como pela maior tendência ao sedentarismo após os 50 anos.7,24

Queixas relacionadas à atrofia urogenital foram mais prevalentes entre as mulheres após a menopausa, devido à intensificação do hipoestrogenismo nessa fase. Estudos apontam para uma prevalência de disfunções sexuais femininas em torno de 25 a 33% entre os 35 e 59 anos, chegando a 75% entre os 60 e 65 anos.5,17 Ao mesmo tempo, o hipoestrogenismo também provoca disúria, urgência miccional e incontinência urinária, sintomas que comprometem, ainda mais, a qualidade de vida dessas mulheres.4,7,25

No que tange à ausência de diferenças significativas entre os escores globais de qualidade de vida entre as mulheres pré e pós-menopáusicas incluídas neste estudo, não há consenso; a literatura se mostra, inclusive, com posicionamentos conflitantes.7,26,27 Pesquisa realizada na cidade de Recife, Pernambuco, mostrou uma tendência à deterioração da qualidade de vida associada à menopausa. Entre os aspectos destacados pelos autores, está o de que a menopausa seria um evento influenciado principalmente por fatores biopsicossociais, não se restringindo aos fatores orgânicos decorrentes do declínio estrogênico.26

Por sua vez, estudo conduzido na Alemanha, envolvendo 481 mulheres climatéricas, evidenciou uma maior tendência à deterioração da qualidade de vida após a menopausa, cujo único fator preditor isolado foi a idade e não o estado menopausal.27

Assim, frente à complexidade da síndrome climatérica e dos seus possíveis reflexos na qualidade de vida feminina, tem sido proposta uma nova abordagem, destacando a importância de uma escuta qualificada paralela às intervenções clínicas necessárias, de forma a permitir maior compreensão do processo crítico existencial envolvido, onde aspectos psicológicos relacionados ao envelhecer se mesclam com aqueles resultantes do esgotamento hormonal.3,5,28

As formas de enfrentamento e a atitude que cada mulher desenvolverá diante da menopausa parecem depender de seus recursos psíquicos e experiências pessoais, influenciada por fatores culturais e condições de saúde prévias a essa etapa da vida. Sob tal perspectiva, ações psicoeducativas envolvendo grupos terapêuticos ou operativos poderiam favorecer o esclarecimento e a troca de experiências entre pares, reduzindo o estresse e contribuindo para uma percepção mais positiva do processo de envelhecimento.5,26,28

Para obter dados mais conclusivos que ilustrem a situação de saúde da mulher climatérica no Brasil, são necessárias mais pesquisas envolvendo populações maiores, se possível multicêntricas, de forma a permitir a comparação dos achados entre as diversas regiões país. A metodologia qualitativa, em particular, quando associada ao método quantitativo, parece ser um recurso valioso para o entendimento das percepções e representações das mulheres em relação à menopausa, juntamente com as possíveis implicações para a qualidade de vida desse grupo.9

Recebido em 4 de janeiro de 2008

Versão final apresentada em 4 de agosto de 2009

Aprovado em 11 de setembro de 2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jan 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Aceito
    11 Set 2009
  • Revisado
    04 Ago 2009
  • Recebido
    04 Jan 2008
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