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Influência dos fatores socioeconômicos na percepção de sintomas cócleo-vestibulares e na adesão ao tratamento do hipotireoidismo congênito

Resumo

Objetivos:

verificar se existe associação entre fatores socioeconômicos e adesão ao tratamento no hipotireoidismo congênito e verificar se existe associação entre fatores socioeconômicos e sintomas vestibulococleares percebidos pelos pais / cuidadores de crianças diagnosticadas com hipotireoidismo congênito.

Métodos:

estudo transversal, exploratório e descritivo, com amostra de conveniência. A casuística foi composta por 108 crianças com diagnóstico clínico e laboratorial de hipotireoidismo congênito, de ambos os sexos com idade ≥ 5 anos. Foi aplicado um questionário estruturado para os pais/cuidadores, formado por questões fechadas e objetivas sobre a presença ou ausência de zumbido, hipoacusia e tontura/vertigem nas crianças com hipotireoidismo congênito.

Resultados:

não houve associação entre fatores socioeconômicos e adesão ao tratamento ou percepção dos sintomas cócleo-vestibulares.

Conclusões:

os fatores socioeconômicos não influenciaram na adesão ao tratamento nem na percepção de sintomas cócleo-vestibulares pelos cuidadores de crianças com hipotireoidismo congênito.

Palavras-chave
Hipotireoidismo congênito; Classe social; Tontura; Perda auditiva; Zumbido

Abstract

Objectives:

to verify if there is an association between socioeconomic factors and adherence to treatment in congenital hypothyroidism and to verify if there is an association between socioeconomic factors and vestibulocochlear symptoms noticed by parents/caregivers of children diagnosed with congenital hypothyroidism.

Methods:

a cross-sectional, exploratory and descriptive study, with a convenience sample. The sample consisted of 108 children with clinical and laboratory diagnosis of congenital hypothyroidism, of both sexes, aged ≥ 5 years. The researchers applied a structured questionnaire to parents/caregivers, consisting of closed and objective questions about the presence or absence of tinnitus, hearing loss and dizziness/vertigo in children with congenital hypothyroidism.

Results:

There was no association between socioeconomic factors and adherence to treatment or perception of cochlear-vestibular symptoms.

Conclusions:

socioeconomic factors did not influence treatment adherence or perceived cochlear-vestibular symptoms by caregivers of children with congenital hypothyroidism.

Key words
Congenital hypothyroidism; Social class; Dizziness; Hearing loss; Tinnitus

Introdução

O hipotireoidismo congênito (HC) ocorre quando há redução da produção de hormônios tireoidianos (HTs), os quais funcionam como reguladores do metabolismo,11 Ramos HE, França SN, Maciel RMB. Novos aspectos da genética e dos mecanismos moleculares da morfogênese da tiróide para o entendimento da disgenesia tiroidiana. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008; 52(9): 1403-15. sendo essenciais para o desenvolvimento do sistema nervoso central.22 Haddow JE, Palomaki GE, Allan WC, Williams JR, Knight GJ, Gagnon J, O'Heir CE, Mitchell ML, Hermos RJ, Waisbren SE, Faix JD, Klein RZ. Maternal thyroid deficiency during pregnancy and subsequent neuropsychological development of the child. N Engl J Med. 1999; 341: 549-55. O HC apresenta incidência de 1:3000 a 4000 nascidos vivos no mundo33 American Academy of Pediatrics, Pediatric Endocrine Society. Congenital Hypothyroidism in Infants [Internet]. 2016 [acesso em 02 jul 2016]. Disponível em: https://www.healthychildren.org/English/health-issues/conditions/Glands-GrowthDisorders/Pages/Congenital-Hypothyroidism-Infants.aspx
https://www.healthychildren.org/English/...
e constitui a causa mais comum de retardo mental evitável.44 Setian NS. Hypothyroidism in children: diagnosis and treatment. J Pediatr. 2007; 83 (Suppl. 5): S209-16. No Brasil, a incidência do HC é de aproximadamente 1:2500 nascidos vivos.55 Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN): Hipotireoidismo congênito (HC) [Internet]. 2017 [acesso em 25 fev 2018]. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/programa-nacional-da-triagem-neonatal/hipotireoidismo-congenitohc
http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-pro...
No Estado da Bahia, onde o presente estudo foi realizado, essa incidência é de 1:4000 nascidos vivos.66 Almeida AM, Godinho TM, Teles MS, Rehem APP, Jalil HM, Fukuda TG, Araújo EP, Matos EC, Muritiba Júnior DC, Dias CPF, Pimentel HM, Fontes MIMM, Acosta AX. Avaliação do Programa de Triagem Neonatal na Bahia no ano de 2003. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2006; 6 (1): 85-91.

O tratamento deve ser feito o mais precocemente possível, idealmente antes de quatorze dias de vida utilizando a reposição hormonal com levotiroxina sódica (LT-4).77 Agrawal P, Philip R, Saran S, Gutch M, Razi MS, Agroiya P, Gupta K. Congenital Hypothyroidism. Indian J Endocrinol Metab. 2015; 19 (2): 221-7.

A adesão ao tratamento é fundamental para o sucesso terapêutico, uma vez que o HC é uma doença crônica que requer o uso contínuo da LT-4, sem intervalos ou interrupções e quando não corretamente tratado pode causar prejuízos motores, cognitivos e sensoriais.88 Gejão MG, Lamonica DAC. Habilidades do desenvolvimento em crianças com hipotireoidismo congênito: enfoque na comunicação. Pró-Fono R Atual Cient. 2008; 20 (1): 25-30.

A adesão ou aderência a um determinado tratamento ocorre quando um indivíduo faz uso de pelo menos 80% do medicamento ou segue os procedimentos prescritos, respeitando a duração, horários e doses indicadas.99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82.

Assim, questões sociais, culturais, financeiras e educacionaisinfluenciam no uso de medicamentos. Dentre as culturais, temos como principal, a crença na eficácia da terapêutica.1010 Kidd KE, Altman DG. Adherence in social context. Control Clin Trials. 2000; 21: 184S-7S. Aponta-se, ainda, a questão econômica como principal fator de não adesão a um tratamento, sendo que, quanto menor a quantidade de medicamentos prescrita e menor custo destes,melhor é a aderência.1111 Pessoa JHL, Balikjan P, Frittella S, Nascimento R, Ribeiro L. Não-adesão à prescrição após atendimento em pronto-socorro pediátrico. Rev Paul Pediatr.1996; 14 (2): 73-7.

As dificuldades em torno da adesão ao tratamento do HC tem sido um grande desafio entre os médicos, uma vez que consiste na principal causa de desregulação dos níveis séricos do hormônio tireoestimulante (TSH).88 Gejão MG, Lamonica DAC. Habilidades do desenvolvimento em crianças com hipotireoidismo congênito: enfoque na comunicação. Pró-Fono R Atual Cient. 2008; 20 (1): 25-30.

Acredita-se que a qualidade e adesão ao tratamento do HC, bem como seus benefícios a longo prazo, estejam associadas aos fatores socioeconômicas, sendo fatores como escolaridade, nível cultural e renda familiar os que mais influeciam no sucesso terapêutico.1212 Rovet J, Walker W, Bliss B, Buchanan L, Ehrlich R. Longterm sequelae of hearing impairment in congenital hypothyroidism. J Pediatr. 1996; 128 (6): 776-83. Porém, existem outros fatores que podem influenciar a adesão terapêutica, como a criação de vínculo entre paciente e terapeuta, linguagem utilizada, acolhimento e relação mútua de respeito,99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82. além de fatores relacionados à percepção e aceitação da doença, aos serviços de saúde, adversidades da vida,1313 Faé AB, Oliveira EA, Silva LT, Cadê NV, Mezadri VA. Facilitadores e dificultadores da adesão ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Enferm UERJ. 2006; 14 (1): 32-6. e efeitos colaterais do tratamento.99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82.,1414 Oigman W. Métodos de avaliação da adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Rev Bras Hipertens. 2006; 13 (1): 30-4.,1515 Cardoso GP, Angela A. As representações sociais da soropositividade e sua relação com a observância terapêutica. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 10: 151-62.

Especula-se que esses fatores relacionados ao seguimento hormonal podem apresentar intrínseca relação com a capacidade com que os pais/ cuidadores dessas crianças podem ter para perceber sinais e sintomas de comorbidades, muitas vezes não correlacionadas ao HC, a exemplo das alterações auditivas e do sistema vestibular.

Os HTs são fundamentais ao desenvolvimento normal do sistema auditivo e vestibular,1616 Fisher DA, Dussault JH, Foley JP, Klein AH, LaFranchi S, Larsen PR, Mitchell ML, Murphey WH, Walfish PG. Screening for congenital hypothyroidism: results of screening one million North American infants. J Pediatr. 1979; 94 (5): 700-5.,1717 Bagattoli RM, Vaisman M, Lima JS, Ward LS. Adesão ao tratamento do hipotireoidismo. Arq Bras Endocrinol Metab. 2000; 44 (6): 483-7. sendo sua deficiência, considerada um fator de risco para perda auditiva. É importante verificar a percepção dos sintomas vestibulococleares que podem indicar alterações desses sistemas pelos pais / cuidadores de crianças com HC, com a finalidade de auxiliar no diagnóstico precoce dessas alterações.

O presente estudo teve como objetivo verificar se existe associação entre fatores socioeconômicos e aderência ao tratamento no HC e como objetivo secundário, verificar se existe associação entre fatores socioeconômicos e sintomas vestibulococleares percebidos pelos pais/cuidadores de crianças com diagnóstico de CH, a fim de demonstrar a influência dessas variáveisno processo de detecção precoce de possíveis alterações ao sistema auditivo e vestibular nessa população.

Métodos

Estudo transversal, exploratório e descritivo, com amostra obtida por conveniência. A casuística foi composta por 108 crianças com diagnóstico clínico e laboratorial de HC, de ambos os sexos e idade ≥5 anos. Essas crianças estavam em acompanhamento em um Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN) no período de fevereiro a setembro de 2015.

Foram excluídos indivíduos com diagnóstico de alterações de orelha média e/ou externa; com fatores de risco para deficiência auditiva segundo os critérios descritos pelo Joint Committeeof Infant Hearing;1818 Joint Committe on Infant Hearing. Year 2007 Position Statement: Principles and Guidelines for Early Hearing Detection and Intervention Programs. Pediatrics. 2007; 120 (4): 898-921. portadores de déficits cognitivos ou quaisquer outros distúrbios metabólicos associados.

Para a coleta dos dados, realizou-se revisão dos prontuários médicos, a fim de se investigar a idade atual/tempo de tratamento do HC, número de consultas realizadas, bem como as características socioeconômicas dos indivíduos.

Foi realizada classificação econômica dos indivíduos com base no Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), cuja metodologia foi elaborada para estimar o poder de compra das famílias urbanas do país. Para cada bem possuído é dada uma pontuação e a soma dela define cada classe em A, B1, B2, C1, C2 e D-E.1919 ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critério Brasil 2015 e atualização de distribuição de classes para 2016. 2016: 1-6.

Em relação aos sintomas cócleo-vestibulares, os país/cuidadores das crianças foram consultados a fim de investigar a presença desses fatores na amostra estudada. Essas informações foram obtidas através da aplicação de um questionário estruturado,2020 Andrade CL, Machado GC, Fernandes LC, Braga H, Boa-Sorte N, Ramos HE, Alves C. Prevalência de sintomas otoneurológicos em indivíduos com hipotireoidismo congênito: estudo piloto. Cad Saúde Colet. 2017; 25 (2): 144-51. formado por questões fechadas e objetivas sobre a presença ou ausência de zumbido, hipoacusia e tontura/vertigem nas crianças com HC.

Os dados foram tabulados no software Excel para Windows 8 e analisados através do software computacional Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 20. Foi realizada análise descritiva através das medidas de média, desvio-padrão, valor mínimo e máximo e frequências absolutas e relativas. Aplicou-se o teste Qui-quadrado para verificar a existência de correlação entre as variáveis:fatores socioeconômicos (nível de escolaridade, profissão, renda e CCEB) e adesão ao tratamento com percepção dos sintomas cócleo-vestibulares, para um nível de significância de 5% (p≤0,05).

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos através do Parecer N° 534.704. Todos os sujeitos da pesquisa tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado por seus pais/ cuidadores e quando apropriado, assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Resultados

Participaram do estudo 108 crianças portadoras do HC, com maioria do sexo feminino (57,4%),média de idade de 7,9 anos e desvio padrão de 3,0 dias.

O perfil socioeconômico dos cuidadores das crianças com HC é descrito na Tabela 1, mostrando uma maior concentração de indivíduos com nível fundamental incompleto e trabalho informal. Em relação a renda e CCEB, mais da metade dos indivíduostinhamrenda entre > ¼ a ½ salário mínimo e >1 a 2 salários mínimos e classe econômica C, respectivamente.

Tabela 1
Perfil socioeconômico dos cuidadores.

Quanto à percepção do sintomas cócleo-vestibulares referida pelos pais/cuidadores das crianças portadoras de hipotireoidismo congênito, evidenciou-se que a maior percepção foi da tontura (30,6%), seguido de hipoacusia (13,9%) e zumbido (12%). Mas, houve mais falta de percepção dos sintomas cócleo-vestibulares do que percepção, já que 68,5% dos pais/cuidadores de crianças com HC referiram não perceber tontura, 81,5% não perceberam perda auditiva e 85,2% relataram não perceber zumbido.

As crianças portadoras de HC tiveram uma média de 13,6 consultas relizadas (desvio-padrão de 7,8 consultas) e média de tempo de tratamento de 7,9 anos (desvio-padrão de3,0 anos).

Verificou-seque não houve associação entre as variáveis adesão ao tratamento e características socioeconômicas (Tabela 2). Constatou-se, também, ausência de associação entre a os sintomas cócleo-vestibulares (tontura, zumbido e hipoacuia) e os fatores socioeconômicas (Tabela 3).

Tabela 2
Correlação entre as variáveis adesão ao tratamento e escolaridade, profissão, renda e critério de classificação econômica Brasil.
Tabela 3
Correlação entre as variáveis tontura, zumbido, hipoacusia e escolaridade, profissão, renda e critério de classificação econômica Brasil.

Discussão

Um dos focos desse trabalho foi verificar a existência de associação entre os fatores socioeconômicos e a adesão ao tratamento do HC, uma vez que essa última é fundamental para o sucesso terapêutico.99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82. Assim, demonstrou-se que a adesão ao tratamento se associou com o nível de escolaridade dos cuidadores. Fato que também foi evidenciado em outro estudo sobre adesão terapêutica no HC, que afirmou que, quanto mais baixo o nível de escolaridade, maiores as chances de abandono ao tratamento.2121 Martins MRI, Cesarino CB. Qualidade de vida de pessoas com doença renal crônica em tratamento hemodialítico. Rev Latino-Am Enfermagem. 2005; 13 (5): 670-6.

Independentemente do nível de escolaridade do doente/cuidador, a questão da educação em saúde se faz importante e deve ser de responsabilidade da equipe de saúde. Esse processo educativo deve ocorrer gradativa e continuamente, com uso de linguagem simples e adequada ao nível sócio-cultural dos indivíduos, respeitando suas características individuais.2222 Cazarini RP, Zanetti ML, Ribeiro KP, Pace AE, Foss MC. Adesão a um grupo educativo de pessoas portadoras de diabetes mellitus: porcentagem e causas. Medicina. 2002; 35:142-50. Esses fatores podem ser considerados decisórios para uma boa adesão, somados a relação de confiança estabelecida entre o paciente e os profissionais envolvidos em seu tratamento, as demonstrações de respeito e realização de acolhimento.99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82.

Uma melhor compreensão acerca da doença, a educação recebida e a crença na efetividade da terapêutica contribuem para uma melhor adesão ao tratamento.2323 Schectman JM, Elinsky EG, Pawlson LG. Effect of education and feedback on thyroid function testing strategies of primary care clinicians. Arch Intern Med. 1991; 151 (11): 2163-6. Assim, torna-se bastante importante que as informações acerca da patologia sejam passadas para os pacientes e seus cuidadores de forma esclarecedora no momento do diagnóstico,2424 Oliveira FPS, Ferreira EAP. Adesão ao tratamento do hipotireoidismo congênito segundo relato de cuidadores. Psicol Reflex Crit. 2010; 23 (1): 19-28. ainda mais em tratamentos a longo prazo como no caso do HC, que são considerados desafiadores quando relacionados à questão da adesão terapêutica.2323 Schectman JM, Elinsky EG, Pawlson LG. Effect of education and feedback on thyroid function testing strategies of primary care clinicians. Arch Intern Med. 1991; 151 (11): 2163-6.

Dessa forma, o Serviço de Referência em Triagem Neonatal (SRTN) realiza um trabalho voltado para esclarecimento das informações acerca do HC. Nesse serviço, os pacientes têm consultas regulares, além de receberem o atendimento médico adequado. Além disso, são acompanhados, na mesma consulta, por outros profissionais que fazem parte do Programa de Triagem Neonatal, como nutricionista, psicólogo, enfermeiro, assistente social, dentre outros, os quais além de prestarem atendimentos especializados, estão imbuídos com atividades de promoção da saúde, oferecendo, a cada consulta, orientações e aconselhamentos acerca da importância do correto seguimento hormonal para o sucesso terapêutico.

Assim, sugere-se que nesse estudo os riscos de uma baixa adesão ao tratamento relacionados a questões de má qualidade das informações prestadas aos cuidadores de crianças com HC, participantes dessa pesquisa, tenham sido minimizados.

Entretanto, não se pode negligenciar a importância da percepção e aceitação da enfermidade, adversidades da vida e questões relacionadas aos serviços de apoio como fatores fundamentais à adesão,1313 Faé AB, Oliveira EA, Silva LT, Cadê NV, Mezadri VA. Facilitadores e dificultadores da adesão ao tratamento da hipertensão arterial. Rev Enferm UERJ. 2006; 14 (1): 32-6. bem como a existência de efeitos colaterais de medicamentos.99 Leite SN, Vasconcelos MPC. Adesão à terapêutica medicamentosa: elementos para a discussão de conceitos e pressupostos adotados na literatura. Ciênc Saúde Coletiva. 2003; 8 (3): 775-82.,1414 Oigman W. Métodos de avaliação da adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Rev Bras Hipertens. 2006; 13 (1): 30-4.,1515 Cardoso GP, Angela A. As representações sociais da soropositividade e sua relação com a observância terapêutica. Ciênc Saúde Coletiva. 2004; 10: 151-62.

Por outro lado, alguns autores apontam que o principal fator de uma baixa adesão a um tratamento é o econômico-cultural,1717 Bagattoli RM, Vaisman M, Lima JS, Ward LS. Adesão ao tratamento do hipotireoidismo. Arq Bras Endocrinol Metab. 2000; 44 (6): 483-7. sendo que a questão econômica lidera a influência sobre a adesão terapêutica.1111 Pessoa JHL, Balikjan P, Frittella S, Nascimento R, Ribeiro L. Não-adesão à prescrição após atendimento em pronto-socorro pediátrico. Rev Paul Pediatr.1996; 14 (2): 73-7. Esses achados entram em contraste com o presente estudo, uma vez que não foi encontrada associação entre profissão, renda, classe econômica-social e adesão ao tratamento.

Além das questões de adesão ao tratamento de HC, o presente estudo constatou que os fatores socioeconômicos não se associaram com a percepção de sintomas cócleo-vestibulares. No entanto, a percepção dessas alterações pode estar associada com outros fatores relacionados ao tratamento, como adesão, seguimento hormonal, etiologia da doença e sua gravidade.2020 Andrade CL, Machado GC, Fernandes LC, Braga H, Boa-Sorte N, Ramos HE, Alves C. Prevalência de sintomas otoneurológicos em indivíduos com hipotireoidismo congênito: estudo piloto. Cad Saúde Colet. 2017; 25 (2): 144-51. Assim, nota-se que outras questões podem estar envolvidas na maior ou menor percepção dos sintomas cócleo-vestibulares que não as socioeconômicas.

Houve pouca percepção desses sintomas por parte dos cuidadores das crianças com HC. Dentre esses, a queixa mais relatada foi tontura. Os sintomas de tontura são comuns,2525 Formigoni LG. A avaliação vestibular na criança. In: Ganança MM. Vertigem tem cura? São Paulo: Lemos; 1998. p. 117-26. sendo 85% dos casos relacionados aos distúrbios do sistema vestibular,2626 Lourenço EA, Lopes KC, Pontes Jr A, Oliveira MH, Umemura A, Vargas AL. Distribuição dos achados otoneurológicos em pacientes com disfunção vestíbulo-coclear. Rev Bras Otorrinolaringol. 2005; 71 (3): 288-96. porém, tolerados pelas crianças, cujas queixas tornam-se evidentes quando são questionamentos contundentes e direcionados. Geralmente as crianças que apresentam essas disfunções têm como características a inquietude, em decorrência da necessidade de encontrar posições de conforto e segurança.2525 Formigoni LG. A avaliação vestibular na criança. In: Ganança MM. Vertigem tem cura? São Paulo: Lemos; 1998. p. 117-26.

Assim, seria difícil que sintomas tão característicos e evidentes passassem despercebidos pelos pais/cuidadores, independente do seu nível de instrução, o que também justificaria o fato de não haver associação entre os fatores socioeconômicos e tal sintomatologia. Outro fator que também auxiliaria nessa percepção, seria o fato do HC ser uma doença crônica, que requer cuidados e acompanhamento por toda vida, bem como pelo fato dessas crianças serem acompanhadas por um Programa de Saúde que têm demonstrado resultados positivos desde a sua implantação, fazendo com que os pais/cuidadores se tornem vigilantes assíduos da saúde global dos seus filhos.

Porém, é válido ressaltar que as disfunções vestibulares na infância têm potencial para afetar a habilidade de comunicação e o estado psicossocial, bem como o rendimento escolar,2727 Campos MI, Ganança FF, Caovilla HH, Ganança MM. Prevalência de sinais de disfunção vestibular em crianças com vertigem e/ou outros tipos de tontura. RBM-ORL. 1996; 3: 165-70. o que torna imprescindível a realização de exames vestibulares em crianças com sintomas vestibulares.2828 Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML, Ganança FF, Frazza MM. Vertigem paroxística benígna da infância. In: Silva ML, Munhoz MS, Ganança MM, Caovolla HH. Quadros clínicos otoneurológicos mais comuns. São Paulo: Atheneu; 2000. p.109-17.

Os sintomas relacionados à baixa acuidade auditiva relatada pelos cuidadores, observou-se frequência relativa (13,9 %) muito próxima ao dos valores de prevalência de perda auditiva em indivíduos com HC, que gira em torno de 20%.2828 Caovilla HH, Ganança MM, Munhoz MS, Silva ML, Ganança FF, Frazza MM. Vertigem paroxística benígna da infância. In: Silva ML, Munhoz MS, Ganança MM, Caovolla HH. Quadros clínicos otoneurológicos mais comuns. São Paulo: Atheneu; 2000. p.109-17. Mas, sabe-se que,a presença desse sintoma auditivo não signifique necessariamente a existência de perda auditiva. A presença da percepção da hipoacusia pode estar relacionada ao transtorno do processamento auditivo, assim como às alterações auditivas subclínicas.2020 Andrade CL, Machado GC, Fernandes LC, Braga H, Boa-Sorte N, Ramos HE, Alves C. Prevalência de sintomas otoneurológicos em indivíduos com hipotireoidismo congênito: estudo piloto. Cad Saúde Colet. 2017; 25 (2): 144-51.

Entretanto, na vigência de quaisquer sintomas relacionados à baixa acuidade auditiva faz-se necessário a realização de exames diagnósticos a fim de descartar alterações auditivas periféricas, bem como investigar disfunções no sistema auditivo central. A presença de perda auditiva na infância, mesmo que de grau leve, acarreta em atraso no desenvolvimento da linguagem e da fala, dificuldade de atenção, distúrbios comportamentais e problemas escolares.2929 Roslyn-Jensen AMA. Importância do diagnóstico precoce na deficiência auditiva. In: Ferreira LP. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 1996. p.297-309.,3030 Almeida K, Santos TMM. Seleção e adaptação de próteses auditivas em crianças. In: Almeida K, Iorio MCM. Próteses auditivas: fundamentos teóricos e aplicações clínicas. São Paulo: Lovise; 2003. p.357-80.

Diante do exposto, evidencia-se que diversos fatores podem estar associados à baixa adesão a um tratamento terapêutico e à percepção de queixas otoneurológicas. Dessa forma, questões não levantadas por esse estudo podem ser consideradas limitações, sendo necessário investigações mais detalhadas contemplando-as. Houve, ainda, limitação de achados na literatura que apontassem questões associadas à percepção de sintomas cócleo-vestibulares.

O presente estudo serve como instrumento para auxiliar os profissionais diretamente envolvidos no cuidado e promoção da saúde dos indivíduos com HC, apontando a necessidade de um olhar diferenciado para os aspectos relacionados à adesão terapêutica e aos sintomas cócleo-vestibulares que, conforme, achados faz-se presentes nesse público, podendo ocasionar diversos efeitos deletérios.

Desse modo, os achados sugerem que os fatores socioeconômicos não são decisivos para uma boa adesão ao tratamento. No entanto, quando os pacientes são devidamente orientados e acompanhados por um programa de saúde estruturado e comprometido com a sua função social, a exemplo do Programa de Triagem Neonatal, a adesão à terapêutica pode ser melhorada.

Ressalta-se, também, que a percepção dos sintomas cócleo-vestibulares não apresentaram associação com os fatores socioeconômicos dos pais/cuidadores, dada a peculiaridade intrínseca das disfunções que afetam esses sistemas, as quais apresentam sinais e sintomas bastante evidentes e característicos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2018
  • Revisado
    18 Mar 2019
  • Aceito
    24 Abr 2019
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