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Humanização na Medicina Fetal

Humanização é a ação ou o efeito de humanizar, de tomar humano ou mais humano, tomar benévolo, tomar afável.11 Waldow VR, Borges RF. Caringand humanization: relationships and meanings. Acta Paulista Enferm. 2011; 24(3): 414-8. A humanização na saúde leva a uma mudança na gestão dos serviços e dos sistemas de saúde, modificando assim, a interação entre pacientes e profissionais. Ela tem como um dos seus principais objetivos oferecer um melhor atendimento aos usuários e melhores condições de trabalho para os trabalhadores.22 Mello IM. Humanização da assistência hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais. [Especialização]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2008.

A Medicina Fetal é a área de atuação dedicada à promoção da saúde materno-fetal, considerada uma sub-especialidade da ginecologia e obstetrícia. O fetólogo possui as competências necessárias para promover a prevenção e realizar procedimentos diagnósticos ou terapêuticos, relacionados à gravidez. Esses procedimentos variam desde uma consulta para aconselhamento genético, cálculo de risco para doenças cromossômicas, pré-eclâmpsia ou trabalho de parto prematuro, até cirurgia fetal intraútero.33 Magalhães JAA. Medicina fetal. Rev HCPA. Porto Alegre. 2000; 20(2): 157-68.

A principal ferramenta utilizada na Medicina Fetal é a ultrassonografia, a qual possui finalidades específicas em cada trimestre da gestação.44 Bastos GA, Roque JBO, Rezendo PR, Vilarinho APF, Bastos RS. Ultra-Sonografia Obstétrica no Pré-Natal de Baixo Risco. Volta Redonda, ano III, edição especial, outubro. 2008. Disponível em: http://web.unifoa.edu.br/cadernos/especiais/pmvr/84.pdf.
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Por se tratar de uma especialidade médica que se baseia em exames de imagem, pode acarretar pouca proximidade com o paciente, quando comparada a uma especialidade puramente clínica.55. Cardoso GP. A pesquisa e o "overbooking". Rev Conduta Médica. 2008; N°38. [Editorial]. Disponível em: http://www.condu-tamedica.com.br/artigos.asp?id=64&mostrarEditorial=S
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Baseado nisso, pergunta-se: por que não humanizar a Medicina Fetal? Como isso seria possível? Um atendimento humanizado é aquele que reconhece os direitos do paciente, valorizando a qualidade do cuidado no ponto de vista técnico, assim como o reconhecimento profissional.66 Züge E. A humanização nos serviços de saúde. [Especialização]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2012. Para isso, medidas simples, que foram perdidas com o aumento da demanda e superlotação dos hospitais e consultórios médicos, devem ser repensadas e colocadas em prática no dia a dia.

Realizar um exame de ultrassonografia obstétrica tornou-se, por vezes, algo mecânico, com pouca ou nenhuma relação médico-paciente. São profissionais usando máquinas para descrever o laudo dos exames, informando à gestante, apenas, que está tudo normal ou não. O acolhimento, recebendo seu paciente à porta, com um simples cumprimento, além de permitir a entrada de acompanhantes, pode, entretanto, fazer toda a diferença. Chamá-la pelo nome, sentar-se e conversar sobre o pré-natal ou comorbidades adquiridas na gestação, descobrindo o motivo do exame, explicar o seu objetivo e o que será avaliado, tudo isso transforma aquele momento, de tensão para a mãe ou familiares,em um ambiente de confiança e segurança. Assim, visando deixar a paciente mais tranquila e segura em relação à sua gestação, mostrando e explicando a imagem projetada na tela, utilizando recursos, por exemplo imagem tridimensional (3D), quando disponível, pode ser mais uma ferramenta útil e simples para humanização da medicina fetal.

Durante o parto humanizado, não só é permitida a participação do acompanhante, como também fotografar e filmar esse momento tão especial, registrando assim as recordações para serem revividas pelos pais, familiares, amigos e, no futuro, pelo filho. A ultrassonografia também é considerada um momento especial, no qual o feto é observado e imaginado. Baseado nisso, por que proibir o registro desse momento? Por que não mostrar a imagem do rosto e do, tão esperado, sexo fetal? Estudos sugerem que diferentes tipos de face, ao exame ultrassonográfico, já podem demonstrar sentimentos intra-útero. As expressões faciais mais frequentemente descritas na literatura são o piscar dos olhos, o bocejar, a sucção, a movimentação da boca, a expulsão da língua, a carrancuda e a sorridente.77 Aboellail MAM, Hata T. Fetal face as importantindicatorof fetal brainfunction. J Perinat Med. 2017; 45(6): 729-36. Qual mãe não ficaria feliz se um momento desses fosse flagrado e registrado?

Informar a correta idade gestacional, explicando qual será a referência para o acompanhamento até o final da gravidez, de forma simples e clara, além de ter o cuidado de inserir, no laudo do exame, sempre a mesma idade gestacional corrigida, são importantes para a humanização. Diferentes idades gestacionais colocadas a cada exame poderão aumentar a ansiedade matema com a possibilidade de antecipação do parto ou a pós-maturidade. Destaca-se que a ultrassonografia precoce apresenta uma margem de erro mínima, sendo fundamental para confirmar a idade da gravidez.88 Whitworth M, Bricker L, Neilson JP, Dowswell T. Ultrasound for fetal assessment in earlypregnancy. Cochrane Database Syst Rev. 2010; (4): CD007058.

Outra possibilidade para melhorar o entendimento da gestante é explicar como o feto está posicionado em seu abdome. Isso pode ser feito com o simples movimento do transdutor, associado à sua visualização na tela, explicado pelo fetólogo aos pais e familiares. Porém, para outras gestantes, a necessidade de mais clareza pode ser necessária para minimizar seus anseios. Desenhar na barriga materna como o seu feto se posiciona é um método que ficou conhecido como ultrassom natural, desenvolvida por Naolí Vinaver, em 1990, sendo realizado apenas para diminuir a ansiedade dos pais.99 Mata JAL, Shimo AKK. El arte de pintar el ventre materno: La historia oral de las enfermeiras y parteras. Rev Enferm Actual. 2018; 35: DOI 10.15517/revenf.v0i35.31555.
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Não só as atitudes dos profissionais fazem a humanização, mas pensar em um ambiente com iluminação e revestimento adequados, som ambiente e agradável, televisor para melhor visualização pela gestante e acompanhantes, limpeza e higiene excepcional e sem poluição sonora, particularmente sem conversas paralelas ou uso de celulares no momento do atendimento, fazem parte da infraestrutura do ambiente além de deixar a todos (médicos, pacientes e familiares) mais tranquilos, favorecendo o relacionamento.

Malformações graves ou incompatíveis com a vida diagnosticadas no pré-natal podem gerar grande angústia levando a sentimentos de frustração, culpa, incapacidade e perda, tanto para a gestante como para os outros familiares. Isso resulta em crises no sistema familiar e isolamento social.1010 Santos MM, Boing E, Oliveira ZAC, Crepaldi MA. Diagnóstico pré-natal de malformação incompatível com a vida: implicações psicológicas e possibilidades de intervenção. Rev Psicol Saúde. 2014; 6(1): 64-72. Utilizar recursos como analogias, desenhos, imagens, textos explicativos, taxa de recorrências e aconselhamento para o melhor momento de nascimento e via de parto desses fetos é indispensável para essa situação. Deve-se lembrar sempre que, nessas situações, uma equipe multiprofissional pode ajudar na tomada de decisão.1111 Roecker S, Mai LD, Baggio SC, Mazzola SC, Marcon SS. The experience of mothers of babies with malformation. Esc Anna Nery. 2012; 16(1): 17-26.

Esses diagnósticos de malformações aumentam também a curiosidade de profissionais e estudantes, os quais devem sempre respeitar o momento, evitando conversas e perguntas que possam aumentar a ansiedade dos envolvidos. Dar atenção a todos é fundamental nesse momento, mostrando que os apoia, sem piadas, sorrisos ou uso de aparelhos eletrônicos. A descontração sensata é uma alternativa para melhorar a relação médico-paciente-familiares, mas em situações de diagnósticos graves, deve ser evitada.

A medicina também permite que se tenha compaixão e amor ao próximo, que se sinta a dor do outro e, ao mesmo tempo, que se possa consolar e acalentar tamanho sofrimento.

Nesse contexto, portanto, é digno de nota que é possível, sim, fazer uma medicina fetal humanizada, com atitudes simples, sem demandar muito tempo ou dinheiro. Trabalhar em equipe, contando com ajuda multiprofissional e de outras especialidades, é fundamental para uma boa prática médica. Cada gestação possui suas singularidades, seja com alegrias ou tristezas, conflitos e justificativas. O fetólogo é um simples observador, que sorri nas horas boas, compartilha os sofrimentos, vivenciando junto dessas famílias, esse misto de sensações.

Consideramos que a disseminação dessas propostas e possíveis iniciativas é de fundamental importância para os profissionais de saúde, em especial, aqueles que cuidam da mulher e da criança no pré-natal próximo e imediato ao parto. A participação na disseminação dessas informações pode ser naturalmente uma das importantes tarefas dos periódicos com escopo nesta área de saúde materno-infantil.

References

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    Bastos GA, Roque JBO, Rezendo PR, Vilarinho APF, Bastos RS. Ultra-Sonografia Obstétrica no Pré-Natal de Baixo Risco. Volta Redonda, ano III, edição especial, outubro. 2008. Disponível em: http://web.unifoa.edu.br/cadernos/especiais/pmvr/84.pdf
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    Roecker S, Mai LD, Baggio SC, Mazzola SC, Marcon SS. The experience of mothers of babies with malformation. Esc Anna Nery. 2012; 16(1): 17-26.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018
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