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Incertezas no cenário brasileiro e suas implicações na saúde materno infantile

Apesar dos inquestionáveis avanços nas políticas sociais nas ultimas décadas,11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 1863-76. a instabilidade político-econômica estabelecida no País vem aprofundando a crise em uma das maiores políticas públicas inclusivas do mundo, o Sistema Único de Saúde (SUS).

O SUS, cujos princípios e diretrizes foram socialmente construídos, legitimados e referendados na Constituição Cidadã de 1988, que incluem a garantia ao acesso universal e ênfase na equidade em saúde, se encontra sob ameaça. Além da não superação de dificuldades históricas do subfinanciamento e inadequada gestão do sistema, a vinculação constitucional do aporte de recursos para a saúde foi suprimida com previsíveis repercussões aos grupos mais vulneráveis, a exemplo do materno infantil.22 Vieira FS, Sá e Benevides RP. Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Ipea Nota Técnica nº 28. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf
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O cenário da redemocratização do País que oportunizou várias transformações sociais emergiu da tentativa de efetivação dos direitos à saúde com a implantação do SUS. Programas, ações e serviços com foco na construção de uma atenção integral à saúde da mulher e da criança, impulsionados por movimentos sanitários e da sociedade civil organizada foram implementados e ampliados pela melhoria da atenção à saúde, em particular a básica.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 1863-76. Adicionalmente a isso, programas de transferência de renda, melhoria da educação feminina e do saneamento básico possibilitaram o alcance antecipado da meta de redução da mortalidade infantil proposta internacionalmente com o patamar atual de 13,8 mortes por mil nascidos vivos (NV) em 2015.33 Jaime PC, Frias PG, Monteiro HOC, Almeida PVB, Malta DC. Healthcare and unhealthy eating among children aged under two years: data from the National Health Survey, Brazil, 2013. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016; 16 (2): 149-57.

Entretanto, com relação à saúde da mulher o ritmo de queda da mortalidade materna é incompatível com o desenvolvimento socioeconômico do país e com o nível de oferta do sistema de saúde,44 Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Jr PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade materna no Brasil, 2008-2011. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S71-S83. como apontou a meta relacionada ao evento, que não obteve êxito similar ao alcançado para a saúde infantil.

Os inquestionáveis avanços na cobertura de consultas de pré-natal e de partos hospitalares ocorridos nas ultimas décadas não foram acompanhados de melhorias na qualidade das ações pré-natais, partejamento e puerpério, com incremento de intervenções desnecessárias e por vezes danosas, a despeito da direcionalidade das políticas públicas e das inúmeras experiências positivas e inovadoras no âmbito do SUS.11 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 1863-76.

O ano de 2016 marca o início de uma agenda global voltada para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) em que o enfrentamento da mortalidade materna e infantil permanecem em evidência até 2030. Para o Brasil a meta da Razão de Mortalidade Materna estimada em 68,2 por 100 mil NV em 2010 é reduzir para 20 mortes por 100 mil NV em 2030, enquanto para a mortalidade infantil os esforços devem ser concentrados na manutenção da tendência decrescente enfatizando crianças historicamente marginalizadas socialmente, como as indígenas, quilombolas, ciganas e de comunidades das periferias urbanas.44 Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Jr PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade materna no Brasil, 2008-2011. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S71-S83.

O atual cenário brasileiro desvela vários obstáculos ao cumprimento das ambiciosas metas integradas e indivisíveis, propostas no ODS, algumas em flagrante contraposição à recomendação para "Aumentar substancialmente o financiamento da saúde e o recrutamento, desenvolvimento e formação, e retenção do pessoal de saúde nos países em desenvolvimento,...".55 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods
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Considerando a extrema relevância do compromisso da sociedade com as mulheres, particularmente no ciclo gravídico-puerperal e com as crianças, em especial na primeira infância, é imprescindível assegurar-lhes uma vida saudável e promover o seu bem-estar por meio de políticas públicas perenes e efetivas sob pena do retrocesso das conquistas obtidas. Progressos consideráveis nas condições de vida das mulheres e criança que começaram a conformar uma nova realidade na saúde pública brasileira, ainda que marcada por iniquidades profundas, precisam de investimentos adicionais.

Por tudo isso, e dado o escopo da Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, é muito importante saber que ela não pode ficar alheia a tal cenário, comunicando-o assim aos seus leitores, cuja consciência será depositária de tão relevantes informações.

References

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    Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 1863-76.
  • 2
    Vieira FS, Sá e Benevides RP. Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Ipea Nota Técnica nº 28. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf
    » http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/nota_tecnica/160920_nt_28_disoc.pdf
  • 3
    Jaime PC, Frias PG, Monteiro HOC, Almeida PVB, Malta DC. Healthcare and unhealthy eating among children aged under two years: data from the National Health Survey, Brazil, 2013. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2016; 16 (2): 149-57.
  • 4
    Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Jr PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade materna no Brasil, 2008-2011. Cad Saúde Pública. 2014; 30: S71-S83.
  • 5
    ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável). Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods
    » http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/134-objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-ods

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016
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