Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de critérios diagnósticos e pontos de corte para predição de baixo peso em adolescentes do semiárido brasileiro

Resumo

Objetivos:

avaliar critérios diagnósticos e propor pontos de corte para circunferência do braço e circunferência da panturrilha para predição de baixo peso em adolescentes de 13 a 19 anos de dois municípios do semiárido brasileiro.

Métodos:

o baixo peso foi definido como índice de massa corporal (IMC) menor que menos dois escores-zpelas curvas da Organização Mundial da Saúde (2007). As medidas das circunferências de braço e de panturrilha foram comparadas ao IMC, avaliando-se os critérios diagnósticos para predição de baixo peso pela área sob a curva ROC (receiver operating characteristic), coeficientes de sensibilidade, especificidade, valores preditivos, kappa e razão de odds diagnóstica.

Resultados:

a prevalência de baixo peso foi de 4,2% (IC95% 3,3-5,0). Os pontos de corte para circunferência do braço foram de 22,1 cm (adolescentes de 13 a 15 anos de ambos os sexos) e de 25,1 cm e 24,0 cm, respectivamente, para o sexo masculino e feminino, de 16 a 19 anos. Para circunferência da panturrilha, os pontos de corte foram de 30,0 cm no primeiro grupo e de 31,8 cm e 31,0 cm, respectivamente, no segundo grupo etário.

Conclusão:

os dois indicadores antropométricos analisados apresentaram capacidade diagnóstica de razoável à excelente para predizer baixo peso em adolescentes.

Palavras-chave
Estado nutricional; Índice de massa corporal; Curva ROC; Adolescentes; Antropometria

Abstract

Objectives:

to evaluate diagnostic criteria and to propose arm and calf circumference cutoff points to predict underweight in adolescents aged 13-19 years in two Brazilian municipalities of the semiarid region.

Methods:

underweight was defined as a Body Mass Index (BMI) of less than two z-scores, according to World Health Organization criteria (2007). Measurements of arm and calf circumferences were compared to BMI, and the diagnostic criteria for low-weight prediction were evaluated with the area under the Receiver Operating Characteristic (ROC) curve, coefficients of sensitivity, specificity, predictive values, kappa and diagnostic odds ratios.

Results:

the prevalence of underweight was 4.2% (CI95%= 3.3-5.0). The cutoff points for arm circumference were 22.1 cm (adolescents of both genders aged 13-15 years), and 25.1 cm and 24.0 cm, respectively, for males and females aged 16-19 years. The cutoff points for calf circumference were 30.0 cm in the first group and 31.8 cm and 31.0 cm, respectively, in the second age group.

Conclusions:

both anthropometric indicators analyzed evidenced a reasonable to excellent diagnostic capacity to predict underweight among adolescents.

Key words
Nutritional status; Body mass index; ROC curve; Adolescent; Anthropometry

Introdução

A literatura aponta que a prevalência de baixo peso em adolescentes vem diminuindo, enquanto a prevalência de excesso de peso vem aumentando.11 Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr. 2002; 75 (6): 971-7. No entanto, destaca-se que em torno de 4% das crianças e adolescentes de 0 a 19 anos no Brasil apresentam quadro de déficit de peso ou desnutrição.22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde 2010: 1-30. Isso pode estar relacionado à influência das más condições sanitárias e socioeconômicas a que parte considerável da população, em especial da Região Norte e Nordeste do país, está exposta.33 Leal VS, Lira PIC, Menezes RCE, Oliveira JS, Costa EC, Andrade SLLS. Desnutrição e excesso de peso em crianças e adolescentes: uma revisão de estudos brasileiros. Rev Paul Pediatr. 2012; 30 (3): 415-22.

Desnutrição denota uma condição patológica, decorrente da falta energia e proteína, em variadas proporções, podendo ser agravada por infecções repetidas.44 Lacerda E, Accioly E, Faria I, Costa V. Práticas de nutrição pediátrica. São Paulo: Atheneu; 2006. A desnutrição pode ser aguda ou crônica. A desnutrição crônica é definida como baixa estatura para a idade e difere da desnutrição aguda, definida como baixo peso para a altura. Ressalta-se que esta última pode aparecer em qualquer fase da vida e pode ser revertida.55 Brasil. Alimentação saudável: obesidade e nutrição. Ministério da Saúde NUT/FS/UnB - ATAN/DAB/SPS 1999:1-60.

O déficit de peso na infância e na adolescência é atribuível a uma série de fatores intimamente relacionados às condições de vida e satisfação de necessidades básicas, podendo retardar potencialmente o crescimento e maturação sexual nessa faixa etária. Além disso, está relacionado à maior probabilidade de apresentar baixo desenvolvimento cognitivo, sofrer danos neurológicos e uma menor resistência a doenças.66 Monteiro CA, Benicio MH, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJ, Victora CG. Narrowing socioeconomic inequality in child stunting: the Brazilian experience, 19742007. Bull World Health Organ. 2010; 88 (4): 305-11. Na idade adulta, esse déficit de peso pode repercutir sobre o capital social, tendo relação com menor escolaridade e baixa renda. Também pode se refletir em maior suscetibilidade a doenças cardio-vasculares em adultos.77 Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal PC, Martorell R, Richter L, Sachdev HS. Maternal and child undernutrition: conse-quences for adult health and human capital. Lancet. 2008; 371 (9609): 340-57.

Para o diagnóstico de desnutrição na infância, os métodos indicados são exames clínicos, testes bioquímicos e antropometria.88 World Health Organization. Guideline: Updates on the management of severe acute malnutrition in infants and children. Geneva; 2013. Dos indicadores antropométricos, o mais empregado para adolescentes é a avaliação do estado nutricional, por meio do índice de massa corporal (IMC).33 Leal VS, Lira PIC, Menezes RCE, Oliveira JS, Costa EC, Andrade SLLS. Desnutrição e excesso de peso em crianças e adolescentes: uma revisão de estudos brasileiros. Rev Paul Pediatr. 2012; 30 (3): 415-22. Em algumas comunidades, no entanto, nem sempre se pode dispor de balanças e estadiômetros, ou mesmo de pessoal qualificado para operá-los, que permitam a obtenção acurada de peso e altura.99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9. Associado a isso, se faz necessário o conhecimento e acesso aos critérios de referência para efetuar a averiguação da classificação do estado nutricional.

A utilização da medida da circunferência do braço (CB) para detecção de baixo peso em crianças e adolescentes vem sendo recomendada, em outros países, em situações onde por várias razões não possam ser utilizados indicadores antropométricos clássicos, baseados no conhecimento de peso e de altura.99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9.,1010 Fiorentino M, Sophonneary P, Laillou A, Whitney S, de Groot R, Perignon M, Kuong K, Berger J, Wieringa FT. Current MUAC Cut-Offs to Screen for Acute Malnutrition Need to Be Adapted to Gender and Age: The Example of Cambodia. PLoS One. 2016; 11 (2): e0146442. Sobre estes indicadores, a medida de CB teria as vantagens da simplicidade do instrumento utilizado (fita métrica), facilidade na interpretação do resultado, rapidez e baixo custo da obtenção da medida.99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9.

Com relação à medida de circunferência da panturrilha (CP), não foi localizado nenhum estudo que tenha empregado esta circunferência para predição de baixo peso em adolescentes. No entanto, essa medida tem sido aplicada para avaliar desnutrição e baixo peso em idosos, mostrando boa capacidade diagnóstica, além de fácil mensuração.1111 Félix LN, Souza EMT. Avaliação nutricional de idosos em uma instituição por diferentes instrumentos. Rev Nutr. 2009; 22 (4): 571-80.

Este estudo teve como objetivo testar critérios diagnósticos e propor pontos de corte para CB e CP para a predição de baixo peso em adolescentes de dois municípios da região do semiárido brasileiro.

Métodos

O presente estudo faz parte de um projeto mais amplo que tinha por objetivo avaliar indicadores básicos de saúde e questões relacionadas ao uso de drogas e gravidez na adolescência nos municípios de Caracol e Anísio de Abreu, no estado do Piauí. Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, incluindo todos os adolescentes de 13 a 19 anos de idade, residentes nas áreas urbana e rural destes municípios entre os meses de janeiro e fevereiro de 2011. Maiores detalhes metodológicos podem ser obtidos em outras publicações.1212 Monteiro AR, Dumith SC, Goncalves TS, Cesar JA. Excesso de peso entre jovens de um município do semiárido brasileiro: estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21 (4): 1157-64.,1313 Dumith SC, Santos MN, Teixeira LO, Cazeiro CC, Mazza SE, Cesar JA. Pratica de atividade fisica entre jovens em municipio do semiarido no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21 (4): 1083-93.

Estes municípios estão localizados no sul do Piauí, a aproximadamente 600 km de Teresina, a capital. No período da coleta, a população de Caracol e de Anísio de Abreu era de 10.212 e 9.098 habitantes, respectivamente. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do município de Caracol era 0,552 e em Anísio de Abreu de 0,635.1414 Barros AJ, Victora CG. Epidemiologia da saúde infantil: um manual para diagnósticos comunitários / Epidemiology and child health: a manual for communitary diagnosis. São Paulo: Hucitec-UNICEF; 1998.

As informações foram coletadas por meio de questionário padronizado para fins do presente estudo, aplicado no domicílio do jovem, contendo questões socioeconômicas, demográficas e comportamentais. Também foram coletadas as medidas de peso, altura, CB e CP dos jovens. O peso foi aferido por meio de balança digital portátil com precisão de 100g e capacidade para até 150 quilos. A altura foi mensurada por antropômetro "Alturaexata"® com precisão de um milímetro. As circunferências foram medidas com fita métrica flexível e inelástica de acordo com técnica padronizada.1414 Barros AJ, Victora CG. Epidemiologia da saúde infantil: um manual para diagnósticos comunitários / Epidemiology and child health: a manual for communitary diagnosis. São Paulo: Hucitec-UNICEF; 1998. A CB foi medida no ponto médio entre o acrômio e o olecrano, e a CP foi medida na porção superior da panturrilha a fim de pegar a maior circunferência.

A coleta de dados foi realizada por oito entrevistadores, estudantes de graduação do Campus de São Raimundo Nonato, da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), treinados durante quatro dias. No quinto dia, realizou-se o estudo piloto também na cidade de São Raimundo Nonato/PI. O controle de qualidade foi realizado com a revisão dos questionários e repetição parcial de 5% das entrevistas para comparar as respostas obtidas e confirmar a realização das mesmas. Todos os questionários foram codificados, revisados e duplamente digitados em ordem inversa, por diferentes digitadores usando o programa Epi-Info® 6.0.

O baixo peso foi identificado a partir do IMC (kg/m2), segundo critério da Organização Mundial da Saúde1515 Onis M. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007; 85 (09): 660-7. que define baixo peso como IMC abaixo de menos dois escores-z para idade e sexo. As medidas de CB e CP foram comparadas com o IMC e seus critérios diagnósticos foram testados e avaliados para predição de baixo peso. Para a análise dos dados, utilizou-se o programa Stata®, versão 11.2.1616 StataCorp, inventor Stata statistical software: release 11.0 College Station: Stata Corporation. 2011. As variáveis contínuas foram descritas através de média e desvio-padrão (DP). A normalidade destas variáveis foi testada e confirmada pela análise visual do histograma. Para analisar a relação linear entre os indicadores antropométricos, empregou-se a correlação de Pearson (r). Foi calculado também o coeficiente de determinação (R2).

Para predizer os pontos de corte para cada um dos dois indicadores analisados, foi empregada a técnica da curva "receiver operating characteristic" (ROC). A área sob a curva (ASC) ROC foi utilizada para estimar o desempenho geral dos indicadores analisados na predição do baixo peso. A ASC-ROC com valor de 1,00 representa um teste perfeito, valores de 0,90 a 0,99 indicam teste excelente, de 0,80 a 0,89 apresentam um teste bom, de 0,70 a 0,79 sugerem que o teste é razoável, de 0,60 a 0,69, ruim e de 0,50 a 0,59, um teste inútil.1717 Tape TG. Interpretation of Diagnostic Tests. : Ann Intern Med; 2011.

O desempenho dos indicadores utilizados para predizer baixo peso foi aferido pelos critérios de sensibilidade, especificidade, valores preditivos positivos (VPP) e negativos (VPN), razão de verossimilhança (RV) positiva e negativa e razão de odds diagnóstica (ROD). A ROD consiste na razão entre RV + e RV - e demonstra a utilidade prática do teste, expressando a chance de um diagnóstico corretamente positivo entre indivíduos doentes versus o mesmo diagnóstico entre indivíduos não doentes. Valores de ROD superiores a 1,00 estão diretamente associados à maior capacidade discriminatória do teste analisado.1818 Deeks JJ, Altman DG. Diagnostic tests 4: likelihood ratios. BMJ. 2004; 329 (7458): 168-9.

Para cada ponto de corte obtido, no ponto de "quebra" da curva ROC, ou seja, nos maiores valores de sensibilidade e especificidade simultaneamente, verificou-se o percentil correspondente. A partir destes pontos de corte, calculou-se a concordância global e o coeficiente kappa. Foram apresentados os intervalos de confianças de 95% (IC95%) para a ASC, ROD e coeficiente kappa. As análises descritas acima foram estratificadas por sexo (masculino e feminino) e por faixa etária (13 a 15 anos e 16 a 19 anos).

O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (CEPAS/UFPel).

Resultados

Dos 2.154 adolescentes elegíveis, houve 49 perdas. Excluíram-se da análise 17 indivíduos com valores extremos para as medidas antropométricas (CB menor de 14 cm, CB maior de 50 cm ou com CP maior que 50 cm). Dessa forma, o N do estudo foi 2.088, com taxa de resposta de 96,9%. A idade média foi de 15,7 anos (DP=1,9) e a média do IMC foi 19,9 kg/m2 (DP=3,1) (Tabela 1). Foi encontrada uma prevalência de baixo peso de 4,2% (IC95% 3,3 a 5,0) para toda a amostra, sendo de 4,9% (IC95% 3,5-6,2) para o sexo masculino e de 3,6% (IC95% 2,5-4,7) para o sexo feminino.

Tabela 1
Descrição da idade e dados antropométricos de adolescentes do município de Caracol e de Anísio de Abreu (PI), 2011.

Os coeficientes de correlação de CB e CP com o IMC variaram de 0,74 (CB sexo masculino) a 0,81 (CB sexo feminino). Os indicadores antropométricos apresentaram maiores valores de R2 para a explicação da variabilidade do IMC no sexo feminino. As medidas CB e CP apresentaram R2 de 66% e 64%, respectivamente, no sexo feminino; para o sexo masculino, os mesmos indicadores tiveram R2 de 55% e 58%.

A ASC-ROC dos indicadores antropométricos para predição de baixo peso está apresentada na Figura 1. Observou-se que a ASC foi maior para o sexo feminino, sendo considerada "boa" (0,85 para CB e 0,87 para CP). No sexo masculino, a ASC foi classificada como razoável para CB (ASC=0,76) a boa para CP (ASC=0,82).

Figura 1
Curva ROC dos indicadores antropométricos para diagnóstico de baixo peso em adolescentes de 13 a 19 anos de Caracol e de Anísio de Abreu, PI, 2011.

CB= circunferência do braço; CP= circunferência da panturrilha; ROC= receiver operating characteristic.


Os critérios diagnósticos (ASC-ROC, sensibilidade, especificidade, VPP, VPN e ROD) dos indicadores antropométricos como preditores de baixo peso, de acordo com o sexo e faixa etária, encontram-se na Tabela 2. A ASC variou de 0,78 (0,70-0,87) para CB nos sexo masculino entre 13 a 15 anos a 0,88 (0,82-0,93) para CP na mesma faixa etária. No sexo feminino, os valores de ASC variaram de 0,85 (0,74-0,96) para CP entre aquelas com 13 a 15 anos a 0,91 (0,86-0,95) para CP naquelas com idade de 16 a 19 anos.

Tabela 2
Propriedades diagnósticas dos indicadores antropométricos para predição de baixo peso em adolescentes de acordo com o sexo e faixa etária. Caracol e Anísio de Abreu (PI), 2011 (N=2.088).

Na Tabela 3, encontram-se os valores de ponto de corte, percentil, concordância, coeficiente kappa dos indicadores antropométricos, segundo o sexo e a faixa etária. O ponto de corte para baixo peso, na faixa etária de 13 a 15 anos, para CB foi de 22,1 cm, e para CP foi de 30,0 cm, para ambos os sexos. Para a faixa etária de 16 a 19 anos, o ponto de corte da CB foi de 24,0 cm (sexo feminino) e de 25,1 cm (sexo masculino) e da CP ficou em 31,0 cm (sexo feminino) e 31,8 cm (sexo masculino). Verificou-se que os percentis equivalentes aos pontos de corte para predição de baixo peso oscilaram de 19,0 cm (para CP no sexo feminino de 16 a 19 anos) a 29,1 cm para CB no sexo masculino de 13 a 15 anos. A concordância global variou de 84,3% (kappa=0,27) a 72,6% (kappa=0,10) para os mesmos grupos acima.

Tabela 3
Indicadores antropométricos para diagnóstico de baixo peso, em adolescentes, pelo IMC/OMS, 2007. Caracol e Anísio de Abreu (PI), 2011 (N=2.088).

Discussão

O propósito do estudo foi testar critérios diagnósticos de dois indicadores antropométricos (CB e CP) e propor pontos de corte para predição de baixo peso em adolescentes. Dentre os principais achados, mencionam-se os elevados valores encontrados de ASC-ROC (0,78 a 0,91) e da ROD (7,9 a 37,0), para ambos os sexos e faixas etárias, o que significa que os dois indicadores apresentaram capacidade diagnóstica aceitável.

A prevalência de baixo peso foi de 4,2%, percentual um pouco maior do encontrado para o Brasil pela Pesquisa de Orçamentos Familiares, em 2008-2009, com adolescentes de 10 a 19 anos (3,4%).22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde 2010: 1-30. Em estudo feito com crianças de 8 a 14 anos do município de Rio Branco (Acre), em 2004, usando o critério da OMS,1515 Onis M. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007; 85 (09): 660-7. os autores reportaram prevalência de baixo peso de 2,5%.1919 Souza OF, Farias ED. Magreza e sobrepeso em escolares de Rio Branco, AC, Brasil. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2011; 21 (3): 878-82. Em estudo feito no município de Porto Velho (Rondônia), em 2001, foi reportado que 4% das crianças de 7 a 10 anos possuíam baixo peso para altura.2020 Farias ES, Guerra-Júnior G, PETROSKI EL. Estado nutricional de escolares em Porto Velho, Rondônia. Rev Nutr. 2008; 21 (4): 401-9. Destaca-se que a prevalência de baixo peso em crianças e adolescentes aumenta conforme diminui a renda familiar.22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde 2010: 1-30.

Foram encontrados dois estudos, sendo um na Índia99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9. e outro no Camboja,1010 Fiorentino M, Sophonneary P, Laillou A, Whitney S, de Groot R, Perignon M, Kuong K, Berger J, Wieringa FT. Current MUAC Cut-Offs to Screen for Acute Malnutrition Need to Be Adapted to Gender and Age: The Example of Cambodia. PLoS One. 2016; 11 (2): e0146442. que aplicaram a medida de CB para predição de baixo peso. O ponto de corte encontrado para CB na predição de baixo peso (22,1 cm), para as idades de 13 a 15 anos, em ambos os sexos, são similares aos valores encontrados em estudo na Índia,99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9. na mesma faixa etária. No estudo realizado em Camboja,1010 Fiorentino M, Sophonneary P, Laillou A, Whitney S, de Groot R, Perignon M, Kuong K, Berger J, Wieringa FT. Current MUAC Cut-Offs to Screen for Acute Malnutrition Need to Be Adapted to Gender and Age: The Example of Cambodia. PLoS One. 2016; 11 (2): e0146442. com crianças de 0 a 14 anos, de ambos os sexos, foram encontrados valores de CB para desnutrição aguda de 18,2 cm nos meninos e de 17,9 cm nas meninas. A diferença dos valores encontrada nesse último estudo pode ser devido à diferente faixa etária analisada.

A sensibilidade foi de aproximadamente 90% em ambos os estudos reportados anteriormente, com especificidade variando de 62%1010 Fiorentino M, Sophonneary P, Laillou A, Whitney S, de Groot R, Perignon M, Kuong K, Berger J, Wieringa FT. Current MUAC Cut-Offs to Screen for Acute Malnutrition Need to Be Adapted to Gender and Age: The Example of Cambodia. PLoS One. 2016; 11 (2): e0146442. a 71%.99 Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9. No presente estudo, tanto a sensibilidade quanto a especificidade apresentaram valores próximos a 80%. A AUC-ROC para a CB como preditora de baixo peso no estudo com crianças e adolescentes de Camboja atingiu valores muito semelhantes aos verificados no presente estudo (em torno de 0,80). No estudo com adolescentes da Índia, a CB apresentou correlação de 0,82 com o IMC (R2=68%), valores um pouco superiores aos encontrado nesta pesquisa (r=0,76; R2=58%).

Como principal limitação do estudo, cita-se o uso do IMC como o "padrão-ouro" usado nas análises para o diagnóstico de baixo peso. Ainda que o IMC não seja o método mais apurado para avaliação de composição corporal, é o método mais utilizado, em todas as faixas etárias, para determinar o estado nutricional em estudos epidemiológicos.22 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde 2010: 1-30.,55 Brasil. Alimentação saudável: obesidade e nutrição. Ministério da Saúde NUT/FS/UnB - ATAN/DAB/SPS 1999:1-60. Todavia, para crianças e adolescentes de um município pobre, como o local onde foi realizado o presente estudo, pode ser impraticável aferir peso e altura. Além de que há valores específicos para sexo e idade para classificar o IMC em baixo peso. Todos esses fatores podem comprometer a avaliação do estado nutricional destes indivíduos pelo IMC.

Sendo assim, foram investigados outros indicadores antropométricos (CB e CP), cuja medida é simples e o instrumento (fita métrica) é de baixo custo, para predizer o baixo peso entre crianças e adolescentes destes municípios do semiárido brasileiro. Outra limitação foi não ter sido feita uma análise ajustada para alguns possíveis confundidores, tais como: estágio de maturação sexual, cor da pele e nível socioeconômico.

Como ponto forte dessa pesquisa, cabe ressaltar que foram incluídos todos os adolescentes de 13 a 19 anos de idade dos municípios de Caracol e Anísio de Abreu, PI, representando um censo. Estes locais são pouco estudados, por serem regiões muito pobres e de difícil acesso. Evidencia-se como outra vantagem desse estudo, a mensuração e análise de dois indicadores antropométricos, de baixo custo e fácil coleta, podendo ser realizados mais comumente e que podem ser empregados para predizer baixo peso em adolescentes dessa região. Salienta-se também que a CB já é utilizada para predizer a desnutrição pelos médicos do programa Médico Sem Fronteiras na África, mostrando ser um instrumento útil.2121 Caleo GM, Penda A, Balandine S, Polonsky J, Palma PP, Grais RF, Checchi F. Sentinel site community surveillance of mortality and nutritional status in southwestern Central African Republic, 2010. Popul Health Metr. 2012; 10 (1): 18.

Desta forma, julga-se que os indicadores utilizados neste estudo poderão ser aplicados não só por outros pesquisadores, para fins de comparação, mas também por gestores de saúde e até mesmo pela comunidade residente no semiárido do Brasil na tentativa de diagnosticar, de forma mais ágil, a ocorrência de baixo peso em adolescentes aparentemente saudáveis.

Referências

  • 1
    Wang Y, Monteiro C, Popkin BM. Trends of obesity and underweight in older children and adolescents in the United States, Brazil, China, and Russia. Am J Clin Nutr. 2002; 75 (6): 971-7.
  • 2
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adolescentes e adultos no Brasil. Ministério da Saúde 2010: 1-30.
  • 3
    Leal VS, Lira PIC, Menezes RCE, Oliveira JS, Costa EC, Andrade SLLS. Desnutrição e excesso de peso em crianças e adolescentes: uma revisão de estudos brasileiros. Rev Paul Pediatr. 2012; 30 (3): 415-22.
  • 4
    Lacerda E, Accioly E, Faria I, Costa V. Práticas de nutrição pediátrica. São Paulo: Atheneu; 2006.
  • 5
    Brasil. Alimentação saudável: obesidade e nutrição. Ministério da Saúde NUT/FS/UnB - ATAN/DAB/SPS 1999:1-60.
  • 6
    Monteiro CA, Benicio MH, Conde WL, Konno S, Lovadino AL, Barros AJ, Victora CG. Narrowing socioeconomic inequality in child stunting: the Brazilian experience, 19742007. Bull World Health Organ. 2010; 88 (4): 305-11.
  • 7
    Victora CG, Adair L, Fall C, Hallal PC, Martorell R, Richter L, Sachdev HS. Maternal and child undernutrition: conse-quences for adult health and human capital. Lancet. 2008; 371 (9609): 340-57.
  • 8
    World Health Organization. Guideline: Updates on the management of severe acute malnutrition in infants and children. Geneva; 2013.
  • 9
    Dasgupta A, Butt A, Saha TK, Basu G, Chattopadhyay A, Mukherjee A. Assessment of Malnutrition Among Adolescents: Can BMI be Replaced by MUAC. Indian J Community Med. 2010; 35 (2): 276-9.
  • 10
    Fiorentino M, Sophonneary P, Laillou A, Whitney S, de Groot R, Perignon M, Kuong K, Berger J, Wieringa FT. Current MUAC Cut-Offs to Screen for Acute Malnutrition Need to Be Adapted to Gender and Age: The Example of Cambodia. PLoS One. 2016; 11 (2): e0146442.
  • 11
    Félix LN, Souza EMT. Avaliação nutricional de idosos em uma instituição por diferentes instrumentos. Rev Nutr. 2009; 22 (4): 571-80.
  • 12
    Monteiro AR, Dumith SC, Goncalves TS, Cesar JA. Excesso de peso entre jovens de um município do semiárido brasileiro: estudo de base populacional. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21 (4): 1157-64.
  • 13
    Dumith SC, Santos MN, Teixeira LO, Cazeiro CC, Mazza SE, Cesar JA. Pratica de atividade fisica entre jovens em municipio do semiarido no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016; 21 (4): 1083-93.
  • 14
    Barros AJ, Victora CG. Epidemiologia da saúde infantil: um manual para diagnósticos comunitários / Epidemiology and child health: a manual for communitary diagnosis. São Paulo: Hucitec-UNICEF; 1998.
  • 15
    Onis M. Development of a WHO growth reference for school-aged children and adolescents. Bull World Health Organ. 2007; 85 (09): 660-7.
  • 16
    StataCorp, inventor Stata statistical software: release 11.0 College Station: Stata Corporation. 2011.
  • 17
    Tape TG. Interpretation of Diagnostic Tests. : Ann Intern Med; 2011.
  • 18
    Deeks JJ, Altman DG. Diagnostic tests 4: likelihood ratios. BMJ. 2004; 329 (7458): 168-9.
  • 19
    Souza OF, Farias ED. Magreza e sobrepeso em escolares de Rio Branco, AC, Brasil. Rev Bras Crescimento Desenvolvimento Hum. 2011; 21 (3): 878-82.
  • 20
    Farias ES, Guerra-Júnior G, PETROSKI EL. Estado nutricional de escolares em Porto Velho, Rondônia. Rev Nutr. 2008; 21 (4): 401-9.
  • 21
    Caleo GM, Penda A, Balandine S, Polonsky J, Palma PP, Grais RF, Checchi F. Sentinel site community surveillance of mortality and nutritional status in southwestern Central African Republic, 2010. Popul Health Metr. 2012; 10 (1): 18.
  • ERRATA:
    Na Página 239, Onde se lia:
    “Kara Machado”
    Leia-se:
    “Karla Machado”
    Rev Bras Saúde Matern Infant. (2018) 18(3): 687-687

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2017
  • Aceito
    7 Dez 2017
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br