Acessibilidade / Reportar erro

Mortalidade materna segundo raça/cor, em Mato Grosso do Sul, Brasil, de 2010 a 2015

Resumo

Objetivos:

Analisar o perfil epidemiológico dos óbitos maternos segundo raça/cor em Mato Grosso do Sul.

Métodos:

Estudo epidemiológico dos óbitos maternos segundo raça/cor, a partir dos dados extraídos dos Sistemas de Informações de Mortalidade e de Nascidos Vivos, de 2010 a 2015. Foram calculadas a razão de mortalidade materna, razão de mortalidade materna específica e análise dos óbitos maternos segundo variáveis obstétricas.

Resultados:

O risco de óbito de mulheres pretas (RR = 4,3; IC95%= 2,088,71) e indígenas (RR = 3,7; IC95%= 2,26,23) foi aproximadamente quatro vezes maior quando comparadas às brancas. As causas obstétricas diretas apresentaram maiores frequências, tanto para o Estado de Mato Grosso do Sul, como para a maioria das raças/cor no primeiro triênio. A razão da mortalidade materna específica foi elevada entre as mulheres indígenas e pretas, 651,8 e 416,7 óbitos por 100 mil nascidos vivos, respectivamente, na faixa etária entre 30 a 39 anos (p<0,05).

Conclusão:

A elevada razão de mortalidade materna para as mulheres indígenas e pretas e o predomínio de óbitos relacionados às causas obstétricas diretas entre as categorias de raça/cor refletem a inadequada assistência à saúde no período gravídico puerperal.

Palavras chave:
Mortalidade materna; Registros de mortalidade; Sistemas de informação; Saúde da mulher

Abstract

Objectives:

to investigate the epidemiological profile, by race/skin color, of maternal deaths in the state of Mato Grosso do Sul, Brazil.

Methods:

the present epidemiological study of maternal death distribution by race/skin color was based on data extracted from Brazilian mortality and livebirth information systems from 2010 to 2015. The maternal mortality ratio and the specific maternal mortality ratio were calculated and analyzed according to obstetric variables.

Results:

the death risk for black (RR = 4.3, CI95%= 2.088.71) and indigenous women (RR = 3.7, CI95% 2.26.23) was approximately fourfold in comparison to the risk for white women. For direct causes of death, the state of Mato Grosso do Sul showed higher levels, 74.1%, as well as for most races/skin colors in the first triennium. The specific maternal mortality ratio was higher among black and indigenous women aged30 to 39 years old (416.7 and 651.8, respectively) per 100,000 live births (p<0.05).

Conclusions:

higher maternal mortality ratio for indigenous and black women and the predominance of deaths related to direct obstetric causes among race/skin color categories reflect inadequate health care during pregnancy and puerperium.

Key words
Maternal mortality; Mortality registries; Information systems; Women's health

Introdução

A mortalidade materna (MM) é um indicador utilizado para avaliar as condições de saúde e vida da mulher, visto que demonstra a efetividade das políticas de atenção à saúde no pré-natal, parto e puerpério,11 Souza JP. Mortalidade materna no Brasil: a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33 (10): 273-9. além de ser um importante indicador das disparidades internacionais que evidenciam o grau de desenvolvimento dos países.22 WHO (World Health Organization). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva; 2015. [acesso em jan 2017]. Disponível em: https://data.unicef.org/wpcontent/uploads/2015/12/TrendsinMMR19902015_Fullreport_243.pdf.
https://data.unicef.org/wpcontent/upload...

Os países em desenvolvimento respondem por 99% das mortes maternas, em contraponto aos desenvolvidos, representados por menos de 1%, o que evidencia grandes desigualdades relacionadas ao risco de morte de mulheres.22 WHO (World Health Organization). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva; 2015. [acesso em jan 2017]. Disponível em: https://data.unicef.org/wpcontent/uploads/2015/12/TrendsinMMR19902015_Fullreport_243.pdf.
https://data.unicef.org/wpcontent/upload...

Na América Latina e no Caribe, a mortalidade materna diminuiu em 40% entre 1990 e 2013.33 OPAS (Organizacíon Panamericana de La Salud). Reducción mortalidad materna en 11 países de la Región. Washington;. 2014. [acesso em jan 2017]. Disponível em: http://www.paho.org/clap/index.php?option=com_content&view=article&id=220reduccionmortalidadmaternaen11paisesdelaregion&catid=387&Itemid=354&lang=es
http://www.paho.org/clap/index.php?optio...
Nos Estados Unidos da América, apesar da razão de mortalidade ser menor do que a encontrada em países em desenvolvimento, no mesmo período, esta razão mais do que duplicou, passando de 12 para 28 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos.44 Agrawal P. Maternal mortality and morbidity in the United States of America. Bull World Health Organ. 2015; 93 (3):135.

No Brasil, a mortalidade materna, mostrou uma diminuição entre 1990 e 2010 (de 141 para 68 óbitos por 100 mil nascidos vivos), o que representa uma queda de 52%. Entretanto, ainda não alcançou a meta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Além disso, há também disparidades dos dados entre os Estados, que se refletem nas desigualdades em saúde e na ocorrência de mortes maternas.55 Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico - Mortalidade Materna. Brasília, DF; 2012. [acesso em jan 2017]. Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/23/BE2012431pag1a7MortalidadeMaterna.pdf
http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/ju...

A raça/cor deve ser também compreendida, não apenas do ponto de vista biológico, mas como uma variável social, que representa reduzida equidade em saúde entre os grupos raciais. O seu preenchimento correto nas declarações de óbito merece ser considerado, visto permitir maior credibilidade e confiabilidade na sua mensuração, de forma a possibilitar a adequada avaliação do indicador nas três esferas de gestão, com recorte étnico-racial.66 Braz RM, Oliveira PTR, Reis AT, Machado NS. Avaliação da completude da variável raça/cor nos sistemas nacionais de informação em saúde para aferição da equidade étnicoracial em indicadores usados pelo Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate. 2013; 37 (99): 554-62.

Vale destacar a necessidade de estudos que investiguem a magnitude das desigualdades raciais na ocorrência de morte materna. No Brasil, estudos para dimensionar a mortalidade materna segundo raça/cor ainda são reduzidos e revelam que as mortes maternas prevaleceram entre mulheres pretas e indí-genas.77 Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22 (11): 2473-9.,88 Teixeira NZF, Pereira WR, Barbosa DA, Vianna LAC. Mortalidade materna e sua interface com a raça em Mato Grosso. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2012; 12 (1): 27-35.

O contexto apresentado sinaliza para a importância das investigações sobre mortalidade materna segundo a variável raça/cor, a fim de propor subsídios para a caracterização das disparidades raciais correlacionadas ao óbito materno e o planejamento de ações que reduzam as iniquidades em saúde. Desta forma, objetivou-se analisar o perfil epidemiológico dos óbitos maternos, segundo raça/cor no Estado de Mato Grosso do Sul.

Trata-se de estudo epidemiológico, descritivo e retrospectivo de mortes maternas segundo raça/cor, no período 2010-2015, no Estado de Mato Grosso do Sul, localizado na região Centro-Oeste do Brasil, o qual possui 79 municípios e população de 2.449.024 habitantes, distribuídos numa área de 357.145,836 km2.99 Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico e contagem da população, Brasil 2010. Brasília, DF; 2010. (acesso em 2016 dez 10). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_resultados_amostra.shtm
https://www.ibge.gov.br/home/estatistica...

Para a caracterização da raça/cor (branca, indígena, amarela, preta e parda), preenchida na Declaração de Nascidos Vivos (DNV) e na Declaração de Óbito (DO), foram seguidas as categorias estabelecidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A raça/cor amarela foi excluída por não apresentar registros de óbitos maternos no período estudado.

Os dados foram extraídos do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM)1010 Brasil. Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM. DATASUS. Tecnologia da Informação a Serviço SUS. Brasília, DF; 2017. [acesso em jun 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Ob_Mu_Id_Fertil_Mat_1996_2012.pdf
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Ob_...
e Sistema de Informações de Nascidos Vivos (Sinasc)1111 Brasil. Sistema de Informações de Nascidos Vivos Sinasc. DATASUS. Tecnologia da Informação a Serviço SUS. Brasília, DF; 2017. [acesso em jun 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Nascidos_Vivos_1994_2012.pdf
http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/...
no período do estudo, ambos com boa cobertura e qualidade satisfatória dos dados. No Sinasc, a ausência de preenchimento do campo raça/cor foi de 0,8%, em 2010 e 0,1%, em 2015 e para o SIM, a cobertura de registro desse campo para os óbitos maternos foi de 100%.

O óbito materno foi considerado aquele resultante de complicações obstétricas relacionadas à gravidez, parto e puerpério, devido a intervenções, omissões ou tratamento inadequado, classificado como causas diretas, ou aquele decorrente de doenças preexistentes ou que se desenvolveram durante a gestação e que foram agravadas pelos efeitos fisiológicos da gravidez, classificado como causas indiretas, ocorrido até 42 dias após o parto.1212 Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. In: instrução Médica, editor. 10ª revisão ed. São Paulo: Edusp; 2008.

Para o estudo foram consideradas as seguintes variáveis obstétricas: (1) momento de ocorrência do óbito (durante a gravidez, parto ou aborto, durante o puerpério, até 42 dias); (2) tipo de mortes obstétricas diretas e indiretas; (3) grupos de causas segundo a décima revisão da lista de Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID 10).1212 Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. In: instrução Médica, editor. 10ª revisão ed. São Paulo: Edusp; 2008.

A inserção dos dados foi realizada por meio do Programa Excel, apresentados em forma de tabelas, inicialmente, com informações da totalidade estadual, seguidas das categorias raça/cor.

Estimou-se a Razão de Mortalidade Materna (RMM) anual, segundo raça/cor, por meio das frequências de óbitos maternos e de nascidos vivos. Estimou-se também a média da RMM e o risco relativo (RR) segundo raça/cor, no período de 2010 a 2015. Para o RR considerou-se como não acometidos os nascidos vivos para cada categoria de raça/cor do período do estudo, usando-se como comparação a raça branca.

A razão de mortalidade materna específica (RMME), para cada categoria raça/cor, foi agrupada por triênio, sendo empregadas para estimar os óbitos maternos em relação às variáveis sociodemográficas (faixa etária e escolaridade).

Utilizou-se o Programa Epi Info 7 para cálculo do teste qui-quadrado das variáveis numéricas discretas (idade e escolaridade). Adotou-se um intervalo de confiança de 95% e um nível de significância de < 0,05 e para o cálculo dos testes foram desprezadas as informações ignoradas.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, sob o protocolo de n° 1.764.050/2016.

Resultados

Foram registrados 166 óbitos maternos no Estado de Mato Grosso do Sul no período estudado, dos quais 92 (55,4%) corresponderam à raça/cor parda.

A RMM para as raças/cor indígena e preta apresentaram-se quase três vezes superiores, 162,3/100 mil nascidos vivos (NV) e 186,3/100 mil NV quando comparadas com a razão Estadual, 65/100 mil NV, sendo que o risco de óbito de mulheres pretas (RR=4,3; IC95%=2,08-8,71) e indígenas (RR=3,7; IC95%=2,2-6,23) foi aproximadamente quatro vezes maior quando comparadas as mulheres brancas (Tabela 1).

Tabela 1
Razão de mortalidade materna e risco relativo segundo raça/cor. Mato Grosso do Sul, 2010 a 2015.

Com relação à distribuição da RMM, verificou-se para Mato Grosso do Sul um declínio de 74,9/100 mil NV em 2010 para 52,2/100 mil NV em 2013, retomando o aumento nos anos de 2014 e 2015. Para a raça/cor preta, a RMM em 2010 foi a mais elevada 810,7/100 mil NV, seguida de acentuado declínio, não registrando nenhum óbito em 2013 e, posterior aumento para os anos seguintes, 91,5 e 233,4/100 mil NV (Figura 1).

Figura 1
Razão de Mortalidade Materna, segundo raça/cor. Mato Grosso do Sul, 2010 a 2015.

A RMM indígena apresentou oscilação no período, com valores elevados para os anos de 2010 (293,5/100 mil NV), 2013 (223,5/100 mil NV) e 2015 (370,2/100 mil NV). Em 2012, não houve registros de óbitos para a raça/cor indígena (Figura 1).

Com relação à raça/cor branca registraram-se os menores valores e discretas oscilações, de 43,9/100 mil NV, em 2010 para 39,2/100 mil NV, em 2015. Assim, também, para a raça/cor parda, índices com oscilações foram verificados, com valores próximos aos do Estado para o ano de 2015, 59,3/100 mil NV (Figura 1).

No que se refere ao momento da ocorrência do óbito, houve predomínio no período puerperal para o Estado, 58,5% e 51,3%e para a raça/cor parda,51,1% e 55%, em ambos os triênios (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das frequências de óbitos maternos por tipo de causas obstétricas diretas e indiretas, segundo a variável raça/cor. Mato Grosso do Sul, 2010 a 2015.

Quanto às causas de morte classificadas como diretas, Mato Grosso do Sul apresentou maiores índices, 74,1%, assim como, para a maioria das raças/cor, no primeiro triênio. No grupo de causas diretas relacionadas às complicações do trabalho de parto e do parto, predominou as raças/cor indígena e branca, 83,3% e 44,4%, respectivamente, e as relacionadas a edema, proteinúria e transtorno hiperten-sivo gravídico parto e puerpério, a raça/cor preta, 50%. Dentre as indiretas, o Estado registrou 25,9%, percentuais semelhantes aos das raças/cor indígena, branca e parda (Tabela 2).

Com relação ao segundo triênio, os dados estaduais apresentaram decréscimo para as causas classificadas como diretas, 60,8%, que quando comparadas as raças/cor, apenas a parda apresentou menores índices, 54,8%. Dentre seus grupos de causas, gravidez que termina em aborto representou a primeira maior causa direta de óbitos maternos, com maiores percentuais para o Estado. Para as complicações relacionadas predominantemente com o puerpério, as raças/cor indígena, branca e parda registraram maiores valores, 37,5%, 26,7% e 21,7%, respectivamente. Destaca-se ainda o grupo de causas por edema, proteinúria e transtorno hipertensivo e gravídico, parto e puerpério com 21,7% para a parda e 50% para a preta (Tabela 2).

Quanto às causas classificadas como indiretas, os percentuais do segundo triênio apresentaram-se superiores quando comparados ao primeiro, 39,2% e 25,9%, respectivamente. Os maiores valores foram identificados para a raça/cor parda 45,2% e menores para a branca 28,6% (Tabela 2).

Na análise da RMME houve predomínio entre as mulheres com idade de 40 a 49 anos para ambos os triênios em Mato Grosso do Sul, 143,1 e 209,6/100 mil NV, respectivamente. O mesmo foi observado para a raça/cor parda, 309 e 237,5/100 mil NV. Para a raça/cor indígena diferentemente das anteriores, preponderou a faixa etária de 30 a 39 anos, com maior valor de RMME para a raça/cor preta 416,7/100 mil NV e menor para a branca 60,7, no primeiro triênio e RMME 651,8/100 mil NV entre as mulheres indígenas e 47,7 entre as brancas, no segundo. Verificou-se associação estatisticamente significante entre raça/cor e faixa etária em ambos os triênios (Tabela 3).

Tabela 3
Razão de mortalidade materna específica por raça/cor, segundo faixa etária e escolaridade. Mato Grosso do Sul, 2010 a 2015.

Os óbitos maternos de indígenas foram predominantes entre as mulheres com menos de 3 anos de estudo para ambos os triênios, 228,8 e 230,4/100 mil NV e para a raça/cor parda, foi superior para mulheres sem escolaridade, 378,8 no primeiro triênio e 426,4/100 mil NV no segundo. Foi observada associação estatisticamente significante entre as raças/cor e escolaridade no segundo triênio (Tabela 3).

Discussão

O estudo evidenciou declínio da razão de mortalidade materna para o Estado de Mato Grosso do Sul e para as categorias raça/cor, com exceção para a indígena. Quanto ao momento de ocorrência do óbito, a maioria incidiu durante o puerpério, até 42 dias, assim como, as causas obstétricas diretas para todas as raças/cor. O risco de óbitos maternos foi maior entre as mulheres com idade avançada e com menor escolaridade.

No Brasil,1313 Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Junior PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade materna no Brasil, 20082011. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (Supl.1): S71-83. entre 2009 e 2011, a RMM foi estimada em 68,2/100 mil NV e para Mato Grosso do Sul de 76,4/100 mil NV, achados superiores aos encontrados nesse estudo, cuja média foi de 65/100 mil NV, com tendência de queda durante a série histórica analisada.

Apesar dessa tendência, pode-se afirmar que esse cenário ainda se encontra classificado como alto para o Estado de Mato Grosso do Sul e muito alto para as raças/cor indígena e preta, visto que parâmetros internacionais informam que a RMM é considerada baixa com valores inferiores a 20 óbitos por 100 mil NV, média de 20 a 49, alta de 50 a 149 e muito alta acima de 150.22 WHO (World Health Organization). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva; 2015. [acesso em jan 2017]. Disponível em: https://data.unicef.org/wpcontent/uploads/2015/12/TrendsinMMR19902015_Fullreport_243.pdf.
https://data.unicef.org/wpcontent/upload...

As raças/cor indígena e preta foram as que apresentaram maiores disparidades, com risco de óbito materno quatro vezes maiores que as brancas, como verificado nos Estados Unidos, onde mulheres pretas apresentaram riscos semelhantes.1414 Tucker MJ, Berg CJ, Callaghan WM, Hsia J. The Black-White Disparity in PregnancyRelated Mortality From 5 Conditions: Differences in Prevalence and CaseFatality Rates. Am J Public Health. 2007; 97 (2): 247-51. No Estado do Paraná, no período de 2000 a 2002, o risco de óbito materno foi 8,2 vezes maior para a raça/cor preta quando comparada a branca,77 Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22 (11): 2473-9. achados superiores aos desse estudo.

A raça/cor parda apresentou maior percentual dos óbitos maternos analisados, em conformidade aos encontrados no Brasil, de 42,7% para o período de 2000 a 200915 e em Recife, Estado de Pernambuco, de 69,7% para 2001 a 2005.1616 Leite RMB, Araújo TVB, Albuquerque RM, Andrade ARS, Duarte Neto PJ. Fatores de risco para mortalidade materna em área urbana do Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1977-85.

Embora seja evidenciado que a categoria raça é um construto social, que reúne inúmeros aspectos da história da pessoa e de suas gerações, estudos de recorte étnico-racial refletem as desigualdades abrangentes da sociedade, como posição socioe-conômica e iniquidade no acesso aos serviços de saúde e reduzida qualidade de assistência prestada.1717 Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad. Saúde Pública. 2013; 29 (7): 1272-75.

Nesse estudo predominaram os óbitos maternos ocorridos no momento puerperal, o que merece destaque, visto que, a melhoria do acesso à rede de atenção, qualificação profissional e medidas de intervenção adequadas1818 Rosenstein MG, Romero M, Ramos S. Maternal mortality in Argentina: a closer look at women who die outside of the health system. Matern Child Health J. 2008; 12 (4): 519-24. podem contribuir para a diminuição dos óbitos.

Para o Estado de Mato Grosso,88 Teixeira NZF, Pereira WR, Barbosa DA, Vianna LAC. Mortalidade materna e sua interface com a raça em Mato Grosso. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2012; 12 (1): 27-35. as causas diretas classificadas como edema, proteinúria e transtorno hipertensivo gravídico parto e puerpério foram às de maiores percentuais para as raças/cor preta (45,4%) e parda (29,9%), o mesmo evidenciado nesse estudo.

Mortes por causas diretas, ou seja, evitáveis, estão associadas à demora na assistência, seja em relação à detecção oportuna de complicações, na utilização de intervenções apropriadas ou o uso adequado da rede de atenção à saúde reprodutiva da mulher,11 Souza JP. Mortalidade materna no Brasil: a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33 (10): 273-9. o que parece explicar uma discrepância entre a RMM e o crescente aumento dos indicadores de atenção ao pré-natal, parto e puerpério.1919 Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 29-42. Os abortos representaram a segunda maior causa direta de óbitos maternos, com maiores percentuais para o Estado. A ocorrência de abortos representa um risco três vezes maior para as mulheres negras, quando comparadas às brancas.77 Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22 (11): 2473-9.

Outro aspecto a ser considerado se refere às práticas inseguras de aborto devido a sua ilegalidade no país, o que não impede que sejam realizados, e que resultam em morte e, por vezes, não contabilizadas nas estatísticas de mortalidade materna.2020 Singh S. Hospital admissions resulting from unsafe abortion: estimates from 13 developing countries. Lancet. 2006; 368: 1887-92.

Quanto aos fatores sociodemográficos, observou-se uma relação proporcional entre a idade das mulheres e o risco de óbito materno, visto que, quanto maior a idade, maior o RMME, achados evidenciados no Estado para a maioria das raça/cor. Estudo conduzido em países da África demonstrou que mulheres com idade mais avançada tem maior risco de óbito.2121 Evjen-Olsen B, Hinderaker SG, Lie RT, Bergsjo P, Gasheka P, Kvale G. Risk factors for maternal death in the highlands of rural northern Tanzania: a casecontrol study. BMC Public Health. 2008; 8 (1): 52-60.

No Rio Grande do Sul,2222 Carreno I, Bonilha ALL, Costa JSD. Temporal evolution and spatial distribution of maternal death. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 662-70. a RMME entre as mulheres de 40 a 49 anos foi elevada durante o período de 1999 a 2008, semelhante aos achados desse estudo. No Estado de Mato Grosso88 Teixeira NZF, Pereira WR, Barbosa DA, Vianna LAC. Mortalidade materna e sua interface com a raça em Mato Grosso. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2012; 12 (1): 27-35. foram registrados percentuais elevados de óbitos maternos para a raça/cor indígena (36,4%) na faixa etária de 30 a 39 anos e para as demais raças/cor na faixa de 20 a 29 anos.

Notou-se para Mato Grosso do Sul e para as raças/cor indígena e parda relação oposta entre a RMME e escolaridade materna, ou seja, quanto menor a escolaridade maior o risco de óbito. Essa situação pode repercutir em reduzido acesso e baixa qualidade dos serviços prestados à mulher no pré-natal, parto e puerpério, colocando em evidência a magnitude das desigualdades de saúde.

Em países com grandes desigualdades no acesso à educação, como no Brasil, a escolaridade se constitui um importante indicador de nível socioe-conômico.2323 Hogan MC, Foreman KJ, Naghavi M, Ahn SY, Wang M, Makela SM, Lopez AD, Lozano R, Murray CJL. Maternal mortality for 181 countries, 1980-2008: a systematic analysis of progress towards Millennium Development Goal 5. Lancet. 2010; 375 (9726):1609-23. Pesquisa realizada nas capitais brasileiras, identificou maior risco de morte para as mulheres com menos de quatro anos de estudo.2424 Laurenti R, Mello JM, Gotlieb SLD. A mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7 (4): 449-60. A baixa escolaridade pode dificultar o acesso à informação e aos serviços de saúde essenciais para uma gravidez saudável e o reconhecimento de direitos como cidadã.2525 United Nations. Millennium Development Goals. New York: United Nations; 2011 (cited 2016 dez 7). Available from: http://www.un.org/millenniumgoals/bkgd.shtml
http://www.un.org/millenniumgoals/bkgd.s...

Ainda que a RMM segundo raça/cor tenha evidenciado o risco de morte para determinados grupos étnico-raciais, há aspectos complexos também relacionados à posição socioeconômica e à iniquidade racial em saúde, que devem ser objeto de investigação de novas pesquisas.

Como limitações desse estudo deve-se considerar o fato de seus achados serem extraídos de dados secundários, visto que há ocorrência do sub-registro no preenchimento da Declaração de Óbito e falta de clareza na classificação da categoria raça/cor, evidenciado pela ausência de registros de óbitos maternos em mulheres indígenas e pretas em 2012 e 2013, respectivamente.

No entanto, esses sistemas quando comparados a outros sistemas nacionais, como por exemplo, o Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação) e SIH (Sistema de Informações Hospitalares) se apresentam como os de melhor qualidade no preenchimento do campo raça/cor. Outra limitação a ser considerada se refere ao agrupamento da razão de mortalidade materna específica para as variáveis sociodemográficas e para a ocorrência de óbitos maternos segundo variáveis obstétricas, o que pode dificultar uma análise mais sensível quando se consideram os dados anuais isolados.

Entretanto, o óbito materno no Estado, assim como para as categorias estudadas, reflete a gravidade da assistência à saúde que as mulheres viven-ciam no período gravídico puerperal, pelas elevadas razões de mortalidade materna e óbitos relacionados às causas obstétricas diretas. Nessa perspectiva, a mortalidade materna, quando considerada como um evento sentinela, possibilita identificar as fragilidades dos atendimentos, de modo a favorecer ações em tempo oportuno, que melhor qualifiquem a atenção prestada a essa população.

References

  • 1
    Souza JP. Mortalidade materna no Brasil: a necessidade de fortalecer os sistemas de saúde. Rev Bras Ginecol Obstet. 2011; 33 (10): 273-9.
  • 2
    WHO (World Health Organization). Trends in maternal mortality: 1990 to 2015: estimates by WHO, UNICEF, UNFPA, World Bank Group and the United Nations Population Division. Geneva; 2015. [acesso em jan 2017]. Disponível em: https://data.unicef.org/wpcontent/uploads/2015/12/TrendsinMMR19902015_Fullreport_243.pdf
    » https://data.unicef.org/wpcontent/uploads/2015/12/TrendsinMMR19902015_Fullreport_243.pdf
  • 3
    OPAS (Organizacíon Panamericana de La Salud). Reducción mortalidad materna en 11 países de la Región. Washington;. 2014. [acesso em jan 2017]. Disponível em: http://www.paho.org/clap/index.php?option=com_content&view=article&id=220reduccionmortalidadmaternaen11paisesdelaregion&catid=387&Itemid=354&lang=es
    » http://www.paho.org/clap/index.php?option=com_content&view=article&id=220reduccionmortalidadmaternaen11paisesdelaregion&catid=387&Itemid=354&lang=es
  • 4
    Agrawal P. Maternal mortality and morbidity in the United States of America. Bull World Health Organ. 2015; 93 (3):135.
  • 5
    Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico - Mortalidade Materna. Brasília, DF; 2012. [acesso em jan 2017]. Disponível em: http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/23/BE2012431pag1a7MortalidadeMaterna.pdf
    » http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/23/BE2012431pag1a7MortalidadeMaterna.pdf
  • 6
    Braz RM, Oliveira PTR, Reis AT, Machado NS. Avaliação da completude da variável raça/cor nos sistemas nacionais de informação em saúde para aferição da equidade étnicoracial em indicadores usados pelo Índice de Desempenho do Sistema Único de Saúde. Saúde em Debate. 2013; 37 (99): 554-62.
  • 7
    Martins AL. Mortalidade materna de mulheres negras no Brasil. Cad Saúde Pública. 2006; 22 (11): 2473-9.
  • 8
    Teixeira NZF, Pereira WR, Barbosa DA, Vianna LAC. Mortalidade materna e sua interface com a raça em Mato Grosso. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2012; 12 (1): 27-35.
  • 9
    Brasil. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico e contagem da população, Brasil 2010. Brasília, DF; 2010. (acesso em 2016 dez 10). Disponível em: https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_resultados_amostra.shtm
    » https://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default_resultados_amostra.shtm
  • 10
    Brasil. Sistema de Informações sobre Mortalidade SIM. DATASUS. Tecnologia da Informação a Serviço SUS. Brasília, DF; 2017. [acesso em jun 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Ob_Mu_Id_Fertil_Mat_1996_2012.pdf
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/Ob_Mu_Id_Fertil_Mat_1996_2012.pdf
  • 11
    Brasil. Sistema de Informações de Nascidos Vivos Sinasc. DATASUS. Tecnologia da Informação a Serviço SUS. Brasília, DF; 2017. [acesso em jun 2017]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Nascidos_Vivos_1994_2012.pdf
    » http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Nascidos_Vivos_1994_2012.pdf
  • 12
    Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. In: instrução Médica, editor. 10ª revisão ed. São Paulo: Edusp; 2008.
  • 13
    Szwarcwald CL, Escalante JJC, Rabello Neto DL, Souza Junior PRB, Victora CG. Estimação da razão de mortalidade materna no Brasil, 20082011. Cad Saúde Pública. 2014; 30 (Supl.1): S71-83.
  • 14
    Tucker MJ, Berg CJ, Callaghan WM, Hsia J. The Black-White Disparity in PregnancyRelated Mortality From 5 Conditions: Differences in Prevalence and CaseFatality Rates. Am J Public Health. 2007; 97 (2): 247-51.
  • 15
    Ferraz L, Bordignon M. Mortalidade materna no Brasil: uma realidade que precisa melhorar. Rev Baian Saúde Pública. 2013; 36 (2): 527-38.
  • 16
    Leite RMB, Araújo TVB, Albuquerque RM, Andrade ARS, Duarte Neto PJ. Fatores de risco para mortalidade materna em área urbana do Nordeste do Brasil. Cad Saúde Pública. 2011; 27 (10): 1977-85.
  • 17
    Chor D. Desigualdades em saúde no Brasil: é preciso ter raça. Cad. Saúde Pública. 2013; 29 (7): 1272-75.
  • 18
    Rosenstein MG, Romero M, Ramos S. Maternal mortality in Argentina: a closer look at women who die outside of the health system. Matern Child Health J. 2008; 12 (4): 519-24.
  • 19
    Victora CG, Aquino EML, Leal MC, Monteiro CA, Barros FC, Szwarcwald CL. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377: 29-42.
  • 20
    Singh S. Hospital admissions resulting from unsafe abortion: estimates from 13 developing countries. Lancet. 2006; 368: 1887-92.
  • 21
    Evjen-Olsen B, Hinderaker SG, Lie RT, Bergsjo P, Gasheka P, Kvale G. Risk factors for maternal death in the highlands of rural northern Tanzania: a casecontrol study. BMC Public Health. 2008; 8 (1): 52-60.
  • 22
    Carreno I, Bonilha ALL, Costa JSD. Temporal evolution and spatial distribution of maternal death. Rev Saúde Pública. 2014; 48 (4): 662-70.
  • 23
    Hogan MC, Foreman KJ, Naghavi M, Ahn SY, Wang M, Makela SM, Lopez AD, Lozano R, Murray CJL. Maternal mortality for 181 countries, 1980-2008: a systematic analysis of progress towards Millennium Development Goal 5. Lancet. 2010; 375 (9726):1609-23.
  • 24
    Laurenti R, Mello JM, Gotlieb SLD. A mortalidade materna nas capitais brasileiras: algumas características e estimativa de um fator de ajuste. Rev Bras Epidemiol. 2004; 7 (4): 449-60.
  • 25
    United Nations. Millennium Development Goals. New York: United Nations; 2011 (cited 2016 dez 7). Available from: http://www.un.org/millenniumgoals/bkgd.shtml
    » http://www.un.org/millenniumgoals/bkgd.shtml

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    10 Maio 2017
  • Revisado
    27 Jun 2017
  • Aceito
    31 Jul 2017
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br