Uso da metodologia de relacionamento de bases de dados para qualificação da informação sobre mortalidade infantil nos municípios de Pernambuco

The use of the interrelation of data bases to improve information on child mortality in municipalities in the Brazilian State of Pernambuco

ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Uso da metodologia de relacionamento de bases de dados para qualificação da informação sobre mortalidade infantil nos municípios de Pernambuco

The use of the interrelation of data bases to improve information on child mortality in municipalities in the Brazilian State of Pernambuco

Antônio da Cruz Gouveia Mendes; Mirella Muzzi de Lima; Domício Aurélio de Sá; Luiz Cláudio de Souza Oliveira; Lívia Teixeira de Souza Maia

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães. Fundação Oswaldo Cruz (CPqAM – Fiocruz). Av. Prof. Moraes Rego, s.n. CP 7472. Campus UFPE. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.670-420. Email: [e-mail]

RESUMO

OBJETIVOS: identificar a completitude e a consistência dos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) em Pernambuco e analisar a qualidade das informações sobre mortalidade infantil obtida a partir desses sistemas.

MÉTODOS: relacionou-se as bases de dados do SIM e do Sinasc por meio da técnica de linkage, utilizando os métodos determinístico e probabilístico. O banco de dados obtido foi analisado segundo o tipo de relacionamento, componente da mortalidade infantil e porte populacional dos municípios de residência. Para a análise do preenchimento dos campos dos registros foram consideradas as variáveis comuns aos dois sistemas.

RESULTADOS: o linkage determinístico contribuiu fortemente para a identificação dos pares verdadeiros dos óbitos neonatais, enquanto que o método probabilístico permitiu o resgate de grande parte dos registros pós-neonatais, especialmente em municípios menores. Além disso, foi observado um aumento significativo na completitude das informações analisadas, com uma maior contribuição do Sinasc para o incremento de informações no SIM.

CONCLUSÃO: o linkage possibilitou uma redução no percentual de campos ignorados de todas as variáveis analisadas para menos de 1%, em ambos os sistemas, mostrando-se uma importante ferramenta para o conhecimento e aprimoramento da qualidade das informações sobre mortalidade infantil.

Palavras-chave: Mortalidade infantil, Sistemas de informação, Estatísticas vitais

ABSTRACT

OBJECTIVES: to ascertain the degree of completeness and consistency of data in the Mortality Information System (SIM) and the Live Births Information System (Sinasc) in Pernambuco and to analyze the quality of information on child mortality obtained using these systems.

METHODS: the SIM and Sinasc databases were combined using the linkage technique and deterministic and probabilistic methods. The data base obtained was analyzed according to the type of relation, the child mortality component and the demographic scope of the municipality of residence. Analysis of the fields filled in in the registers considered variables common to both systems.

RESULTS: deterministic linkage helped greatly to identify true pairs of neonatal deaths, while the probabilistic method allowed a large portion of the postneonatal records to be recovered, especially in smaller municipalities. It was also found that there was a significant improvement in the completeness of the information analyzed, with the Sinasc contributing more to improve the information contained in the SIM.

CONCLUSION: linkage made it possible to reduce the percentage of empty fields for all variables under study to less than 1% in both systems, showing that this is an important tool for ascertaining and improving the quality of information on child mortality.

Key words: Infant mortality, Information systems, Vital statistics

Introdução

Apesar do uso consagrado do coeficiente de mortalidade infantil como excelente indicador da saúde pública, a maioria dos países em desenvolvimento não dispõe de informações com qualidade satisfatória para calcular este evento. Com isso, torna-se difícil a obtenção de dados reais em virtude das limitações presentes nas fontes de informações,¹ o que compromete a análise dos fatores que influenciam essa mortalidade e, consequentemente, dificulta o planejamento das ações de intervenção.²

Para minimizar esse problema, muitos estudos foram e ainda são realizados com o intuito de analisar não apenas as fontes primárias de informação como também os próprios sistemas informatizados em diversas localidades, empregando diferentes metodologias.^3-7

Os resultados dos diversos estudos realizados sobre a qualidade da informação em saúde em diferentes regiões do país mostram que mesmo com o progressivo aperfeiçoamento do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc), com o crescente nível de cobertura e a melhoria da qualidade dos dados,^1,8 ainda não é possível calcular o coeficiente de mortalidade infantil pelo método direto, principalmente nas Regiões Norte e Nordeste,⁸ bem como em vários municípios brasileiros, com menor número de habitantes.⁹ Os municípios de maior porte do eixo Sul-Sudeste apresentam melhores informações quando comparados aos menores.⁹ Esses achados estão de acordo com o estudo de Luiz et al.,¹⁰ que estudaram os diferenciais intermunicipais de condições de vida e saúde, identificando diferentes níveis de desenvolvimento de acordo com o porte populacional.

Os fatores que comprometem a qualidade da informação de ambos os sistemas é a subinformação, ¹¹ a subnotificação,¹¹ o sub-registro^11,12 e a baixa confiabilidade dos dados^4,13,14 pela presença de variáveis ignoradas ou não preenchidas8 e ainda no SIM, erro na classificação do tipo de óbito e da causa básica da morte.

Um dos fatores que comprometem a qualidade da informação disponibilizada pelos sistemas é a falha no preenchimento da Declaração de Óbito (DO),^6,7 incluindo o erro na classificação da causa básica da morte, a subnotificação,¹¹ o subregistro^11,12 e presença de variáveis ignoradas ou não preenchidas.⁸

Além da subinformação e da baixa confiabilidade dos dados,^4,13,14 o preenchimento dos campos das declarações de nascimentos (DN) e óbitos (DO), que representa a completitude dos registros, um dos atributos de qualidade, sendo esta a segunda dimensão de qualidade mais avaliada, apresentando uma diversidade de resultados não apenas entre os sistemas analisados, como também entre as variáveis dentro de um mesmo sistema e entre diferentes localidades. ^1,14-16

Uma opção de relativo baixo custo operacional^14,17 para a análise da qualidade do preenchimento de dados é a comparação entre sistemas de informação, a partir da aplicação da metodologia de relacionamento de bases de dados ou linkage, com excelente viabilidade,^17-19 trazendo como vantagem a possibilidade de análises mais detalhadas da qualidade de dados oficiais⁸ e ganho de informações comuns aos sistemas relacionados.^20,21 Além disso, permite a formulação de críticas à qualidade dos sistemas, servindo como estímulo para o aperfeiçoamento dos mesmos.²¹

No estudo da mortalidade infantil esta metodologia tem sido empregada e se mostrado uma ferramenta útil. Nestes casos é comum o compartilhamento das informações dos dois sistemas específicos de registros de nascimentos e óbitos, Sinasc e SIM, respectivamente.²²

Neste sentido, esse trabalho teve como objetivo identificar a completitude e a consistência entre os dados do SIM e do Sinasc em Pernambuco e analisar a qualidade das informações sobre mortalidade infantil obtida a partir desses sistemas, segundo porte dos municípios.

Métodos

Estudo descritivo de corte transversal no qual foi realizado o relacionamento das bases de dados dos dois sistemas para avaliação da dimensão completitude, o SIM, com 3267 registros de óbitos em menores de um ano, notificados em 2005, e do Sinasc com registro de 301.834 nascidos vivos nos anos 2004 e 2005 no Estado de Pernambuco.

Para o linkage das bases foram aplicados os métodos de relacionamento determinístico e probabilístico. No primeiro, foi utilizada como variávelchave o número da declaração de nascido vivo e no segundo, as variáveis foram: nome da mãe, município de residência, data de nascimento e sexo da criança. Para execução do relacionamento probabilístico das bases foi utilizado o programa ReclinkIII,²¹ que permitiu a aplicação do algoritmo soundex para a codificação do primeiro e último nomes das mães, a fim de minimizar o efeito de erros ou diferenças de grafia nos dois sistemas sobre o pareamento. Foram considerados pares apenas os registros que apresentaram todas as variáveis coincidentes, sendo ainda realizada uma revisão de todos os pares identificados.

Foram também relacionados os óbitos fetais com o Sinasc, a fim de identificar possíveis erros de classificação.

A base de dados resultante foi analisada segundo o tipo de relacionamento, componentes, neonatal e pós-neonatal, e, porte populacional dos municípios de residência.

Na estratificação do Estado por porte municipal, buscou-se classificar os municípios nas categorias pequeno, médio e grande porte, partindo do pressuposto da existência de diferentes níveis de qualidade dos sistemas de informação.^9,10 Para a construção do porte populacional os municípios foram agregados em estratos de acordo com o número de residentes: porte 1 (municípios com menos de 20.000 habitantes); porte 2 (20.000 a 49.999); porte 3 (50.000 a 99.999); porte 4 (100.000 a 499.999); porte 5 (500.000 a 1 milhão); e o porte 6, com mais de 1 milhão de habitantes, no qual encontra-se a capital pernambucana.

Na análise da completitude foram considerados apenas os campos dos registros pareados: sexo, peso ao nascer, raça/cor, idade da mãe, instrução da mãe, tipo de gravidez, tipo de parto e duração da gestação. Para esta análise foram consideradas informações incompletas aquelas cujos campos não estavam preenchidos e aquelas preenchidas com o código de ignorado. Além da completitude, foram calculadas as proporções de campos sem informação em relação ao total de existentes.

Este estudo é parte integrante da pesquisa intitulada "Integração de Banco de Dados como Metodologia para Melhoria do Acesso e Qualidade da Informação da Gestão em Epidemiologia" financiada pelo Ministério da Saúde mediante convênio com a Secretaria de Vigilância à Saúde e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fiocruz /PE sob o registro CEP/CPqAM/Fiocruz: 67/07, CAAE: 0067.0.095.000-07.

Resultados

Os municípios considerados de pequeno porte, com menos de 50.000 habitantes (portes 1 e 2), correspondem a 82,7% do Estado; os de médio porte (3 e 4) representam 16,2%; e os de grande porte populacional (>500 mil habitantes), são representados por apenas dois municípios (portes 5 e 6).

O linkage realizado pelo método probabilístico entre os óbitos fetais e nascidos vivos identificou 31 erros de classificação. Estes óbitos mal classificados foram acrescentados aos óbitos não fetais no SIM, totalizando 3298 óbitos em 2005. Destes, 1934 (59%) foram pareados com os nascidos vivos do Sinasc (2004 e 2005) mediante relacionamento determinístico; 949 (29%) por meio de pareamento probabilístico e 415 (13%) óbitos não foram localizados no Sinasc.

A Figura 1 apresenta a distribuição percentual dos registros do SIM e do Sinasc pareados e não pareados segundo tipo de linkage e porte municipal, mostrando que quanto maior o porte municipal, maior identificação dos pares, 90% no município de porte 6.

Quanto ao linkage probabilístico, observou-se um incremento de pares superior a 30% nos portes 1 a 4. Os registros não pareados apresentam uma variação de 14,8% no porte 4 a 2,6% no município de porte 6.

Na análise do tipo de relacionamento por componente da mortalidade infantil observou-se que o linkage determinístico conseguiu maior pareamento (quase 70% dos óbitos neonatais). Com a metodologia probabilística, a maior proporção de pareamento foi no componente pós-neonatal (44,5%). Quanto aos óbitos infantis não pareados, 11% neonatais e 15,6% pós-neonatais, não foram encontrados registros na base de dados do Sinasc.

Na análise por porte populacional dos municípios, o componente neonatal obteve menor percentual de pares formados pelo método determinístico (nos portes 1 a 4), com variação de 63,9% no porte 1 a 95,6% no porte 6. No método probabilístico a situação foi inversa, variando de 25% no porte 4 a 2,9% no porte 6.

Os registros pós-neonatais apresentaram percentuais mais elevados em relação aos pares formados probabilisticamente, quando analisados os municípios de menor porte (1 a 4), e o de maior porte (6) destacou-se com 89,5% dos pares obtidos pelo linkage determinístico (Tabela 1).

De acordo com a Tabela 2, antes do relacionamento dos bancos, o SIM apresentava 89,9% de completitude geral. Com exceção da variável sexo, todas as demais apresentaram menos de 90% de completitude, sendo a instrução da mãe a variável com pior nível de preenchimento. Já o Sinasc apresentou um grau de completitude de 99,2%, com exceção das variáveis: instrução da mãe (98,4%) e raça/cor (97,1%).

Com o método de relacionamento dos bancos dos dois sistemas foi possível resgatar um considerável número de campos não preenchidos, de maneira mais significativa do Sinasc para o SIM, embora este último tenha incrementado ao Sinasc 64 registros referentes à raça/cor e 29 para instrução da mãe. Após o linkage foi possível alcançar um grau de completitude de 99,7%, em ambos os sistemas.

Discussão

A aplicação do método de linkage nos bancos do SIM e do Sinasc visa identificar e resgatar informações que estão presentes em um sistema e ausentes ou incompletas no outro.

A distribuição dos óbitos infantis segundo os componentes neonatal e pós-neonatal e o porte municipal possibilitou o conhecimento das desigualdades existentes entres os municípios de Pernambuco, em relação à qualidade da informação produzida.

Com relação à qualidade da informação, esperase uma melhor qualidade dos registros vitais de nascimentos e óbitos neonatais, considerando que a maioria desses eventos acontece em hospitais.

Neste estudo, embora os óbitos neonatais, quando comparados aos pós-neonatais, tenham apresentado um maior número de registros pareados deterministicamente, indicando uma melhor qualidade das informações, os valores encontram-se ainda aquém do esperado. Apenas os municípios com população acima de 500 mil habitantes obtiveram mais de 80% dos óbitos neonatais pareados através do linkage determinístico.

Os resultados apresentados no atual estudo para os municípios de pequeno e médio portes se comportaram de maneira muito semelhante aos encontrados por Frias et al.,⁹ que verificaram maiores problemas na qualidade das informações em municípios menores. Mostraram também que quanto maior o município, maiores são os registros pareados deterministicamente e menor a ocorrência de não pares, e inversamente, quanto menor o município, maior é a contribuição do linkage probabilístico e um número maior de registros não são pareados.

Diante do exposto, evidencia-se a necessidade da adoção de estratégias prioritárias, principalmente para os municípios com população inferior a 500 mil habitantes, os quais, em Pernambuco, concentraram 83,2% dos óbitos de menores de 1 ano, refletindo diretamente no coeficiente de mortalidade infantil do Estado.

Dentre as estratégias já adotadas visando à melhoria da qualidade das informações, a técnica de linkage deveria ser uma das medidas a ser adotada na rotina dos serviços municipais de saúde, e a gestão estadual poderia incentivar e utilizá-la para o relacionamento dos seus bancos de dados consolidados. Outra estratégia, importante para o aprimoramento da qualidade dos sistemas de informação, é um maior investimento na área de vigilância à saúde, garantindo infra-estrutura adequada e condições de trabalho para as equipes envolvidas nas atividades de coleta dos dados, processamento, análises e retroalimentação das informações.

Quanto à completitude, a contribuição, como era esperada,⁹ ocorreu de modo mais expressivo do Sinasc para o SIM, em virtude dos próprios objetivos dos sistemas.

Outros estudos, em localidades distintas, revelaram percentuais de campos incompletos nas declarações de óbitos de menores de um ano bastante superiores aos encontrados em Pernambuco.^15,23 Tal fato reforça a potencialidade da utilização do relacionamento dos bancos de dados como uma importante estratégia para o aprimoramento da qualidade dos sistemas nacionais de informação em saúde.

Como os resultados apontaram, o linkage possibilitou o resgate de um grande número de informações que estavam incompletas em ambos os sistemas, além de identificar erros de classificação dos óbitos que modificam os indicadores de mortalidade infantil do Estado. Neste sentido, esta técnica se configura como excelente ferramenta para melhoria da qualidade das informações produzidas, além de favorecer a dinâmica dos serviços de vigilância, sobretudo referentes às estatísticas vitais.

Recebido em 30 de abril de 2011

Versão final apresentada em 7 de fevereiro de 2012

Aprovado em 25 de junho de 2012

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Set 2012
• Data do Fascículo
  Set 2012

Histórico

• Recebido
  30 Abr 2011
• Aceito
  25 Jun 2012