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Intoxicações em crianças e adolescentes notificados em um centro de toxicologia no nordeste do Brasil

Resumo

Objetivos:

analisar o perfil clínico-epidemiológico das intoxicações em menores de 12 anos.

Métodos:

estudo seccional com componente analítico das notificações de intoxicações, em Centro de Toxicologia de Pernambuco, ocorridas entre 2012 e 2014. Foram excluídas as reações alérgicas e intoxicações por alimentos contaminados. Foram pesquisadas características sócio demográficas, agente tóxico, circunstância, local de ocorrência, tempo até atendimento e evolução dos pacientes. Determinouse a distribuição de frequências e realizaramse associações entre as variáveis através da razão de prevalência e teste de quiquadrado.

Resultados:

entre 2.843 registros, 1.601 (56,3%) foram intoxicações por substâncias químicas e 1.242 (43,7%) por animais peçonhentos. A maioria residia na zona urbana (90,6%) e foi atendida após a primeira hora da exposição (47,6%). A frequência de intoxicações por substâncias químicas foi maior entre menores de cinco anos (RP=2,34; IC95%: 2,142,56) e não houve diferença entre os sexos (RP=1,00; IC95%: 0,941,07). Os medicamentos (45,0%) predominaram entre às intoxicações por substâncias químicas e escorpionismo (77,0%) entre animais peçonhentos. As intoxicações ocorreram de forma acidental em 92,2% e entre as substâncias químicas 99,6% nos domicílios. Houve seis óbitos por ingestão de substâncias químicas e dois por escorpionismo.

Conclusões:

as intoxicações em Pernambuco são problemas de saúde pública pela sua frequência e ocorreram principalmente em menores de cinco anos, de forma acidental e intradomiciliar.

Palavras chave
Intoxicação; Mordeduras e picadas; Acidentes; Crianças; Adolescente

Abstract

Objective:

to analyze the clinical and epidemiological profile of poisoning in children and adolescents under 12years old.

Methods:

a crosssectional study with analytical component based on poisoning notifications at the Centro de Toxicologia de Pernambuco (Toxicological Center in Pernambuco), carried out in 2012 and 2014. Allergic reactions and contaminated food poisoning were excluded. Sociodemographic characteristics, type of toxic agent, circumstance, place of occurrence, time until care and patients' evolution were analyzed. The distribution of frequencies and associations among the variables through prevalence ratio and the chisquared test was determined.

Results:

Among 2,843 patients registered, 1,601 (56.3%) were poisoned by chemical substances and 1,242 (43.7%) by poisonous animals. Most lived in urban areas (90.6%) and were attended for care after an hour of the incident (47.6%). The poisoning frequency of chemical substances was higher among children under five years old (PR=2.34; CI95%= 2.142.56) and there was no difference in the sexes (PR=1.00; CI95%= 0.941.07). The predominant medicine (45.0%) for poisoning was between chemical substance and scorpions (77.0%). Poisoning occurred as accidental in 92.2% and 99.6% of chemical substance occurred at home. There were six deaths by chemical intake and two by scorpions..

Conclusions:

poisoning in Pernambuco State is considered a public health issue given by its frequency and it occurred mostly with children under 5 years old accidentally and at home.

Key words
Poisoning; Bites and stings; Accidents; Children; Adolescent

Introdução

As intoxicações, também chamadas envenenamentos, são um problema global de saúde para crianças e adolescentes sendo responsáveis por milhões de chamados aos centros de informações e assistência toxicológica em todo o mundo.11 Mowry JB, Spyker DA, Cantilena Jr LR, McMillan N, Ford M. ol Centers' National Poison Data System 2013 Annual Report of the American Association of Poison Contr(NPDS): 31st Annual Report. Clin Toxicol. 2014; 52: 1032-283.,22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p. Em 2004, ocorreram cerca de 350 mil mortes por envenenamento em todo o mundo, das quais aproximadamente 45.000 (13,0%) eram de menores de 20 anos.22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p. Em 2007, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu as intoxicações por acidentes com animais peçonhentos no grupo das doenças negligenciadas.33 World Health Organization WHO. Rabies and envenomings : a neglected public health issue : report of a Consultative Meeting. World Health Organization, editor. Who. Geneve; 2007. 5 - 12 p.

Os registros de intoxicações de crianças e adolescentes vêm aumentando progressivamente no Brasil. Nos anos de 2010 e 2014, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) registrou 16.183 e 24.521 casos de intoxicação em menores de 14 anos, respectivamente.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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Ressalta-se que nestes cinco anos ocorreu uma elevação de 52,2% das notificações devido principalmente ao aumento das intoxicações por substâncias químicas (98,0%) quando comparada ao aumento das intoxicações por animais peçonhentos (20,0%).44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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Os medicamentos constituem o principal grupo de substâncias químicas envolvidas em intoxicações (40,0%), seguidos dos produtos de uso domiciliar (14,0%). Entre os animais peçonhentos, o escor-pionismo foi responsável por 46,6% dos casos.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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No estado de Pernambuco, neste mesmo período de 2010 a 2014, o Centro de Assistência Toxicológica (CEATOX) duplicou o número de notificações passando de 2.316 para 4.585.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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Os Centros de Informações e Assistência Toxicológica (CIATs) do Brasil são serviços de saúde responsáveis por fornecer informações toxi-cológicas à população em geral e aos profissionais de saúde, orientando a conduta imediata, diagnóstico e o tratamento das pessoas expostas e/ou intoxicadas, visando à redução da morbimortalidade. Foram criados na década de 1970 por gestores públicos da saúde no âmbito estadual, tendo sido São Paulo o primeiro estado brasileiro a sediar um serviço especializado em toxicologia.55 Azevedo JLS. A Importância dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica e sua Contribuição na Minimização dos Agravos à Saúde e ao Meio Ambiente no Brasil. [Brasilia]: Universidade de Brasília; 2006. Os CIATs progressivamente se tornaram referência em toxi-cologia clínica do Sistema Único de Saúde (SUS), com atendimento em regime de plantão permanente por tele-consultoria ou presencial e passaram a fazer parte da Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), a partir da recomendação da Portaria N° 1.678 de 2015 do Ministério da Saúde (MS).66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria No 1.678, de 2 de outubro de 2015. Diario Oficial da União Brasíia: Imprensa Nacional; 2015 p. 55. Atualmente, o Brasil conta com 30 Centros de Informação e Assistência Toxicológica, porém, pesquisas com dados epidemiológicos destes centros ainda são escassas.

Baseados na premissa de que o acesso às informações precisas e confiáveis é importante na formulação de políticas públicas, este estudo analisa dados de intoxicações agudas em crianças e adolescentes até 12 anos, notificadas em um centro de referência em toxicologia no nordeste do Brasil.

Métodos

Estudo de corte transversal, com componente analítico, com dados secundários, de intoxicações notificadas ao Centro de Assistência Toxicológica de Pernambuco (CEATOX/PE), no período de janeiro de 2012 a dezembro de 2014. O CEATOX/PE é o serviço de referência estadual para atendimento dos casos de intoxicações por substâncias químicas e por animais peçonhentos. Neste período, atendeu 31.641 chamados, dos quais 7.435 (23,5%) casos de intoxicação confirmados, 13.983 (44,2%) solicitações de informações, e realizou 10.223 (32,3%) buscas ativas para reavaliações.

Foram incluídas no estudo as notificações de intoxicações agudas envolvendo crianças e adolescentes até 12 anos, e excluídos os casos de reações adversas e alérgicas ao uso de drogas e intoxicações alimentares decorrentes de agentes infecciosos.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos (CEP) do Complexo Hospitalar do Hospital Universitário Oswaldo Cruz -HUOC / PROCAPE (Parecer n° 896.663).

O instrumento de notificação do serviço são as fichas de investigação de intoxicação exógena e a de acidentes por animais peçonhentos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).77 Laguardia J, Domingues CMA, Carvalho C, Lauerman CR, Macário E, Glatt R. Sistema de informação de agravos de notificação em saúde (Sinan): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2004; 13(3): 135-46. As variáveis analisadas foram: idade (posteriormente categorizada em duas faixas etárias: menor de 5 anos e maior ou igual a 5 anos), sexo, residência, zona da residência (urbana ou rural), tempo entre a e o atendimento no serviço de saúde (considerou-se 1 hora como o ponto de corte), grupo de agente tóxico, circunstância (principal motivo que deu origem ao agravo), local da exposição (intra ou extradomi-ciliar) e evolução clínica para o óbito. A residência foi classificada de acordo com a Gerência Regional de Saúde (GERES, que são as 12 unidades administrativas da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco que agrupam os 184 municípios e o território de Fernando de Noronha.

Nos casos de envenenamento por picada de animal peçonhento foram avaliadas a gravidade (leve, moderada e grave, segundo critérios do MS),88 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. 2 ed. Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde/Ascon/Pre/FUNASA, editor. Brasíia; 2001. 120 p. o uso de soroterapia específica e a evolução para óbito.

A análise dos dados foi realizada utilizando o programa Epilnfo, versão 3.5.4. Determinaram-se a distribuição de frequências absoluta e relativa, medidas de tendência central e de dispersão das variáveis estudadas. A associação do evento com as variáveis independentes foi analisada pelo cálculo das razões de prevalência (RP) e pelo teste do qui-quadrado de associação, adotando-se o nível de significância de 0,05.

Resultados

Do total de 2.843 notificações de intoxicações em crianças e adolescentes até 12 anos, 1.601 (56,3%) foram intoxicações por substâncias químicas e 1.242 (43,7%) por animais peçonhentos. Estas notificações foram provenientes principalmente de residentes dos municípios que compõem a Região Metropolitana do Recife (78,9%) (Figura 1). A mediana da idade dos casos de intoxicações por substâncias químicas foi dois anos [intervalo interquartil (IIQ) de 1 a 4 anos] e entre os casos por animais peçonhentos foi 5,5 anos, (IIQ de 2,5 a 9,0 anos).

Figura 1
Distribuição do município de residência dos menores de 12 anos com intoxicações. CEATOX-PE, 2012 a 2014.

As características sociodemográficas da população de estudo são apresentadas na Tabela 1. As intoxicações predominaram nos menores de cinco anos (60,2%) e ocorreram na sua maioria em moradores da zona urbana (90,6%). Em relação ao tempo decorrido entre a exposição e o atendimento no serviço de saúde, 47,7% dos pacientes chegaram à unidade de saúde após a primeira hora; os pacientes com intoxicação por animais peçonhentos foram atendidos com maior freqüência na primeira hora quando comparados com os intoxicados por substancias químicas (RP:1,15; IC95%: 1,07-1,24; p<0,001).

Tabela 1
Distribuição das características sócio demográficas em menores de 12 anos com intoxicações. CEATOX-PE. 2012 a 2014.

As intoxicações por substâncias químicas entre as crianças menores de cinco anos foram 2,34 vezes mais prevalentes quando comparadas com aquelas na faixa etária entre 5 e 12 anos (RP:2,34; IC95%: 2,14 -2,56; p<0, 001). Não houve diferença entre os sexos. As intoxicações por substâncias químicas foram mais prevalentes na zona urbana (RP:1,36; IC95%: 1,17-1,58; p<0,001).

Na Tabela 2, destacamos o tipo de agente por faixa etária. Em todas as faixas etárias, os medicamentos foram os principais agentes, responsáveis por 45,0% das intoxicações por substâncias químicas. Dentre os medicamentos, os psicotrópicos foram os mais notificados (17,0%), seguidos pelos analgésicos (5,8%) e estimulantes de apetite (3,1%). Após os medicamentos, seguiram-se as intoxicações por produtos químicos (30,5%) e neste grupo, a água sanitária foi o produto mais notificado (70,8%) seguidos do cloro e querosene ambos com 8,0%. Houve 179 casos de intoxicação por agrotóxicos, destes, 65 (36,3%) foram atribuídos ao agrotóxico denominado "chumbinho" que correspondeu a 4,0% do total das intoxicações por substâncias químicas.

Tabela 2
Distribuição das intoxicações em menores de 12 anos, segundo o grupo de agente tóxico e faixa etária. CEATOX-PE. 2012 a 2014.

Entre os 1.242 casos de acidentes por animais peçonhentos, 957 (77,0%) foram picadas de escorpião e 153 (12,3%) por serpentes. A tabela 3 demonstra que a maioria dos casos foi classificada como acidentes leves (89,1%) e 148 (11,9%) pacientes fizeram uso de soroterapia específica.

Tabela 3
Distribuição das intoxicações por animais peçonhentos em menores de 12 anos, segundo gravidade, uso de soroterapia específica e evolução para óbito. CEATOX-PE. 2012 a 2014

A Figura 2 demonstra que as intoxicações foram não intencionais (acidental) em 95,6% dos casos. A residência foi o local da ocorrência em 99,6% dos casos de intoxicação por ingestão de substâncias químicas e em 44,4% das picadas de animais peçonhentos.

Figura 2
Distribuição da circunstância e local de exposição de menores de 12 anos com intoxicações. CEATOX-PE, 2012 a 2014.

No período do estudo ocorreram oito óbitos (0,3%), seis por ingestão de substâncias químicas (quatro por agrotóxico agrícola denominado "chumbinho" e dois casos por produto químico industrial, benzeno e gasolina) e dois por picada de escorpião da espécie Tityus stigmurus.

Discussão

Entre as lesões não intencionais, a intoxicação é um problema de saúde pública em todo o mundo pela sua alta frequência e morbidade.11 Mowry JB, Spyker DA, Cantilena Jr LR, McMillan N, Ford M. ol Centers' National Poison Data System 2013 Annual Report of the American Association of Poison Contr(NPDS): 31st Annual Report. Clin Toxicol. 2014; 52: 1032-283.,22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p. Os resultados deste estudo destacam a importância destes agravos em crianças e adolescentes até 12 anos em Pernambuco.

O estudo constatou que estes agravos foram mais prevalentes no grupo de crianças com idade menor que cinco anos, perfil também observado em outras regiões do Brasil99 Domingos SM, Borghesan NBA, Merino M de FGL, Higarashi IH. Internações por intoxicação de crianças de zero a 14 anos em hospital de ensino no Sul do Brasil, 20062011. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25(2): 343-50.

10 Werneck GL, Hasselmann MH. Intoxicações exógenas em crianças menores de seis anos atendidas em hospitais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras. 2009; 55(3): 302-7.
-1111 Oliveira F Suchara E. Perfil epidemiológico das intoxicações exógenas em crianças e adolescentes em município do Mato Grosso. Rev Paul Pediatr. 2014; 32 (4): 299-305. e do mundo.11 Mowry JB, Spyker DA, Cantilena Jr LR, McMillan N, Ford M. ol Centers' National Poison Data System 2013 Annual Report of the American Association of Poison Contr(NPDS): 31st Annual Report. Clin Toxicol. 2014; 52: 1032-283."22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p. Nesta faixa etária as crianças estão mais vulneráveis às intoxicações e merecem maior atenção, o que pode ser explicado por fatores inerentes ao desenvolvimento infantil. A curiosidade e a exploração do ambiente fazem com que as crianças estejam mais expostas e levem substâncias e objetos para a boca.1212 Hahn R da C, Labegalin MPC, Oliveira MLF. Características de intoxicações agudas em crianças: estudo em um centro de assistência toxicológica. 2013; 4: 18-22. Estudos indicam que a redução ou eliminação de fatores de risco, tais como a falta de vigilância dos cuidadores e o armazenamento inadequado dos produtos químicos (numa altura inferior a 150 cm), possibilitariam a diminuição em torno de 13 a 19% respectivamente destes eventos na infância.1212 Hahn R da C, Labegalin MPC, Oliveira MLF. Características de intoxicações agudas em crianças: estudo em um centro de assistência toxicológica. 2013; 4: 18-22.,1313 Ramos CLJ, Barros HMT, Stein AT, Costa JSD. Fatores de risco que contribuem para o envenenamento pediátrico. J Pediatr (Rio J). 2010; 86 (5): 435-40.

De acordo com relatório da OMS,22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p. intervenções efetivas para reduzir as intoxicações devem envolver, além da exclusão das substâncias tóxicas, estratégias mais amplas que englobem a obrigatoriedade legal da adoção de embalagens especiais para crianças (EEPC) e o empacotamento e comercialização com doses não letais.22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p.,1414 Wynn PM, Zou K, Young B, Majsaknewman G, Hawkins A, Kay B, MhizhaMurira J, Kendrick D. Prevention of childhood poisoning in the home : overview of systematic reviews and a systematic review of primary studies. Int J Inj Contr Saf Promot. 2015; 23 (1): 3-28. Ainda segundo esse relatório, o uso de chaves em armários e gavetas são práticas efetivas de prevenção. Não existem evidências científicas suficientes comprovando que, isoladamente, a orientação aos pais/crianças e ações de educação em casa reduza as intoxicações na infância.

Não observamos diferenças em relação ao sexo no nosso estudo, o que difere das pesquisas nacionais e internacionais,11 Mowry JB, Spyker DA, Cantilena Jr LR, McMillan N, Ford M. ol Centers' National Poison Data System 2013 Annual Report of the American Association of Poison Contr(NPDS): 31st Annual Report. Clin Toxicol. 2014; 52: 1032-283.,99 Domingos SM, Borghesan NBA, Merino M de FGL, Higarashi IH. Internações por intoxicação de crianças de zero a 14 anos em hospital de ensino no Sul do Brasil, 20062011. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25(2): 343-50.,1515 Holder Y, Matzopoulos R, Smith N. Poisons in: World report on child injury prevention World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 123-42. que descrevem as intoxicações mais frequentes em meninos. Este achado pode ser explicado pelo grande número de intoxicações em nosso meio ter ocorrido em crianças pequenas e intradomiciliar. O espaço físico limitado de mobilidade, não permitiu estabelecer diferenças entre a maior exposição dos meninos em relação às meninas.

Mesmo provenientes de zona urbana só metade destes pacientes chegaram ao serviço de saúde em menos que uma hora da exposição, tempo considerado hábil para realizar uma descontaminação gástrica eficaz.1616 Bucaretchi F, Baracat ECE. Exposições tóxicas agudas em crianças : um panorama. J Pediatr (Rio J). 2005; 81(Supl. 5): S212-22. Este fato pode sugerir que a população teve dificuldade de acesso aos serviços de saúde ou não está suficientemente esclarecida sobre os riscos potenciais das intoxicações.

Entre os agentes envolvidos, os resultados foram semelhantes a outros estudos22 World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 233 p.,99 Domingos SM, Borghesan NBA, Merino M de FGL, Higarashi IH. Internações por intoxicação de crianças de zero a 14 anos em hospital de ensino no Sul do Brasil, 20062011. Epidemiol Serv Saúde. 2016; 25(2): 343-50.

10 Werneck GL, Hasselmann MH. Intoxicações exógenas em crianças menores de seis anos atendidas em hospitais da região metropolitana do Rio de Janeiro. Rev Assoc Med Bras. 2009; 55(3): 302-7.
-1111 Oliveira F Suchara E. Perfil epidemiológico das intoxicações exógenas em crianças e adolescentes em município do Mato Grosso. Rev Paul Pediatr. 2014; 32 (4): 299-305.,1515 Holder Y, Matzopoulos R, Smith N. Poisons in: World report on child injury prevention World Health Organization WHO. World report on child injury prevention. Peden M, Oyegbite K, OzanneSmith J, Hyder AA, Branche C, Rahman AF, Rivara F. and Bartolomeos K. Geneve; 2008. 123-42.,1717 Ramos CLJ, Targa MBM, Stein AT. Perfil das intoxicações na infância atendidas pelo Centro de Informação Toxicológica do Rio Grande do Sul (CIT/RS), Brasil. Cad Saúde Pública. 2005; 21(4): 1134-41.,1818 Pérez DA, Gallardo ÁJL, Castro YF, Romeu SE, Abreu CM. Lesiones no intencionales por intoxicación en Pediatría. Unintentional injuries by poisoning in Pediatrics. Mediciego. 2012; 18(Supl. 2). Disponível em: http://bvs.sld.cu/revistas/mciego/vol18_supl2_2012/pdf/T8.pdf
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que citam os medicamentos como os agentes mais encontrados nas notificações de intoxicações por substâncias tóxicas. No entanto, estas informações diferem do SINAN, que registra alimentos e bebidas entre os principais agentes tóxicos no Brasil, com cerca de 10,0% das notificações.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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Entendemos que os alimentos e bebidas foram contaminados por um determinado agente tóxico e não deveriam ser notificados como agentes etiológicos.

Ainda em relação à substância tóxica, ressaltamos em nosso meio, o envenenamento por agrotóxico agrícola que é vendido clandestinamente como raticida denominado "chumbinho", de alta letalidade responsável pela metade dos óbitos registrados. De acordo com uma pesquisa publicada em 2009, problema semelhante ocorreu no estado do Rio de Janeiro onde 10,0% das intoxicações em menores de seis anos foram atribuídas ao "chumbinho".55 Azevedo JLS. A Importância dos Centros de Informação e Assistência Toxicológica e sua Contribuição na Minimização dos Agravos à Saúde e ao Meio Ambiente no Brasil. [Brasilia]: Universidade de Brasília; 2006.

A pesquisa evidenciou que os envenenamentos por picadas de escorpião foi o principal motivo de chamado ao CEATOX. A ocorrência destes acidentes na região urbana pode ser explicada pela alta densidade demográfica, crescimento desordenado e acúmulo de lixo favorecendo a proliferação de baratas, principal alimento do escorpião.88 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos. 2 ed. Assessoria de Comunicação e Educação em Saúde/Ascon/Pre/FUNASA, editor. Brasíia; 2001. 120 p."1919 Guerra CMN, Carvalho LFA, Colosimo EA, Freire HBM. Análise de variáveis relacionadas á evolução letal do escorpionismo em crianças e adolescentes no estado de Minas Gerais no período de 2001 a 2005. J Pediatr (Rio J). 2008; 84(6): 509-15.

Durante o intervalo da pesquisa foi constatado um baixo percentual de casos que necessitaram soroterapia específica. Isto reflete uma característica da espécie mais encontrada na região Nordeste, o Tityus stigmurus, cujo veneno geralmente causa manifestações clínicas leves, não justificando o uso de soroterapia específica.

Apesar da alta prevalência desse agravo em crianças,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Intoxicação exógena e acidente por animais peçonhentos [Internet]. [cited 2016 May 16]. Available from: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/Intoxbr.def
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programas de educação continuada com informação aos profissionais de saúde e à população em áreas de risco, associados à disponibilidade do soro anti veneno descentralizado em todo o estado de Pernambuco, fizeram com que a partir de 2013, não tenha sido registrado óbito por esta causa neste estado.

Como limitação do estudo, ressaltamos que os dados foram provenientes de um único Centro de Informação Toxicológica onde a notificação é espontânea, não representando a totalidade dos casos. Estima-se que aproximadamente 25,0% dos casos de intoxicação em menores de seis anos de idade não chegam a ser notificados aos Centros de Informações Toxicológicas, em virtude da pouca gravidade da lesão contribuindo para distorcer o conhecimento da magnitude do problema.11 Mowry JB, Spyker DA, Cantilena Jr LR, McMillan N, Ford M. ol Centers' National Poison Data System 2013 Annual Report of the American Association of Poison Contr(NPDS): 31st Annual Report. Clin Toxicol. 2014; 52: 1032-283.

De acordo com a revisão do assunto e os resultados deste estudo propomos as seguintes sugestões e recomendações: fortalecer os CIATs com recursos financeiros para que possam desenvolver toda a sua potencialidade de ações na vigilância e assistência; mobilizar a sociedade organizada, principalmente a Sociedade de Pediatria no desenvolvimento de campanhas junto aos profissionais de saúde, educadores e população, visando à prevenção destes agravos; articular com a Secretaria de Educação a inserção de temas relacionados à prevenção de acidentes na infância no contexto escolar envolvendo os educadores; estimular o debate com os gestores das universidades e de cursos técnicos para inclusão da toxicologia nas grades do ensino na área de saúde, visando à formação de profissionais que atuem de forma ativa na prevenção, diagnóstico e tratamento destes agravos; pressionar a aprovação dos projetos de lei ligados à prevenção de acidentes com crianças que tramitam no Congresso Nacional, como o que propõe que os medicamentos infantis sejam embalados em frascos fechados com tampas, possuindo mecanismo especial de segurança que impeça a abertura por crianças.

Finalmente, sugerimos o planejamento de estratégias mais adequadas de controle e prevenção dos acidentes por animais peçonhentos com foco no escorpionismo, bem como o combate da prática ilegal do comércio de agrotóxicos com outras finalidades, sobretudo como raticida.

Concluímos que as intoxicações em Pernambuco são problemas de saúde pública pela sua frequência e morbidade. Ocorreram principalmente em menores de cinco anos, de forma acidental (não intencional) e intradomiciliar. Baseados nos dados epidemiológicos descritos é necessário instituir medidas educativas associadas às legislativas visando à prevenção destes agravos.

References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Mar 2017
  • Revisado
    01 Ago 2017
  • Aceito
    10 Nov 2017
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