Acessibilidade / Reportar erro

Capacitação em aconselhamento nutricional: avaliação de conhecimento e aplicabilidade na atenção à saúde da criança

Resumo

Objetivos:

avaliar conhecimento de profissionais da atenção básica antes e após capacitação em aconselhamento nutricional e sua aplicabilidade na saúde da criança.

Métodos:

estudo de intervenção não controlado, tipo antes e depois, de abordagem quantitativa, desenvolvido no município de Itupeva, São Paulo. Capacitação como intervenção foi implementada para enfermeiros, auxiliares de enfermagem (AE) e agentes comunitários de saúde (ACS), com base na educação crítico-reflexiva. Aplicou-se teste de conhecimento com 16 questões de múltipla escolha antes e após a capacitação. Aplicabilidade da capacitação em aconselhamento nutricional na rotina dos serviços foi avaliada por questão aberta. Utilizou-se estatística descritiva e Teste Exato de Fisher com significância de 5%.

Resultados:

após capacitação, o conhecimento 'satisfatório' aumentou 71% no grupo Enfermeiros e no grupo AE/ACS. Os profissionais apontaram a capacitação como uma oportunidade de qualificação, mas para sua aplicabilidade, falta suporte político e organização dos serviços.

Conclusões:

a capacitação contribui para ampliação do conhecimento de profissionais da atenção básica, porém a aplicabilidade na rotina depende de esforços da gestão local e organização dos serviços.

Palavras-chave
Capacitação profissional; Nutrição da criança; Saúde da criança; Enfermagem em saúde pública; Atenção primária à saúde

Abstract

Objectives:

to assess the primary healthcare professionals’ knowledge before and after the training in nutritional counseling and the applicability in child’s healthcare.

Methods:

a non-controlled ‘before and after’ intervention study, in a quantitative approach was conducted in Itupeva city in, Sao Paulo State. Training as an intervention was implemented for nurses, nursing assistants (NA) and community health agents (CHA), based on the critical-reflexive education. The professionals’ knowledge was evaluated by applying a test with 16 multiple choice questions before and after the training. The nutritional counseling applicability in the services was evaluated by an open question test. The descriptive statistics and Fisher’s Exact Test with significance of 5% were used

Results:

after training, the 'satisfactory' knowledge increased 71% in the nurses group and the NA/CHA groups. The professionals pointed out that training as an opportunity for qualification but the applicability lacks on political support and service organization.

Conclusions:

training in nutritional counseling contributes to expand the primary care professionals' knowledge, although, the applicability in the routine depends on the efforts of local management and service organization.

Key words
Professional training; Child’s nutrition; Child’s health; Public health nursing; Primary healthcare

Introdução

Práticas alimentares inadequadas nos primeiros anos de vida afetam diretamente o crescimento e o desenvolvimento, aumentam os índices de morbimortalidade infantil,11 Black RE, Victora CG, Walker SP, Bhutta ZA, Christian P, Onis M, Ezzati M, Grantham-McGregor S, Katz J, Martorell R, Uauy R, and the Maternal and Child Nutrition Study Group. Maternal and child undernutrition and over-weight in low-income and middle-income countries. Lancet. 2013; 382 (9890): 427-51. e há evidências de forte associação com nível de escolaridade e inserção social na vida adulta.22 Victora CG, Horta BL, Mola CL, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, Gonçalves H, Barros FC. Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health. 2015; 3: e199-205.

No Brasil, mais de 50% das crianças de dois a cinco anos apresentam algum tipo de inadequação alimentar33 Alves MN, Muniz LC, V MFA. Consumo alimentar entre crianças brasileiras de dois a cinco anos de idade: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), 2006. CiêncSaúde Coletiva. 2013; 18 (11): 3369-77. e entre as crianças menores de dois anos, publicação recente do Inquérito Nacional de Saúde mostrou inoportuno consumo de alimentos não saudáveis: mais de 60% das crianças consumiam biscoito, bolacha ou bolo e 32% já consumiam refrigerante.44 Jaime PC, Frias PG, Monteiro HOC, Almeida PVB, Malta DC. Assistência em saúde e alimentação não saudável em crianças menores de dois anos: dados da Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (2): 159-67.

Apesar disto, o Brasil tem recebido reconhecimento mundial pelo sucesso obtido nos padrões de amamentação,55 Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices?Lancet. 2016; 387(10017): 491-504. mas ainda há indicações de que os profissionais de saúde requerem capacitação para trabalhar com a promoção do aleitamento materno, inclusive pediatras, obstetras e enfermeiros.66 Pérez-Escamilla Rafael. Amamentação no Brasil: grande progresso, porém ainda há um longo caminho pela frente. J. Pediatr. (Rio J.). 2017;93(2):107-10.

A literatura mostra que a capacitação de profissionais em aconselhamento nutricional melhora significativamente as práticas maternas de alimentação infantil, o ganho ponderal das crianças e o desempenho dos profissionais, além de ampliar seus conhecimentos.77 Campos AAO, Cotta RMM, Oliveira JM, Santos AK, Araújo RMA. Aconselhamento nutricional de crianças menores de dois anos de idade: potencialidades e obstáculos como desafios estratégicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19 (2): 529-38.,88 Sunguya BF, Poudel KC, Mlunde LB, Urassa DP, Yasuoka J, Jimba M. Nutrition training improves health workers' nutrition knowledge and competence to manage child undernutrition: a systematic review. Front Publ Health. 2013; 1 (37): 2-21.

Como resposta ao reconhecimento da importância da alimentação saudável na promoção da saúde da criança, técnicas de aconselhamento nutricional estão inseridas em diversos documentos e estratégias governamentais destinadas a equipes multiprofissionais, incluindo agentes comunitários de saúde, com vistas a apoiar as orientações sobre práticas alimentares saudáveis.99 Brasil. Ministério da Saúde. ENPACS: Estratégia Nacional Para Alimentação Complementar Saudável: Caderno do Tutor. Brasília, DF; 2010. 112p.

10 Brasil. Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. 2 ed. Brasília, DF; 2013. 75p.
-1111 Brasil. Ministério da Saúde. Alimentação saudável para crianças menores de dois anos. Álbum seriado. Brasília, DF; 2011.

Assim, compreendendo a necessidade de se avançar na adesão às práticas saudáveis de alimentação infantil e pressupondo que profissionais devidamente qualificados podem contribuir de forma mais adequada no aconselhamento nutricional, o presente estudo teve como objetivo avaliar o conhecimento de profissionais da atenção básica antes e após capacitação em aconselhamento nutricional e sua aplicabilidade na saúde da criança.

Métodos

Estudo de intervenção, não controlado, do tipo 'antes e depois', de abordagem quantitativa, conduzido em Itupeva, Estado de São Paulo, que conta com cerca de 48 mil habitantes.

A capacitação em aconselhamento nutricional, como intervenção, ocorreu de setembro de 2013 a fevereiro de 2014, com convite a todos os profissionais da atenção básica do município. Para que todos tivessem oportunidade de participar, sem prejuízo à rotina dos serviços, foram organizadas quatro oficinas: uma para enfermeiros/médicos e três oficinas para auxiliares/técnicos de enfermagem (AE)/agentes comunitários de saúde (ACS), com carga horária mínima de 16 horas cada (dois dias não consecutivos).

Do total de 83 profissionais de saúde que trabalhavam nas 12 unidades básicas do município (13 médicos, 12 enfermeiros, 26 AE e 32 ACS, participaram efetivamente da capacitação 53 profissionais (64% do total): 11 enfermeiros (92%), 14 AE (54%) e 28 ACS (88%). Não houve participação dos médicos.

A capacitação foi realizada por enfermeiras e pós-graduandas em enfermagem. Adotou-se como base técnica, documentos do Ministério da Saúde99 Brasil. Ministério da Saúde. ENPACS: Estratégia Nacional Para Alimentação Complementar Saudável: Caderno do Tutor. Brasília, DF; 2010. 112p.

10 Brasil. Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. 2 ed. Brasília, DF; 2013. 75p.

11 Brasil. Ministério da Saúde. Alimentação saudável para crianças menores de dois anos. Álbum seriado. Brasília, DF; 2011.

12 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: crescimento e desenvolvimento (Caderno da Atenção Básica n° 33). Brasília, DF; 2012.
-1313 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área temática de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta de Saúde da Criança: passaporte para a cidadania. Brasília, DF; 2013. e como referencial pedagógico, os princípios da educação crítico-reflexiva, no qual aprender é um processo integrado e qualitativo que se baseia na relação dialógico-dialética entre o educador e o educando, valoriza elementos da prática dos sujeitos para que a aprendizagem seja realmente significativa e compromete-se com o estímulo à reflexão para transformação da realidade.1414 Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. [internet]. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1997.

A implementação da capacitação incluiu oficinas com foco na comunicação e interação do grupo para criar um espaço de afetividade, confiança e respeito. Considerando a heterogeneidade dos participantes, quanto à formação e às atribuições na atenção à saúde da criança, o desenvolvimento de todas as atividades partiu do conhecimento prévio do grupo sobre os temas abordados e as estratégias pedagógicas incluíram situações práticas e da rotina dos serviços (Tabela 1).

Tabela 1
Temas, objetivos e estratégias pedagógicas utilizadas na capacitação de profissionais em aconselhamento nutricional. Itupeva, São Paulo, Brasil, 2013/2014.

No início da capacitação, aplicou-se questionário estruturado para obter informações sobre sexo (masculino/feminino), idade (anos), categoria profissional (enfermeiro, auxiliar/técnico de enfermagem, agente comunitário de saúde), tempo de trabalho na atenção básica (anos), capacitação para trabalhar na atenção básica (sim/não), capacitação em alimentação infantil (sim/não), percepção de seu conhecimento sobre aconselhamento nutricional (excelente, bom, razoável e ruim) e utilização do aconselhamento nutricional na rotina do serviço (usa muito, usa pouco e não usa).

O teste de conhecimento individual e sem identificação do profissional, aplicado antes e após a capacitação, replicou o teste utilizado na Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (ENPACS), com a inclusão de três questões pertinentes ao conteúdo abordado (Caderneta de Saúde da Criança, avaliação nutricional e condutas a partir da avaliação nutricional) e para avaliar o nível de conhecimento, as questões tiveram pontuações distintas. A pontuação máxima do teste foi de 30 pontos e o nível de conhecimento foi classificado em: insatisfatório (0-10 pontos), razoável (11-20 pontos) e satisfatório (21-30 pontos).

No final da capacitação, aplicou-se novamente o teste de conhecimento e os participantes foram solicitados a responder por escrito à questão aberta: Como você avalia a aplicabilidade da capacitação em aconselhamento nutricional na sua prática profissional? A partir das respostas obtidas, identificou-se a frequência dos principais temas.

No teste de conhecimento, os dados foram processados no software Stata 13.1 e a análise descritiva foi realizada separadamente para o grupo enfermeiros e para o grupo AE/ACS. Para classificação do nível de conhecimento aplicou-se Teste Exato de Fisher com significância de 5%.

Estudo aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 02081612.7.0000.5392). No início da capacitação, após esclarecimentos, os profissionais assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Todos os profissionais que participaram da capacitação eram do sexo feminino, com idade média de 37,4 anos (DP=8,8) e tempo médio de trabalho na atenção básica de 4,5 anos (DP=4,8). A maioria dos participantes (61,5%) recebeu capacitação para trabalhar na atenção básica (curso introdutório), porém nenhum recebeu capacitação em alimentação infantil, exceto em aleitamento materno, referido por 19,2%.

Quanto à percepção dos profissionais sobre seus conhecimentos relativos ao aconselhamento nutricional, 71,7% dos participantes consideravam seus conhecimentos como "bom" e 28,3% como "razoável". Quando à utilização do aconselhamento nutricional na rotina do serviço, 55,8% dos profissionais relataram "usar muito", 42,3% relataram "usar pouco" e 1,9% referiram "não usar". A Tabela 2 apresenta a distribuição do número e percentual de acertos para cada questão do teste de conhecimento de acordo com o grupo de profissionais (enfermeiros e AE/ACS) antes e após a capacitação, bem como a média de acertos e o número mínimo e máximo. O percentual de acertos foi maior após a capacitação na maioria das questões aplicadas, em ambos os grupos, com destaque para as questões relativas às Condutas após avaliação nutricional, cujo percentual de acerto aumentou 61% no grupo enfermeiros e 50% no grupo AE/ACS; Classificação do estado nutricional e Técnicas de comunicação, que apresentaram o mesmo aumento no grupo enfermeiros e AE/ACS; e técnicas de aconselhamento nutricional, com aumento no percentual de acertos de 63% e mais de 30% no grupo enfermeiros e AE/ACS, respectivamente. O percentual de acertos na questão que avaliou aleitamento materno foi mais baixa no grupo AE/ACS.

Tabela 2
Avaliação do conhecimento antes e após a capacitação em aconselhamento nutricional por categoria profissional. Itupeva, São Paulo, Brasil, 2013/2014.

O teste de conhecimento aplicado antes e após a capacitação mostrou incremento de 8,4 pontos na média de acertos no grupo enfermeiros e 7,8 no grupo AE/ACS, o qual triplicou o número mínimo de acertos e dobrou o número máximo após a capacitação.

Quanto à classificação do nível de conhecimento, a Figura 1 mostra a proporção de profissionais com conhecimento insatisfatório, razoável e satisfatório, antes e após a capacitação. Constata-se que houve incremento estatisticamente significativo de profissionais com conhecimento satisfatório após a capacitação (p<0,001), tanto no grupo enfermeiros quanto no grupo AE/ACS.

Figura 1
Distribuição da proporção de profissionais segundo classificação do conhecimento antes e após a capacitação em aconselhamento nutricional. Itupeva, São Paulo, Brasil, 2013/2014.

AE= auxiliares/técnicos de enfermagem; ACS=agentes comunitários de saúde;(Enfermeiros: antes n=11, após n=10; AE/ACS: antes=42, após n=40); *Teste Exato de Fisher.


Após a capacitação, 60,4% (n=32) dos participantes manifestaram, anonimamente, suas opiniões em questão aberta que avaliou sua aplicabilidade na prática profissional. Destes, 92% responderam que os conteúdos abordados podem ser aplicados na rotina dos serviços e 87% apontaram a capacitação como oportunidade de qualificação e que deve ser ampliada a todas as categorias profissionais. A falta suporte político e organização dos serviços para que as mudanças possam ser efetivas foram aspectos negativos apontados por 59% dos participantes.

Discussão

A capacitação em aconselhamento nutricional, realizada com dois terços de profissionais da atenção básica de um pequeno município, reiterou o que se aponta na literatura, quando se avalia conhecimento de profissionais de saúde antes e após intervenções educativas sobre alimentação infantil, com resultados positivos no pós-teste.88 Sunguya BF, Poudel KC, Mlunde LB, Urassa DP, Yasuoka J, Jimba M. Nutrition training improves health workers' nutrition knowledge and competence to manage child undernutrition: a systematic review. Front Publ Health. 2013; 1 (37): 2-21.

Contudo, apesar do incremento expressivo na proporção de profissionais com conhecimento "satisfatório", cabe salientar que antes da capacitação constatou-se baixa proporção de acertos nas questões referentes à Classificação do estado nutricional e Condutas após avaliação nutricional, não somente no grupo AE/ACS, mas também entre os enfermeiros, indicando déficit do conhecimento na interpretação dos índices antropométricos e manejo clínico nutricional. Esse resultado justifica o não preenchimento das curvas de crescimento na CSC em estudo realizado no mesmo município, quando apenas 9% dos gráficos de crescimento tinham sido preenchidos pelos profissionais de saúde.1515 Palombo CNT, Duarte LS, Fujimori E, Toryiama ÁTM. Uso e preenchimento da caderneta de saúde da criança com foco no crescimento e desenvolvimento. RevEscEnferm USP. 2014;48 (nspe): 59-66. O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento não se configura em prática incorporada na atenção à saúde da criança, conforme preconizado.1616 Cursino EG, Fujimori E. Integralidade como uma dimensão das práticas de atenção à saúde da criança: uma revisão bibliográfica. RevEnferm UERJ. 2012; 20 (nesp1): 676-80.

O acompanhamento do crescimento e desenvolvimento e a promoção do aleitamento materno e alimentação complementar saudável constituem ações básicas para a assistência integral à saúde da criança desde a década de 1980 e permanecem como prioridade, pois integra o rol dos sete eixos estratégicos de cuidado da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC).1717 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria N° 1.130 de 5 de agosto de 2015.Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2015. Contudo, ainda persistem dificuldades na operacionalização dessa política decorrentes da falta de capacitação e de protocolos assistenciais, com subutilização da CSC.1818 Pedrazza DF. Growth surveillance in the context of the Primary Public Healthcare Service Network in Brazil: literature review. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (1): 7-19. No município estudado, os profissionais indicaram também, problemas de infraestrutura dos serviços e manutenção do modelo médico hegemônico.1919 Palombo CNT, Fujimori E, Toriyama ATM, Duarte LS, Borges ALV. Difficulties in nutritional counseling and child growth follow-up: from a professional perspective. Rev Bras Enferm. 2017; 70 (5): 949-57.

Antes da capacitação, técnicas de aconselhamento nutricional e técnicas de comunicação apresentaram baixo percentual de acertos. Este resultado é preocupante, pois os ACS são profissionais que representam elemento nucleador das ações em saúde e devem ser capazes de estabelecer relações de diálogo com as famílias e mediar a equipe de saúde e a comunidade com uma linguagem acessível.2020 Maciazeki-Gomes RC, Souza CD, Baggio L, Wachs F. O trabalho do agente comunitário de saúde na perspectiva da educação popular em saúde: possibilidades e desafios. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(5):1637-46. No entanto, estudo realizado com ACS em dois municípios da Paraíba apontou deficiências relacionadas a orientações sobre o cuidado com a saúde da criança, justificadas pela desvalorização profissional e precárias condições de trabalho.2121 Pedraza DF, Rocha ACD, Sales MC. O trabalho educativo do agente comunitário de saúde nas visitas domiciliares em dois municípios do Brasil. Trab Educ Saúde. 2016; 14 (suppl. 1): 105-17.

Um baixo percentual de profissionais atingiu pontuação "satisfatória" antes da capacitação, mas vale lembrar que embora nenhum profissional tivesse sido capacitado anteriormente, a maioria considerava seus conhecimentos como "bom", indicando que superestimavam seus conhecimentos. O mesmo se verificou no Canadá, onde os profissionais não consideravam a falta de conhecimento e de habilidade como barreira para a realização do aconselhamento nutricional, apesar da falta de qualificação na temática e formação insuficiente.2222 Wynn K, Trudeau JD, Tauton K, Gowans M. Nutrition in primary care: current pratices, attitudes and barriers. Can Fam Phys. 2010; 56: e109-16.

Em relação ao aleitamento materno, menos da metade do grupo AE/ACS acertaram a questão que tratava da avaliação da posição do bebê para mamar. Mesmo após a capacitação, o percentual de acertos sequer atingiu dois terços. Piores resultados foram encontrados no sul do país em que somente 8,2% e 18,6% dos profissionais de saúde da atenção básica apresentaram desempenho satisfatório nos escores de conhecimento e manejo do aleitamento materno, respectivamente.2323 Vasquez Jamila, Dumith Samuel C., SusinLulie Rosane Odeh. Aleitamento materno: estudo comparativo sobre o conhecimento e o manejo dos profissionais da Estratégia Saúde da Família e do Modelo Tradicional. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2015; 15(2): 181-92.

Considerando o amplo investimento em programas e ações de promoção ao aleitamento materno no país, com capacitações bem consolidadas,66 Pérez-Escamilla Rafael. Amamentação no Brasil: grande progresso, porém ainda há um longo caminho pela frente. J. Pediatr. (Rio J.). 2017;93(2):107-10. esperava-se maior proporção de acertos nessa questão, pois foi a única capacitação referida por um quinto dos participantes.

Constata-se que o manejo da amamentação ainda constitui grande desafio para os profissionais da saúde, que não se sentem preparados para trabalhar com os aspectos que envolvem a complexidade do ato de amamentar.2424 Almeida JM, Luz SAB, Ued FV. Support of breastfeeding by health professionals: integrative review of the literature. Rev Paul Pediatr. 2015; 33 (3): 355-62. Isso aponta para a necessidade de investimento contínuo na qualificação dos profissionais, com vistas a superar ameaças aos êxitos já obtidos na amamentação.66 Pérez-Escamilla Rafael. Amamentação no Brasil: grande progresso, porém ainda há um longo caminho pela frente. J. Pediatr. (Rio J.). 2017;93(2):107-10.

Nas questões sobre alimentação complementar, o percentual de acertos foi bastante superior em ambas as fases, comparado ao de aleitamento materno. Talvez esse resultado decorra do fato de se ter avaliado o conhecimento sobre aleitamento materno com apenas uma pergunta.

De forma geral, os resultados mostraram que os profissionais tinham mais conhecimento teórico sobre alimentação infantil em comparação à prática do manejo clínico do estado nutricional e das técnicas de comunicação, que devem ser desenvolvidas para apoiar e encorajar os cuidadores.2525 Chaturvedi A, Nakkeeran N, Doshi M, Patel R, Bhagwat S. Capacity of Frontline ICDS: Functionaries to Support Caregivers on Infant and Young Child Feeding (IYCF). Practices in Gujarat, India. Asia Pac J Clin Nutr. 2014; 23 (Supl. 1): s29-s37. Além disso, os profissionais apresentam dificuldades para aplicar o aconselhamento nutricional na rotina dos serviços de saúde e não reconhecem seu papel na prestação dessa assistência.1919 Palombo CNT, Fujimori E, Toriyama ATM, Duarte LS, Borges ALV. Difficulties in nutritional counseling and child growth follow-up: from a professional perspective. Rev Bras Enferm. 2017; 70 (5): 949-57.,2525 Chaturvedi A, Nakkeeran N, Doshi M, Patel R, Bhagwat S. Capacity of Frontline ICDS: Functionaries to Support Caregivers on Infant and Young Child Feeding (IYCF). Practices in Gujarat, India. Asia Pac J Clin Nutr. 2014; 23 (Supl. 1): s29-s37.

Quanto à aplicabilidade da capacitação em aconselhamento nutricional, sobressaíram potencialidades e dificuldades. A ampliação dos conhecimentos e a necessidade de novas e contínuas oportunidades de qualificação foram apontadas como potencialidades. Com efeito, ações de capacitação profissional são essenciais para fortalecer conhecimentos, práticas e formação para o trabalho em equipe multidisciplinar.55 Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices?Lancet. 2016; 387(10017): 491-504. Quanto às dificuldades, sobressaíram a falta de suporte político e de organização dos serviços e a necessidade do envolvimento de profissionais da gestão e demais profissionais da atenção básica. Esse resultado reitera a forte influência que as condições institucionais, políticas, ideológicas e culturais imprimem nas possibilidades de transformação das práticas,2626 Davini MC. Enfoques, Problemas e Perspectivas na Educação Permanente dos Recursos Humanos de Saúde. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009. indicando que as capacitações representam apenas uma parte do processo e que modificações de práticas institucionalizadas requerem o envolvimento não apenas dos profissionais dos serviços, mas também daqueles que decidem e coordenam as políticas.2727 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009.

Certamente, a ausência da equipe médica também interfere na transformação das práticas, considerando a valorização desses profissionais pela comunidade e que os serviços ainda estão centrados no modelo biomédico.1919 Palombo CNT, Fujimori E, Toriyama ATM, Duarte LS, Borges ALV. Difficulties in nutritional counseling and child growth follow-up: from a professional perspective. Rev Bras Enferm. 2017; 70 (5): 949-57. Mesmo em relação ao aleitamento materno, a participação dos profissionais médicos em oficinas de qualificação é imprescindível para a manutenção do quadro de sucesso, uma vez que pediatras e obstetras amplamente treinados para educar e dar apoio efetivo às lactantes são fundamentais para a promoção das práticas de amamentação no Brasil.66 Pérez-Escamilla Rafael. Amamentação no Brasil: grande progresso, porém ainda há um longo caminho pela frente. J. Pediatr. (Rio J.). 2017;93(2):107-10.

Acredita-se, no entanto, que a capacitação de praticamente todas as enfermeiras e ACS do município, com importante incremento no conhecimento, contribuirá para disseminar os conteúdos trabalhados, pois são categorias profissionais com atribuições específicas de vigilância e promoção à saúde, que atuam por meio de ações educativas individuais e coletivas nos domicílios e na comunidade.2828 Roecker S, Nunes EFPA, Marcon SS. The educational work of nurses in the Family Health Strategy. Texto Contexto-Enferm. 2013; 22 (1): 157-65.

Neste estudo, uma limitação foi o uso de apenas uma questão para avaliar a aplicabilidade da capacitação, dado que um estudo qualitativo contribuiria para potencializar a compreensão de aspectos subjetivos. Outra limitação foi a não identificação dos profissionais no teste de conhecimento, aspecto que merece atenção uma vez que se referiu à avaliação de aquisição de conhecimento. Acredita-se que por se tratar de um estudo de intervenção, os resultados são de utilidade aos serviços de saúde e também para o desenvolvimento de futuros estudos, uma vez que a abordagem metodológica mostrou-se factível e pode ser reproduzida.

Os resultados mostraram que antes da capacitação, os profissionais apresentavam baixo conhecimento quanto à classificação nutricional e condutas a serem tomadas após a avaliação nutricional, bem como déficits de conhecimento nas questões relativas ao aconselhamento nutricional e às técnicas de comunicação. A capacitação proporcionou incremento no conhecimento dos profissionais, representado pelo maior número de acertos em praticamente todas as questões do teste aplicado. No entanto, a aplicabilidade da capacitação em aconselhamento nutricional, na perspectiva da Educação Permanente em Saúde, depende do efetivo envolvimento dos gestores e da reorganização dos serviços.

Reitera-se a importância de estudos desta natureza, com avaliação do conhecimento e aplicabilidade da capacitação, tendo em vista sua utilidade para os serviços de saúde e pesquisas.

Referências

  • 1
    Black RE, Victora CG, Walker SP, Bhutta ZA, Christian P, Onis M, Ezzati M, Grantham-McGregor S, Katz J, Martorell R, Uauy R, and the Maternal and Child Nutrition Study Group. Maternal and child undernutrition and over-weight in low-income and middle-income countries. Lancet. 2013; 382 (9890): 427-51.
  • 2
    Victora CG, Horta BL, Mola CL, Quevedo L, Pinheiro RT, Gigante DP, Gonçalves H, Barros FC. Association between breastfeeding and intelligence, educational attainment, and income at 30 years of age: a prospective birth cohort study from Brazil. Lancet Glob Health. 2015; 3: e199-205.
  • 3
    Alves MN, Muniz LC, V MFA. Consumo alimentar entre crianças brasileiras de dois a cinco anos de idade: Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), 2006. CiêncSaúde Coletiva. 2013; 18 (11): 3369-77.
  • 4
    Jaime PC, Frias PG, Monteiro HOC, Almeida PVB, Malta DC. Assistência em saúde e alimentação não saudável em crianças menores de dois anos: dados da Pesquisa Nacional de Saúde, Brasil, 2013. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (2): 159-67.
  • 5
    Rollins NC, Bhandari N, Hajeebhoy N, Horton S, Lutter CK, Martines JC, Piwoz EG, Richter LM, Victora CG; Lancet Breastfeeding Series Group. Why invest, and what it will take to improve breastfeeding practices?Lancet. 2016; 387(10017): 491-504.
  • 6
    Pérez-Escamilla Rafael. Amamentação no Brasil: grande progresso, porém ainda há um longo caminho pela frente. J. Pediatr. (Rio J.). 2017;93(2):107-10.
  • 7
    Campos AAO, Cotta RMM, Oliveira JM, Santos AK, Araújo RMA. Aconselhamento nutricional de crianças menores de dois anos de idade: potencialidades e obstáculos como desafios estratégicos. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19 (2): 529-38.
  • 8
    Sunguya BF, Poudel KC, Mlunde LB, Urassa DP, Yasuoka J, Jimba M. Nutrition training improves health workers' nutrition knowledge and competence to manage child undernutrition: a systematic review. Front Publ Health. 2013; 1 (37): 2-21.
  • 9
    Brasil. Ministério da Saúde. ENPACS: Estratégia Nacional Para Alimentação Complementar Saudável: Caderno do Tutor. Brasília, DF; 2010. 112p.
  • 10
    Brasil. Ministério da Saúde. Dez passos para uma alimentação saudável: guia alimentar para crianças menores de dois anos: um guia para o profissional da saúde na atenção básica. 2 ed. Brasília, DF; 2013. 75p.
  • 11
    Brasil. Ministério da Saúde. Alimentação saudável para crianças menores de dois anos. Álbum seriado. Brasília, DF; 2011.
  • 12
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: crescimento e desenvolvimento (Caderno da Atenção Básica n° 33). Brasília, DF; 2012.
  • 13
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Área temática de Saúde da Criança e Aleitamento Materno. Caderneta de Saúde da Criança: passaporte para a cidadania. Brasília, DF; 2013.
  • 14
    Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. [internet]. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1997.
  • 15
    Palombo CNT, Duarte LS, Fujimori E, Toryiama ÁTM. Uso e preenchimento da caderneta de saúde da criança com foco no crescimento e desenvolvimento. RevEscEnferm USP. 2014;48 (nspe): 59-66.
  • 16
    Cursino EG, Fujimori E. Integralidade como uma dimensão das práticas de atenção à saúde da criança: uma revisão bibliográfica. RevEnferm UERJ. 2012; 20 (nesp1): 676-80.
  • 17
    Brasil. Ministério da Saúde. Portaria N° 1.130 de 5 de agosto de 2015.Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). 2015.
  • 18
    Pedrazza DF. Growth surveillance in the context of the Primary Public Healthcare Service Network in Brazil: literature review. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (1): 7-19.
  • 19
    Palombo CNT, Fujimori E, Toriyama ATM, Duarte LS, Borges ALV. Difficulties in nutritional counseling and child growth follow-up: from a professional perspective. Rev Bras Enferm. 2017; 70 (5): 949-57.
  • 20
    Maciazeki-Gomes RC, Souza CD, Baggio L, Wachs F. O trabalho do agente comunitário de saúde na perspectiva da educação popular em saúde: possibilidades e desafios. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(5):1637-46.
  • 21
    Pedraza DF, Rocha ACD, Sales MC. O trabalho educativo do agente comunitário de saúde nas visitas domiciliares em dois municípios do Brasil. Trab Educ Saúde. 2016; 14 (suppl. 1): 105-17.
  • 22
    Wynn K, Trudeau JD, Tauton K, Gowans M. Nutrition in primary care: current pratices, attitudes and barriers. Can Fam Phys. 2010; 56: e109-16.
  • 23
    Vasquez Jamila, Dumith Samuel C., SusinLulie Rosane Odeh. Aleitamento materno: estudo comparativo sobre o conhecimento e o manejo dos profissionais da Estratégia Saúde da Família e do Modelo Tradicional. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2015; 15(2): 181-92.
  • 24
    Almeida JM, Luz SAB, Ued FV. Support of breastfeeding by health professionals: integrative review of the literature. Rev Paul Pediatr. 2015; 33 (3): 355-62.
  • 25
    Chaturvedi A, Nakkeeran N, Doshi M, Patel R, Bhagwat S. Capacity of Frontline ICDS: Functionaries to Support Caregivers on Infant and Young Child Feeding (IYCF). Practices in Gujarat, India. Asia Pac J Clin Nutr. 2014; 23 (Supl. 1): s29-s37.
  • 26
    Davini MC. Enfoques, Problemas e Perspectivas na Educação Permanente dos Recursos Humanos de Saúde. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009.
  • 27
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação em Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009.
  • 28
    Roecker S, Nunes EFPA, Marcon SS. The educational work of nurses in the Family Health Strategy. Texto Contexto-Enferm. 2013; 22 (1): 157-65.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Abr 2017
  • Aceito
    8 Dez 2017
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br