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Utilização da "linha púrpura" como método clínico auxiliar para avaliação da fase ativa do trabalho de parto

The use of the "purple line" as an auxiliary clinical method for evaluating the active phase of delivery

Resumos

OBJETIVOS: investigar a ocorrência da linha púrpura com a sua respectiva descoloração em mulheres na fase ativa do trabalho de parto e sua associação com a dilatação cervical, com o grau de descida da apresentação fetal na pelve bem como a caracterização social e obstétrica, e a opinião das mulheres quanto à utilização desse método clínico. MÉTODOS: pesquisa descritiva, prospectiva e observacional em 100 parturientes em um centro de parto normal no Estado de São Paulo. RESULTADOS: a linha púrpura ocorreu em 56 das 100 mulheres na fase ativa do trabalho de parto. Houve correlação estatística significativa entre as medidas da dilatação cervical e da linha; 22% apresentaram descoloração da linha púrpura, não havendo associação entre número de mulheres com descoloração da linha e descida da cabeça fetal. Para 81% das parturientes a avaliação não provocou nenhum desconforto. CONCLUSÕES: desde que haja a presença da linha, sua avaliação pode ser utilizada para diminuir o número de exames vaginais, especialmente quando estes tiverem o objetivo de medir unicamente a dilatação cervical.

Primeira fase do trabalho de parto; Parto humanizado; Diagnóstico clínico; Gênero e saúde


OBJECTIVES: to investigate the occurrence of the purple line and its respective discoloration in women during the active phase of labor and its association with dilation of the cervix and the position of the fetus in the pelvis. METHODS: a descriptive, prospective, observational study was carried out in 100 women in labor at a normal delivery clinic in the State of São Paulo. RESULTS: the purple line appeared in 56 of the 100 women in the active phase of labor. There was a statistically significant correlation between the measurements for dilation of the cervix and those for the line; in 22% the purple line was discolored and there was no association between the number of women with this discoloration and the extent to which the head of the fetus had descended in the cervix. For 81% of the women in labor, the evaluation caused no discomfort whatsoever. CONCLUSIONS: as this line is present, measurement of it could be used to reduce the number of vaginal examinations, especially when the single aim is to measure dilation of the cervix.

Labor stage; first; Humanizing delivery; Clinical diagnosis; Gender and health


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Utilização da "linha púrpura" como método clínico auxiliar para avaliação da fase ativa do trabalho de parto

The use of the "purple line" as an auxiliary clinical method for evaluating the active phase of delivery

Nádia Zanon Narchi; Joyce da Costa Silveira de Camargo; Natalia Rejane Salim; Mariane de Oliveira Menezes; Mariana Montenegro Bertolino

Universidade de São Paulo. Av. Arlindo Bettio, 1000. Ermelino Matarazzo. São Paulo, SP, Brasil. CEP: 03828-000. E-mail: nzn@usp.br

RESUMO

OBJETIVOS: investigar a ocorrência da linha púrpura com a sua respectiva descoloração em mulheres na fase ativa do trabalho de parto e sua associação com a dilatação cervical, com o grau de descida da apresentação fetal na pelve bem como a caracterização social e obstétrica, e a opinião das mulheres quanto à utilização desse método clínico.

MÉTODOS: pesquisa descritiva, prospectiva e observacional em 100 parturientes em um centro de parto normal no Estado de São Paulo.

RESULTADOS: a linha púrpura ocorreu em 56 das 100 mulheres na fase ativa do trabalho de parto. Houve correlação estatística significativa entre as medidas da dilatação cervical e da linha; 22% apresentaram descoloração da linha púrpura, não havendo associação entre número de mulheres com descoloração da linha e descida da cabeça fetal. Para 81% das parturientes a avaliação não provocou nenhum desconforto.

CONCLUSÕES: desde que haja a presença da linha, sua avaliação pode ser utilizada para diminuir o número de exames vaginais, especialmente quando estes tiverem o objetivo de medir unicamente a dilatação cervical.

Palavras-chave: Primeira fase do trabalho de parto, Parto humanizado, Diagnóstico clínico, Gênero e saúde

ABSTRACT

OBJECTIVES: to investigate the occurrence of the purple line and its respective discoloration in women during the active phase of labor and its association with dilation of the cervix and the position of the fetus in the pelvis.

METHODS: a descriptive, prospective, observational study was carried out in 100 women in labor at a normal delivery clinic in the State of São Paulo.

RESULTS: the purple line appeared in 56 of the 100 women in the active phase of labor. There was a statistically significant correlation between the measurements for dilation of the cervix and those for the line; in 22% the purple line was discolored and there was no association between the number of women with this discoloration and the extent to which the head of the fetus had descended in the cervix. For 81% of the women in labor, the evaluation caused no discomfort whatsoever.

CONCLUSIONS: as this line is present, measurement of it could be used to reduce the number of vaginal examinations, especially when the single aim is to measure dilation of the cervix.

Key words: Labor stage, first, Humanizing delivery, Clinical diagnosis, Gender and health

Introdução

O exame de toque vaginal é fundamental para avaliação do progresso do trabalho de parto, pois permite definir não somente a dilatação do colo uterino como também posição, comprimento, consistência e tamanho do colo, apresentação, atitude e posição fetal, presença de bossa e grau de cavalgamento ósseo do crânio fetal, relação entre a apresentação e o colo uterino, características da bacia óssea materna, presença de membranas e sua reação às contrações uterinas.1,2

A prática mostra, entretanto, que o toque é muitas vezes feito unicamente com o intuito de avaliar a dilatação do colo uterino. Além disso, seu uso indiscriminado, desrespeitoso e rotineiro encontra-se entre alguns dos procedimentos que, segundo diversos autores,3-10 são rejeitados pelas mulheres pelos desconfortos físicos e psicossociais que lhes produzem.

Alguns profissionais, preocupados com as rotinas estabelecidas em função do conforto profissional, com a dor, os traumas, as reações indesejadas e as intercorrências que o exame de toque vaginal provoca, sugerem a utilização da "linha púrpura" como uma opção eficaz para avaliar a dilatação cervical e a descida da cabeça fetal na bacia materna durante o trabalho de parto.3,11

Embora existam apenas dois trabalhos publicados sobre a "linha púrpura", um em 1990,11 e outro em 1998,3 sua utilidade na prática obstétrica é referida em edições contemporâneas de livros-texto1,2,12-15 destinados à formação e educação de obstetrizes.

De acordo com as aqueles autores,3,11 a "linha púrpura" é uma mancha de coloração arroxeada que se inicia na região perianal das mulheres em trabalho de parto e que, à medida que a dilatação cervical progride, avança no sentido ascendente pela fissura interglútea em direção à junção sacro-coccígea, como o mercúrio em um termômetro que se eleva com o aumento da temperatura (Figura 1). Quando a linha alcança dez centímetros, a dilatação cervical está completa, ou seja, seu comprimento tem relação direta com a dilatação. Além disso, sua coloração arroxeada tende a se amenizar conforme ocorre o progresso de descida da apresentação fetal na bacia.


Byrne e Edmonds11 associam o aparecimento da "linha púrpura" à vasocongestão que ocorre na base vertebral e nos vasos intervertebrais do sacro durante o trabalho de parto. O sinal dessa vasocongestão, a linha arroxeada, aumenta de comprimento à medida que ocorre o progresso da dilatação cervical. Com a descida da apresentação fetal na bacia materna, o tecido subcutâneo que sustenta e cerca o sacro é pressionado, resultando em descoloração.

Os poucos estudos encontrados3,11 sobre a linha púrpura inclusive no Brasil, justificam ao nosso entendimento, novas pesquisas sobre o tema.

Assim o objetivo do presente estudo foi investigar a ocorrência da linha púrpura e de sua respectiva descoloração em mulheres na fase ativa do trabalho de parto, sua associação com a dilatação cervical, com o grau de descida da apresentação fetal na pelve, bem como a caracterização social e obstétrica e a opinião das mulheres quanto à utilização desse método clínico.

Métodos

Este é um estudo descritivo e observacional, realizado no Centro de Parto Natural (CPN) do Hospital Estadual de São Mateus, em São Paulo-SP, que possui suítes privativas, nas quais as mulheres permanecem durante os quatro períodos do parto, normalmente com apoio e presença de acompanhantes de sua livre escolha.

A amostra foi composta por 100 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: serem assistidas diretamente pela supervisora de estágio e pelos estudantes do curso de obstetrícia; concordarem em participar do estudo; estarem com acompanhantes de sua escolha, que também concordassem com a pesquisa; encontrarem-se com idade gestacional entre 37 e 41 6/7 semanas, apresentação cefálica e no início da fase ativa do trabalho de parto, isto é, com dilatação cervical entre quatro e seis centímetros.

Foram excluídas aquelas que apresentavam qualquer tipo de lesão, mancha ou cicatriz na fissura interglútea que porventura pudesse impedir a visualização da "linha púrpura".

A coleta de dados foi realizada em formulário que levantava informações relativas à caracterização social e obstétrica das mulheres, à presença, características e comprimento em centímetros da "linha púrpura", aos dados da dilatação cervical em centímetros e descida da cabeça fetal na bacia pelo método de De Lee, e de questões sobre a opinião da mulher quanto ao método clínico. Os dados foram coletados de junho de 2009 a janeiro de 2010. Nesse período, toda parturiente presente ou admitida em trabalho de parto no CPN era avaliada por um dos pesquisadores que verificava se ela atendia aos critérios de inclusão. Sendo escolhida, a mulher e seu acompanhante eram informados a respeito das finalidades da pesquisa, os procedimentos de coleta de dados e a opção por participar.

Havendo consentimento livre e esclarecido, um dos pesquisadores procurava a presença da "linha púrpura" e anotava no instrumento suas características e medida. A medição era feita com fita métrica descartável e sua verificação deveria ocorrer com a mulher em uma das posições: Sims, genupeitoral ou sentada com o máximo de inclinação anterior possível.

Com a aprovação da mulher, a linha também era fotografada. As fotos não eram obrigatórias, mulheres e/ou acompanhantes poderiam optar por não permiti-las. Imediatamente após a observação e medição da linha, um estudante e/ou a supervisora de estágio realizava o exame de toque vaginal. O diâmetro de dilatação cervical em centímetros e descida da cabeça fetal pelo método de De Lee eram informados aos pesquisadores que os transcreviam no instrumento de coleta de dados.

Quando era decidido realizar o exame de toque vaginal, um dos pesquisadores realizava primeiramente a observação da fissura interglútea da mulher. As verificações da linha e os exames vaginais deveriam ocorrer pelo menos a cada duas horas, de acordo com o partograma, ou conforme as necessidades individuais e as características das contrações uterinas e progresso de trabalho do parto.

A observação da região glútea cessava quando a mulher assim o desejasse, quando ocorresse alguma intercorrência relativa à detecção de risco - com consequente transferência para o centro obstétrico - ou quando se iniciasse a segunda fase do trabalho de parto.

Não era permitida qualquer troca de informações sobre medidas e observações entre pesquisadores e estudantes e/ou supervisora, a fim de evitar viés relativo à definição da dilatação cervical.

Cada parturiente era sempre acompanhada, desde sua internação até o parto, pelo mesmo pesquisador, e respectiva equipe. Após o parto, as mulheres eram entrevistadas para informações sobre suas características, bem como verificar sua opinião acerca do método.

Conforme as determinações da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP, sendo aprovado (Processo nº 775/2008/CEP-EEUSP). Mulheres e respectivos acompanhantes receberam informações sobre a relevância da pesquisa, ficando-lhes facultada a participação, de acordo com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva, sendo as variáveis qualitativas resumidas em frequências absolutas e relativas e as quantitativas expressas em médias e desvios padrão ou em medianas e intervalos interquartis, quando a distribuição era assimétrica.

Para comparar os grupos de mulheres com e sem a "linha púrpura" foram utilizados o teste qui-quadrado ou exato de Fisher para as variáveis qualitativas e o teste t de Student ou Mann-Whitney16 para as quantitativas.

A relação entre a medida da "linha púrpura" e a medida do diâmetro de dilatação cervical foi inicialmente descrita por um diagrama de dispersão e pelo coeficiente de correlação linear de Pearson. Com o intuito de estimar a dilatação em função da medida da linha e a descoloração da linha em função da estação da cabeça fetal na bacia materna, foi ajustado um modelo de equações de estimação generalizada (GEE Binomial) com distribuição normal e estrutura de correlação auto regressiva de ordem 1.17 Este modelo foi adotado pelo fato de levar em conta a dependência entre as avaliações feitas em uma mesma mulher, o que não seria possível por regressão linear simples.

O nível de significância adotado foi 0,05 e o programa estatístico para construir a base de dados e efetuar os cálculos foi o SPSS for Windows, versão 17.0.

Resultados

A caracterização social e obstétrica das mulheres participantes do estudo é mostrada na Tabela 1.

A idade média das mulheres foi de 23,1 anos (DP=5,3), variando de 14 a 43 anos. A distribuição quanto à cor mostrou que 53% das participantes se disseram pardas, 40% brancas, 6% negras e apenas uma da raça amarela. Quase metade (49%) estava na sua primeira gestação, 17% já havia sofrido pelo menos um aborto, e 57% se encontrava na sua primeira gestação. Quanto à escolaridade, 54% referiram entre nove e onze anos de estudo, 41% entre cinco e dez anos, 4% de um a quatro anos e apenas uma mais de 12 anos de estudo.

A maioria das participantes (93%) relatou ter companheiro fixo e somente 27% exercia atividade remunerada. A renda familiar informada por 84% da amostra foi de aproximadamente a dois salários mínimos (SM) vigentes à época da coleta de dados, sendo a renda mínima menor que um SM e a máxima de aproximadamente seis SM.

A "linha púrpura" foi observada em 56% das mulheres. Em 26% das vezes a linha era observada na primeira avaliação da parturiente, enquanto a maior porcentagem (47%) se deu na segunda, 20% na terceira e 7% na quarta avaliação.

Apenas 22% das mulheres em que foi verificada a presença da linha visualizou-se sua descoloração durante a descida da apresentação fetal na bacia. Isto também ocorreu na maior porcentagem das vezes (47%) na segunda observação, enquanto em 26% ocorreu na primeira, 20% na terceira e 7% na quarta.

O número de observações das 100 mulheres variou de um a quatro (mediana=2). De acordo com a evolução do trabalho de parto de cada uma delas, totalizaram-se 208 verificações. A "linha púrpura" foi identificada em 122 avaliações (58,7%) e a descoloração em somente 26 (12,8%).

A Figura 2 mostra a relação entre a medida da "linha púrpura" e a medida do diâmetro da dilatação cervical nas 122 vezes em que a linha foi identificada. O coeficiente de correlação linear de Pearson (r=0,814) mostrou alta correlação (p<0,001) entre os dois tipos de avaliação, com estimativas de 0,989 (erro padrão=0,052) para a inclinação e -0,210 (erro padrão=0,351) para o intercepto.


A Tabela 2, na qual se verifica a associação entre a descoloração da "linha púrpura" e a descida da cabeça fetal na bacia, mostra que o percentual de avaliações em que se observou a descoloração é pequeno, independentemente do nível de descida. Observa-se também que as maiores porcentagens de descoloração foram verificadas nos níveis De Lee +1 e +2 (30% e 50% respectivamente). Porém, para estes níveis o número de avaliações foi muito pequeno. Considerando um modelo com dependência (GEE Binomial), não houve associação estatística entre descoloração e descida (p=0,154).

Nas associações entre os dados de caracterização social e obstétrica das mulheres com e sem a "linha púrpura" (Tabela 3), nenhuma diferença foi estatisticamente significante entre a presença da linha e as variáveis relacionadas à idade, número de gestações, número de partos, número de filhos e histórico de aborto. Em relação à cor, a linha esteve presente em 27 das 40 mulheres brancas (67,5%) e 29 das 60 não brancas (48,3%). No entanto, a diferença entre os subgrupos raciais não foi estatisticamente significante.

Ao serem ouvidas após o parto, 81% das mulheres afirmaram que a avaliação da "linha púrpura" não lhes provocou nenhum desconforto, enquanto 19% se disseram envergonhadas, constrangidas ou incomodadas, especialmente pelo diferente posicionamento que tiveram que adotar, haja vista que a exposição da vulva é considerada natural durante o processo de parto e nascimento.

Em relação ao exame de toque vaginal, apenas 9% das mulheres afirmaram que este não lhes havia provocado qualquer desconforto, enquanto as demais expressaram mais do que um sentimento negativo. A dor ou o seu aumento foi a sensação mais citada (67%), seguida por incômodo (40%), e sentimentos de constrangimento (4%), desrespeito (4%), fragilidade (1%) e medo (1%).

Perguntadas sobre como comparavam os dois métodos de avaliação do progresso do trabalho de parto, 96% das mulheres afirmaram que a observação da linha não as havia incomodado, provocado dor ou machucado tanto como o toque vaginal, enquanto 4% consideraram o método desagradável. Nessa questão, 4% das participantes também fizeram questão de destacar que a observação da linha é menos constrangedora que o exame vaginal.

Inquiridas sobre qual dos métodos mais lhes havia agradado, 98% disseram preferir a observação da "linha púrpura" ao exame de toque vaginal, 1% indicaram preferência pelo toque e 1% nenhum dos dois tipos de avaliação.

Quanto às sugestões, 17% das mulheres ressaltaram que a avaliação da "linha púrpura" deveria substituir o exame de toque vaginal sempre que possível. Por outro lado, 4% avaliaram negativamente o método por este exigir posicionamento dificultoso durante o trabalho de parto e 4% ressaltaram sentimentos de desagrado e/ou constrangimento ocasionados pela posição.

Observou-se, ainda, que houve dificuldade em conseguir que algumas mulheres aceitassem a plena exposição da região anal e interglútea para a observação da "linha púrpura", haja vista que muitas parturientes não se constrangem tanto à exposição da vulva por considera-la a via natural do parto.

Discussão

Conforme já destacado, não existem estudos publicados sobre a "linha púrpura" e somente os achados de Byrne e Edmonds11 podem ser comparados aos desta pesquisa. Observa-se, porém, que no citado estudo poderia ter havido um viés desde que a medição da linha e da dilatação cervical foi feita sempre pelo mesmo profissional ao realizar o exame de toque vaginal, podendo ele ser subjetivamente influenciado nas duas medições. No presente trabalho este viés não ocorreu visto que era evitada qualquer troca de informações entre aquele que verificava e media a linha e aquele que realizava o toque vaginal.

Mesmo com percentual de frequência de visualização da linha bem inferior ao do trabalho de Byrne e Edmonds,11 (56% contra 89%), verificou-se, semelhantemente aos achados destes autores, que a linha foi mais visualizada à medida que a dilatação progrediu, ou seja, na segunda, terceira ou quarta vez em que a mulher foi avaliada.

No que se refere à descoloração da linha púrpura, o trabalho de Byrne e Edmonds11 não deixa claro qual foi sua frequência, inferindo-se que deva ter sido a mesma da linha (89%). Entretanto, tal qual aqueles autores afirmam, a descoloração foi mais observada à medida que a descida da cabeça fetal ocorria na bacia materna, ou seja, da segunda observação em diante, mostrando que quanto mais insinuada estava a cabeça fetal mais nítida era a descoloração da linha.

A correlação estatística significante entre as medidas da linha e da dilatação cervical confere utilidade ao método clínico aqui proposto, conforme também afirmam Hobbs3 e Byrne e Edmonds.11 Entretanto, em que pese o alto valor e significância estatística do coeficiente de correlação entre a linha púrpura e a dilatação do colo cervical, é importante recomendar cautela ao se considerar a linha púrpura como um preditor da abertura do colo, haja vista a dispersão de alguns valores da Figura 2, na qual se verifica que em alguns casos podem ocorrer valores baixos da linha e altos de dilatação e vice-versa.

Em relação aos achados relativos à cor das mulheres, a simples observação empírica já indicava que deveria ocorrer alguma diferença entre a presença da linha e a cor da pele, pois foi muito mais fácil encontrar esse sinal nas brancas. Nelas, a linha era normalmente arroxeada, enquanto nas pardas era mais clara, algumas vezes até rosada. Em algumas pardas, inclusive, só houve certeza da presença da linha quando eram comparadas fotos evidenciando o aumento do seu comprimento conforme avançava a dilatação cervical. Em outros casos, pela dificuldade de visualização da linha nas pardas e negras, definia-se pela sua inexistência, mesmo que pudesse estar oculta ou imperceptível.

Nesse sentido, Wickham18 destaca a importância de serem realizados estudos sobre a possibilidade de visualização da "linha púrpura" nas mulheres de outras raças, pois tanto Hobbs3 quanto Byrne e Edmonds11 apresentam resultados de acompanhamento e de pesquisa provavelmente realizados com mulheres brancas e europeias, nas quais não se observa a típica deposição de melanina em dobras ou fissuras, como é o caso das raças miscigenadas, frequentes em nosso país e incluídas nesta pesquisa.

Nessa perspectiva, destaca-se a principal diferença entre este trabalho e os anteriormente citados,3,11 nos quais os autores relatam suas experiências de trabalho liderando o planejamento, a organização e a assistência, desde o início da gravidez até o final do período pós-parto, modelo assistencial indicado pela Organização Mundial da Saúde para a promoção da maternidade segura.19-21

Ressalta-se que, mesmo não sendo unânime, ocorreu opinião amplamente positiva por parte das participantes quanto ao método clínico. Ficou evidente também a grande rejeição ao exame de toque vaginal, destacado também em diversos trabalhos4,5,7-10,22,23 como um procedimento agressivo às mulheres, especialmente quando realizado sem sua devida participação, compreensão e consentimento.

A relação entre o toque vaginal e o aumento da dor, fato referido por 67% das mulheres, tem fundamento no estímulo exercido pelos dedos do examinador na cérvice, bem como em manobras utilizadas para avaliar a bacia materna e a posição da cabeça fetal durante o exame, entre outras.

Nesse sentido, observa-se que a necessidade de treinamento em serviço como, por exemplo, os estudantes do curso de obstetrícia, pode ter contribuído para que algumas das participantes experimentassem maior sensação de dor durante os exames vaginais.

Infelizmente, a sensação de "modelo vivo" para a aprendizagem24 pode provocar na mulher em trabalho de parto um desconforto a mais que pode ser amenizado com a utilização de métodos clínicos menos invasivos, como o proposto neste trabalho, além do cuidado humanizado e centrado nas necessidades e expectativas das pessoas, do suporte contínuo durante o processo de parto, da mudança do ambiente em que o parto ocorre, do hospital para o centro de parto ou para o domicílio, e do engajamento das mulheres e dos profissionais na compreensão e valorização do parto como evento natural e culturalmente transformador.25-29

Nessa perspectiva, a utilização da "linha púrpura" como método clínico auxiliar para avaliar o progresso do trabalho de parto pode contribuir para a adoção tanto de modelo de atenção humanizado e baseado na normalidade do processo de parto e nascimento quanto na natural habilidade das mulheres para parir com o mínimo ou nenhuma intervenção rotineira como, por exemplo, o exame de toque vaginal.

Os resultados apresentados permitem concluir que os objetivos da pesquisa foram alcançados, especialmente porque foi evidenciada a correlação estatisticamente significante entre a "linha púrpura" e a dilatação cervical, o que sugere que este método clínico pode ser utilizado para auxiliar a avaliar a fase ativa do trabalho de parto. Entretanto é importante ressaltar a conclusão da linha púrpura como um método auxiliar e não um "proxy" ou elemento de predição da dilatação cervical, haja vista a grande dispersão dos valores entre as duas variáveis. Por outro lado a detecção mais difícil da linha púrpura em mulheres pardas ou negras poderia resultar em limitações na sua identificação.

Faz-se importante ressaltar, nesse contexto, a necessidade de outros estudos com populações de etnias diferentes ou até da mesma etnia a fim de serem evidenciadas diferenças significativas quanto à presença da "linha púrpura".

Considerações finais

A principal implicação do estudo para a prática assistencial em saúde materna se relaciona com a validade do método no acompanhamento das mulheres em trabalho de parto. Resta, entretanto, verificar, em outras populações e em outras situações de cuidado, quais são os índices de ocorrência da linha e sua descoloração, tendo em vista as diferenças entre os achados de Byrne e Edmonds11 e os aqui apresentados, bem como a diversidade cultural e étnica das mulheres em diferentes países do mundo.

Recomenda-se, ainda, que aqueles envolvidos na assistência obstétrica, especialmente os dedicados às práticas menos intervencionistas, busquem identificar a "linha púrpura" e, sempre que possível, utilizem-na para acompanhar a evolução do trabalho de parto.

Sendo possível a visualização da "linha púrpura", seu acompanhamento pode ser feito quando a mulher estiver na banheira, no banquinho ou na bola obstétrica. O importante, nesse contexto de cuidado, é edificar o conceito de promoção do parto digno, respeitoso, livre de procedimentos invasivos e desnecessários, baseado, sobretudo, na humanização do processo e no respeito aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres.

Esse novo olhar sobre a obstetrícia e os direitos humanos mencionados deve ser promovido por aqueles que já sabem que qualquer tecnologia não invasiva de cuidado, como a proposta, deve ser estimulada. Profissionais que compartilham dessa opinião também sabem que procedimentos que invadem o corpo devem necessariamente ser realizados a partir da decisão compartilhada com a mulher, protagonista cercada de influências culturais, sociais, ambientais e até místicas, a serem devidamente reconhecidas e respeitadas.

Recebido em 29 de outubro de 2010

Versão final apresentada em 16 de maio de 2011

Aprovado em 16 de julho de 2011

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Set 2011

Histórico

  • Revisado
    16 Maio 2011
  • Recebido
    29 Out 2010
  • Aceito
    16 Jul 2011
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