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Perfil de gestantes infectadas e crianças expostas ao HIV atendidas em serviço especializado do sul do Brasil

Resumo

Objetivos:

caracterizar o perfil social e clínico de gestantes infectadas pelo HIV, os fatores associados à prevenção da transmissão vertical, e analisar a qualidade das informações disponíveis nas fichas de notificação do SINAN e prontuários clínicos de gestantes infectadas e crianças expostas ao HIV em um serviço especializado, em uma cidade no interior do Rio Grande do Sul.

Métodos:

estudo documental retrospectivo realizado em prontuários de 110 mães com HIV e seus filhos nascidos no período entre junho/2014 a março/2017. Para análise foram considerados a frequência absoluta dos dados e o percentual.

Resultados:

a caracterização das mulheres infectadas representa o cenário brasileiro, com adultas jovens, escolaridade baixa e ocorrência de situação de emprego não remunerado. A maioria das mães realizou o tratamento durante a gestação e o acompanhamento pré-natal com intenção de aplicar as medidas profiláticas recomendadas pelos protocolos nacionais. Identificou-se maior ocorrência de incompletude dos dados nos fatores de prevenção da transmissão vertical.

Conclusões:

identifica-se o comprometimento da qualidade da assistência direcionada a população, exposta em grande parte a condições sociais desfavoráveis. A ocorrência de incompletude dos dados mostra que ainda não há uma cultura, entre os profissionais de saúde, que assegure o preenchimento adequado das informações e favoreça a transferência destes entre os serviços.

Palavras-chave:
HIV; Transmissão vertical de doença infecciosa; Sistemas de informação em saúde; Brasil

Abstract

Objectives:

to characterize the social and clinical profile of pregnant women infected with HIV, the factors associated to the prevention of vertical transmission, and to analyze the quality of the information available in the SINAN notification forms and clinical records of infected pregnant women and children exposed to HIV in a specialized service in the countryside of Rio Grande do Sul.

Methods:

retrospective documentary study conducted from medical records of 110 HIV mothers and their children born between June/2014 and March/2017. For the analysis, the absolute frequency and the data percentage were taken under consideration.

Results:

the characterization of infected women represents a Brazilian scenario among young adults, low schooling level and the occurrence of unpaid employment situation. Most mothers underwent treatment during pregnancy and had prenatal care with the intention of applying the prophylactic measures recommended by the national protocols. A greater occurrence of incompleteness of data in the factors of prevention of vertical transmission was identified.

Conclusions:

the compromise is identified regarding the quality of assistance addressed to the population, which is largely exposed to unfavorable social conditions. The occurrence of data incompleteness shows that there is still not a culture among health professionals that ensures that the information is adequately filled out and favors the exchange of the information among the services.

Key words
HIV; Vertical transmission of infectious disease; Health information systems; Brazil

Introdução

No Brasil, desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2017 foram notificados, à Coordenação Nacional de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) e Aids do Ministério da Saúde, 882.710 casos de Aids. Destes, 576.245 ocorreram em homens e 306.444 em mulheres. Entre os anos de 1980 a 2002 observou-se aumento do número de casos em mulheres, o que incidiu no processo de feminização da infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) no período constante entre 2003 a 2008, no qual para cada 15 homens havia 10 mulheres infectadas.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017. Este processo revela o paradigma da natureza feminina no Brasil, que considera: destino à maternidade, passividade no relacionamento, desigualdades de gênero e a (in)disponibilidade de métodos preventivos controlados pelas mulheres brasileiras.22 Costa R, Silva RRA. Factors related to feminization of the epidemy of aids: an informational study. Rev Enferm UFPE. 2013; 7 (8): 5340-44.,33 Villela WV, Barbosa RM. Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/aids no Brasil. Avanços e permanências da resposta à epidemia. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (1): 87-96.

O Estado do Rio Grande do Sul apresenta, desde o ano 2000, as maiores taxas de detecção de HIV em gestantes, que em 2016 revelava uma taxa 2,2 vezes maior do que a nacional, com 5,6 casos em cada mil nascidos vivos.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017. A categoria de exposição vertical decorre basicamente de três momentos: a gestação, o parto e após o nascimento, pelo aleitamento materno.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015. Para esses momentos há evidência da efetividade da profilaxia,55 Miranda AE, Pereira GFM, Araujo MAL, Silveira MF, Tavares LL, Silva LCF, Silva SFM, Saraceni V. Avaliação da cascata de cuidado na prevenção da transmissão vertical do HIV no Brasil. Cad Saúde Pública. 2016; 32 (9): 1-10.,66 Lima ACMA, Costa CC, Teles LMR, Damasceno AKC, Oriá MOB. Avaliação epidemiológica da prevenção da transmissão vertical do HIV. Acta Paul Enferm. 2014; 27 (4): 311-8. em que o Brasil é considerado referência mundial quanto às políticas públicas de enfrentamento da epidemia.

O controle da transmissão vertical representa um desafio às políticas públicas, as quais são dependentes de informações acerca de dados epidemiológicos de qualidade. No Brasil a fonte destes dados é a notificação compulsória de casos de HIV/Aids no Sistema de Informações de Agravos e Notificação (SINAN).11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017.,77 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral de Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde pública. Unidade Técnica de Gestão do Sinan. Manual de Operação: SINAN. Brasília, DF; 2015. Entretanto, é reconhecido o elevado percentual de informações ignoradas ou não preenchidas em prontuários clínicos ou registros eletrônicos.88 Ayala ALM, Moreira A, Francelino G. Características socioeconômicas e fatores associados à positividade para o HIV em gestantes de uma cidade do sul do Brasil. Rev APS. 2016; 19 (2): 210-22.

9 Gloyd S, Wagenaar BH, Woelk GB, Kalibala S. Opportunities and challenges in conducting secondary analysis of HIV programmes using data from routine health information systems and personal health information. J Int AIDS Soc. 2016; 19 (5 suppl. 4): 1-6.
-1010 Meirelles QB, Lopes AKB, Lima KC. Vigilância epidemiológica de HIV/Aids em gestantes: uma avaliação acerca da qualidade da informação disponível. Rev Panam Salud Publica. 2016; 40 (6): 427-34. Considerando as Fichas de Notificação Individual (FIN) e os dados dos sistemas de informação em saúde, há métodos aplicados para avaliar a completitude destes, de modo a constituir estratégias para qualificar o processo, corrigir inadequações nos instrumentos além de incompletudes e inconsistências nos dados, sustentando a necessidade de treinamento permanente dos operadores e a revisão de documentos técnicos referentes à classificação de variáveis, entre outras.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017.,1111 Correia LOS, Padilha BM, Vasconcelos SML. Métodos para avaliar a completitude dos dados dos sistemas de informação em saúde do Brasil: uma revisão sistemática. Cienc Saúde Coletiva. 2014; 19 (11): 4467-78.

O SINAN é um sistema de responsabilidade do Ministério da Saúde e controlado pela Secretaria de Vigilância à Saúde tem como finalidade o registro e o processamento de dados acerca dos agravos de notificação no território nacional, permitindo a realização do diagnóstico situacional, e indicando os possíveis fatores de risco e a situação epidemiológica do país, por meio da publicação de boletins e anuários. A alimentação dos dados do SINAN pode ser realizada tanto nas unidades de saúde quanto nas secretarias de saúde.77 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral de Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde pública. Unidade Técnica de Gestão do Sinan. Manual de Operação: SINAN. Brasília, DF; 2015. A Portaria GM/MS nº 201 de 03 de novembro de 2010 é responsável por monitorar e regular a alimentação do sistema e, a Portaria GM/MS nº 1.378 de 09 de julho de 2013, pelo financiamento das ações da Vigilância em Saúde. Para isso, deve ser realizado o preenchimento das FIN pelos profissionais para cada usuário que apresentar alguma ocorrência de notificação de interesse da região ou compulsórias, as quais são apresentadas pela Portaria GM/MS nº 204 de 29 de janeiro de 2007.77 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Coordenação-Geral de Vigilância e Resposta às Emergências em Saúde pública. Unidade Técnica de Gestão do Sinan. Manual de Operação: SINAN. Brasília, DF; 2015.,1212 Caetano R. Sistema de Informação de Agravos de Notificação. In: Brasil. Ministério da Saúde. A experiência brasileira em sistemas de informações em saúde: Falando sobre os sistemas de informação sobre saúde no Brasil. Fundação Oswaldo Cruz. Brasília, DF; 2009.,1313 Laguardia J, Domingues CMA, Carvalho C, Lauerman CR, Macário E, Glatt R. Sistema de informação de agravos de notificação em saúde (Sinan): desafios no desenvolvimento de um sistema de informação em saúde. Epidemiol Serv Saude. 2004; 13 (3): 135-46.

A notificação da infecção pelo HIV em gestantes, parturientes ou puérperas e da criança exposta ao risco da transmissão vertical deve ser realizada por meio da FIN e enviadas semanalmente às secretarias de saúde pelo sistema. Nestes casos, a cada gestação de mulher infectada pelo HIV, uma nova notificação de gestante HIV é realizada. Quando uma criança nasce é preenchida uma FIN daquela exposta ao HIV. Para cada notificação uma cópia deve ser anexada ao prontuário clínico,1414 Domingues RM, Szwarcwald CL, Souza PRJ, Leal MC. Prenatal testing and prevalence of HIV infection during pregnancy: data from the "Birth in Brazil" study, a national hospital-based study. BMC Infect Dis. 2015; 15 (100): 1-11. o qual se constitui de um conjunto de documentos padronizados, destinados a registrar todas as informações dos cuidados prestados ao usuário no serviço hospitalar. O estudo documental pode direcionar a atenção à prática dos profissionais e à planificação dos gestores dos serviços de saúde, uma vez que apresenta a realidade local e a importância do preenchimento adequado destes instrumentos.1111 Correia LOS, Padilha BM, Vasconcelos SML. Métodos para avaliar a completitude dos dados dos sistemas de informação em saúde do Brasil: uma revisão sistemática. Cienc Saúde Coletiva. 2014; 19 (11): 4467-78.,1515 Maia ABB, Barbosa AB, Silva MNP, Branco LMGC, Rodrigues LMC, Melo TMTC. Compilação técnico-científica acerca da auditoria e gestão de qualidade: revisão integrativa. Rev Enferm UFPE. 2017; 11 (Supl. 3): 1489-94. Ao considerarmos o HIV, a adequabilidade das políticas direcionadas a essa população depende da disponibilidade e qualidade dos dados de caracterização das famílias, disponíveis nos serviços.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017.,44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015.

A exposição aos fatores de risco sociais, como pobreza, e clínicos, dos quais se destacam a desnutrição e as doenças infecciosas, comprometem o desenvolvimento infantil irrestrito, considerando que os primeiros mil dias de vida (desde a gestação até segundo ano completo) se constituem como um marco na evolução física, cognitiva, emocional e cultural da criança.1616 Cunha AJLA, Leite AJM, Almeida IS. The pediatrician's role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr. 2015; 91 (6 Suppl. 1): 44-51. Esses fatores estão relacionados ao desfecho clínico da criança exposta ao HIV.

Parte-se do pressuposto de que o registro fidedigno dos dados epidemiológicos é fundamental para a investigação da condição sorológica e para organização de ações e de políticas de prevenção da transmissão vertical do HIV, as quais são indispensáveis para permitir a promoção da saúde das crianças. Desse modo, o objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil social e clínico de gestantes infectadas pelo HIV e os fatores associados à prevenção da transmissão vertical, bem como analisar a qualidade das informações disponíveis nas fichas de notificação do SINAN e prontuários clínicos de gestantes infectadas e crianças expostas ao HIV, em um serviço especializado, no interior do Rio Grande do Sul.

Métodos

Desenvolveu-se um estudo documental retrospectivo no serviço de arquivo médico do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul. Como critérios de inclusão, foram consideradas todas as crianças nascidas verticalmente expostas ao HIV durante o período entre junho de 2014 a março de 2017. Foram excluídas as crianças notificadas tardiamente (fora do período de coleta de dados) e as gestações com desfecho de aborto ou natimorto.

Segundo dados do Núcleo de Vigilância Epidemiológica Hospitalar (NVEH), no período preestabelecido para este estudo, foram notificados no SINAN 126 casos de gestantes com HIV. Destas, 16 foram excluídas: 14 abortos, um bebê natimorto, e uma notificação duplicada (considerada apenas uma vez). Deste modo, o resultado foi uma população elegível de 110 crianças verticalmente expostas ao HIV.

A coleta de dados foi realizada no período de fevereiro de 2016 a março de 2017, por meio dos prontuários clínicos de crianças expostas e gestantes infectadas pelo HIV e das respectivas fichas de notificação do SINAN. O acesso aos prontuários deu-se no serviço de arquivo do HUSM, ao qual compete o controle (liberação, recebimento, arquivamento e organização dos documentos e resultados de exames) do acervo de aproximadamente 370 mil prontuários clínicos, além do suporte às pesquisas documentais desenvolvidas na instituição. Este suporte é organizado com solicitação presencial e prévia dos prontuários requeridos, com limite diário de dez por coletor. A sala de consulta aos prontuários atende a cinco pessoas por turno, devido à infraestrutura física. A solicitação para esta pesquisa demandou planejamento da lista da população elegível e elaboração de cronograma da equipe de coletores. A lista foi composta pelo número do registro hospitalar e nome da mãe, e este mesmo registro sobre a criança. Cada coleta documental gerava um código de instrumento de pesquisa, de acesso comum à equipe.

Para tanto, a equipe de coletores foi composta por três mestrandas e três bolsistas de iniciação científica, integrantes do grupo de pesquisa Cuidado à Saúde das Pessoas, Famílias e Sociedade (GP-PEFAS) da Universidade Federal de Santa Maria. A pesquisadora responsável promoveu treinamento prévio e supervisão da equipe.

O instrumento de coleta de dados foi elaborado a partir do protocolo de investigações de casos de transmissão vertical do HIV, e incluiu dados de caracterização social e clínica materna e da criança, antecedentes epidemiológicos da mãe, dados de pré-natal, parto, nascimento e puerpério, além de conclusão da investigação da transmissão vertical do HIV. O instrumento foi inserido no programa Epi Info(tm) (versão 7.1.0.6) para coleta de dados em meio eletrônico (tablet) e, posteriormente, para a construção do banco de dados, dispensando a dupla digitação independente. O pré-teste permitiu a adequação das variáveis, evitou os vieses de respostas e esclareceu as dúvidas dos coletores. Além disso, foram registradas as orientações no manual de coleta documental do projeto de pesquisa matricial "Avaliação da capacidade familiar para cuidar de crianças expostas ao HIV" (CAPFAM I). O banco de dados foi submetido à análise estatística, a qual considerou a frequência absoluta e percentual dos dados.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria (CAAE 50609615.1.0000.5346, parecer 1.963.382), e elaborado nos termos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

A caracterização social das gestantes mostrou predomínio das gestações na faixa etária entre 26 a 35 anos (51,8%), e 2,7% de incompletude nos prontuários. A escolaridade das gestantes segue a tendência nacional (45,5%) com ensino fundamental incompleto, expresso na ficha de notificação do SINAN como 1ª a 4ª série; este campo apresentou 9,1% de incompletude dos dados. Quanto à ocupação, 59,4% foram identificadas como do lar/donas de casa. A parceria sexual foi considerada fixa para 72,7%, com incompletude de 14,6%. Além disso, a condição sorológica do parceiro esteve registrada em apenas 61,9% dos prontuários, dos quais 18,2% desconheciam a sorologia. Contudo, houve incompletude de 38,1%: esse dado representa a maior incompletude presente na caracterização social das gestantes infectadas (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização social e completitude dos dados de gestantes infectadas pelo HIV (n=110). Santa Maria, RS, 2017.

A Tabela 2 apresenta as variáveis clínicas das gestantes infectadas pelo HIV. O preenchimento da ficha de notificação individual da gestante ocorreu no 3º trimestre para 61% delas. Além disso, a tabela evidencia a incompletude dos dados em 27,2%.

Tabela 2
Caracterização clínica e completitude dos dados de gestantes infectadas pelo HIV, (n=110). Santa Maria, RS, 2017.

Quanto ao uso de drogas injetáveis, 36,4% apresentaram incompletudes dos dados em prontuários, e apenas 2,7% estavam identificadas como usuárias. A incompletude do tempo de diagnóstico ocorreu em 21,7%, e quanto aos preenchidos houve prevalência de mulheres com 1 a 5 anos (34,5%), seguida por 25,4% com menos de um ano de infecção.

O acompanhamento pré-natal não foi realizado por 3,6% das gestantes, e em 13,6% houve incompletude nos prontuários; das demais, 65,6% acessaram o serviço do pré-natal de alto risco no HUSM. O diagnóstico do HIV foi realizado no pré-natal para 30% das mulheres, 5,4% dos diagnósticos foram identificados durante o parto e 1,8% após o nascimento da criança. A maioria em acompanhamento durante a gestação (80%) recebeu antirretrovirais para tratamento e prevenção da transmissão vertical. Neste campo, houve 6,4% de incompletude. A carga viral materna mais próxima da data do parto foi detectável em 38,2% das gestantes, e apresentou incompletude de 29,1%. A ausência da contagem de carga viral ou de preenchimento deste dado nos prontuários pode dificultar a investigação dos casos de transmissão vertical do HIV, considerando que a vigência de carga viral indetectável é um fator protetor à transmissão vertical.

Em contrapartida, intercorrências clínicas, complicações obstétricas e coinfecções podem prejudicar a prevenção da transmissão vertical. Verificou-se maior ocorrência de uso de álcool e drogas para 11,8% com 62,9% de incompletude, 7,3% de hipertensão arterial com 73,7% de incompletude e sífilis para 18,2% com 72% de incompletude, respectivamente. As coinfecções foram os dados da caracterização clínica das gestantes que apresentaram maior incompletude, com 73,7% de dados ausentes.

Os fatores relacionados ao parto, ligados à prevenção da transmissão vertical, são apresentados na Tabela 3. A via de parto foi cesárea eletiva para a maioria das gestantes (66,4%). Houve rotura de membranas para 17,3% das gestantes e 14,5% de incompletude. Dos prontuários analisados, houve 10% de incompletude acerca de episiotomia; entretanto, esta prática ainda foi comum em 9,1% dos partos. Apenas 80% dos prontuários apresentaram registro de uso de antirretrovirais para profilaxia durante o parto, com 10% de incompletude. O uso de inibidor farmacológico de lactação esteve registrado em 82,7% dos prontuários, mas ocorreu 14,5% de incompletude de dados. Quanto a realização do teste rápido anti-HIV em momentos próximos ao parto, encontrou-se 46,4% de incompletude; além disso, considerando os prontuários em que havia informações, a testagem não foi realizada para 28,2% das gestantes. Quanto aos fatores relacionados à criança e que estão associados à transmissão vertical do HIV, o recebimento da profilaxia oral ocorreu em 89,1% dos casos. O tempo de recebimento após o nascimento da criança foi de 2 a 4 horas para 38,2%, de menos de 1 hora de vida para 2,7%, e para 18,2% dos prontuários houve incompletude de dados. O registro de oferta de aleitamento materno foi de 4,5% e aleitamento cruzado 0,9%; ainda assim, a incompletude de dados apresentou 7,3% e 15,5%, respectivamente.

Tabela 3
Fatores associados à prevenção da transmissão vertical do HIV no parto e incompletude dos dados (n=110). Santa Maria, RS, 2017.

Prevaleceu o tempo total de uso de antirretrovirais na criança de 3 a 5 semanas para 70,9%, porém, com 19,7% de incompletude. Os resultados dos primeiros exames para confirmação da condição sorológica se apresentaram como indetectáveis para 55,4% das crianças, além de 30% de prontuários com incompletude de quantificação de carga viral. Já a segunda carga viral apresentou 1,8% de crianças com resultado detectável e 0,9% positivo/reagente, mas com grande ocorrência de incompletude de dados para 35,5%. A evolução do caso foi a variável com maior ocorrência de incompletude, com 85,4%; quanto às demais crianças, 10% foram consideradas não infectas, 2,7% receberam diagnóstico de HIV e 1,8% perderam o seguimento neste ambulatório. Estes dados estão apresentados na Tabela 4.

Tabela 4
Fatores associados à prevenção da transmissão vertical do HIV às crianças expostas ao HIV e incompletude dos dados (n=110). Santa Maria, 2017.

Discussão

A caracterização materna reflete nos dados de outros estudos nacionais, nos quais a faixa etária da maioria das gestantes infectadas corresponde ao ápice do período reprodutivo.66 Lima ACMA, Costa CC, Teles LMR, Damasceno AKC, Oriá MOB. Avaliação epidemiológica da prevenção da transmissão vertical do HIV. Acta Paul Enferm. 2014; 27 (4): 311-8.,1010 Meirelles QB, Lopes AKB, Lima KC. Vigilância epidemiológica de HIV/Aids em gestantes: uma avaliação acerca da qualidade da informação disponível. Rev Panam Salud Publica. 2016; 40 (6): 427-34.,1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Alimentação de crianças nascidas expostas ao vírus da Imunodeficiência humana. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(3): 617-25. Desde o ano 2000 a maior ocorrência de notificações no SINAN corresponde às gestantes com idades entre 20 a 24 anos.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017.

Os níveis de escolaridade também seguem a tendência nacional, com predomínio de mulheres com ensino fundamental incompleto. Esse menor grau de instrução é indicativo do pouco acesso às informações para prevenção da transmissão vertical. Além disso, ocorrência de ocupação não remunerada é equivalente a estudos que apresentam a problemática da situação social das gestantes com HIV.33 Villela WV, Barbosa RM. Trajetórias de mulheres vivendo com HIV/aids no Brasil. Avanços e permanências da resposta à epidemia. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (1): 87-96.,1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Alimentação de crianças nascidas expostas ao vírus da Imunodeficiência humana. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(3): 617-25.,1818 Galvão MTG, Cunha GH, Lima ICV. Mulheres que geram filhos expostos ao virus da imunodeficiência humana: representações sociais da maternidade. Rev Eletr Enf. 2014; 16 (4): 804-11. Ainda assim, a rede social da gestante parece ser fortalecida pela presença de parceiro fixo, uma vez que estudos apresentam o companheiro como um facilitador da adesão as recomendações para profilaxia da transmissão vertical.1919 Langendorf TF, Padoin SMM, Paula CC, Souza IEO, Aldrighi JD. Profilaxia da transmissão vertical do HIV: cuidado e adesão desvelados por casais. Rev Bras Enferm. 2016; 69 (2): 275-81.,2020 Pacheco BP, Gomes GC, Xavier DM, Nobre, CMG, Aquino DR. Dificuldades e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids. Esc Anna Nery. 2016; 20 (2): 378-83.

Na caracterização clínica, a incompletude dos dados foi pouco prevalente, o que pode ser justificado pela maior ocorrência de registros nas consultas das mulheres durante a gestação. Acerca da avaliação das ações de prevenção do HIV durante o pré-natal, além de grande ocorrência de incompletude dos dados, prevaleceu a notificação no 3º trimestre de gestação, o que pode representar a perda de um momento de evitar a transmissão vertical, em razão do descumprimento das recomendações sobre a testagem anti-HIV que deve ser realizada no 1º e no 3º trimestres.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015.

A alta ocorrência de incompletude nos registros relacionados aos fatores de intercorrências, coinfecções e complicações obstétricas problematiza a relação da atenção fragmentada, que não considera as correlações existentes entre estes e a diminuição da efetividade do cumprimento das medidas de prevenção da transmissão vertical. A sífilis foi a principal coinfecção registrada, e é apontada como uma das mais recorrentes no país; além disso, quando estas duas infecções ocorrem em conjunto, há favorecimento da transmissão vertical do HIV. Assim, a realização de testes rápidos em todas as gestantes torna-se necessária para garantir a saúde e reduzir a mortalidade materna e infantil.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Bol Epidemiol HIV Aids. Brasilia, DF; 2017.,2121 Acosta LMW, Gonçalves TR, Barcellos NT. Coinfecção HIV/sífilis na gestação e transmissão vertical do HIV: um estudo a partir de dados da vigilância epidemiológica. Rev Panam Salud Publica . 2016; 40 (6): 435-42.

Neste estudo, a precaução com a própria saúde é confirmada, pois as mulheres apresentam maior adesão ao tratamento, consideram fácil mantê-lo, não apresentam problemas de saúde, além de evitar o consumo álcool. O consumo de álcool e drogas também é citado na literatura como aspecto redutor da adesão ao TARV, o que possibilita o aumento da carga viral.2222 Melo VH, Botelho APM, Maia MMM, Correa JMD, Pinto JA. Uso de drogas ilícitas por gestantes infectadas pelo HIV. Rev Bras Ginecol Obstet. 2014; 36 (12): 555-61.,2323 Rego SEM, Rego DMS. Associação entre uso de álcool em indivíduos com AIDS e adesão ao tratamento antirretroviral: uma revisão da literatura. J Bras Psiquiatr. 2010; 59 (1): 70-73. Apesar da manutenção do acompanhamento clínico e da TARV, os dados mostram que grande parte das gestantes apresentaram carga viral detectável, ou seja, uma ampliação do fator de risco para a transmissão vertical do HIV. Um estudo também realizado no Sul do Brasil, que analisou a prevalência e fatores associados à transmissão vertical do HIV, corrobora estes resultados e aponta a falha na terapia antirretroviral e a alta carga viral materna como principais fatores de risco para a transmissão vertical do vírus.2424 Rosa MC, Lobato RC, Gonçalves CV, Silva NMO, Barral MFM, Martinez AMB, Hora VP. Avaliação dos fatores associados à transmissão vertical de HIV-1. J Pediatr . 2015; 91 (6): 523-8.

A literatura aponta a relação existente entre o comparecimento às consultas de pré-natal e a melhoria da adesão aos antirretrovirais.66 Lima ACMA, Costa CC, Teles LMR, Damasceno AKC, Oriá MOB. Avaliação epidemiológica da prevenção da transmissão vertical do HIV. Acta Paul Enferm. 2014; 27 (4): 311-8. Consequentemente, a adesão à profilaxia da transmissão vertical também depende de estratégias que integrem cuidado realizado durante o pré-natal ao atendimento no serviço especializado, possibilitando maior satisfação e segurança das mulheres para com os profissionais e os serviços de saúde.2525 Kleinubing RE, Paula CC, Padoin SMM, Silva CB, Ferreira T, Cherubim DO. Estratégias de cuidador à saúde de gestantes vivendo com HIV: Revisão integrativa. Ciencia y Enfermeria. 2016; 22 (2): 63-90.

Os resultados encontrados indicam uma preferência pela realização do pré-natal no mesmo serviço em que as mulheres estão vinculadas para o tratamento do HIV. Além disso, o diagnóstico tardio realizado no parto ou puerpério, com apenas 7,2%, esteve abaixo do encontrado em outro estudo também realizado no Brasil, com 22,2% dos casos diagnosticados no mesmo período.2121 Acosta LMW, Gonçalves TR, Barcellos NT. Coinfecção HIV/sífilis na gestação e transmissão vertical do HIV: um estudo a partir de dados da vigilância epidemiológica. Rev Panam Salud Publica . 2016; 40 (6): 435-42. O acesso inadequado ao pré-natal pode facilitar a ocorrência da infecção na criança, decorrente principalmente da baixa adesão materna ao tratamento antirretroviral, o que resulta em 65% de casos de transmissão vertical ocorridos durante o trabalho de parto ou no parto.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015.

Quanto aos fatores que se relacionam com a prevenção da transmissão vertical durante o parto, a maior ocorrência de cesáreas eletivas representa o cumprimento de recomendação para profilaxia. Neste caso, recomenda-se a via vaginal apenas nos casos de mulheres com carga viral indetectável e adesão adequada aos antirretrovirais.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015.

Corroborando resultados, um estudo realizado no interior de Minas Gerais também indica a prevalência de escolha da via cesárea para o parto.2626 Souza CP, Piantino CB, Queiroz CA, Maia MAC, Fortuna CM, Andrade RD. Incidência de transmissão vertical do HIV entre gestantes soropositivas cadastradas em um serviço de referência regional. J Res Fundam Care. 2016; 8 (2): 4526-37. O tempo de rotura de membranas neste estudo foi superior a 4 horas em apenas 6,3% (n=7) dos casos, semelhante ao encontrado na região sul do Brasil (10,8%). A ocorrência da rotura por um período superior a 4 horas aumenta a possibilidade de transmissão vertical do HIV.2626 Souza CP, Piantino CB, Queiroz CA, Maia MAC, Fortuna CM, Andrade RD. Incidência de transmissão vertical do HIV entre gestantes soropositivas cadastradas em um serviço de referência regional. J Res Fundam Care. 2016; 8 (2): 4526-37. Igualmente a episiotomia, que ocorre em 9,1% dos casos, aumenta o potencial de transmissão vertical do HIV, e por isso, indica-se a realização de cesariana quando se desconhece a condição sorológica da gestante.2727 Kakehasi FM, Ferreira FGF, Pinto JA, Carneiro SA. Vírus da imunodeficiência humana adquirida/HIV no período neonatal. Rev Med Minas Gerais. 2014; 24 (2): 241-47.

A importância da profilaxia antirretroviral do HIV durante o trabalho de parto é justificado pela maior exposição da criança ao sangue materno, e a prática possibilita a prevenção de até 90% dos casos de transmissão vertical.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015. Esta recomendação foi seguida na maioria dos casos deste estudo, entretanto, uma pesquisa realizada em Santa Catarina apresenta uma redução do uso do medicamento entre o pré-natal e o parto, indicando o descumprimento das recomendações de profilaxia.88 Ayala ALM, Moreira A, Francelino G. Características socioeconômicas e fatores associados à positividade para o HIV em gestantes de uma cidade do sul do Brasil. Rev APS. 2016; 19 (2): 210-22. A realização do teste rápido é recomendada apenas para as gestantes que não possuem diagnóstico prévio de HIV e, considerando essa recomendação, 28,2% não foram testadas. Entretanto, em 46,4% dos prontuários, não foram encontrados registros do teste.

Quanto aos cuidados direcionados aos recém-nascidos, 89% deles receberam profilaxia oral ao nascer, sendo que 73,6% seguiram a recomendação ministerial, a qual aconselha o recebimento desta nas primeiras 4 horas após o nascimento da criança. Um estudo aponta o cumprimento das recomendações de profilaxia ao recém-nascido, entretanto, com administração do antirretroviral realizada nas primeiras 24 horas de vida para 91% das crianças.66 Lima ACMA, Costa CC, Teles LMR, Damasceno AKC, Oriá MOB. Avaliação epidemiológica da prevenção da transmissão vertical do HIV. Acta Paul Enferm. 2014; 27 (4): 311-8. Além disso, não são conhecidos os efeitos preventivos do uso do ARV após as 48 horas de vida da criança.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015. A ocorrência de incompletude em 18,2% dos prontuários representa dificuldade de compreensão dos profissionais acerca da importância de manter atualizados os registros clínicos dos pacientes, principalmente, em casos de necessidade de investigação da exposição vertical ao HIV.

Sendo a criança integralmente dependente de um cuidador e em se tratando da exposição ao HIV que transpassa as necessidades habituais, são necessários esforços conjuntos dos cuidadores destas crianças, bem como dos profissionais de saúde que as atendem, para garantir a prevenção da transmissão vertical do vírus.2828 Padoin SMM, Paula CC. Programa aids, educação e cidadania: perspectivas para a 2ª década de extensão. Rev Saúde. 2012; 1 (38): 51-62. Sabe-se que o cuidador somente poderá cumprir de maneira adequada todas as recomendações quando estiver conscientizado da possibilidade real de infecção, e de sua responsabilidade para garantir os cuidados diferenciados de acompanhamento, profilaxia medicamentosa, vacinação e alimentação.1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Alimentação de crianças nascidas expostas ao vírus da Imunodeficiência humana. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(3): 617-25.

Quanto à alimentação das crianças expostas ao HIV, em âmbito nacional recomenda-se a substituição do aleitamento materno por fórmula láctea infantil, uma vez que essa medida previne em 30% a ocorrência de infecção pelo vírus. Além disso, desaconselha-se a prática do aleitamento cruzado, em razão do desconhecimento da condição sorológica da mulher que o realiza.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015. Um estudo realizado em Fortaleza, no estado do Ceará, vai ao encontro das recomendações ministeriais, e aponta a não ocorrência de oferta de leite humano às crianças verticalmente expostas ao HIV.1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Alimentação de crianças nascidas expostas ao vírus da Imunodeficiência humana. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(3): 617-25. Em contraponto, o estudo em tela apresentou a ocorrência de alguns casos de oferta de aleitamento materno e amamentação cruzada, além da incompletude dos prontuários acerca desta informação.

Neste estudo, 70,9% dos casos seguiram a recomendação ministerial de profilaxia medicamentosa à criança, que aconselha a administração de ARV por um período mínimo de quatro semanas. Entretanto, foi encontrado um alto índice de dados incompletos nos prontuários. É relevante salientar aqui o aumento do potencial do fator de proteção da profilaxia antirretroviral ao recém-nascido, quando cumprida de acordo com essas recomendações.44 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção pelo HIV em crianças e adolescentes. Brasília, DF; 2015.

Ademais, o acompanhamento da criança exposta até a confirmação do seu diagnóstico deve ser prioridade da vigilância epidemiológica. Entretanto, a ocorrência de perda de seguimento, o que prejudica o encerramento do caso, é bastante alta, como apresentado em um estudo realizado em Porto Alegre.2121 Acosta LMW, Gonçalves TR, Barcellos NT. Coinfecção HIV/sífilis na gestação e transmissão vertical do HIV: um estudo a partir de dados da vigilância epidemiológica. Rev Panam Salud Publica . 2016; 40 (6): 435-42. Esta descontinuação no acompanhamento ambulatorial pode estar relacionada com a maior ocorrência de incompletude dos dados de prontuários referentes à investigação laboratorial das crianças expostas.

A quantificação de carga viral 1 e 2 não foi registrada em 30% e 35,5% dos prontuários respectivamente. Além disso, a evolução do caso da criança, ou seja, o encerramento da investigação sorológica da mesma, está ausente em 85,4% dos prontuários. Contrapondo-se a estes dados, um estudo também realizado no Rio Grande do Sul apresentou um percentual de mais de 70% de encerramento da investigação sorológica da criança e apenas 17,2% de casos registrados como perda de seguimento, os quais não apresentam dados suficientes para tal.2929 Torres SR, Luz AMH. Gestante HIV+ e crianças expostas: estudo epidemiológico da notificação compulsória. Rev Gaúcha Enferm. 2007; 28 (4): 505-11. Os dados ausentes representam fator de preocupação aos serviços de saúde, uma vez que se desconhece a condição de infecção ou não destas crianças. A implementação de acompanhamento das crianças expostas junto de busca ativa às perdas de seguimento ambulatorial, de modo a monitorar a ocorrência fidedigna dos casos, pode qualificar a atenção à saúde desta população.

A caracterização social das gestantes infectadas pelo HIV indica similaridade com outros estudos realizados em âmbito nacional no Brasil, prevalecendo de penúria e estigmatização. As características clínicas mostraram que as dificuldades socioeconômicas muitas vezes são superadas pelas gestantes, de modo a garantir a proteção de seus filhos. A partir da análise dos dados, foi possível identificar que a completude das informações das gestantes apresenta resultado satisfatório, com pouca ocorrência de informações não preenchidas. Entretanto, o seguimento do cuidado à criança exposta, bem como o desfecho do diagnóstico de infecção devido à exposição ao HIV materno, indica a baixa qualidade no preenchimento dos prontuários.

Ressalta-se que os dados não são exclusivos das fichas do SINAN, uma vez que estas apresentaram, em sua maioria, completude insatisfatória, com ausência de informações necessárias para avaliação da aplicação das medidas profiláticas da transmissão vertical; portanto, considerou-se também as fichas disponíveis em prontuários clínicos do serviço. Este fator aponta para o considerável número de subnotificações de dados e ausência de comunicação entre os sistemas e serviços de saúde. A efetividade das políticas brasileiras de prevenção do HIV depende integralmente da completude de dados referentes a investigação dos casos. Deste modo, é necessário conscientizar os profissionais de saúde acerca da relevância da sua atuação na prevenção da transmissão vertical do HIV, o que irá aprimorar a qualidade da saúde da população.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES, CNPQ e FAPERGS.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2017
  • Revisado
    28 Maio 2018
  • Aceito
    20 Set 2018
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