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Fatores associados à dor musculoesquelética em escolares da rede pública municipal no extremo sul do Brasil

Factors associated with musculo-skeletal pain in municipal public school students in the far South of Brazil

Resumos

Objetivos:

identificar os fatores associados à dor musculoesquelética (DME) em escolares da rede municipal de ensino na cidade de Rio Grande, extremo sul do Brasil, entre junho e dezembro de 2010.

Métodos:

trata-se de um estudo seccional conduzido em uma amostra aleatória de 625 escolares entre seis e 18 anos de idade. A DME foi pesquisada utilizando o Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO) e informações demográficas, biológicas, forma de transporte do material escolar e de estilo de vida obtidas via questionário padronizado. As razões de prevalência bruta e ajustada da associação da DME com os fatores investigados foi estimada em um modelo de regressão de Poisson.

Resultados:

a prevalência de DME foi de 37,6%. Idade entre 11 e 18 anos (RP=1,70; IC95%=1,36- 2,11; p<0,001), sexo feminino (RP=1,47; IC95%=1,19-1,81; p<0,001) e histórico familiar de distúrbio na coluna (RP=0,78; IC95%=0,64-0,96; p=0,020) estiveram associados ao desfecho. Não praticar esportes de competição foi um fator de proteção (RP=0,65; IC95%=0,51-0,81; p<0,001).

Conclusão:

estes resultados confirmam a influência negativa de diferentes fatores presentes no ambiente escolar sobre a saúde dos estudantes. Considera-se como medida importante a implantação de programas de promoção da saúde nas escolas, que estimulem entre os estudantes a adoção de práticas saudáveis que minimizem os efeitos deletérios da DME.

Saúde escolar; Promoção da saúde; Dor musculoesquelética


Objectives:

to identify the factors associated with musculo-skeletal pain (MSP) in schoolchildren in municipal public schools in the city of Rio Grande, in the far south of Brazil, between June and December 2010.

Methods:

a sectional study was carried out with a random sample of 625 schoolchildren aged between six and eighteen years of age. MSP was investigated using the Nordic Osteomuscular Symptoms Questionnaire (NOSQ) and information relating to demographic and biological factors, the means of transport of school materials and lifestyle, obtained using a standardized questionnaire. The raw and adjusted prevalence rations for association between MSP and the factors under study were estimated using a Poisson regression model.

Results:

the prevalence of MSP was 37.6%. Being aged between 11 and 18 years (PR=1.70; CI95%=1.36-2.11; p<0.001), being female (PR=1.47; CI95%=1.19-1.81; p<0.001) and a family history of back pain (PR=0.78; CI95%=0.64-0.96; p=0.020) were associated with the outcome. Not practicing competitive sports was a protective factor (PR=0.65; CI95%=0.51-0.81; p<0.001).

Conclusions:

these results confirm the negative influence of various factors present in the school environment on the health of students. It is considered an important measure to introduce health promotion programs in schools to encourage students to adopt healthy practices that minimize the deleterious effects of MSP.

School health; Health promotion; Musculoskeletal pain


Introdução

A dor musculoesquelética (DME) pode ser conceituada como qualquer alteração que gere uma situação de dor em determinada parte do corpo.1Grimes P, Legg S. Musculoskeletal Disorders (MSD) in school students as a risk factor for adult MSD: A review of the multiple factors affecting posture, comfort and health in classroom environments. J Human-environmental Syst. 2007;7(1):1-9. Antigamente, somente era dada importância para a presença da DME associada a uma doença subjacente, sem considerar a origem multifatorial da dor e sua presença sem associação com alguma patologia específica.2Cardon G, Balagué F. Low back pain prevention's effects in schoolchildren. What is the evidence? Eur Spine J. 2004;13(1):663-79.

A prevalência de DME entre escolares varia entre 12,2-30,4% em estudos nacionais e internacionais.3De Inocencio J. Epidemiology of musculoskeletal pain in primary care. Arch Dis Child. 2004;89:431-4.

Olsen TL, Andetson RL, Deanwate SR, Kiska AM, Cauley JA, Aaron DJ, Laporte RE. The epidemiology of low back pain an adolescent population. Am J Public Health. 1992;82(4):605-8.

Zapata AL, Moraes AJP, Leone C, Doria-Filho U, Silva CAA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165:408-14.
-6De Vitta A, Martinez MG, Piza NT, Simeão SFA, Ferreira NP. Prevalence of lower back pain and associated factors in students. Cad Saúde Pública. 2011;27:1520-8. A literatura relata que a prevalência de DME nesta população é elevada e vem agravandose, podendo causar impacto sobre a prestação de cuidados à saúde, funcionalidade e participação do indivíduo na sociedade.7Mcbeth J, Jones K. Epidemiology of chronic musculoskeletal pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2007;21(3):403-25.,8Timpka S, Petersson IF, Zhou C, Englund M. Muscle strength in adolescent men and future musculoskeletal pain: a cohort study with 17 years of follow-up. BMJ Open. 2013;28(3):1-16.

Embora a DME possa ser atribuída a diferentes causas, caracterizando-a como uma condição multifatorial,8Timpka S, Petersson IF, Zhou C, Englund M. Muscle strength in adolescent men and future musculoskeletal pain: a cohort study with 17 years of follow-up. BMJ Open. 2013;28(3):1-16. pesquisas têm mostrado que muitas lesões musculoesqueléticas têm fatores de risco comuns, tais como idade,4Olsen TL, Andetson RL, Deanwate SR, Kiska AM, Cauley JA, Aaron DJ, Laporte RE. The epidemiology of low back pain an adolescent population. Am J Public Health. 1992;82(4):605-8. sexo,6De Vitta A, Martinez MG, Piza NT, Simeão SFA, Ferreira NP. Prevalence of lower back pain and associated factors in students. Cad Saúde Pública. 2011;27:1520-8. raça,9Rhee H. Racial/ethnic differences in adolescents physical symptoms. J Pediatr Nurs. 2005;20(3):153-62. excesso de peso da mochila escolar,3De Inocencio J. Epidemiology of musculoskeletal pain in primary care. Arch Dis Child. 2004;89:431-4. sedentarismo,5Zapata AL, Moraes AJP, Leone C, Doria-Filho U, Silva CAA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165:408-14. elevado índice de massa corporal1010 Stovitz SD, Pardee PE, Vazquez G, Duval S, Schwimmer JB. Musculoskeletal pain in obese children and adolescents. Acta Pædiatra. 2008;97(4):489-93.,1111 Schönau E. Kindliche adipositas - folgen für den Bewegungsapparat und Therapieansätze. Bundesgesundheitsbl. 2013;56:528-31. e tabagismo.

Evidências demonstram que a presença de DME em duas ou mais regiões corporais é frequente entre escolares, sendo mais referidas as regiões da coluna vertebral,6De Vitta A, Martinez MG, Piza NT, Simeão SFA, Ferreira NP. Prevalence of lower back pain and associated factors in students. Cad Saúde Pública. 2011;27:1520-8. membros inferiores1313 Noll M, Candotti CT, Tiggeman CL, Schoenell MCW, Vieira A. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em escolares do ensino fundamental do município de Teutônia, Rio Grande do Sul. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2012;12(4):395-402. e pescoço.1414 Diepenmaat AC, Van der Wal MF, de Vet HC, Hirasing RA. Neck/shoulder, low back, and arm pain in relation to computer use, physical activity, stress, and depression among dutch adolescents. Pediatrics. 2006;117(2):412-6. Indivíduos com DME buscam mais atendimento por profissional da área da saúde e utilizam mais medicamentos para dor, o que acarreta uma modificação das atividades rotineiras, afetando assim sua qualidade de vida.1515 Coleman J, Straker L, Ciccarelli M. Why do children think they get discomfort related to daily activities? Work. 2009;32(1):267-74.

Investigar a prevalência da dor musculoesquelética em escolares e identificar os fatores que contribuem para o seu aparecimento oferece subsídios para o fortalecimento e desenvolvimento das politicas públicas na escola, voltadas para ações que considerem a influência dos diversos fatores relacionados ao ambiente em que os estudantes estão inseridos, e não somente suas características individuais.1616 Gonçalves FD, Catrib AMF, Vieira NFC, Vieira LFES. A promoção da saúde na educação infantil. Interface (Botucatu). 2008;12(24):181-92.

Sendo assim, este estudo se justifica pela importância de conhecer a situação vivenciada pelos escolares, identificando os elementos associados ao ambiente escolar que influenciam a sua condição musculoesquelética. Desta forma, o presente estudo teve o intuito de avaliar a prevalência de DME e seus fatores determinantes em escolares da rede pública de ensino de um município do extremo sul do Brasil.

Métodos

Trata-se de um estudo epidemiológico transversal analítico, que teve como público-alvo escolares matriculados entre o 1º e o 9º ano de quatro escolas municipais da cidade de Rio Grande/RS. O município de Rio Grande está situado no extremo sul do Brasil, com uma população aproximada de 206.161 pessoas, desta, 57.563 são usuários da rede de ensino, distribuídos em 96 escolas de ensino fundamental (15 privadas, 28 estaduais e 53 municipais); 21 de ensino médio (sete privadas, 13 estaduais e um federal) e 77 pré-escolas (18 privadas, 17 estaduais e 42 municipais).1717 IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). [acesso em jun 2014]. Disponível em: http/www.ibge.gov.br/home
http/www.ibge.gov.br/home...

Foram incluídos no estudo escolares com idade entre seis e 18 anos, com condições cognitivas de compreender e responder ao instrumento de coleta de dados e que não apresentassem diagnóstico médico de patologia musculoesquelética.

O tamanho da amostra foi calculado utilizando como parâmetros uma prevalência de DME de 30%, erro alfa de 5% e uma margem de erro de 4%, o que totalizou 504 escolares. Ao acrescentarmos 10% para perdas, o total da amostra foi 554 escolares. Para o estudo de associação considerou-se um poder estatístico de 80%, um erro alfa de 5%, um risco relativo maior ou igual a 1,45 e uma prevalência entre os não-expostos (variável excesso de peso na mochila) de 28%, totalizando 474 escolares. Assim, acrescentando-se 10% para perdas e 15% para controle de fatores de confusão foi identificada a necessidade de uma amostra total de 599 escolares.

O processo amostral foi realizado em dois estágios. No primeiro, foram selecionadas as escolas a partir de uma lista de instituições de ensino fundamental que tinham vínculo com projetos da Universidade Federal do Rio Grande e que estivessem distribuídas em diferentes bairros do município. Posteriormente, os escolares foram sorteados a partir da lista de chamada de cada turma, guardando-se a proporcionalidade em relação ao número total de crianças matriculadas e ao número de turmas existentes em cada escola.

A coleta de dados foi realizada na escola, entre junho e dezembro de 2010, no turno de atividade escolar, em local reservado, previamente definido pela direção da escola. Os dados foram coletados por dois avaliadores devidamente treinados, sendo um responsável pela primeira etapa da coleta, que consistiu na aferição de peso e altura corporal e peso da mochila, utilizando balança antropométrica mecânica de 150 Kg, sem calçados e com o mínimo de vestimentas, e o segundo, responsável pela aplicação dos instrumentos de coleta de dados.

Informações sobre DME foram obtidas por meio do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO) simplificado e adaptado,1818 Pinheiro FA, Trócolli BT, Carvalho CV. Validação do questionário nórdico de sintomas osteomusculares como medida de morbidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):307-12. excluindo-se as variáveis relativas à situação ocupacional, e com o auxílio de uma ilustração do corpo humano. Informações sobre outros fatores potencialmente associados ao DME, não incluídos no QNSO, foram obtidas por meio de outro questionário padronizado.

O QNSO é um instrumento quantitativo que identifica a presença, localização e magnitude dos sintomas osteomusculares.1818 Pinheiro FA, Trócolli BT, Carvalho CV. Validação do questionário nórdico de sintomas osteomusculares como medida de morbidade. Rev Saúde Pública. 2002;36(3):307-12. Originalmente, o instrumento avalia a presença de DME nos 12 meses e sete dias anteriores à entrevista. Contudo, buscando-se evitar um possível viés de memória, considerou-se neste estudo a presença de sintomas nos sete dias que antecederam a entrevista.

Definiu-se como presença de DME, a queixa de DME, referida pelo escolar, em pelo menos uma das seguintes regiões do corpo: pescoço/região cervical, ombros, punho/mãos/dedos, coluna dorsal, coluna lombar e quadril/membros inferiores.

O estado nutricional foi classificado de acordo com o índice de massa corporal IMC/idade,1919 Onis M, Onyango AW, Borghi E, Siyam A, Nishida C, Siekmann J. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bulletin of the World Health Organization. 2007;85 (9):660-7. sendo categorizado em: baixo peso (percentil < 5), eutrófico (percentil > 5 e <85); sobrepeso/obeso (percentil > 86). Esta escala de estado nutricional leva em consideração o peso, altura, idade e sexo da criança/adolescente.

O instrumento de transporte do material escolar pelo estudante foi classificado segundo o tipo (mochila com alças, carrinho e pasta de mãos/ um ombro só); modo de transporte (costas - 2 alças, costas - 1 alça e braços/mãos) e o peso do material (razão entre o peso do material escolar e o peso do estudante), que foi categorizado em adequado (razão _ 10%) ou inadequado (razão >10%).

As variáveis de exposição foram organizadas seguindo modelo hierárquico e, em cada nível, foram ajustadas entre si e para as variáveis de níveis superiores, por meio de seleção para trás, considerando um valor de p<0,20 para inclusão das variáveis durante a análise ajustada, nível a nível. O modelo de análise foi composto como segue: 1º nível - Características demográficas (idade, sexo, cor); 2º nível - Determinantes biológicos (histórico familiar de dores na coluna, situação nutricional); 3º nível - Fatores associados à escola (tipo de suporte e modo de transporte do material escolar, peso da mochila escolar); estilos de vida (práticas sedentárias, realização de atividade física na escola, prática de atividade física fora do ambiente escolar, participação em esporte, esporte de competição, tabagismo).

Utilizaram-se o programa Epi-Info 6.04 e STATA 10.0 para a entrada, consistência e análise dos dados. Inicialmente foi verificada a distribuição de frequência das variáveis. A magnitude da associação entre DME e as variáveis de independentes foi estimada pelo cálculo da razão de prevalência bruta e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança (95%) pelo método da regressão de Poisson com estimativas de variância robusta. As variáveis estatisticamente associadas ao desfecho com valor de p<0,05 foram mantidas no modelo final.

O estudo atendeu às diretrizes da resolução 196/96 do CNS tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande (CEPAS-FURG), sob número 20/2010.

Resultados

A Tabela 1 descreve as características dos escolares e a distribuição das variáveis independentes conforme o desfecho estudado. Dos 650 escolares elegíveis para o estudo 2,5% (n=16) recusaram-se a participar e 1,5% (n=9) foram classificados como perda, chegando a uma amostra final de 625 escolares. Cerca de 50% eram do sexo feminino e tinham idade entre 11 e18 anos. Aproximadamente 70% eram de cor branca e em torno de 40% apresentavam história familiar de dor musculoesquelética.

Tabela 1
Prevalência da dor musculoesquelética (DME) segundo características sociodemográficas, antropométricas e clínicas em escolares do 1º ao 9º ano do município de Rio Grande, RS, 2011.

Com relação à condição nutricional dos escolares avaliados, maior parte era eutrófica e quanto ao tipo de suporte para o transporte do material escolar, a maioria usava mochila com duas alças carregada nas costas.

Dos escolares avaliados, 29,7% transportavam material escolar com peso superior a 10% do seu peso corporal.

Em relação aos hábitos de vida, verificou-se que 22,9% realizavam pelo menos uma das práticas sedentárias investigadas. Destes, 64,6% referiram permanecer três horas ou mais por dia assistindo televisão; 31,2% relataram este mesmo tempo em frente ao computador e 23,3% jogando videogame.

Cerca de 80% dos entrevistados praticavam educação física na escola. A frequência desta prática era diferente entre os escolares, podendo ser três (7,8%), duas (46,5%), ou uma (45,7%) vez por semana.

Entre os 625 escolares examinados, 235 relataram DME em pelo menos uma das regiões investigadas, obtendo-se uma prevalência de 37,6% (IC95% 33,7 - 41,4). Entre os que referiram DME, os locais mais prevalentes foram: punhos/ mãos/dedos (12,2%; n=29), quadril/membros inferiores (12,2%; n=29), ombros (11,2%; n=26), região dorsal da coluna vertebral (11,0%; n=26), região lombar (10,9%; n=26) e pescoço/região cervical (10,1%; n=24).

Na Tabela 2 estão apresentados os resultados da análise bruta e ajustada da associação da DME com os fatores investigados que apresentaram valor de p menor que 0,20 na análise multivariável. As variáveis idade, sexo, histórico familiar de distúrbios da coluna, esportes de competição e tabagismo apresentaram associação significativa com o desfecho na análise bruta. Contudo, na análise ajustada a variável tabagismo perdeu sua associação com DME.

Tabela 2
Análise bruta e ajustada da associação da dor musculoesquelética (DME) com variáveis selecionadas em escolares (N=625) do 1º ao 9º ano do município de Rio Grande, RS, 2011.

Os escolares com idade entre 11 e 18 anos, apresentaram um risco 70% maior de apresentar DME quando comparados aos escolares de seis e dez anos.

Quanto ao sexo, as meninas apresentaram um risco cerca de 70% maior do que nos meninos.

A história familiar de distúrbio de coluna mostrou-se associado ao desfecho, sendo o risco maior (p<0,001) entre as crianças cujos pais apresentavam esses sintomas.

O fato do escolar não realizar esporte de competição mostrou-se como um fator de proteção para o desfecho (p<0,001).

A variável tabagismo não apresentou associação significativa com o desfecho na análise ajustada (p=0,192).

Discussão

Os resultados do estudo mostraram que a prevalência de dor musculoesquelética encontra-se dentro dos percentuais descritos na literatura, que variam de 12,2% a 40%.5Zapata AL, Moraes AJP, Leone C, Doria-Filho U, Silva CAA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165:408-14.,2020 Kistner F, Fiebert I, Roach K, Moore J. Postural Compensations and subjective complaints due to backpack loads and wear time in schoolchildren. Pediatr Phys Ther. 2013;25(1):15-24. Esta elevada prevalência de DME pode vir a desencadear diferentes problemas osteomusculares, tais como alterações posturais, dificultar o processo de aprendizagem, bem como a realização das atividades da vida diária.1313 Noll M, Candotti CT, Tiggeman CL, Schoenell MCW, Vieira A. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em escolares do ensino fundamental do município de Teutônia, Rio Grande do Sul. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2012;12(4):395-402.

No presente estudo, a análise multivariada mostrou que idade, sexo, histórico familiar de dor nas costas e prática de esportes de competição estiveram associados à ocorrência de DME entre os escolares.

A prevalência de DME foi quase duas vezes maior nos escolares com idade entre 11 e 18 anos quando comparada aos com idade entre seis e dez anos. Esses resultados corroboram com estudos prévios que mostraram a elevação da frequência de dor musculoesquelética com o aumento a idade.5Zapata AL, Moraes AJP, Leone C, Doria-Filho U, Silva CAA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165:408-14.,2121 King S, Chambers CT, Huguet A, MacNevin RC, McGrath PJ, Parker L, MacDonald AJ. The epidemiology of chronic pain in children and adolescents revisited: a systematic review. Pain. 2011;152:2729-38. Acredita-se que esta associação possa ser justificada pelo aumento do tempo de exposição a mochilas com excesso de peso que desencadeiam acúmulo de sobrecarga sobre as estruturas musculoesqueléticas.1313 Noll M, Candotti CT, Tiggeman CL, Schoenell MCW, Vieira A. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em escolares do ensino fundamental do município de Teutônia, Rio Grande do Sul. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2012;12(4):395-402. Smith e Leggat,2222 Smith DR, Leggat PA. Back pain in the young: a review of studies conduct among school childrens and university students. Current Pediatr Reviews. 2007;3(1):69-77. revisando a literatura, propõem que a maior prevalência de DME em escolares com maior idade pode estar relacionada à mudanças de hábitos ocorridos com o aumento da idade, como o uso mais frequente de computadores e videogames.

Quanto à maior ocorrência de DME nas meninas do que nos meninos observada neste estudo, essa associação foi observada por outros autores e tem sido atribuída à fatores como puberdade, crescimento rápido, dores na região da posterior do tronco e alterações na coluna vertebral.13 El-Metwally et al.2323 El-Metwally A, Salminen JJ, Auvinen A, Macfarlane G, Mikkelsson M. Risk factors for development of nonspecific musculoskeletal pain in preteens and early adolescents: a prospective 1-year follow-up study. BMC Musculoskelet Disord. 2007;8:1-8. examinando uma coorte de 1756 escolares na Finlândia encontrou uma chance 40% maior de aparecimento de dor na coluna entre as meninas. De Vitta et al.6De Vitta A, Martinez MG, Piza NT, Simeão SFA, Ferreira NP. Prevalence of lower back pain and associated factors in students. Cad Saúde Pública. 2011;27:1520-8. relatam associação semelhante à encontrada neste estudo, atribuindo os resultados à diferença de força muscular entre os gêneros, sendo menor no sexo feminino, característica que aumenta o risco de sobrecarga musculoesquelética.

Este estudo não encontrou associação significativa entre DME e excesso de peso. Um estudo em escolares brasileiros com idade entre seis e 12 anos, que relaciona o índice de massa corporal à dor musculoesquelética encontrou resultado semelhante.2424 Pereira DSL, Castro SS, Bertoncello D, Damião R, Walsh IAP. Relação da dor musculoesquelética com variáveis físicas. Braz J Phys Ther. 2013;17(4):392-400. Contudo, Deere et al.,2525 Deere KC, Clinch J, Holliday K, McBeth J, Crawley EM, Sayers A, Palmer S, Doerner R, Clark EM, Tobias JH. Obesity is a risk factor for musculoskeletal pain in adolescents: findings from a population-based cohort. Pain. 2012;153(9):1932-8. em seu estudo de base populacional com 3376 adolescentes, encontraram associação entre excesso de peso e presença de dor musculoesquelética. Estudo realizado na Alemanha sobre a influência do excesso de peso no sistema musculoesquelético relata que o sobrepeso e/ou obesidade conduz a sobrecarga nas articulações, e consequentemente nas placas de crescimento, ocasionando alterações no desenvolvimento do esqueleto axial, e em toda a estrutura musculoesquelética.1111 Schönau E. Kindliche adipositas - folgen für den Bewegungsapparat und Therapieansätze. Bundesgesundheitsbl. 2013;56:528-31.

Acreditamos que a ausência de associação entre excesso de peso e o desfecho pode ter sido devido à elevada homogeneidade da população estudada quanto as características do estado nutricional, a maioria classificada como eutrófico/baixo peso, a qual não permitiu análises comparativas.

Com relação à associação encontrada entre DME e a presença de histórico familiar de dores na coluna, estes achados corroboram com os resultados relatados na literatura.2626 Power C, Frank J, Hertzman C, Schierhout G, Li L. Predictors of low back pain onset into a prospective British study. Am J Public Health. 2001;91(10):1671-8.,2727 Masiero S, Carraro E, Celia A, Sarto D, Ermani M. Prevalence of nonspecific low back pain in schoolchildren aged between 13 and 15 years. Acta Paediatr. 2008;97(2):212-6. Masiero et al.2727 Masiero S, Carraro E, Celia A, Sarto D, Ermani M. Prevalence of nonspecific low back pain in schoolchildren aged between 13 and 15 years. Acta Paediatr. 2008;97(2):212-6. em pesquisa realizada com 7542 adolescentes italianos encontraram associação entre presença de dor lombar entre escolares e histórico familiar de dor lombar. Contudo, cabe ressaltar que a literatura encontrada está baseada em estudos entre adolescentes e com desfecho de dor lombar, diferentemente do presente estudo que inclui escolares entre seis e 18 anos.

As variáveis relacionadas às características do suporte para transporte do material escolar não mostraram associação significativa com o desfecho na análise multivariada. Contudo, o peso da mochila escolar, seu modelo e o modo de transporte têm sido identificados por outros autores como fatores de risco importantes para o surgimento do DME nos escolares.2828 Aparicio EQ, Nogueras AMM, Sendín NL, Alonso ABR, Pedraz LS, Arenillas JIC. Influencia del tipo de jornada escolar en el peso de lãs mochilas escolares. Fisioterapia. 2005;27(1):6-15.,2929 Shamsoddini AR, Hollisaz MT, Hafezi R. Backpack weight and musculoskeletal symptoms in secondary school students, Tehran, Iran. Iran J Publ Health. 2010;39(4):120-5. Esses autores ressaltam que o peso excessivo da mochila e a maneira de transporte do material escolar ocasiona uma inclinação do corpo do escolar para o lado ou para frente, contribuindo para o surgimento de curvaturas laterais, inclusive na região lombar da coluna vertebral, que por sua vez desencadeiam dores na coluna destes indivíduos.2828 Aparicio EQ, Nogueras AMM, Sendín NL, Alonso ABR, Pedraz LS, Arenillas JIC. Influencia del tipo de jornada escolar en el peso de lãs mochilas escolares. Fisioterapia. 2005;27(1):6-15.,2929 Shamsoddini AR, Hollisaz MT, Hafezi R. Backpack weight and musculoskeletal symptoms in secondary school students, Tehran, Iran. Iran J Publ Health. 2010;39(4):120-5.

Acredita-se que o fato das escolas pertencerem exclusivamente à rede municipal e com predomínio de estudantes com nível socioeconômico baixo, possivelmente restrinja a aquisição e uso de material escolar, justificando a ausência de associação da DME com o modo de transporte do material escolar. Verificou-se que a prática de esportes de competição apresentou associação positiva com o desfecho estudado, uma vez que pode gerar sobrecarga no sistema musculoesquelético ainda imaturo dos escolares. Também é importante salientar que o interesse pela prática de esportes de competição é maior entre os dez e 13 anos de idade, quando ocorre o estirão de crescimento, e nesta fase da vida isto pode resultar em desalinhamentos e adaptações em toda a estrutura muscular e óssea do indivíduo,3030 Korovessis P, Koureas G, Zacharatos S, Papazisi R. Backpack, back pain, sagital spine curves and trunk alignment in adolescents: a logistic and multinomial logistic analysis. Spine. 2005;30(2):247-55. e consequentemente, DME. No entanto, ressalta-se que este estudo não levantou informações sobre o tipo de esporte praticado, a frequência e intensidade do treinamento e, portanto, tais resultados apresentam fragilidade. De qualquer forma, ressalta-se a importância da atenção especial às crianças que praticam esportes de competição, de forma a prevenir distúrbios que possam comprometer a saúde musculoesquelética, inclusive na vida adulta.

Neste estudo não foi encontrada associação entre excesso de peso da mochila e DME. Entretanto, ressalta-se que esse dado possui limitações, desde que o peso da mochila foi aferido em um único momento o que gera distorções, considerando que a quantidade de material escolar varia de acordo com a grade de disciplinas do estudante.

Finalmente, considera-se a implantação de programas de promoção da saúde nas escolas uma medida importante, as quais estimulem a adoção de práticas saudáveis pelos estudantes e prevenindo os hábitos nocivos à saúde como o tabagismo e o uso da televisão, computador ou jogos de videogame por longos períodos.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2013
  • Revisado
    20 Maio 2014
  • Aceito
    18 Jun 2014
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