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Alimentação de crianças expostas ao HIV em um município do sul do Brasil: capacidade familiar, condição clínica e social

Resumo

Objetivos:

avaliar a associação entre os aspectos sociodemográficos e clínicos do cuidador e da criança, a capacidade familiar para preparar e administrar a alimentação láctea e complementar de crianças expostas ao HIV.

Métodos:

estudo transversal realizado com 72 cuidadores, entre fevereiro de 2016 a março de 2017, por meio de instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica do cuidador e Escala de Avaliação da Capacidade para Cuidar de Crianças Expostas ao HIV.

Resultados:

evidenciou-se alta capacidade para alimentar (76,6%), tanto para alimen-tação láctea (85,0%) quanto complementar (65%). Para a láctea, acessar a unidade básica em qualquer situação (p=0,003), ter outros filhos expostos ao HIV (p=0,013), manter o acompanhamento no serviço de saúde (p=0,048) e não consumir álcool (p=0,045) influen-ciou na maior probabilidade de o cuidador apresentar alta capacidade, enquanto que residir em zona periurbana (p=0,002) indicou capacidade moderada. Para a alimentação comple-mentar, quanto maior a escolaridade (p=0,025), o número de consultas da criança (p=0,045) e a criança estar em acompanhamento no serviço de saúde (p=0,035), maior a probabilidade de obter capacidade alta.

Conclusões:

a exposição dos fatores sociais e clínicos das cuidadoras influencia na capacidade para alimentar. Para garantir a alimentação adequada, é necessário que os serviços de saúde estejam aptos a considerar as características geo-sócio-culturais das famílias na elaboração das orientações.

Palavras-chave
HIV; Transmissão de doença infecciosa; Família; Nutrição do lactente

Abstract

Objectives:

to evaluate the association between the sociodemographic and clinical aspects of the caregiver and the child, the family’s ability to prepare and administer milk and complementary feeding of children exposed to HIV.

Methods:

cross-sectional study performed with 72 caregivers, in Brazil, through the tool of sociodemographic and clinical characterization of the caregiver and the Capability to Care for HIV-Exposed Children Assessment Scale.

Results:

there was a high capability to feed (76.6%), both for milk (85.0%) and comple-mentary (65%) feeding. For the milk feeding, accessing the health unit in any situation (p=0.003), having other child exposed to HIV (p=0.013), maintaining the follow-up in the health service (p=0.048) and not consuming alcohol (p=0.045) influenced on the higher probability of the caregiver to present high capability, while residing in the peri-urban area (p=0.002) indicated moderate capability. For the complementary feeding, the higher the schooling (p=0.025), the number of appointments scheduled for the child (p=0.045) and the child being followed up in the health service (p=0.035), the higher the probability of obtaining high capability.

Conclusions:

the exposure of social and clinical factors of caregivers influences the ability to feed. To ensure adequate nutrition, it is necessary for the health services to be able to consider the geo-socio-cultural characteristics of families in the elaboration of guidelines.

Key words
HIV; Infectious disease transmission; Family; Infant nutrition

Introdução

O Brasil é considerado referência mundial no controle da epidemia do HIV em razão da qualidade das políticas públicas e do acesso universal e gratuito à profilaxia e tratamento da infecção. Em se tratando da transmissão vertical (TV), quando aplicadas as medidas profiláticas, as taxas apontam para níveis inferiores a 2%.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico Aids e IST. Brasília; DF, 2017. Estas medidas consistem na realização de teste rápido para todas as gestantes, terapia antirretroviral (TARV) e acompanhamento especializado. Escolha da via de parto, profilaxia até o clampeamento do cordão umbilical e inibição da lactação, além de cuidados ao recém-nascido, com remoção das secreções maternas, início da TARV na sala de parto até 28 dias e uso de antibioticoterapia profilática para pneumonia até o quarto mês e fornecimento gratuito de fórmula láctea infantil.22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Crianças e Adolescentes. Brasília: DF; 2017.

A despeito das falhas no pré-natal,33 Kleinubing RE, Paula CC, Padoin SMM, Silva CB, Ferreira T, Cherubim DO. Care strategies for pregnant women living with HIV: integrative review. Cienc Enferm. 2016; 22 (2): 63-90. a taxa de detecção de aids em menores de 5 anos, indicador utilizado para monitorar a TV do HIV no Brasil, reduziu cerca de 42,7%, entre 2006 a 2015.11 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Boletim Epidemiológico Aids e IST. Brasília; DF, 2017. A prática do aleitamento materno responde por 30 a 50% dos casos de TV e reduz o impacto positivo das intervenções de prevenção realizadas na gestação e no parto. Então, crianças alimentadas exclusivamente com fórmula láctea apresentam menor risco de adquirir HIV após o parto.44 Hoffmann IC, Santos WM, Silva CB, Paula CC, Padoin SMM, Barros SMO. Risk factors that interfere on vertical transmission of HIV: integrative review. Enf Obstr. 2014; 1 (1):31-39. Entretanto, quando este alimento não é preparado de maneira adequada, ou seja, com diluição correta em água fervida e filtrada, e com higiene de utensílios e mãos, o risco de haver um aumento da morbimortalidade por doenças infecciosas é factual.55 Laar AS, Govender V. Individual and Community Perspectives, Attitudes, and Practices to Mother-to-Child-Transmission and Infant Feeding among HIV-Positive Mothers in Sub-Saharan Africa: A Systematic Literature Review. Int J MCH AIDS. 2013; 2 (1): 153-62. Em vista disso, em locais desprovidos de recursos, onde as condições sanitárias são precárias e o acesso à fórmula láctea é restrito pelo alto custo, como no caso da África, há predomínio de aleitamento materno exclusivo.66 Beste S, Essajee S, Siberry G, Hannaford A, Dara J, Sugandhi N, et al. Optimal Antiretroviral Prophylaxis in Infants at High Risk of Acquiring HIV: A Systematic Review. Pediatr Infect Dis J. 2018; 37 (2): 169-175.

Enquanto o aleitamento materno traz a temeridade de transmitir o HIV, não amamentar pode ocasionar riscos significativos para a saúde da criança, como o aumento da morbidade e mortalidade infantil, incluindo a desnutrição. De modo a possibilitar o crescimento, amadurecimento das funções corpóreas e prevenção dos distúrbios nutricionais, a alimentação de crianças não amamentadas deve fornecer os substratos necessários, além de ser acessível, aceitável, viável, segura e sustentável.77 Cunha AJLA, Leite AJM, Almeida IS. The pediatrician's role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr. 2015; 91 (Suppl. 1): 44-51.,88 WHO (World Health Organizaton). Guidelines on HIV and infant feeding: principles and recommendations for infant feeding in the context of HIV and summary of evidence. Geneva; 2010. Para tanto, é imperativo considerar as condições sociais, financeiras e ambientais que refletem nas práticas alimentares das crianças.77 Cunha AJLA, Leite AJM, Almeida IS. The pediatrician's role in the first thousand days of the child: the pursuit of healthy nutrition and development. J Pediatr. 2015; 91 (Suppl. 1): 44-51.

As crianças dependem de um cuidador para atingir um crescimento e desenvolvimento adequado.99 Young S, Wheeler, AC, Mccoy SI, Weiser SD. A review of the role of food insecurity in adherence to care and treat-ment among adult and pediatric populations living with HIV and AIDS. AIDS Behav. 2014; 18 (Suppl. 5): 505-15. Na exposição o HIV, esse cuidado é realizado, principalmente, pela mãe infectada ou demais membros do agregado familiar, sendo necessário considerar as diferentes configurações de família na atenção à saúde.1010 Galvão MTG, Cunha GH, Lima ICV. Women who bear chil-dren exposed to human immunodeficiency virus: social representations of motherhood. Rev Eletr Enf. 2014; 16 (4): 804-11. O profissional precisa proporcionar-lhes informações que aperfeiçoem as habilidades do cuidado no ambiente domiciliar, minimizando as dificuldades.1111 Frota MA, Ramos RP, Mourão SJG, Vasconcelos VM, Martins MC, Araújo MAL. Care of child with HIV: carer's perception. Acta Scient Health Sci. 2012; 34 (1): 39-45.

Reconhecidamente, as deficiências nutricionais aumentam o risco de infecção pelo HIV e, consequentemente, acentuam os desfechos clínicos desfavoráveis. Suas principais consequências são a supressão incompleta do RNA viral, redução de linfócitos CD4 ao longo do tempo, a perda de massa corporal, a diminuição da qualidade de vida, o aumento das infecções oportunistas, das hospitalizações e da mortalidade. Nas famílias com pelo menos um adulto com HIV, essas consequências perpetuam os efeitos da pobreza e exclusão social, prejudicando a geração de renda, capaz de afetar a capacidade dos cuidadores em aderir às recomendações para segurança alimentar.99 Young S, Wheeler, AC, Mccoy SI, Weiser SD. A review of the role of food insecurity in adherence to care and treat-ment among adult and pediatric populations living with HIV and AIDS. AIDS Behav. 2014; 18 (Suppl. 5): 505-15.

Com isso, há a necessidade de investigações que abordem a temática de alimentação para crianças expostas ao HIV que não devem receber aleitamento materno. O objetivo desse artigo foi avaliar se os aspectos sociodemográficos e clínicos do cuidador e da criança estão associados à capacidade familiar para preparar e administrar a alimentação láctea e complementar às crianças expostas ao HIV.

Métodos

Estudo transversal, desenvolvido de fevereiro de 2016 a março de 2017, em um município localizado na região centro-oeste do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil. O cenário da pesquisa foi o serviço especializado do Hospital Universitário de Santa Maria (HUSM), considerado como referência regional para o atendimento de pessoas infectadas pelo HIV. Esse hospital é um órgão integrador da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e tem ações voltadas ao ensino, pesquisa e assistência à saúde.

A amostra foi definida por conveniência e compreendeu 72 crianças expostas ao HIV, com idades entre zero e 18 meses, nascidas entre agosto de 2014 e dezembro de 2016, e seus principais cuidadores familiares. Foram incluídas todas as crianças que acessaram o serviço de saúde durante o período da coleta de dados. O critério de exclusão foi: crianças com perda de seguimento. O acesso às informações do binômio ocorreu nos dias de consulta no ambulatório de doenças infecciosas, pediátrico ou adulto, do serviço de referência e/ou por contato telefônico. Para a coleta de dados, foi utilizado um instrumento de caracterização sociodemográfica e clínica do cuidador para a caracterização clínica e alimentar da criança, além da Escala de Avaliação de Capacidade para o Cuidado de Crianças Expostas ao HIV.1212 Barroso LMM, Freitas JG, Galvão MTG. Scale for assessment of ability to care for children exposed to HIV. Rev Enferm UFPE online. 2013; 7 (1): 722-30. Essa escala foi construída e validada no Brasil,1212 Barroso LMM, Freitas JG, Galvão MTG. Scale for assessment of ability to care for children exposed to HIV. Rev Enferm UFPE online. 2013; 7 (1): 722-30.,1313 Brandão MN, Souza ES, Brito RJV, Cavalcanti MMSG, Brandão MFR, Cavalvante MC. Challenges in preventing vertical HIV transmission in Petrolina, Pernambuco and Juazeiro, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (3):325-36. e é recomendada para acessar as informações sobre os cuidados prestados às crianças expostas ao HIV.

A escala avalia os cuidados de saúde voltados para crianças nascidas expostas ao HIV e é composta por cinco dimensões e 52 perguntas. Neste artigo, as dimensões II (capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea) e III (alimentação complementar), compostas por 17 e 22 questões, respectivamente, totalizam as 39 questões utilizadas neste estudo. As opções de respostas para essas perguntas são: nunca, raramente, às vezes, frequentemente ou sempre. Os níveis de capacidade para cuidar são caracterizados como baixo (dimensão II: escore entre 17 a 40 e dimensão III: escore entre 22 e 51), moderado (dimensão II: escore entre 41 a 64 e dimensão III: escore entre 52 a 81) e alto (dimensão II: pontuação entre 65 a 88 e dimensão III: pontu-ação entre 82 a 110) e para a capacidade alimentar global (soma das dimensões II e III), como baixo (pontuação entre 39 a 91), moderado (pontuação entre 92 e 145) e alto (pontuação entre 146 e 198).

Para a análise, o banco de dados foi digitado e organizado no software EXCEL, e exportado para o software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 13.0. As variáveis foram descritas por distribuições absolutas e relativas. Para verificar a associação entre as características do cuidador, da criança e do tipo de aleitamento (fórmula infantil e / ou leite de vaca) com a capacidade para alimentar, utilizou-se o teste quiquadrado de Pearson e o teste de Fischer, considerando um nível de significância de p<0,05.

Para investigar a existência de associação entre as variáveis independentes e a capacidade para alimentar, foi utilizado um modelo de regressão de Poisson com variância robusta. Uma análise bivariada foi realizada para avaliar as possíveis associações entre as variáveis sociodemográficas e clínicas (variáveis independentes) e capacidade para alimentar (variável dependente). Nesse procedimento, a probabilidade inferior a 5% foi considerada como um nível estatístico significativo para a seleção no modelo de regressão múltipla de Poisson. No entanto, nenhuma das variáveis apresentou associação estatisticamente significativa com p˂0,20 na análise de regressão múltipla.

Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria.

Resultados

A população de cuidadores é caracterizada por mulheres (97,2%), com idades entre 28 e 37 anos (50%), vivendo em união estável (75%), com nível educacional médio (50%), que se encontram desempregadas (65,3%) e tem renda familiar entre 1 a 2 salários mínimos (44,4%). Quanto às características demográficas, a maioria delas mora na cidade de Santa Maria (77,8%), em áreas urbanas (83,3%) e tem entre 2 e 4 filhos (56,9%). Quanto à caracterização clínica, prevaleceram as mães infectadas pelo HIV (95,8%), que adquiriram o vírus por transmissão sexual (56,9%), que foram diagnosticadas entre 1 e 5 anos (41,7%), em tratamento (87,5%) e que não apresentaram problemas de saúde (84,7%).

A caracterização do tipo de alimentação láctea indica a predominância do uso de fórmulas infantis em 58,3% (n = 42), seguido pelo leite de vaca em 37,5% (n = 27). A frequência adequada de administração da alimentação foi de 63,9% (n = 46) para a láctea e 31,6% (n = 19) para a complementar. Dentre as crianças que ainda não estavam recebendo alimentação complementar, duas (16,7%) tinham mais de seis meses. Entre aqueles que receberam leite humano (8,3%), três foram expostos em uma ocasião, ao aleitamento cruzado por uma familiar de condição sorológica desconhecida, e os demais foram expostos em uma ocasião ao leite da própria mãe (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização da alimentação oferecida a crianças verticalmente expostas ao HIV, em um município do interior do sul do Brasil, 2017.

A avaliação da capacidade global para alimentar foi realizada apenas para cuidadores de crianças recebendo alimentação complementar ao leite (n=60), com prevalência de alta capacidade (76,6%). Em relação à alimentação com láctea, 97,2% (n= 70) dos cuidadores afirmaram que sempre reconstituíram a fórmula de acordo com as recomendações dos profissionais de saúde. A administração da fórmula no período de até duas horas após o preparo, foi sempre realizada por 50% (n = 36) dos cuidadores. Ao sair de casa, 65,3% (n = 47) sempre ofereceram água fervida, filtrada ou mineral à criança e 80,5% (n = 58) adotaram esse cuidado para reconstituir a fórmula / leite de vaca somente no momento do consumo. Ainda 79,6% (n = 57) dos cuidadores afirmaram que higienizaram as mãos para preparar a alimentação láctea.

Quanto ao preparo dos alimentos complementares, 13,2% dos cuidadores sempre utilizavam o liquidificador, 85% higienizavam as mãos antes do preparo e 23,2% higienizavam frutas e verduras com hipoclorito de sódio. Ainda, 15% afirmaram que os alimentos deixados no prato ou copo foram oferecidos novamente à criança, 13,2% acrescentaram açúcar aos alimentos complementares e 10% ofereceram alimentos ultraprocessados (Tabela 2).

Tabela 2
Aspectos relacionados ao preparo da alimentação láctea (n = 72) e alimentação complementar para crianças (n = 60) verticalmente expostas ao HIV. Santa Maria, 2017.

A avaliação da capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea foi significativamente associada às características sociais do cuidador, sendo que aqueles que residiam em áreas rurais (p = 0,002) e aqueles que não consumiam álcool (p = 0,045) apresentaram alta capacidade. A alta capacidade para preparar e administrar a alimentação complementar foi significativamente associada maior renda familiar (p = 0,028). E quando comparados aos demais, os cuidadores que referiram não ter renda apresentaram capacidade moderada (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição das variáveis sociodemográficas do cuidador e níveis de capacidade para preparar e administrar fórmula infantil e alimentação complementar. Santa Maria, 2017.

Em relação às variáveis do cuidado, ter outros filhos expostos ao HIV foi estatisticamente significativo (p = 0,013) para a alta capacidade de preparo e administração da alimentação láctea (Tabela 4). A manutenção do acompanhamento de saúde da criança apresentou significância estatística (p=0,035) para a alta capacidade de alimentação complementar. Enquanto acessar o serviço de saúde mais próximo da residência em qualquer situação (p= 0,003) apresentou significância estatística para as duas dimensões.

Tabela 4
Distribuição das variáveis clínicas do cuidador, do cuidado à criança exposta e nível de capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea e a complementar. Santa Maria, 2017 (n = 72).

A análise da regressão logística foi realizada para verificar a associação entre as variáveis clínicas e sociais com a variável dependente. As variáveis associadas à capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea foram submetidas à regressão bruta e ajustada e os respectivos intervalos de confiança de 95% foram estimados (Tabela 5). Para a alimentação complementar, esses valores não apresentaram significância estatística.

Tabela 5
Prevalência e razões brutas ajustadas às variáveis associadas à capacidade de preparar e administrar a alimentação láctea. Santa Maria, 2017 (n = 72).

Discussão

Os fatores sociais (zona geográfica de residência, escolaridade, renda e consumo de álcool) e os fatores clínicos (manutenção do acompanhamento em saúde e ter outros filhos expostos ao HIV) dos cuidadores influenciam a capacidade para alimentar a criança exposta ao HIV. Quanto às variáveis clínicas, o acesso à unidade básica em qualquer situação e a manutenção do acompanhamento da criança no serviço de saúde influenciaram positivamente o nível de capacidade para alimentar.

A capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea foi alta para 85% (n = 61) e moderada para 15% (n = 11) dos cuidadores. Quanto à dimensão III, a alimentação complementar, foi alta para 65% (n = 39), moderada para 33,4% (n = 20) e baixa para 1,6% (n = 1).

Observamos que há uma diminuição no escore de capacidade entre as dimensões, indicando a necessidade de investimento em promoção e apoio à alimentação adequada de crianças não amamentadas, com continuidade das orientações que possibilitem às famílias o conhecimento necessário para administrar uma alimentação complementar em tempo, quantidade e qualidade oportunos. Semelhante à avaliação da capacidade realizada no nordeste do Brasil, com escores altos para preparar e administrar a alimentação láctea (86%) e moderada para a alimentação complementar (44,4%).1313 Brandão MN, Souza ES, Brito RJV, Cavalcanti MMSG, Brandão MFR, Cavalvante MC. Challenges in preventing vertical HIV transmission in Petrolina, Pernambuco and Juazeiro, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (3):325-36. Em outro período, confirmaram-se que a capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea era maior quando comparada (alta para 86%) à complementar (moderada para 45,7% e alta para 48,5%).1414 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: Aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed, nº 23. Brasília: DF; 2015.

A ocorrência de aleitamento materno e aleitamento cruzado revela a dificuldade encontrada pelos cuidadores em compreender as recomendações para a profilaxia da TV. Ainda assim, na Região Nordeste do Brasil, as mães com menor escolaridade apresentaram maior adesão à recomendação de não amamentar (80,8%).1515 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Manual normativo de maternidades da IAHC referência para mulheres HIV positivo e outras que não podem amamentar. Brasília: DF; 2005.

Em situações em que a amamentação pode causar danos à saúde de uma criança, como no caso de mães infectadas pelo HIV, essa prática é contraindicada. Por essa razão, é fundamental que os substitutos do leite materno sejam ofertados de maneira saudável e segura para promover o crescimento adequado das crianças.88 WHO (World Health Organizaton). Guidelines on HIV and infant feeding: principles and recommendations for infant feeding in the context of HIV and summary of evidence. Geneva; 2010. No Brasil, o fornecimento integral e gratuito de fórmula láctea para substituição do leite materno é garantido por lei federal, pelo menos até o sexto mês de vida.22 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Manejo da Infecção pelo HIV em Crianças e Adolescentes. Brasília: DF; 2017.,1616 Freitas JG, Barroso LMM, Galvão MTG. Maternal ability to take care of children exposed to HIV. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013; 21 (4): 1-9.

No município pesquisado, a garantia do fornecimento da fórmula láctea é mantida além do período de seis meses, subsidiado pela Secretaria Municipal de Saúde, até a criança atingir 12 meses de idade. Reconhecemos que essa articulação intersetorial para a continuidade do fornecimento da fórmula láctea é um aspecto social que influencia positivamente a capacidade da família de alimentar as crianças expostas ao HIV.

A reconstituição da fórmula láctea deve ser adequada às necessidades nutricionais da criança, considerando que, quando diluída em excesso, predispõe à desnutrição e, quando muito concentrada, pode causar desidratação. A frequência e o volume de oferta desse alimento devem atender às necessidades fisiológicas, e durante o preparo as condições de higiene devem garantir a ausência de contaminação dos alimentos. Assim, durante o monitoramento de crianças nos serviços de saúde, é necessário prover o cuidador familiar de orientações que favoreçam práticas alimentares adequadas.66 Beste S, Essajee S, Siberry G, Hannaford A, Dara J, Sugandhi N, et al. Optimal Antiretroviral Prophylaxis in Infants at High Risk of Acquiring HIV: A Systematic Review. Pediatr Infect Dis J. 2018; 37 (2): 169-175. Esses cuidadores frequentemente demonstram dificuldades quanto ao preparo e a frequência adequada de oferta da alimentação láctea e complementar às crianças.1414 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: Aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed, nº 23. Brasília: DF; 2015. Um estudo realizado no sul do Brasil questionou as mães sobre a forma de preparo da fórmula láctea, indicando que apenas 31,8% delas receberam orientações acerca da diluição adequada e frequência de oferta durante a alta da maternidade, e a maioria delas recebeu essas orientações no serviço especializado para HIV (53,9%) e na atenção primária à saúde (4,3%).55 Laar AS, Govender V. Individual and Community Perspectives, Attitudes, and Practices to Mother-to-Child-Transmission and Infant Feeding among HIV-Positive Mothers in Sub-Saharan Africa: A Systematic Literature Review. Int J MCH AIDS. 2013; 2 (1): 153-62. Nessa avaliação, as práticas de alimentação foram inadequadas para 31,3% das mães avaliadas, as quais adicionavam açúcares e farinhas espessantes (19,5%) e mucilagens (água de arroz ou aveia) (18,1%) à alimentação dos lactentes.55 Laar AS, Govender V. Individual and Community Perspectives, Attitudes, and Practices to Mother-to-Child-Transmission and Infant Feeding among HIV-Positive Mothers in Sub-Saharan Africa: A Systematic Literature Review. Int J MCH AIDS. 2013; 2 (1): 153-62.

Devido à falta de padronização das orientações nos serviços, a dificuldade de compreensão dos cuidadores desencadeou práticas inadequadas de cuidado a essas crianças, principalmente no que se refere à administração de medicamentos e à alimentação láctea ou complementar. Recomenda-se que as particularidades das famílias sejam consideradas para garantir a eficácia da prevenção da TV.1414 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: Aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed, nº 23. Brasília: DF; 2015.,1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Feeding of children exposed to the Human Immunodeficiency Virus at birth. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):617-25.

Os cuidadores (65,3%) realizaram a introdução da alimentação complementar de acordo com a orientação dos profissionais. Cinco deles relataram que não receberam orientações e, por essa razão, iniciaram a alimentação complementar precocemente. Essa introdução precoce de alimentos não traz benefícios à saúde da criança e aumenta o risco de infecções, diarreia e desnutrição.66 Beste S, Essajee S, Siberry G, Hannaford A, Dara J, Sugandhi N, et al. Optimal Antiretroviral Prophylaxis in Infants at High Risk of Acquiring HIV: A Systematic Review. Pediatr Infect Dis J. 2018; 37 (2): 169-175. Dentre as crianças que não estavam recebendo a alimentação complementar (16,7%), duas estavam com mais de seis meses de idade. A introdução tardia resulta em deficiência de nutrientes e pode acarretar em a anemia, diabetes, obesidade, hipertensão e outros distúrbios nutricionais.1818 Alvarenga WA, Galvão MTG, Nascimento LC, Beretta IR, Dupas G. Weakened social network: the experience of care-givers of the HIV-exposed infant. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):775-83.

Reconhecemos que a orientação realizada pelos profissionais de saúde é outro aspecto social que influencia positivamente a capacidade da família de alimentar crianças expostas ao HIV. A orientação pode ser considerada um fator protetor para a segurança alimentar e nutricional e, consequentemente, evitar as morbidades resultantes.

Os cuidadores relatam que oferecem as refeições de acordo com a faixa etária e frequência orientada pelos profissionais de saúde, tanto para a alimentação láctea (79,2%) quanto para a alimentação complementar (56,9%). No entanto, quando a frequência de oferta referida pelos cuidadores foi comparada à recomendação ministerial,1818 Alvarenga WA, Galvão MTG, Nascimento LC, Beretta IR, Dupas G. Weakened social network: the experience of care-givers of the HIV-exposed infant. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):775-83. 63,9% (n=46) das crianças estava recebendo a frequência adequada de alimentação láctea e 31,6% (n = 19) estavam recebendo a frequência adequada de alimentação complementar. A frequência inadequada de alimentação láctea ocorreu principalmente devido ao excesso, o que pode indicar a diluição incorreta da fórmula infantil ou do leite de vaca. Resultados semelhantes mostraram a introdução tardia de alimentos para 15,5% das crianças na região nordeste do Brasil, e entre as crianças que receberam alimentos complementares, 55% apresentaram ingestão inadequada de alimentos.1414 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: Aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed, nº 23. Brasília: DF; 2015.

Em um estudo realizado na Tanzânia, a introdução de alimentos foi realizada entre o terceiro e o quinto mês, e o principal alimento oferecido às crianças foi o mingau de leite. A oferta da alimentação da família foi iniciada por volta do sexto mês. Além disso, os alimentos mais consumidos pelas crianças desse estudo foram o leite de vaca com adição de açúcar ou água, leite em pó e suco industrializado.1919 Young SL, Israel-Ballard A, Dantzer EA, Ngonyani MM, Nyambo MT, Ash DM, Chantry CJ. Infant feeding practices among HIV-positive women in Dar es Salaam, Tanzania, indicate a need for more intensive infant feeding coun-selling. Public Health Nutr. 2010; 13 (12): 2027-33. A adição de açúcar (41,4%) e a oferta de alimentos ultraprocessados (refrigerantes, balas e salgadinhos) (58,4%) discordaram da recomendação ministerial de alimentação para crianças menores de dois anos.1818 Alvarenga WA, Galvão MTG, Nascimento LC, Beretta IR, Dupas G. Weakened social network: the experience of care-givers of the HIV-exposed infant. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):775-83. Para a maioria das crianças, os alimentos consistiam em frutas, bebidas lácteas, sucos processados, mingau, pão, biscoitos e sopa (legumes, tubérculos, cereais e caldo de carne).1919 Young SL, Israel-Ballard A, Dantzer EA, Ngonyani MM, Nyambo MT, Ash DM, Chantry CJ. Infant feeding practices among HIV-positive women in Dar es Salaam, Tanzania, indicate a need for more intensive infant feeding coun-selling. Public Health Nutr. 2010; 13 (12): 2027-33. Em estudo realizado no Estado do Piauí, também na Região Nordeste do Brasil, foi observada uma prática semelhante, cujos principais alimentos oferecidos às crianças consistiam em mingau, comida caseira para bebê ou industrializada, frutas, biscoitos, salgadinhos, macarrão instantâneo e arroz.2020 Araújo NL, Lima LHO, Oliveira EAR, Carvalho ES, Duailibe FT, Formiga LMF. Infant feeding and factors related to breastfeeding. Rev Rene online. 2013; 14 (6): 1064-72.

Reconhecemos que a oferta precoce de alimentos não recomendados, como os industrializados e ricos em açúcar, pode ser influenciada pelos hábitos alimentares da família. E por esse motivo, são necessárias ações de educação alimentar e nutricional para promover alimentação adequada e saudável, tanto para as crianças expostas ao HIV, quanto para suas famílias.

A falta de higiene das mãos antes do preparo dos alimentos (14,8%), o inadequado cuidado higiênico-sanitário dos alimentos (73,6%) e a oferta de sobras das refeições às crianças (23,2%) são práticas insatisfatórias e que reforçam a falta de acesso desses cuidadores às recomendações de saúde.

Enfatizamos que, durante a fase de introdução dos alimentos, é fundamental a atenção às práticas de higiene e cuidados durante o preparo e armazenamento dos alimentos. Essas práticas, quando inadequadas, podem contribuir para a contaminação microbiológica dos alimentos e a ocorrência de infecções transmitidas por alimentos (DTA). O risco de uma criança adquirir DTA é aumentado pela imaturidade de seu sistema imunológico, e pode ser agravado pela condição de exposição ao HIV, ampliando os danos à saúde. Por essa razão, destaca-se o papel do profissional nutricionista em transmitir conhecimentos sobre as práticas de cuidado com a higiene alimentar, orientar os cuidadores e promover alimentação infantil saudável.1818 Alvarenga WA, Galvão MTG, Nascimento LC, Beretta IR, Dupas G. Weakened social network: the experience of care-givers of the HIV-exposed infant. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):775-83.

A alta capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea dos cuidadores que residem em áreas rurais pode estar relacionada à menor exposição à promoção de alimentos ultra processados, inclusive pela mídia, bem como à maior oferta de alimentos frescos em casa e na escola. Estudo divergente realizado em uma área rural da África do Sul apontou a ocorrência de práticas inadequadas de alimentação láctea, destacando a diluição incorreta das fórmulas e a introdução precoce de alimentação complementar, apesar da presença de um programa continuado de educação em saúde na região.2121 Faber M, Benadé AJS. Breast-feeding, complementary feeding and nutritional status of 6-12-month-old infants in rural KwaZulu-Natal. South African J Clin Nutr. 2007; 20 (1):16-4.

Além disso, o fato de os cuidadores não consumirem álcool foi associado à alta capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea. O consumo de álcool interfere na qualidade de vida e está relacionado à baixa adesão à TARV, bem como piora do quadro clínico. A variável “sexo” mostra que mulheres com problemas de consumo de álcool são propensas à menor adesão quando comparadas aos homens.2222 Rego SRM, Rego DMS. Association between the usage of alcohol by HIV patients and the adherence to the antiretro-viral drug treatment: a literature review. J Bras Psiquiatr. 2010;59(1):70-3. Considerando que na maioria das vezes os cuidadores de crianças expostas são as mulheres, destaca-se que essa exposição ao consumo de álcool e diminuição da adesão à TARV aumenta o risco de doença e diminui a capacidade para alimentar as crianças nos primeiros meses de vida. Mesmo em situações de doença do cuidador principal, a família se mantém como a base do bem-estar da criança.2626 Richter LM, Sherr L, Adato M, Belsey M, Chandan U, Desmond C, Drimie S, Haour-Knipe M, Hosegood V, Kimou J, Madhavan S, Mathambo V, Wakhweya A. Strengthening families to support children affected by HIV and AIDS. AIDS Care. 2009; 21 (Suppl. 1): 3-12.

No estudo em tela, uma renda familiar mais alta está associada à maior capacidade para preparar e administrar a alimentação complementar. Em estudo realizado em uma cidade do estado do Paraná, que avaliou o custo mensal de alimentação por domicílio, relacionou um gasto médio de R$ 400,00 com a insegurança alimentar de 73,1% das famílias.2323 Monteiro F, Schmidt ST, Costa IB, Almeida CCB, Matuda NS. Bolsa Família: food and nutrition insecurity of children under five years of age. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 9 (5): 1347-57. Esses dados corroboram com os resultados encontrados em um estudo populacional brasileiro, que indica a relação entre baixa renda familiar e estado nutricional inadequado de crianças menores de cinco anos.2424 Silveira JAC, Colugnati FAB, Poblacion AP, Taddei JAAC. Association between socioeconomic and biological factors and infant weight gain: Brazilian Demographic and Health Survey - PNDS-2006/07. J Pediatr. 2015; 91 (3): 284-91.

Indicamos que a influência positiva de maior renda familiar para alimentação complementar pode estar relacionada ao acesso a alimentos diversificados, como frutas, verduras, carne e ovos, em oposição ao consumo alimentar de famílias com menor poder aquisitivo, as quais priorizam alimentos processados e com vida útil mais longa para atender às necessidades da família por um maior período de tempo.

A alimentação complementar não apresentou significância estatística com a escolaridade do cuidador. No entanto, aqueles cuidadores com níveis mais altos de educação tendem a apresentar alta capacidade para alimentar. Em Fortaleza, 32,2% das mães que possuíam menos de cinco anos de estudo, apresentaram capacidade moderada para a alimentação láctea.1313 Brandão MN, Souza ES, Brito RJV, Cavalcanti MMSG, Brandão MFR, Cavalvante MC. Challenges in preventing vertical HIV transmission in Petrolina, Pernambuco and Juazeiro, Bahia. Rev Bras Saúde Matern Infant. 2016; 16 (3):325-36.,1414 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da Criança: Aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed, nº 23. Brasília: DF; 2015. A compreensão da informação aumenta a adequação dos cuidados e diminui a ocorrência de desnutrição.2525 Hasan MT, Magalhaes RJS, Williams GM, Mamun AA. The role of maternal education in the 15-year trajectory of malnutrition in children under 5 years of age in Bangladesh. Matern Child Nutr. 2016; 12 (4): 929-39.

Os cuidadores conhecem as unidades básicas de saúde de sua região (88,9%), mas nem todos as acessam para o cuidado à saúde das crianças (65,3%). Entre os motivos, estão a preferência pelo serviço de referência para tratamento do HIV (12,5%), a distância entre a residência e a unidade de saúde (6,9%), não gostar do atendimento nesses serviços (5,6%) e a indisponibilidade de médico pediatra (5,2%).

É possível inferir que essa preferência se deve ao sentimento de familiaridade com o serviço especializado em HIV, desde o momento do nascimento até a definição de seu diagnóstico, pela confiança nos profissionais da clínica de infectologia, confiança na manutenção do sigilo de seu diagnóstico, além da facilidade de encontrar no mesmo local a distribuição de medicamentos e de fórmula infantil.

Em muitos casos, os cuidadores reconhecem os serviços de saúde como a principal fonte de apoio, seja instrumental, emocional ou informativo, devido à confiança nos profissionais e à possibilidade de interagir com as outras pessoas vivendo a mesma situação.1717 Freitas JG, Cunha GH, Lemos LA, Barroso LMM, Galvão MTG. Feeding of children exposed to the Human Immunodeficiency Virus at birth. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):617-25. O apoio dos profissionais possibilita a motivação e o desenvolvimento de habilidades que impactam positivamente as práticas de alimentação infantil.2727 Tuthill EL, Butler LM, Pellowski JA, McGrath JM, Cusson RM, Gable RK, et al. Exclusive breast-feeding promotion among HIV-infected women in South Africa: an Information-Motivation-Behavioural Skills model-based pilot intervention. Public Health Nutr. 2017; 20 (8): 1481-90. O atendimento à criança exposta ao HIV no serviço especializado deve compreender aspectos específicos da condição clínica e cabe ao serviço de atenção primária contemplar a promoção da saúde e outras demandas habituais da infância.2828 Silva GAP, Costa KAO, Giugliani ERJ. Infant feeding: beyond the nutritional aspects. J Pediatr. 2016; 92 (Supl. 1): 2-7.

No entanto, os cuidadores sentem-se inseguros devido à necessidade de revelar seu diagnóstico aos profissionais, e, portanto, preferem não comparecer aos serviços de saúde próximos à sua residência.2929 Alvarenga WA, Dupas G. Experience of taking care of chil-dren exposed to HIV: a trajectory of expectations. Rev Latino-Am Enfermagem online. 2014; 22 (5): 848-56. Há evidências de que a família e o serviço especializado são as principais redes sociais do cuidador, entretanto, esse apoio ainda está aquém do necessário.3030 Silva MR, Alvarenga WA, Dupas G. Caregiver experience in preventive treatment for children exposed to Human Immunodeficiency Virus. Rev Rene. 2014; 15 (5): 743-52.

Nesse sentido, reconhecemos que o serviço especializado, onde foi realizada esta pesquisa, fornece as diretrizes que influenciam positivamente a saúde e a nutrição das crianças expostas ao HIV, uma vez que conta com uma equipe multiprofissional para atender a população, e recebe ações de extensão universitária, além de ser campo de ação para o ensino de profissionais de saúde.

Portanto, o profissional de saúde deve reconhecer as características geosócio-culturais das famílias, a fim de adaptar a maneira como as diretrizes serão aplicadas à alimentação adequada e saudável. Sugerem-se ações de educação permanente, mantendo a atualização dos profissionais que atuam nos serviços de saúde, utilizando principalmente manuais ministeriais e evidências científicas.

Este estudo evidenciou uma alta capacidade global para a alimentação, que permaneceu para alimentação láctea e diminuiu para a alimentação complementar. Esses resultados apontam a necessidade de continuidade das orientações e o papel fundamental do profissional de saúde como promotor da alimentação infantil adequada. Indicamos a necessidade de padronização de orientações para promover o desenvolvimento infantil, evitando desnutrição, doenças oportunistas e outras deficiências nutricionais, além de qualificar os cuidados de saúde e aproximar a pesquisa da prática clínica.

Como limitações deste estudo, reconhecemos que a escala utilizada avalia o cuidado percebido pelo familiar e que a aplicação desse instrumento no serviço de saúde não permite a observação de práticas realizadas em casa, e pode superestimar a capacidade para preparar e administrar a alimentação láctea e complementar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    16 Out 2018
  • Revisado
    30 Jul 2019
  • Aceito
    01 Ago 2019
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