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Saúde e pobreza urbana

EDITORIAL EDITORIAL

Saúde e pobreza urbana

Malaquias Batista Filho

Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira. Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista. Recife, PE, Brasil. CEP: 50.070-550. E-mail: mbatista@imip.org.br

No próximo mês de junho deve ser realizado no Recife o I Workshop Brasileiro sobre Saúde de Aglomerados Urbanos Subnormais, a nova denominação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para designar territórios e populações de baixas condições socioeconômicas radicadas nas periferias de cidades de grande e médio porte, antes chamadas de favelas, cortiços, paliçadas e vilas-miséria, na literatura sociológica da América Latina.

O evento pioneiro deve ocorrer (e essa é sua principal justificativa) num contexto histórico, político, demográfico e epidemiológico muito característico e muito importante. Assim, no ano passado (2012) pela primeira vez na história da humanidade, a população urbana do planeta ultrapassou o efetivo demográfico espalhado nos espaços rurais, culminando o processo migratório campo/cidade, que passou a ser bem caracterizado com o advento da Revolução Industrial e que se acelerou notavelmente na segunda metade do século passado.

A sociologia, a antropologia e a economia têm acompanhado de perto a evolução desse processo, que tendo nas migrações internas seu principal vetor, é complementado de forma significativa, pelo próprio crescimento vegetativo da população urbana. Em evidente contraste com as abordagens das ciências sociais, as ciências da saúde não tem dado a importância correspondente às implicações do processo de urbanização na díade saúde/doença.

Sem dúvida, a mobilização das Nações Unidas em 2012, através do Fundo de Proteção a Infância e Adolescência representado sobretudo pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), está pautando uma nova corrente universal de interesse para as populações faveladas. Num contexto mais amplo e mais exterior, as Nações Unidas já tinham pactuado, nas chamadas Metas do Milênio (ano 2000), dirigir esforços internacionais no sentido de reduzir a miséria que se concentra sobretudo nos assentamentos urbanos, em conexão muito direta com a pobreza que prevalece no meio rural dos países menos desenvolvidos. Isto significa, num compromisso de ações convergentes, enfrentar o problema do subemprego e do desemprego, das ocupações eticamente inaceitáveis, como a prostituição e o tráfico de drogas, ao lado do controle das diversas formas de violência, a questão do saneamento em seu binômio mais representativo (água potável e esgotos sanitários), as moradias pequenas e insalubres, a escassez de serviços públicos básicos e até, em situações extremas, a ausência do próprio Estado como representação política e institucional da sociedade.

São situações em que o crime organizado assume, muitas vezes, o papel do referido Estado, como um efetivo poder paralelo, mobilizando grupos armados sob o comando de facções (muitas vezes rivais), que mantêm um clima de permanente violência. Trata-se, de fato, de um ecossistema diferenciado por suas origens, estruturas e funções, organizando-se e funcionando como guetos políticos e sociais nos espaços urbanos de exclusão social. Representam afinal uma causa que mais do que ao Brasil interessa ao mundo, com suas assimetrias, suas encruzilhadas, e seus desafios paradigmáticos.

O que esperar das condições de saúde em situações socioambientais tão adversas? É evidente que não se aguarda um saldo positivo. Como a transição epidemiológica, que muda de uma geração pra outra o quadro de morbi-mortalidade, está se fazendo nas populações faveladas?

Infelizmente, não se dispõe de dados consolidados e confiáveis para responder a estas questões e seus desdobramentos. E, certamente, já é hora de buscar respostas, num país de desigualdades tão marcantes como o Brasil que, sendo uma das seis maiores economias do mundo, ocupa uma posição secundária em termos de índices de qualidade de vida de sua população. Assim, ganhamos da maior parte dos países mais ricos em termos de produto interno bruto, enquanto perdemos de grande parte dos países mais pobres ou em desenvolvimento, quando são avaliados os dividendos sociais que a vanguarda econômica produz, mas que não chegam para todos. E é nesse contexto de contrastes e restrições que se enquadra o setor saúde.

Portanto, o I Workshop sobre Saúde de Aglomerados Urbanos Subnormais no Brasil deve ocorrer num contexto muito apropriado, seja em nível internacional, seja sobretudo, na situação interna de nossos problemas e desafios. O evento a ser realizado no Recife representa em oportunidade singular para reunir as experiências pontuais que estão sendo realizadas nas diversas regiões do país: no Norte, onde se concentram, em termos relativos, os maiores contingentes humanos radicados em favelas; no Nordeste, onde Recife, Salvador e Fortaleza figuram como polos urbanos mais afetados por formações faveladas; no Sudeste, onde os guetos do Rio de Janeiro e São Paulo figuram na crônica internacional de marginalidade urbana e, finalmente no Centro-oeste e Sul, onde comunidades pobres, marginalizadas e estigmatizadas pela violência de grupos organizados, se estendendo por várias cidades do Estado de Santa Catarina, começam a ganhar notoriedade nos meios de comunicação do país e no exterior.

É muito provável que dois dias de debates não sejam suficientes para dimensionar, qualitativa e quantitativamente, o conjunto de problemas de saúde que se esconde no universo ainda pouco conhecido das favelas brasileiras. Os perfis epidemiológicos de suas populações, o desempenho dos serviços públicos de saúde e rede de proteção social, política e as ações do governo e sua efetividade são, ainda, aspectos pouco conhecidos.

No entanto, espera-se no evento programado, alcançar alguns consensos sobre o pouco que já se conhece, o muito que ainda se deve fazer e, como corolário, o muitíssimo a ser realizado para se conhecer mais e melhor, em termos de estudos multiprofissionais e interdisciplinares, sobre a situações de saúde de populações faveladas e suas condicionantes mais evidentes. É este o cenário de referências como primeira perspectiva do Workshop Nacional sobre Saúde de Populações ambientadas nos espaços de favelas no Brasil, que deve contar, na expectativa dos promotores do evento, com a participação de autoridades representativas dos poderes públicos na área de saúde, ao lado da contribuição de agências internacionais das Nações Unidas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013
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