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Demanda contraceptiva não atendida

Em 2017, relatórios e informações sobre mortalidade materna e neonatal, abortos induzidos, gestações indesejadas e serviços de planejamento familiar estimaram que metade das mulheres que vivem nos países em desenvolvimento deseja evitar gravidez, porém cerca de 25% delas não tiveram acesso aos métodos modernos de contracepção.11 Adding it up: Investing in Contraception and Maternal and Newborn Health, 2017. Estimation Methodology, New York: Guttmacher Institute, 2018. [acesso em 4 de Out 2018]. Disponível em: https://www.guttmacher.org/sites/default/files/report_pdf/adding-it-up-2017-estimation-methodology.pdf
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A proporção de mulheres com demanda contraceptiva não atendida vem diminuindo desde 2014, embora de forma lenta quando se leva em consideração o aumento do numero de mulheres em idade reprodutiva.11 Adding it up: Investing in Contraception and Maternal and Newborn Health, 2017. Estimation Methodology, New York: Guttmacher Institute, 2018. [acesso em 4 de Out 2018]. Disponível em: https://www.guttmacher.org/sites/default/files/report_pdf/adding-it-up-2017-estimation-methodology.pdf
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Nos países em desenvolvimento, as mulheres com necessidades contraceptivas não atendidas contribuem com 84% de todas as gravidezes não desejadas, seja porque não usam nenhum método (74%) ou porque utilizam um método tradicional (10%). O restrito acesso aos serviços de planejamento familiar, bem como a limitada oferta dos métodos, enfrentada principalmente pelas mulheres pobres, jovens e sem companheiro contribuem para a restrição do uso de métodos contraceptivos modernos, reversíveis e de longa duração. Nos países pobres ou em desenvolvimento este é um problema complexo que envolve diferentes aspectos. Medo dos efeitos colaterais ou experiências contraceptivas prévias negativas, restrições políticas, culturais e religiosas também são barreiras que podem dificultar o planejamento das gestações. Não menos importante estão as dificuldades relativas à inequidade de gênero bem como as características individuais e expertise dos profissionais provedores do serviço de planejamento familiar.22 Alkema L, Kantorova V, Menozzi C, Biddlecom A. National, regional and global rates and trends in contraceptive prevalence and unmet need for family planning between 1990 and 2015: a systematic and comprehensive analysis. The Lancet. 2013; 381 (9878): 1642-52.

Além disso, a gestação não planejada tem consequências socioeconômicas e ambientais graves. O crescimento populacional desorganizado conduz à escassez e desigual locação de recursos, educação e acesso à contracepção, resultando em aumento de mortes de mulheres em partos e abortos inseguros, abandono dos filhos e empobrecimento das famílias.33 Diniz DM, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet. 2017; 22 (2): 653-60.

No Brasil, o percentual de gestações não planejadas segue a tendência dos países em desenvolvimento, permanecendo acima da média mundial. Mais de 55% das brasileiras que tiveram filhos nos anos de 2011 e 2012 não haviam planejado a gravidez segundo dados da pesquisa “Nascer no Brasil: inquérito nacional sobre parto e nascimento”, que ouviu 24 mil mulheres em 266 hospitais públicos brasileiros. Além disso, mais de 500 mil abortos inseguros são realizados todos os anos no Brasil, como resultado de gestações indesejadas.33 Diniz DM, Medeiros M, Madeiro A. Pesquisa Nacional de Aborto 2016. Ciênc Saúde Colet. 2017; 22 (2): 653-60.

Por outro lado, o relatório das Nações Unidas no Brasil (ONUBR)44 ONUBR (Nações Unidas no Brasil). Cerca de 79% das brasileiras usaram métodos contraceptivos em 2015, informa ONU. [acesso em 5 Nov 2018]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/cerca-de-79-das-brasileiras-usaram-metodos-contraceptivos-em-2015-informa-onu/
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destacou que 79% das brasileiras fizeram uso de métodos contraceptivos em 2015. Como explicar que apesar da maior parte das brasileiras fazerem uso de métodos contraceptivos mais da metade das gestações que ocorrem no Brasil ainda são não planejadas?

O Ministério da Saúde do Brasil não prioriza metas ou estratégias para reduzir o número de gestações indesejadas. Não existem campanhas educativas específicas sobre planejamento familiar e contracepção no país, possibilitando a implantação de políticas de planejamento familiar ineficazes, com desigual acesso aos métodos contraceptivos modernos de longa duração (DIU de cobre, de levonorgestrel e implante hormonal), resultando em uma falha na oferta destes métodos. Atender satisfatoriamente a demanda por planejamento reprodutivo através de métodos modernos de longa duração acarretará um substancial impacto à saúde reprodutiva da mulher levando a uma redução na incidência de gestações indesejadas, abortamentos induzidos e consequente redução da morbimortalidade materna. Métodos contraceptivos de longa duração são uma opção segura e eficaz para todas as mulheres, tem elevado nível de satisfação, bem como alta taxa de continuidade de uso do método, além de ser uma opção custo efetiva.55 Braga GC, Vieira CS. Anticoncepcionais reversíveis de longa duração: Implante Liberador de Etonogestrel (Implanon). Femina. 2015; 43 (Suppl. 1): S7-14.

Redesenhar as políticas de planejamento familiar, com ênfase na redução das barreiras ao acesso aos serviços de saúde, em especial os serviços de saúde sexual e reprodutiva é uma meta que precisa ser fortalecida no Brasil. Assegurar às demandas não satisfeitas de saúde sexual e reprodutiva das mulheres brasileiras é factível se houver comprometimento sociopolítico e econômico das autoridades de saúde locais governos, agências financiadoras, organizações não governamentais, famílias e cidadãos.66 Leal MC, Silva AAM, Dias MAB, Gama SGN, Rattner D, Moreira ME, Filha MM, Domingues RM, Pereira AP, Torres JA, Bittencourt SD, D’orsi E, Cunha AJ, Leite AJ, Cavalcante RS, Lansky S, Diniz CS, Szwarcwald CL. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health. 2012; 9 (15): 1-8.

O planejamento familiar é uma das mais bem-sucedidas intervenções na saúde pública, desde que sejam oferecidos serviços de planejamento familiar sustentáveis, de boa qualidade, com campanhas públicas de saúde continuadas e destaque na oferta e acesso a todos os métodos contraceptivos. É importante também “desmedicalizar” ao máximo a oferta de métodos contraceptivos, disponibilizando-os através de provedores “não médicos” treinados e qualificados, expandindo o escopo do aconselhamento e educação contraceptivos a todas as fases da vida reprodutiva da mulher incluindo pré-natal, pós-parto e pós-aborto levando sempre em consideração as necessidades individuais de cada casal. Ao realizar uma escolha contraceptiva informada, com acesso a todos os tipos de métodos contraceptivos, em especial os métodos de longa duração, a mulher terá menor chance de ter uma gestação não desejada e colocar em risco a sua própria vida.77 O’neil-Callahan M, Peipert JF, Zhao Q, Madden T, Secura G. Twenty-four-month continuation of reversible contraception. Obstet Gynecol. 2013; 122 (5): 1083-91.

Incentivos ao planejamento familiar pautado em direitos sexuais e reprodutivos dos casais são algumas das ações promovidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para fortalecer o planejamento familiar no mundo.11 Adding it up: Investing in Contraception and Maternal and Newborn Health, 2017. Estimation Methodology, New York: Guttmacher Institute, 2018. [acesso em 4 de Out 2018]. Disponível em: https://www.guttmacher.org/sites/default/files/report_pdf/adding-it-up-2017-estimation-methodology.pdf
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A Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil acolhe e considera relevante pesquisas sobre estratégias de ação da OMS, diretrizes baseadas em evidências e medidas de apoio técnico operacional. Desse modo, o corpo editorial da Revista apoia a comunidade científica na produção de pesquisas e refinamento de dados permitindo, uma melhor compreensão dos complexos motivos que nos dias atuais levam uma mulher em idade reprodutiva a não usar métodos contraceptivos.

References

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    Alkema L, Kantorova V, Menozzi C, Biddlecom A. National, regional and global rates and trends in contraceptive prevalence and unmet need for family planning between 1990 and 2015: a systematic and comprehensive analysis. The Lancet. 2013; 381 (9878): 1642-52.
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    ONUBR (Nações Unidas no Brasil). Cerca de 79% das brasileiras usaram métodos contraceptivos em 2015, informa ONU. [acesso em 5 Nov 2018]. Disponível em: https://nacoesunidas.org/cerca-de-79-das-brasileiras-usaram-metodos-contraceptivos-em-2015-informa-onu/
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    Braga GC, Vieira CS. Anticoncepcionais reversíveis de longa duração: Implante Liberador de Etonogestrel (Implanon). Femina. 2015; 43 (Suppl. 1): S7-14.
  • 6
    Leal MC, Silva AAM, Dias MAB, Gama SGN, Rattner D, Moreira ME, Filha MM, Domingues RM, Pereira AP, Torres JA, Bittencourt SD, D’orsi E, Cunha AJ, Leite AJ, Cavalcante RS, Lansky S, Diniz CS, Szwarcwald CL. Birth in Brazil: national survey into labour and birth. Reprod Health. 2012; 9 (15): 1-8.
  • 7
    O’neil-Callahan M, Peipert JF, Zhao Q, Madden T, Secura G. Twenty-four-month continuation of reversible contraception. Obstet Gynecol. 2013; 122 (5): 1083-91.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018
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