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Nível de entendimento de prescrições medicamentosas pediátricas em Unidades Básicas de Saúde

The level of understanding of pediatric prescription medicines at Basic Health Units

Resumos

OBJETIVOS: avaliar o nível de entendimento das prescrições medicamentosas pediátricas, pelos responsáveis das crianças, em Unidades Básicas de Saúde (UBS), município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. MÉTODOS: estudo transversal e descritivo, realizado entre maio de 2007 e junho de 2008. Foram entrevistados 336 acompanhantes de crianças, atendidas em UBS municipais, que receberam prescrição de medicamentos dispensados pela farmácia. Foram avaliados mediante questionário o nível de escolaridade e fatores relacionados à compreensão da prescrição como legibilidade, nome, dose, freqüência de administração, tempo de uso de medicamentos, bem como a compreensão das informações verbais complementares. RESULTADOS: dos entrevistados, 80,4% (270) eram mães, 55%-(185) cursaram ensino fundamental e 90,2% (303) receberam informações verbais complementares à prescrição. Das prescrições apresentadas 87,5% (294) foram consideradas legíveis. Dos entrevistados, 47% (158) tiveram entendimento insuficiente da prescrição. O entendimento insuficiente da prescrição foi associado à baixa escolaridade, ao não recebimento de informação verbal complementar e ao maior número de medicamentos presentes na prescrição. CONCLUSÕES: é necessário que os responsáveis pela criança e profissionais envolvidos na prescrição e dispensação estejam conscientes da importância da informação sobre o medicamento, para a segurança das crianças.

Pediatria; Prescrições de medicamentos; Compreensão


OBJECTIVES: to evaluate the level of understanding of pediatric prescription medicines by those responsible for the children at Basic Health Units (BHUs) in the municipality of Campo Grande, in the Brazilian State of Mato Grosso do Sul. METHODS: a cross-sectional description study was carried out between May 2007 and June 2008. Three hundred and thirty-six of the individuals accompanying children attending municipal BHUs who received prescription medicine dispensed by the pharmacy were interviewed. A questionnaire was applied to evaluate level of education and factors relating to understanding of the prescription, such as legibility, name, dose, frequency of dose, duration of use, and understanding of complementary verbal information. RESULTS: of those interviewed, 80.4% (270) were mothers, 55%-(185) had completed basic education and 90.2% (303) had received complementary verbal information about the prescription. Of the prescriptions filled in, 87.5% (294) were considered to be legible. Of those interviewed, 47% (158) had insufficient understanding of the prescription. This was associated with low levels of education, not having received complementary verbal information and the number of different medicines on the prescription. CONCLUSIONS: those responsible for children and the professionals involved in the prescription and dispensation of medicines need to be aware of the importance of providing information on the medicine for the safety of the children.

Pediatrics; Drugs Prescriptions; Comprehension


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Nível de entendimento de prescrições medicamentosas pediátricas em Unidades Básicas de Saúde

The level of understanding of pediatric prescription medicines at Basic Health Units

Valeska de Oliveira Gonçalves FerreiraI; Petr MelnikovI; Mônica Cristina Toffoli-KadriII

IPrograma de Pós Graduação em Saúde e Desenvolvimento da Região Centro Oeste. Departamento de Clínica Cirúrgica. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Av. Senador Filinto Muller s.n. Campo Grande, MS, Brasil. CEP: 79.080-190. E-mail: valgferreira@hotmail.com

IIDepartamento de Morfofisiologia. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS, Brasil

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar o nível de entendimento das prescrições medicamentosas pediátricas, pelos responsáveis das crianças, em Unidades Básicas de Saúde (UBS), município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

MÉTODOS: estudo transversal e descritivo, realizado entre maio de 2007 e junho de 2008. Foram entrevistados 336 acompanhantes de crianças, atendidas em UBS municipais, que receberam prescrição de medicamentos dispensados pela farmácia. Foram avaliados mediante questionário o nível de escolaridade e fatores relacionados à compreensão da prescrição como legibilidade, nome, dose, freqüência de administração, tempo de uso de medicamentos, bem como a compreensão das informações verbais complementares.

RESULTADOS: dos entrevistados, 80,4% (270) eram mães, 55%-(185) cursaram ensino fundamental e 90,2% (303) receberam informações verbais complementares à prescrição. Das prescrições apresentadas 87,5% (294) foram consideradas legíveis. Dos entrevistados, 47% (158) tiveram entendimento insuficiente da prescrição. O entendimento insuficiente da prescrição foi associado à baixa escolaridade, ao não recebimento de informação verbal complementar e ao maior número de medicamentos presentes na prescrição.

CONCLUSÕES: é necessário que os responsáveis pela criança e profissionais envolvidos na prescrição e dispensação estejam conscientes da importância da informação sobre o medicamento, para a segurança das crianças.

Palavras-chave: Pediatria, Prescrições de medicamentos, Compreensão

ABSTRACT

OBJECTIVES: to evaluate the level of understanding of pediatric prescription medicines by those responsible for the children at Basic Health Units (BHUs) in the municipality of Campo Grande, in the Brazilian State of Mato Grosso do Sul.

METHODS: a cross-sectional description study was carried out between May 2007 and June 2008. Three hundred and thirty-six of the individuals accompanying children attending municipal BHUs who received prescription medicine dispensed by the pharmacy were interviewed. A questionnaire was applied to evaluate level of education and factors relating to understanding of the prescription, such as legibility, name, dose, frequency of dose, duration of use, and understanding of complementary verbal information.

RESULTS: of those interviewed, 80.4% (270) were mothers, 55%-(185) had completed basic education and 90.2% (303) had received complementary verbal information about the prescription. Of the prescriptions filled in, 87.5% (294) were considered to be legible. Of those interviewed, 47% (158) had insufficient understanding of the prescription. This was associated with low levels of education, not having received complementary verbal information and the number of different medicines on the prescription.

CONCLUSIONS: those responsible for children and the professionals involved in the prescription and dispensation of medicines need to be aware of the importance of providing information on the medicine for the safety of the children.

Key words: Pediatrics, Drugs Prescriptions, Comprehension

Introdução

Diversos estudos têm evidenciado o uso não racional de medicamentos em crianças, especialmente em menores de dois anos.1-3 A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que estudos envolvendo esta população devem ser prioridade na área de pesquisa, porque, por motivos legais, éticos e econômicos, crianças não são incluídas em ensaios clínicos para desenvolvimento de novos medicamentos, sendo considerados assim órfãos terapêuticos.4

São inerentes ao paciente pediátrico algumas peculiaridades - como a imaturidade de seus sistemas responsáveis pela absorção, distribuição, metabolização e eliminação do medicamento - e a maior possibilidade de intoxicação por pequenas alterações de dose.5-7 Isto faz com que a compreensão da prescrição, por parte do responsável pela criança seja fator indispensável à segurança e eficácia da terapia proposta.

A responsabilidade da correta administração do medicamento à criança está intimamente ligada à essa compreensão, pois se o responsável não souber como usar o mesmo, é improvável que o faça adequadamente.7 Dentre os fatores que podem estar relacionados ao entendimento correto do uso do medicamento, idade e grau de escolaridade referem-se ao responsável pela criança enquanto a legibilidade da prescrição, informações verbais complementares, tempo de consulta bem como a quantidade de medicamentos referem-se ao médico e ao profissional responsável por dispensar o medicamento na farmácia.7-10 Um bom entendimento da prescrição garante uma correta administração do medicamento e consequentemente maior sucesso no tratamento proposto, diminuindo o retorno ao sistema de saúde por ineficácia da terapia.8

A comunicação adequada entre os profissionais de saúde e responsáveis pelas crianças, é indispensável para o sucesso do tratamento proposto e a prevenção de acidentes com medicamentos. Entretanto, ainda são poucas as referências que abordam o entendimento da prescrição pediátrica. Desta maneira o presente estudo avaliou o nível de entendimento das prescrições medicamentosas pediátricas, dos responsáveis pelas crianças, em Unidades Básicas de Saúde (UBS) em grande município do Estado do Mato Grosso do Sul.

Métodos

Esta é uma pesquisa transversal e descritiva que foi realizada no município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, o qual possui uma população estimada em aproximadamente 787.000 habitantes, de acordo com o censo demográfico 2010/IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).11

O sistema de saúde local está organizado administrativamente em quatro distritos sanitários (Norte, Sul, Leste e Oeste) formados a partir do agrupamento das sete regiões urbanas que norteiam a administração municipal.

Fizeram parte do estudo os acompanhantes responsáveis pelas crianças atendidas nas 27 UBS que possuíam atendimento pediátrico e que obtiveram medicamentos na farmácia da unidade, no período de junho de 2007 a maio de 2008. É importante ressaltar que apesar de o farmacêutico estar presente em todas as farmácias das UBS estudadas, nenhuma delas possuía estrutura para atendimento farmacêutico individualizado. Os pacientes recebiam a medicação e orientações na fila, em pé, através de janelas presentes nas farmácias.

O cálculo do tamanho amostral foi baseado na média mensal de atendimentos pediátricos em cada UBS (320 atendimentos). Considerando uma margem de erro de cinco pontos percentuais, o tamanho da amostra foi de 368 indivíduos. Estes foram distribuídos nas UBS, totalizando 14 entrevistas em cada unidade.

O instrumento de coleta dos dados, previamente testado e validado, foi constituído por um questionário específico, com questões objetivas. As variáveis relacionadas aos acompanhantes foram: gênero, idade, escolaridade e grau de parentesco com a criança. As relacionadas à prescrição foram: o tipo de prescrição (manuscrita ou digitada), legibilidade, e fatores interferentes em seu entendimento como o nome do medicamento prescrito, indicação terapêutica, dose, via e frequência de administração, tempo de tratamento, identificação entre o medicamento obtido na farmácia e o prescrito e a compreensão da prescrição referida pelo entrevistado.

O nível de entendimento da prescrição foi classificado como insuficiente, mediano e suficiente e a metodologia utilizada foi adaptada de Sano et al.,7 Ceccatto et al.,12 e Silva et al.13 O nível de compreensão para cada medicamento foi mensurado por meio de um escore, atribuindo-se diferentes pontos para cada item, de acordo com sua importância para o uso seguro do medicamento. Para informações como nome do medicamento e indicação terapêutica foi atribuído um ponto, enquanto para dose, via de administração, frequência de administração, tempo de tratamento e identificação positiva do medicamento prescrito com o obtido na farmácia foram atribuídos três pontos.

O total da pontuação poderia assim atingir até 17 pontos. Desta forma o entendimento foi considerado suficiente para cada medicamento quando o escore atingia 17 ou 16 pontos; mediano com 15 pontos e insuficiente entre 14 e 0 pontos. O corte em 14 pontos para classificação em entendimento insuficiente, considerou que o responsável pela criança não poderia apresentar falha de compreensão nos parâmetros considerados imprescindíveis (três pontos) à segurança do paciente pediátrico.

Para a avaliação do entendimento da prescrição completa, com vários medicamentos, foi necessário desenvolver uma metodologia apropriada, adaptada de Likert.14 Para tanto, foram atribuídos valores numéricos simétricos relacionados aos diferentes níveis de entendimento para cada medicamento, como indicado na Figura 1.


Para a variável legibilidade, foi considerado legível o medicamento lido sem qualquer dúvida; ilegível aquele em que foi impossível a leitura e parcialmente legível quando lido em partes, mas não na totalidade. Utilizando a mesma escala de valores simétricos citada anteriormente, para cada medicamento da prescrição foi atribuído um valor, de acordo com a classificação proposta, sendo -1 para ilegível, 0 para parcialmente legível e +1 para legível. A legibilidade da prescrição como um todo foi definida pela somatória das atribuições classificadas para cada medicamento da prescrição.

Os dados foram analisadas pelo teste qui-quadrado de Pearson. As análises estatísticas foram feitas usando os programas SPSS versão 10.0 e 16.0 para Windows.

O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) sob o protocolo 934/2007.

Resultados

Durante a coleta de dados, três das vinte e sete UBS deixaram de contar com o serviço de pediatria, inviabilizando 32 entrevistas. Nas 24 UBS restantes foram totalizadas 336 entrevistas.

A caracterização dos acompanhantes responsáveis pelas crianças atendidas nas UBS de Campo Grande teve 92% (311) de mulheres, com ensino fundamental declarado 55% (185). Destas, 80,4% (270) eram mães das crianças atendidas. A média de idade foi de 28 ± 9,67 anos, variando entre 17 e 64 anos.

Das prescrições analisadas, 334 foram manuscritas, uma foi apresentada na forma de carimbo padronizado e uma digitada. O número médio de medicamentos por prescrição foi 1,9 ± 0,9, variando entre 1 e 5. Não houve nenhuma prescrição considerada ilegível segundo os critérios adotados na metodologia (Tabela 1).

Ao todo foram prescritos 644 medicamentos nas 336 prescrições. Para cada uma dessas, foi avaliado se o responsável pela criança havia compreendido as seguintes informações: nome, dose, via e frequência de administração, indicação terapêutica, tempo de tratamento de cada medicamento da prescrição e capacidade de identificar o medicamento dispensado na farmácia com o descrito na prescrição (Tabela 2).

Quando questionados sobre o recebimento de informações verbais complementares à prescrição, 90,2% (303) dos entrevistados afirmaram ter recebido informações adicionais durante a consulta e/ou dispensação. Os médicos foram citados como os únicos responsáveis por esta informação verbal complementar por 48,2% (163) dos entrevistados, médicos e farmacêuticos por 27,1% (91) e farmacêutico isoladamente foi citado como único responsável por 14% (47). Enfermeiros foram lembrados em 1% (2) das entrevistas.

Na avaliação do entendimento da prescrição, segundo critérios adotados na metodologia, 43,5% (146) dos entrevistados demonstraram entendimento suficiente, 47% (158) insuficiente e 9,5% (32) mediano. No entanto, os responsáveis entrevistados, relataram uma percepção de entendimento distinta da definida na pesquisa, pois 84,2% (283) dos entrevistados afirmaram ter compreendido totalmente a receita e as informações pertinentes à administração do medicamento à criança. Vale ressaltar que 22,9% (77) deles não eram o responsável direto pela administração do medicamento à criança, ou seja, teriam que explicar a terceiros como fazê-lo.

Foi realizada a análise do entendimento da prescrição de acordo com os níveis de escolaridade (analfabeto ou ensino fundamental) e (ensino médio ou superior) versus os níveis de entendimento (insuficiente, mediano e suficiente) como pode ser visto na Tabela 3.

Houve associação entre ser analfabeto ou ter cursado ensino fundamental e apresentar entendimento insuficiente e ter cursado ensino médio ou superior e apresentar entendimento suficiente (p<0,001).

O recebimento de informações verbais complementares mostrou-se associado a um melhor nível de entendimento das prescrições (p<0,024) (Tabela 4).

Também foi possível observar uma associação entre a polifarmacoterapia e o entendimento das prescrições. Prescrições contendo apenas um medicamento foram classificadas como de entendimento insuficiente por 52,8% (66/125) dos responsáveis, enquanto prescrições contendo cinco medicamentos foram classificadas como entendimento insuficiente em 100% (4/4) dos casos (p=0,01).

Discussão

Embora a maioria dos acompanhantes das crianças fossem mães, jovens e com escolaridade satisfatória para capacidade de leitura, o não entendimento da prescrição por boa parte delas, mostra que este não é o único fator relacionado à compreensão. No Brasil, 9,9% da população é analfabeta e 59% dos alunos com até quatro anos de ensino são enquadrados como analfabetos funcionais.15 Em Mato Grosso do Sul a média de escolaridade encontra-se em 7,2 anos, ou seja, ensino fundamental.11

Verificou-se também maior compreensão da prescrição por quem possuía maior escolaridade. Estudos sobre nível de entendimento e informação de prescrições indicam a escolaridade, o que suporta dados anteriores indicando a escolaridade como um dos fatores determinantes para a compreensão das prescrições.7,13,16-19

Dois outros estudos realizados em Santa Catarina obtiveram resultados semelhantes a esta pesquisa. Leite e Vasconcelos20 identificaram que o gênero feminino com idade entre 21 e 40 anos e ensino fundamental predominou entre os responsáveis pelas crianças. Carvalho et al.21 mostraram que 75% dos entrevistados eram mães com oito anos de estudo em média. Também Sano et al.7 avaliaram o entendimento das prescrições pediátricas e constataram que 84% dos acompanhantes eram mães de crianças atendidas e 63% dessas possuíam o ensino fundamental incompleto, encontrando associação entre maior escolaridade e melhor compreensão das prescrições.

O número médio de medicamentos por prescrição aqui verificado está de acordo com o preconizado pela Organização Pan Americana de Saúde e Organização Mundial da Saúde,22 que é de 1,3 a 2,2 medicamentos sendo que, menos de um quarto das prescrições continha três ou mais medicamentos. Este é um resultado positivo, quando consideramos a vulnerabilidade das crianças frente a vários medicamentos administrados concomitantemente. Pesquisas semelhantes mostraram resultados distintos, onde a polimedicação foi predominante nas prescrições pediátricas, ocasionando o aparecimento de reações adversas a medicamentos (RAMs) e intoxicações.2,23

No presente estudo foi observado que a maior quantidade de medicamentos prescritos esteve também associada ao menor entendimento da prescrição. Como um maior volume de informações na prescrição exige maior detalhamento nas orientações verbais tanto durante a consulta quanto na dispensação, a informação contida na prescrição muitas vezes é insuficiente para a compreensão dos responsáveis. Outros autores7,9,12,13,24 apontam perfil semelhante, mostrando a insuficiência do entendimento associada ao maior número de medicamentos prescritos.

Habitualmente, a presença de abreviaturas ou símbolos, assim como a ilegibilidade, dificultam o entendimento de prescrições.7,25,26 Neste trabalho, no entanto, 87,5% (294) das prescrições estavam legíveis e a presença das abreviaturas não foram associadas ao não entendimento.

Quando considerada a dose e o tempo de tratamento, foi aqui observado que aproximadamente um terço dos medicamentos prescritos não teve estes parâmetros compreendidos. Resultados semelhantes foram obtidos por Silva et al.,13 em que um quinto dos pacientes entrevistados não sabia a dose do medicamento a ser usado e aproximadamente um terço desconhecia o tempo de tratamento e não sabia informar a frequência de administração. Em trabalho semelhante, Sano et al.7 mostraram que parte dos acompanhantes das crianças também não compreendiam a posologia dos medicamentos prescritos. A incompreensão do todo ou parte da prescrição pode originar erros de medicação, que, graves ou não, comprometem a eficácia do tratamento e podem colocar em risco a vida da criança que está sendo medicada. A participação da família nos cuidados à criança deve, portanto abranger inclusive a consciência da administração correta do medicamento.

Na presente pesquisa, as prescrições apresentaram apenas a posologia como orientação escrita, contudo a orientação verbal complementar à prescrição foi feita em 90,2% dos atendimentos. Apesar disso, o risco da má administração do medicamento, por aqueles que não tiveram orientação dos profissionais da saúde, não está descartado.

Contrariamente, a literatura revela situações preocupantes relacionadas à falta de orientação verbal complementar à prescrição.24,27

Evidências da literatura mostram uma relação direta entre o bom nível de entendimento das prescrições e a existência de orientação verbal da equipe de saúde.12,28 Como a produção e transmissão de informações não se traduzem necessariamente em conhecimento é necessário que tanto o médico como o farmacêutico estejam disponíveis para adequar a linguagem utilizada ao entendimento dos responsáveis pela criança.28

A diferença acentuada entre indivíduos que afirmavam ter compreendido completamente a receita, mas não serem classificados como tal, é uma contradição perigosa, pois se os responsáveis acreditam saber o necessário, podem não solicitar maiores esclarecimentos ou menosprezar informações fornecidas durante a consulta e dispensação do medicamento. Assim todo o tratamento poderá estar comprometido, seja em relação à adesão, eficácia ou aos riscos inerentes em decorrência da falta de preparo dos responsáveis pelo tratamento. Sano et al.,7 encontraram uma diferença de 10% entre o nível de compreensão da prescrição aferido em sua pesquisa e o informado pelos entrevistados.

Os profissionais mais citados como responsáveis pela explicação adicional à prescrição foram os médicos, seguidos pelos farmacêuticos. No entanto, outros estudos demonstraram que os profissionais farmacêuticos são os mais lembrados quanto às informações prestadas sobre a utilização dos medicamentos.9,12

Como o número de entrevistados com nível insuficiente de entendimento da prescrição foi expressivo, isto pode significar um risco em potencial à segurança dos pacientes pediátricos, que sequer são responsáveis por sua própria terapia. O pequeno número de estudos semelhantes7,16,19 a este, avaliando o entendimento de prescrições pediátricas é surpreendente, considerando que crianças são pacientes sensíveis à presença de fármacos em seu organismo e susceptíveis a reações adversas.

A assistência primária à saúde sendo falha, acaba por sobrecarregar os demais níveis institucionais da saúde pública, aumentando os custos, sendo boa parte destes com medicamentos.29 Neste sentido, é importante propor que os tradicionais estudos de utilização de medicamentos sejam complementados por pesquisas que abordem questões qualitativas relacionadas a este uso, ressaltando a condição das prescrições e da comunicação entre a equipe de saúde e os usuários dos serviços de pediatria nas UBS.

Considerações finais

É importante que médicos e farmacêuticos estejam atentos às dificuldades e limitações da compreensão da prescrição, para que seja garantida a segurança da criança. A adequação da linguagem da equipe de saúde e a certificação do entendimento das orientações prestadas são fatores imprescindíveis para a garantia de sucesso. Falhas de compreensão acarretarão falhas na terapia.

Sugestões para proporcionar um melhor entendimento das prescrições pediátricas podem ser formuladas a partir dos dados gerados nesta pesquisa, como a elaboração de um programa piloto de atenção farmacêutica para pacientes pediátricos, com esquema de dispensação individualizada e acompanhamento farmacoterapêutico. Cursos de capacitação para a equipe de saúde, que abordem as questões relacionadas à qualidade da comunicação entre profissionais e pacientes, também podem ser implantados. Podem ainda ser oferecidas palestras de cunho educativo aos usuários dos serviços de pediatria, para a conscientização da necessidade do comprometimento da família quanto à segurança no uso de medicamentos em crianças.

Agradecimentos

À Secretaria Municipal de Saúde de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, pela oportunidade da realização deste trabalho.

À Profa. Dra. Maria Beatriz Cardoso Ferreira (UFRGS), pela valiosa colaboração, nas correções e observações ao artigo.

Ao Prof. Dr. Celso Corrêa (UNIDERP) e à Farmacêutica Úrsula Jacobs (UFRGS), pela colaboração na análise estatística.

Recebido em 4 de março de 2011

Versão final apresentada em 8 de junho de 2011

Aprovado em 11 de julho de 2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011

Histórico

  • Aceito
    11 Jul 2011
  • Revisado
    08 Jun 2011
  • Recebido
    04 Mar 2011
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