Acessibilidade / Reportar erro

Diagnostico clínico e laboratorial do Zika vírus congênito e paralisia diafragmática unilateral: o relato de um caso

Resumo

Introdução:

apesar de vários defeitos de nascimento associados à infecção congênita pelo Zika vírus terem sido descritos, o quadro clínico ainda não foi completamente caracterizado.

Descrição:

este é o primeiro relato de caso de paralisia diafragmática unilateral em um neonato com diagnóstico confirmado de Zika congênita pelo exame do líquido amniótico utilizando a reação da polimerase em cadeia (ZIKV PCR-RT) e pelo exame sorológico do líquido cefaloraquidiano (ZIKV IgM-ELISA), após o nascimento. As principais manifestações detectadas pela ultrassonografia intraútero no período gestacional foram: microcefalia, ventriculomegalia, calcificações intracranianas, cisterna magna alargada, aumento do índice de liquido amniótico e síndrome da acinesia fetal. O recém-nascido apresentou falência respiratória aguda nas primarias horas de vida, necessitando de ventilação mecânica. A radiografia de tórax realizada mostrou paralisia diafragmática unilateral e cardiomegalia.

Discussão:

a paralisia diafragmática na Zika congênita não havia sido previamente relatada, havendo a necessidade de investigação dos mecanismos etiopatogênicos dessa manifestação na infecção congênita pelo Zika vírus.

Palavras-chave:
Microcefalia; Infecções por arbovirus; Artrogripose; Ultrassonografia pré-natal; Paralisia respiratória

Abstract

Introduction:

several birth defects associated to congenital Zika virus infection have been reported, although the clinical features have not been fully characterized.

Description:

this is the first case report on unilateral diaphragmatic paralysis diagnosed on a neonate with congenital Zika confirmed by the examination of the amniotic fluid through polymerase chain reaction (ZIKV RT-PCR) and the examination of cerebrospinal fluid by serological test (IgM ZIKV-ELISA) after birth. The main manifestations detected by intrauterine ultrasound were: microcephaly, ventriculomegaly, intracranial calcifications, enlarged cisterna magna, increased amniotic fluid index and fetal akinesia syndrome. The newborn had acute respiratory failure in the first hours of life, requiring mechanical ventila-tion. The X- ray of the chest showed unilateral diaphragmatic paralysis and cardiomegaly.

Discussion:

diaphragmatic palsy in congenital Zika has not been previously reported, the etiopathogenic mechanisms of this event in congenital Zika virus needs to be elucidated.

Key words:
Microcephaly; Arbovirus infections; Arthrogryposis; Prenatal ultrasound; Respiratory paralysis

Introdução

O Zika vírus (ZIKV), foi pela primeira vez isolado na floresta Zika em Uganda, África, em 1947, e depois em 1952, foi identificada a primeira infecção em humanos pelo ZIKV na Uganda e a Republica Unida da Tanzânia. Epidemias de ZIKV foram descritas em 2007 no estado Yap (Micronésia) e em 2013 na Polinésia Francesa, pacífico sul.11 Cao-Lormeau VM, Roche C, Teissier A, Robin E, Berry AL, Mallet HP, Sall AA, Musso D. Zika virus, French Polynesia, South Pacific, 2013. Emerg Infect Dis. 2014; 20: 1085-6. No Brasil o primeiro relato de transmissão autóctone de ZIKV foi em 2015.22 Zanluca C, Melo VC, Mosimann AL, Dos Santos GI, Dos Santos CN, Luz K. First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2015; 110: 569-72. No mesmo ano, o ministro da saúde do Brasil anunciou o aumento de casos de microcefalia em recém nascidos seguida pela epidemia de ZIKV. A ligação do ZIKV com a microcefalia ganhou força depois da identificação de ZIKV no líquido amniótico de duas mulheres gravidas, ZIKA positiva, com anormalidades fetais (por teste de reação em cadeia de polimerase - RT- PCR) no Estado da Paraíba (Nordeste do Brasil) e a detecção do genoma do ZIKV em tecidos de recém-nascidos com microcefalia que faleceram após o parto.33 Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, Szejnfeld PO, Alves Sampaio S, Bispo de Filippis AM. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016; 47 (1): 6-7.

ZIKV é um vírus RNA transmitido pelo mosquito Aedes, ao picar humanos e primatas. Maneiras menos comuns de transmissão são através de transfusão de sangue, contato sexual e transmissão perinatal.44 Karwowski MP, Nelson JM, Staples JE, Fischer M, Fleming-Dutra KE, Villanueva J, Powers AM, Mead P, Honein MA, Moore CA, Rasmussen SA. Zika virus disease: A CDC Update for Pediatric Health Care Providers.Pediatrics. 2016; 137 (5). Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/earl y/2016/03/22/peds.2016-0621.full.pdf
http://pediatrics.aappublications.org/co...
As possíveis vias de transmissão perinatal são transplacentária, durante o parto e a amamentação e possivelmente pelo contato próximo que tem a mãe com o recém-nascido depois que o ZIKV foi identificado na saliva humana.44 Karwowski MP, Nelson JM, Staples JE, Fischer M, Fleming-Dutra KE, Villanueva J, Powers AM, Mead P, Honein MA, Moore CA, Rasmussen SA. Zika virus disease: A CDC Update for Pediatric Health Care Providers.Pediatrics. 2016; 137 (5). Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/earl y/2016/03/22/peds.2016-0621.full.pdf
http://pediatrics.aappublications.org/co...
,55 Pan American Health Organization. Epidemiological Alert: Neurological syndrome, congenital malformations, and Zikavirus infection. Implicantion for public health in americas. Washington, DC: World Health Organization, Pan American Health Organization; December 1, 2015. [access Jan 29, 2016]. Available at: http://paho.org/hq/index/php?option=com_docman&task=doc_download&I-temid=&gid =32405&lang=en
http://paho.org/hq/index/php?option=com_...
No entanto, o mecanismo exato de transmissão na gravidez continua desconhecido.

Desde então, várias malformações neurológicas, como a microcefalia, agiria, hidrocefalia, atrofia cerebral, calcificações cérebrais na massa branca, digenesia do corpo caloso e do vermix cerebelar, aumento da cisterna magna, hemisférios assimétricos, ventriculomegalomalia unilateral e o deslocamento da linha média. Outras malformações como a síndrome da acinesia fetal, assimétria dos olhos com catarata, calcificações intraocular e/ou lesões maculares unilaterais e restrições de crescimento intrauterino foram descritos.33 Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, Szejnfeld PO, Alves Sampaio S, Bispo de Filippis AM. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016; 47 (1): 6-7.,66 Marrs C, Olson G, Saade G, Hankins G, Wen T, Patel J, Weaver S. Zikavirus and pregnancy: areview of the literature and clinical considerations (Podcast). Am J Perinatol. 2016; 33 (7): 625-39.

A paralisia diafragmática é um anormalidade extremamente rara. Neuropatia pós-viral e envolvimento do nervo frênico foram descritas após várias infecções virais, como herpes zoster, poliovírus, dengue (DENV), vírus do Oeste do Nilo e vírus da imunodeficiência humana (HIV) em adultos.77 Ansari M K, Jha S, Nath A. Unilateral diaphragmatic paralysis following dengue infection. Neurol India. 2010; 58:596-8. Até o momento, a paralisia diafragmática e a cardiomegalia não foram relatadas em recém-nascidos com ZIKV congênita.

Aqui nós, primeiramente, descrevemos um caso de paralisia diafragmática unilateral em um recém-nascido com ZIKV confirmada pelo laboratório. O diagnóstico de ZIKV foi confirmado no fluido amniótico através de reação em cadeia de polimerase (ZIKV RT-PCR) e por testes sorológicos (IgM ZIKV - ELISA) feito no líquido céfalo-raquidiano (LCR) do recém-nascido.

Descrição

Uma primigesta de 17 anos de Pernambuco (Nordeste, Brasil) foi para a unidade de medicina fetal na 27ª sétima semana de gestação por causa de uma suspeita de microcefalia fetal observada por meio da ultrassonografia pré-natal. A mulher tinha sinais característicos e sintomas de ZIKV na 14ª semana de gestação. Testes de laboratório para identificar as infecções congênitas, i.e, infecções por TORCH [toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus (CMV), e Herpes vírus e outras] não foram realizados. Ela fez suplementação com ácido fólico e sulfato ferroso e foi vacinada contra a influenza, difteria e tétano na 11ª semana de gestação. A paciente negou histórico pessoal ou familiar de microcefalia ou outras anormalidades congênitas, uso de drogas ilícitas, álcool, fumo, corticóides ou cosméticos ou contato com inseticidas, pesticidas ou radiação ionizante.

Na 27ª semana de gestação a ultrassonografia morfológica observou anormalidade fetal, o qual o diâmetro biparietal (DBP) foi de 54 mm e a circunferência cefálica (CC) de 216 mm [DBP e CC - dois desvios padrões (DP) abaixo da média para a idade gestacional] (Figura 1). A circunferência abdominal (CA) e o comprimento do fêmur (CF) estavam normais para a idade gestacional. Além disso, também foi observado agenesia de vermes cerebelar e aumento da cisterna magna (medindo 23mm), ventriculomegalia com o corno posterior do ventrículo lateral aumentado (medindo 20 mm) e calcificações difusas nos hemisférios cerebrais, fronte achatada e um aumento no índice de líquido amniótico (medindo 19 cm) (Figura 1). Os membros superiores e inferiores não foram avaliados adequadamente devido a posição fetal. Outros órgãos e sistemas estavam aparentemente normais. A dopplervelocimetria da artéria umbilical e da uterinas estava normal.

Figura 1
Microcefalia fetal

A. Calcificações difusas nos hemisférios cerebrais; B. Fronte achatada; C. Ventriculomegalia, calcificações periventriculares e cisterna magna alargada; D. Ventriculomegalia e calcificações periventriculares; E. Ultrassonografia transfontanela cerebral revelou ventriculomegalia e calcificações cerebrais difusas; F. Ultrassonografia pré-natal revelou cisterna magna e ventriculos bilaterais alargados.


Na 29ª semana de gravidez a restrição do crescimento intrauterino foi diagnosticada. Monitoramento por ultrassonografia pré-natal foi conduzido a cada 15 dias e uma maior diminuição no DP na curva da média da idade gestacional da CC foi observada.

A amniocentese transabdominal guiada por ultrassonografia foi feita na 29ª semana de gestação e a amostra do líquido amniótico foi positiva para o ZIKV através da reação de cadeia de poimerase quantitativa em tempo real (qRT-PCR). Na 31ª semana de gestação o hemograma estava normal e os testes sorológicos para TORCH (sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes simples, parvovírus B19 e HIV) foram negativos.

A mulher teve um parto vaginal de um recém-nascido feminino na 39ª semana de gestação. O peso ao nascer foi de 2.565 g (pequeno para idade gestacional). O escore de Apgar no nascimento foi seis e sete no primeiro e quinto minutos, respectivamente, e manobras de ressucitamento com pressão de ventilação positiva e máscara foram necessários. O recém-nascido foi encaminhado a unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal por problemas respiratórios e em ventilação não invasiva com pressão de via aérea positiva contínua nasal e pressão expiratória final positiva de +5 e uma fração de oxigênio inspirado (FiO2) de 0,40. Nutrição intravenosa foi também iniciada.

O exame físico completo, incluindo a mensuração cuidadosa da circunferência cefálica, comprimento e peso, foi realizado pelo pediatra, após 24 horas de vida. A circunferência occipitofrontal era de 28cm, mais de 3 DP abaixo da média para idade gestacional sexo. O recém-nascido tinha comprimento de 46 cm e uma circunferência torácica de 30 cm. Depois do nascimento, microcefalia e outras deformidades como a síndrome de acinesia fetal (artrogripose) do quadril e mãos, assim como pés tortos bilaterais foram observados (Figura 2). A ultrassonografia transfonatela cerebral revelou aumento ventricular bilateral e calcificações difusas no cérebro.

Figura 2
Microcefalia e outras deformidades.

A. Síndrome de acinesia fetal/ artrogripose de quadril e mãos e pés tortos bilateral; B. Radiografia de tórax. Note pulmões normais com paralisia diafragmática unilateral e cardiomegalia.


Sangue da mãe e da criança foram coletados para identificar dengue (DENV), Chikungunya (CHIKV) e ZIKV. O recém-nascido também fez exames para TORCH. O LCR foi coletado do recém-nascido para identificar ZIKV através de exame molecular (ZIKV RT-PCR) e testes sorológicos (ZIKV IgM-ELISA). Teste de neutralização de redução de plaqueta (PRNT) foi feito para avaliar a neutralização de anticorpos de ZIKV e DENV, seguindo o protocolo modificado descrito previamente. Os resultados do PRNT mostram que a mãe e o recém-nascido tinham anticorpos contra o dengue para DENV-3 e DENV-4 no passado, mas não pelos sorotipos 1 e 2 (Tabela 1).

Tabela 1
Resultados dos testes sorológicos e moleculares da mãe e do recém-nascido.

A radiografia do tórax foi feita para avaliar o desconforto respiratória persistente e observou pulmões normais com paralisia diafragmática unilateral e cardiomegalia (Figura 2). O ecocardiograma Doppler mostrou um ducto patente com um shunt da esquerda para direita e um aumento cardíaco do lado esquerdo. O paciente foi tratado com diuréticos (furosemida) e ainda está com suporte ventilatório. A radiografia do tórax recente é normal exceto pela paralisia diafragmática unilateral. As infecções congênitas como sífilis, toxoplasmose, rubéola, cito-megaloviruis e herpes simples foram descartadas no recém-nascido. Até os dias atuais a criança ainda está e ficará em cuidados intensivos com suporte respiratório até o diafragma funcionar normalmente, que é essencial para ventilação efetiva.

Discussão

Nós descrevemos o primeiro caso de paralisia diafragmática unilateral no recém-nascido com confirmação laboratorial de ZIKV. Além disso, enfatizamos a necessidade de fazer um raio-X nos recém-nascidos com desconforto respiratório para avaliar a possibilidade de paralisia diafragmática unilateral. É importante ressaltar, mesmo que ainda não descrita, a associação da paralisia diafragmática unilateral e a infecção por ZIKV.

A paralisia diafragmática, é descrita como uma polineuropatia desmielinizante inflamatória a qual pode ocorrer devido a doenças neurológicas que afetam o nervo frênico, incluindo síndrome de Guillan-Barré. Em dois casos, foi associado a neuropatia frênica seguindo a DENV em adultos. ZIKV está associado com síndrome de Guillan-Barré em adultos porém não tem nenhum registro da ocorrência em recém nascidos.77 Ansari M K, Jha S, Nath A. Unilateral diaphragmatic paralysis following dengue infection. Neurol India. 2010; 58:596-8. Paralisia diafragmática unilateral tem sido descrita por seguir várias infecções virais como herpes zoster, poliovírus, vírus do Oeste do Nilo e HIV. Esse achado em particular ainda não foi registrado em nenhum estudo publicado até os dias atuais e o exato mecanismo de neuropatia frênica associado com infecção por ZIKV ainda precisa ser elucidado.

O mecanismo etiopatogênico envolvido na paralisia diafragmática em infecção por ZIKV não são conhecidos e estudos precisam ser realizados para investigar essa anormalidade especifica.

Esse paciente descrito neste caso de Zika congênita nasceu em Pernambuco, que é considerado o epicentro de infecções congênitas atribuídas a ZIKV no Brasil.33 Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, Szejnfeld PO, Alves Sampaio S, Bispo de Filippis AM. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016; 47 (1): 6-7. A maneira rápida com que o ZIKV se espalhou no Brasil e na América Latina é provavelmente o resultado de uma recente intro-dução do vírus na população nativa, junto com o adicional de fatores ambientais como a grande popu-lação de insetos Aedes aegyti, o principal vetor de arboviroses mundial.88 Castanha PMS, Cordeiro MT, Martelli CMT, Souza WV, Marques ET, Braga C. Force of infection of dengue serotypes in a population-based study in the northeast of Brazil. Epidemiol Infect. 2012; 141: 1080-8.

A identificação do ZIKV ainda é um desafio, especialmente durante a gestação onde nós temos o temor das desordens no neurodesenvolvimento fetal do cérebro e o desaparecimento dos sintomas maternos. A amniocentese foi de fundamental importância para confirmar esse diagnóstico ainda durante a gravidez. Amniocentese é um procedi-mento de baixo risco, invasivo e foi realizado com sucesso.33 Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, Szejnfeld PO, Alves Sampaio S, Bispo de Filippis AM. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016; 47 (1): 6-7. Nós recomendamos a realização de amnio-centese na presença de anormalidades fetais suges-tiva de infecção por ZIKV, pois o líquido amniótico o único lugar que se pode identificar o ZIKV por RT-PCR no útero, particularmente em estado avançado gestacional, confirmando o diagnóstico de infecção fetal.

O genoma do ZIKV foi detectado no líquido amniótico na 29ª semana de gestação por RT-PCR. No entanto, o ZIKV RNA não foi detectado após o parto (no soro de ambos, a mãe e o recém-nascido) provavelmente porque a infecção aguda ocorreu no início da gestação. ZIKV IgM no soro da mãe foi negativo. No entanto, específicos anticorpos do ZIKV IgM foram detectados no LCR e amostra de soro do recém-nascido. Porque o IgM não atravessa a barreira placentária ou cerebral, assim, o achado de IgM no LCR indica que o recém-nascido teve a infecção por ZIKV no sistema nervoso central. Além disso, o achado de anticorpos IgM na amostra de soro do recém-nascido indica que o paciente teve a infecção intrautero. Ainda não se sabe por quanto tempo esses anticorpos do ZIKV IgM poderão ser detectados no LCR e no sangue.

Os resultados do PRNT mostram que a mãe e o recém-nascido tinham anticorpos contra dengue para DENV-3 e DENV-4 no passado, mas não para os sorotipos 1, sugerindo passagem transplacentária de anticorpo maternal IgG para o recém-nascido. A mãe e o filho ambos apresentavam alta titulação de anticorpos neutralizantes da ZIKV no soro, no entanto, para o recém-nascido isto era ainda maior (anticorpos produzidos pela mãe e pelo recém-nascido), quase o dobro. De maneira importante, anticorpos neutralizantes do ZIKA vírus também foram detectados no LCR, confirmando o achado de IgM no LCR. É importante notar que anticorpos IgM na cruzam a barreira da placenta e esse resultado não sugere infecção associada com ZIKV e DENV.

A maioria dos relatos associam a ZIKV e microcefalia quando a gestante é infectada no primeiro trimestre, mas, nesse caso, a mulher relatou sintomas sugestivos de ZIKV na 14ª semana de gestação, que o início do segundo trimestre de gravidez. No entanto, um estudo sugere que prejuízos no feto podem ocorrer em qualquer momento da gestação.99 Chang C, Ortiz K, Ansari A, Gershwin ME. The Zika outbreak of the 21st century. J Autoimmun. 2016; 68: 1-13. A paciente não realizou exames para diagnosticar infecções congênitas em nenhum momento da sintomatologia.

O diagnóstico da microcefalia foi realizado no pré-natal. Também foi observado que durante a gravidez o crescimento da cabeça do feto diminuiu, sugerindo que teve uma parada no crescimento do mesmo. A mensuração da circunferência cefálica através da ultrassonografia mostra uma pequena variação tanto interobservador como intraobservador. A ultrassonografia transfontanela do cérebro foi realizada para confirmar a microcefalia do recém-nascido.1010 Miranda-Filho DB, Martelli CM, Ximenes RA, Araújo TV, Rocha MA, Ramos RC, Dhalia R, França RF, Marques Júnior ET, Rodrigues LC. Initial description of the presumed congenital Zikasyndrome. Am J Public Health. 2016; 106 (4): 598-600. Enquanto, a tomografia cerebral não foi realizada pois a janela acústica da fontanela anterior foi suficiente para examinar o cérebro do recém-nascido pela ultrassonografia transfontanela.

Microcefalia associada a calcificação intracraniana e ventriculomegalia é descrita na literatura como sugestiva de outras infecções congênitas,99 Chang C, Ortiz K, Ansari A, Gershwin ME. The Zika outbreak of the 21st century. J Autoimmun. 2016; 68: 1-13. mas a associação dessas manifestações com agenesia do vermis cerebelar e antrogripose ainda precisa de evidências científicas. Tem diversas outras causas de microcefalia descrita na literatura [genética, hipóxico-isquêmica, distúrbios vasculares, distúrbios sistêmicos e metabólicos, exposição a drogas durante a gravidez (álcool e químicos), desnutrição grave durante a gravidez e fenilcetonúria materna].55 Pan American Health Organization. Epidemiological Alert: Neurological syndrome, congenital malformations, and Zikavirus infection. Implicantion for public health in americas. Washington, DC: World Health Organization, Pan American Health Organization; December 1, 2015. [access Jan 29, 2016]. Available at: http://paho.org/hq/index/php?option=com_docman&task=doc_download&I-temid=&gid =32405&lang=en
http://paho.org/hq/index/php?option=com_...

Todas alterações morfológicas observadas durante o pré-natal foram confirmadas, adicionando outros diagnósticos, como o de artrogripose que é a presença de contraturas congênitas conjuntas envolvendo pelo menos duas partes diferentes do corpo, com ambos membros, inferior e superior. É um diagnóstico descritivo presente em muitas doenças com etiologias variadas e é algo comum de se observar na presença de ZIKV. Nós não sabemos o mecanismo exato da artrogripose. Se é pela ação direta do vírus nas articulações, ativação aberrante da resposta imunológica, diminuição da movimentação do feto no útero determinando o envolvimento dos membros, deformidades ou outras causas.

Esse relato é uma descrição de uma infecção congênita por ZIKV confirmada laboratorialmente no período de gestação. O recém-nascido apresentou dificuldades para respirar após o parto que foi diagnosticado como paralisia diafragmática unilateral de acordo com o raio-X do tórax. Baseado nesta descoberta, nós sugerimos a realização de raio-X do tórax de recém-nascidos com suspeita de zika congênita para avaliar a presença de paralisia diafragmática. Além disso, o recém-nascido ainda está em cuidados intensivos com suporte respiratório por existir uma atividade não coordenada do diafragma, um músculo essencial para a ventilação efetiva.

Existem algumas perguntas quais respostas tem de ser investigadas em estudos futuros. Por que o filho recém-nascido desta mulher foi atingido por ZIKV quando ela estava na 14ª semana de gestação, quando poucas mulheres tiveram recém-nascidos atingidos e a maioria das infecções foi no primeiro trimestre? Qual é o mecanismo da paralisia diafragmática unilateral em recém-nascidos com ZIKV congênita?

Agradecimentos

Autores gostariam de agradecer a gestante.

References

  • 1
    Cao-Lormeau VM, Roche C, Teissier A, Robin E, Berry AL, Mallet HP, Sall AA, Musso D. Zika virus, French Polynesia, South Pacific, 2013. Emerg Infect Dis. 2014; 20: 1085-6.
  • 2
    Zanluca C, Melo VC, Mosimann AL, Dos Santos GI, Dos Santos CN, Luz K. First report of autochthonous transmission of Zika virus in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz. 2015; 110: 569-72.
  • 3
    Oliveira Melo AS, Malinger G, Ximenes R, Szejnfeld PO, Alves Sampaio S, Bispo de Filippis AM. Zika virus intrauterine infection causes fetal brain abnormality and microcephaly: tip of the iceberg? Ultrasound Obstet Gynecol. 2016; 47 (1): 6-7.
  • 4
    Karwowski MP, Nelson JM, Staples JE, Fischer M, Fleming-Dutra KE, Villanueva J, Powers AM, Mead P, Honein MA, Moore CA, Rasmussen SA. Zika virus disease: A CDC Update for Pediatric Health Care Providers.Pediatrics. 2016; 137 (5). Disponível em: http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/earl y/2016/03/22/peds.2016-0621.full.pdf
    » http://pediatrics.aappublications.org/content/pediatrics/earl y/2016/03/22/peds.2016-0621.full.pdf
  • 5
    Pan American Health Organization. Epidemiological Alert: Neurological syndrome, congenital malformations, and Zikavirus infection. Implicantion for public health in americas. Washington, DC: World Health Organization, Pan American Health Organization; December 1, 2015. [access Jan 29, 2016]. Available at: http://paho.org/hq/index/php?option=com_docman&task=doc_download&I-temid=&gid =32405&lang=en
    » http://paho.org/hq/index/php?option=com_docman&task=doc_download&I-temid=&gid =32405&lang=en
  • 6
    Marrs C, Olson G, Saade G, Hankins G, Wen T, Patel J, Weaver S. Zikavirus and pregnancy: areview of the literature and clinical considerations (Podcast). Am J Perinatol. 2016; 33 (7): 625-39.
  • 7
    Ansari M K, Jha S, Nath A. Unilateral diaphragmatic paralysis following dengue infection. Neurol India. 2010; 58:596-8.
  • 8
    Castanha PMS, Cordeiro MT, Martelli CMT, Souza WV, Marques ET, Braga C. Force of infection of dengue serotypes in a population-based study in the northeast of Brazil. Epidemiol Infect. 2012; 141: 1080-8.
  • 9
    Chang C, Ortiz K, Ansari A, Gershwin ME. The Zika outbreak of the 21st century. J Autoimmun. 2016; 68: 1-13.
  • 10
    Miranda-Filho DB, Martelli CM, Ximenes RA, Araújo TV, Rocha MA, Ramos RC, Dhalia R, França RF, Marques Júnior ET, Rodrigues LC. Initial description of the presumed congenital Zikasyndrome. Am J Public Health. 2016; 106 (4): 598-600.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2016
  • Revisado
    11 Out 2016
  • Aceito
    20 Out 2016
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br