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Maior duração do aleitamento materno exclusivo reduz retenção de peso materno: resultados do estudo CLaB

Resumo

Objetivos:

avaliar a relação entre aleitamento materno e retenção de peso pós-parto.

Métodos.

estudo de coorte prospectiva com 641 recém-nascidos/mães acompanhados até doze meses pós-parto. Os dados foram coletados de junho/2015 a fevereiro/2017; na primeira entrevista, investigou-se dados socioeconômicos, demográficos, história obstétrica, peso e idade gestacional do lactente ao nascer. Pesos maternos e situação de aleitamento dos lactentes foram obtidos aos 3, 6, 9 e 12 meses pós-parto, em domicílio. Realizou-se análise descritiva da retenção de peso materno segundo situação de aleitamento nesses períodos. Modelos de regressão linear múltiplos avaliaram o efeito da duração do aleitamento materno exclusivo e aleitamento materno sobre retenção de peso materno aos 6 e 12 meses pós-parto, considerando confundidores.

Resultados:

seis e doze meses pós-parto foram avaliadas 512 e 490 mães, com retenção ponderal média de 1,79 (DP=5,52) e 1,69 (DP=6,69) quilos, respectivamente. Independentemente de confundidores, cada dia a mais de aleitamento materno exclusivo reduziu, em média, 11 (IC95%= -0,019; -0,003) e 16 (IC95%= -0,026; -0,007) gramas a retenção de peso nos dois períodos. A duração do aleitamento materno total teve efeito semelhante.

Conclusões:

maior duração do aleitamento materno exclusivo e aleitamento materno associam-se com menor retenção de peso pós-parto.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Lactente; Cuidado pré-natal; Peso corporal; Epidemiologia

Abstract

Objectives:

to evaluate the relation between breastfeeding and postpartum weight reten-tion.

Methods:

this prospective cohort study involved 641 newborns and their mothers, followed up to twelve months postpartum. Data were collected from June 2015 to February 2017. In the first interview, we investigated data regarding socioeconomic and demographic characteristics, obstetric history, weight, and gestational age of the infant at birth. Maternal weight and breastfeeding status were obtained at 3, 6, 9 and 12 months postpartum at the mother’s home. A descriptive analysis of maternal weight retention according to the lactation status was performed. Multiple linear regression models evaluated the effect on exclusive breastfeeding and total breastfeeding duration on maternal weight retention at 6 and 12 months postpartum, considering potential confounders.

Results:

512 and 490 mothers were evaluated at six months and at twelve months post-partum, and the mean weight retention was 1.79 (SD=5.52) and 1.69 (SD=6.69) kg, respectively. Regardless of the confounders, the mean postpartum weight reduction for each day of exclusive breastfeeding was 11 (CI95%= -0.019 to -0.003) and 16 grams (CI95%= -0.026 to -0.007) for 6 and 12 months, respectively. The total maternal breastfeeding duration had the same effect.

Conclusions:

longer periods of exclusive breastfeeding and total breastfeeding are associated with lower postpartum weight retention.

Key words:
Maternal Breastfeeding; Infant; Prenatal care; Body weight; Epidemiology

Introdução

Em países ricos e pobres, mulheres em idade fértil ou aquelas que tiveram uma gestação têm apresentado aumento da adiposidade, de modo que a relação entre obesidade e a vida reprodutiva da mulher passou a ser um tema prioritário para pesquisadores e gestores de saúde pública.11 Poston L, Caleyachetty R, Cnattingius S, Corvalán C, Uauy R, Herring S, Gillman MW. Preconceptional and maternal obesity: epidemiology and health consequences. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016; 1025: 36. Em um contexto obesogênico, como o que vigora em grande parte do mundo2 e também no Brasil,33 Maziero CCS, Jaime PC, Duran AC. A influência dos locais de refeição e de aquisição de alimentos no consumo de frutas e hortaliças por adultos no município de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2017; 611-23. a gestação passou a ser vista como um potencial fator de risco para obesidade44 Ferreira RAB, Benicio, MHDA. Obesidade em mulheres brasileiras: associação com paridade e nível socioe-conômico. Rev. Panam Salud Publica. 2015; 4: 337-42. e doenças crônico-degenerativas em mulheres e para seus filhos, na vida adulta.55 Kwon E J, Kim YJ. What is fetal programming? A lifetime health is under the control of in utero health. Obstet Gynecol. 2017.60: 506-19.

Os eventos nutricionais relacionados à repro-dução que aumentam o risco de obesidade na mulher são o ganho de peso gestacional excessivo e a retenção de peso no pós-parto,66 Kac G, Benicio MHD, Melendez GV, Valente JG, Struchiner CJ. Breastfeeding and postpartum weight retention in a cohort of Brazilian women. AmJ Clin Nutr. 2004;79: 487-93. sendo esse último o foco do presente estudo. Retenção de peso é a diferença positiva entre o peso materno em algum período de tempo após o parto e seu peso pré-gestacional. Seus efeitos negativos têm sido identificados, como o fato de mulheres eutróficas que se tornam sobrepesadas ou obesas após uma gestação terem mais chances de complicações na gestação subsequente.11 Poston L, Caleyachetty R, Cnattingius S, Corvalán C, Uauy R, Herring S, Gillman MW. Preconceptional and maternal obesity: epidemiology and health consequences. Lancet Diabetes Endocrinol. 2016; 1025: 36. Mesmo um aumento relativamente pequeno de uma a duas unidades no Índice de Massa Corporal (IMC) após a gestação, aumenta as chances de diabetes gestacional e doença hipertensiva da gestação subsequente, inclusive em mulheres sem sobrepeso ou obesidade.77 Villamor E, Cnattingius S. Interpregnancy weight change and risk of adverse pregnancy outcomes: a population based study. Lancet.2006; 368 (9542):1164-702006. Assim, compreender a magnitude da retenção de peso pós-parto e seus determinantes em uma população é conhecimento relevante e necessário para a definição de ações de saúde dirigidas à prevenção da obesidade feminina e de complicações gestacionais.

Sabe-se que a retenção de peso no pós-parto é influenciada por uma complexa rede de interrelações, que inclui desde fatores socioeconômicos e de estilo de vida, paridade, ganho de peso gestacional e estado nutricional da mulher no início da gestação.88 Rebelo F, Castro MBT, Dutra CL, Schlussel MM, Kac G. Fatores associados à retenção de peso pós-parto em uma coorte de mulheres, 2005-2007. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2010;10 (2): 219-27.

9 Lacerda MEA, Leal MC. Fatores associados com a retenção e o ganho de peso pós-parto: uma revisão sistemática. Rev Bras Epidemiol. 2004;7: 187-200.

10 Forte CC, Bernardij R, Goldani MZB. Relação entre a retenção de peso nos primeiros três meses pós-parto com ganho de peso e ingestão alimentar durante a gestação. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2015;15 (3): 279-87.
-1111 Tussing-Humphreys LM, Thomson JL, Hemphill NO, Goodman MH, Landry AS. Maternal weight in the postpartum: results from the Delta Healthy Sprouts trial. Mater Health Neonatol Perinatol. 2017;3:20-31.

O efeito da duração e intensidade da amamentação sobre a retenção de peso pós-parto ainda é controverso, embora plausível, com base na fisiologia da gestação e da lactação. As evidências produzidas até o momento apresentaram resultados contraditórios, impedindo uma conclusão sobre esse tema, como mostrou uma revisão sistemática que incluiu 28 estudos, sendo a maior parte estudos americanos.99 Lacerda MEA, Leal MC. Fatores associados com a retenção e o ganho de peso pós-parto: uma revisão sistemática. Rev Bras Epidemiol. 2004;7: 187-200. Estudos posteriores não lograram resolver a questão, indicando que, possivelmente, os efeitos podem ser diferentes conforme o contexto. Por exemplo, não foi observada associação significativa entre retenção de peso nos primeiros três meses pós-parto e aleitamento materno exclusivo, em Porto Alegre, sul do Brasil.1010 Forte CC, Bernardij R, Goldani MZB. Relação entre a retenção de peso nos primeiros três meses pós-parto com ganho de peso e ingestão alimentar durante a gestação. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2015;15 (3): 279-87. Ao contrário, também em cidade do sul brasileiro, detectou-se associação inversa entre retenção de peso e duração do aleitamento materno exclusivo.1212 Zanotti J, Capp E, Wender MCO. Factors associated with post-partum weight retention in a Brazilian cohort. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015; 37: 164-71.

Em outro estudo de coorte, brasileiro, realizado em São Luís do Maranhão, no nordeste brasileiro, a duração do aleitamento materno apresentou efeito direto negativo sobre retenção de peso pós-parto, porém de baixa magnitude. Após ajustes para confundidores, o aumento de um desvio padrão da duração do aleitamento materno correspondeu à diminuição de 0,10 desvio padrão da retenção de peso pós-parto.1313 Chagas, DC, Silva AAM, Ribeiro CC, Batista RFL, Britto e Alves MTSS. Efeitos do ganho de peso gestacional e do aleitamento materno na retenção de peso pós-parto em mulheres da coorte BRISA Cad Saúde Pública. 2017; 33: e00007916.

Em âmbito internacional resultados divergentes também foram reportados. Em um estudo americano realizado com 441 mulheres no pós-parto, aos seis semanas e doze meses, demonstrou-se que mães que praticaram aleitamento artificial perderam mais peso do que as que amamentaram até seis semanas após o parto e aos doze meses, o tipo de aleitamento não afetou a perda de peso.1414 Potter S, Hannum S, Mcfarlin B, Essex-sorlie, D, Campbell E, Trupin S. Does infant feeding method influence maternal post-partum weight loss? J Am Diet Assoc.1991; 91: 441-6. Já na Austrália foram acompanhadas da gravidez até doze meses pós-parto 2231 mulheres, sendo observado que amamentar por três meses ou mais reduziu a chance de retenção ponderal no quintil mais elevado (OR=0,673 (IC=0,471-0,961).1515 Shu-Kay NG, Cameron CM, Hills AP, McClure RJ, Scuffham PA. Socioeconomic disparities in pre-pregnancy BMI and impact on maternal and neonatal outcomes and postpartum weight retention: the EFHL longitudinal birth cohort study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014; 14:314-29.

Tanto nos estudos brasileiros quanto nos estudos em outros países as análises foram ajustadas para possíveis confundidores. Em todos, foram considerados o ganho de peso gestacional, IMC pré-gestacional, além da paridade e de variáveis socio-econômicas. Em dois estudos,1010 Forte CC, Bernardij R, Goldani MZB. Relação entre a retenção de peso nos primeiros três meses pós-parto com ganho de peso e ingestão alimentar durante a gestação. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2015;15 (3): 279-87.,1313 Chagas, DC, Silva AAM, Ribeiro CC, Batista RFL, Britto e Alves MTSS. Efeitos do ganho de peso gestacional e do aleitamento materno na retenção de peso pós-parto em mulheres da coorte BRISA Cad Saúde Pública. 2017; 33: e00007916. também foram feitos ajustes para a ingestão calórica, uma vez que a situação de aleitamento pode influir sobre a retenção de peso materno justamente por afetar tanto o consumo quanto o gasto calórico da mãe. Além dos resultados divergentes e do ajuste do efeito por variáveis diferentes, há risco de viés de memória em alguns estudos prévios pela coleta de dados sobre a duração do aleitamento ter sido realizada após longo período de sua interrupção, o que justifica a realização de novos estudos, em especial estudos prospectivos com coleta de dados frequente e informações sobre muitos dos potenciais fatores de confusão, como o apresentado nesse artigo.

O objetivo desse estudo foi examinar arelação entre duração do aleitamento materno e retenção de peso pós-parto a partir dos dados de uma coorte de mães e seus filhos, avaliados ao longo do primeiro ano de vida. A hipótese testada foi que, quanto maior o tempo de aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses e quanto maior o tempo de aleitamento materno totalno primeiro ano de vida, menor a retenção de peso materno aos seis e aos doze meses pós-parto.

Métodos

Os dados são provenientes do estudo Coorte de Lactentes de Botucatu (CLaB), realizado em 2015/2017, cujo objetivo geral foi conhecer a situação de saúde de lactentes e seus determinantes no primeiro ano de vida no município de Botucatu (SP, Brasil). O estudo original é uma coorte prospectiva, de base populacional, sendo os participantes as mães seus recém-nascidos vivos no período de 29 de junho de 2015 a 11 de janeiro de 2016.

Todas as mães/recém-nascidos que preencheram os critérios de inclusão - recém-nascido com até 30 dias de idade e residente no município e cuja mãe tinha condições de responder a entrevistas presenciais e telefônicas, foram convidados a participar. As mães que concordaram assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (Comitê de Ética da Faculdade de Medicina de Botucatu - CAAE: 67214217.5.0000.5411).

Botucatu é uma cidade do interior paulista na região Sudeste do Brasil, com população estimada de 141.032 habitantes em 2017, taxa de natalidade de 12,8 por mil habitantes e de mortalidade infantil de 12,7 por mil nascidos vivos.1616 SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).[acesso em 01 de março de 2019] Brasília: SEADE; 2015. Disponível em: http://www.seade.gov.br/.
http://www.seade.gov.br/...
Em relação aos serviços de atenção materno-infantil, a cidade conta com dois hospitais (um público e um privado/atendimento a convênios) onde há leitos maternidade, uma rede de 20 unidades públicas de atenção primária à saúde e diversos consultórios privados, além dois prontos-socorros, um público e o outro privado. Há ainda um Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) onde atuam médicos, nutricionistas, psicólogos e educadores físicos, entre outros profissionais de saúde que realizam apoio e ações interprofissionais e intersetorias em conjunto com a rede de unidades básicas.1717 Prefeitura municipal de Botucatu, 2012 [acesso em 25 de junho de 2019]. Disponível em: http://www.botucatu.sp.gov.br
http://www.botucatu.sp.gov.br...

O município conta ainda com uma unidade de saúde chamada Clínica do Bebê (CB), um serviço público de atenção neonatal, programática, que proporciona a todos recém-nascidos no município, tanto aos nascidos na maternidade pública como na privada, um primeiro atendimento com pediatra e enfermeira pediátrica e a realização dos testes de triagem neonatal obrigatórios no Brasil. O agenda-mento para essa primeira consulta e exames é realizado nas maternidades, antes da alta hospitalar dos binômios mãe/filho e ocorre até a segunda semana de vida do lactente.1717 Prefeitura municipal de Botucatu, 2012 [acesso em 25 de junho de 2019]. Disponível em: http://www.botucatu.sp.gov.br
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Como a CB apresenta alta taxa de cobertura populacional, próxima a 90%,17 foi eleita como o local de recrutamento das mães e lactentes para formar a coorte do estudo CLaB. No período destinado à captação dos participantes da coorte, houve 1.055 nascimentos registrados no município de Botucatu e passaram por atendimento na Clínica do Bebê 923 binômios mãe/filho. Os critérios de inclusão no estudo CLaB foram: ser recém-nascido com menos de 30 dias, residente no município e cuja mãe tivesse condições de responder a entrevistas presenciais e telefônicas, sendo inseridos na coorte 656 lactentes e 650 mães. Para as análises do presente estudo foram excluídos os lactentes gemelares (n=12) e suas mães (n=6), lactente com defeito congênito da cavidade oral (1), mãe com sorologia positiva para o HIV (1) e mãe mastectomizada (1), condições que dificultam ou contraindicam a amamentação. Assim, a coorte analisada no presente estudo foi composta, no momento inicial ou linha de base, por 641 pares mãe/recém-nascidos.

A coleta de dados ocorreu no período de 27 de julho de 2015 a 02 de fevereiro de 2017. No presente estudo foram utilizados dados coletados nos seguintes momentos: antes da primeira consulta clínica do recém-nascido, na CB; aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade dos lactentes, em domicílio.

Na CB foram coletadas informações socio-econômicas e demográficas das mães, história obstétrica, tipo de parto, peso e idade gestacional ao nascer. Também foi obtido o peso materno pré-gestacional por consulta ao cartão de acompanhamento pré-natal e medida a altura materna, para posterior cálculo do IMC pré-gestacional. Aos 3, 6, 9 e 12 meses de idade do lactente foram realizadas entrevistas com as mães, em domicílio, quando foi aplicado um questionário sobre a alimentação do lactente e medidos peso e altura do lactente e o peso materno.

O peso das mães foi aferido em medida única, em cada momento,por entrevistadoras treinadas em antropometria. Utilizou-se balança digital de plataforma marca Bioland modelo EB-9010 plus, capacidade de 150 Kg, graduação de 100 gramas, sendo as mães pesadas vestindo roupas leves e descalças, seguindo-se as recomendações para tomada de medidas antropométricas brasileiras.1818 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Orientações para coleta e análise de dados antropométricos em serviços de saúde: Normas Técnica do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - SISVAN Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Brasília, DF; 2011. 76:il. Aos seis e doze meses pós-partotambém foram avaliadas práticas alimentares maternas e relativas a realização de atividades físicas.

A retenção de peso em cada período de tempo pós-parto foi calculada pela subtração do peso materno medido do peso pré-gestacional. Esse cálculo foi realizado com os dados de peso materno obtidos aos 3,6, 9 e 12 meses. Na ausência da informação do peso pré-gestacional, ou no caso de sua inconsistência (diferença maior de 2kg entre o peso referido como o pré-gestacional e o primeiro peso aferido em consulta de pré-natal realizada no primeiro trimestre gestacional,1919 Kac G, Velásquez-Meléndez G. Ganho de peso gestacional e macrossomia em uma coorte de mães e filhos. J Pediatr. (Rio J). 2005; 47-53.,2020 Nucci LB, Schmidt MI, Duncan BB, Fuchs SC, Fleck ET, Santos MMB. Nutritional status of pregnant women: prevalence and associated pregnancy outcomes. Rev Saúde Pública. 2001; 35: 502-7. foi utilizado como peso inicial o primeiro peso materno aferido no pré-natal, desde que obtido antes de catorze semanas de idade gestacional. Esses dados foram utilizados para descrever a evolução da retenção ponderal materna no primeiro ano pós-parto e comparar os valores médios segundo situação de aleitamento do lactente.

Para investigar a influência da duração do aleitamento materno exclusivo (AME) e aleitamento materno total (AM) foram tomados como desfechos apenas retenção de peso aos 6 e aos 12 meses de idade. Essa opção levou em conta que seis meses é o período indicado de aleitamento materno exclusivo e que, no caso desse estudo, doze meses foi a idade de finalização do acompanhamento da coorte.

A duração do AME (dias) e do AM (dias) foram os fatores de exposição testados. AME foi considerado quando o lactente recebia exclusivamente leite materno, direto da mama ou ordenhado, ou leite humano de banco de leite, sem qualquer outro líquido ou alimento sólido, podendo receber gotas ou xaropes contendo vitaminas, minerais, medicamentos. AM foi considerado quando a criança recebia leite materno, independentemente de receber ou não outros líquidos, como chá, água, sucos, fórmulas, leite de vaca ou alimentos sólidos de qualquer tipo.2121 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Brasília, DF; 2009.

Assim, a duração do AME foi definida como a idade da criança, em dias, quando da introdução do primeiro alimento diferente do leite materno e a duração do AM como a idade da criança, em dias, quando da cessação completa da amamentação.

Para definição da situação de aleitamento do lactente, em cada entrevista questionou-se se o bebê estava em aleitamento materno (sim, não) e a introdução (sim ou não) na dieta infantil de uma lista com 48 itens alimentares, lista essa construída pelos pesquisadores com base em recomendações do Ministério da Saúde brasileiro22 e em inquérito alimentar com lactentes realizado no município.23 Entre os alimentos indagados estão: leite não materno (fórmula, leite de vaca líquido ou em pó e outros leites), água/chás/sucos naturais/sucos artificiais/outras bebidas (sim ou não para cada um) e alimentos sólidos como frutas, cereais, farinhas, legumes, leguminosas, carnes, verduras, entre outros (sim, não para cada um), de modo que a situação da criança em relação ao AME e ao AM em cada momento pudesse ser definida. Além disso, quando a resposta materna foi afirmativa, foi questionada a idade do lactente por ocasião da introdução em sua dieta de cada alimento diferente do leite materno, bem como a idade na cessação do aleitamento, caso houvesse acontecido.

Para caracterizar a coorte e identificar e potenciais fatores de confusão da associação entre aleitamento materno e retenção de peso materno, foram investigadas diversas co-variáveis: idade materna no parto (em anos e categorizada em ≤ 19, 20-34 e ≥ 35 anos); paridade (primípara, multípara); tipo de parto (cesárea, parto vaginal); estado nutricional pré-gestacional (eutrofia, baixo peso, sobrepeso, obesidade), avaliado a partir do IMC pré-gestacional; adequação do ganho de peso gestacional (em Kg, sendo obtido pela diferença entre o peso pré-gestacional e o peso medido na última consulta de pré-natal e categorizado em adequado, insuficiente e excessivo, de acordo com o Institute of Medicine,2424 Institute of Medicine and National Research Council (US) Committee to Reexamine IOM Pregnancy Weight Guidelines; Rasmussen KM,Yaktine AL, editors. Weight gain during pregnancy: reexamining the guidelines. Washington: National Academy Press; 2009. que leva em conta a idade gestacional; escolaridade materna em anos completos e categorizada(≤ 8, 9-11, ≥12 anos); cor da pele auto referida (categorizada em branca, parda, negra e outra e posteriormente dicotomizada em branca, não branca); trabalho materno fora de casa (sim ou não); mãe vive com companheiro (sim, não); mãe realiza atividade física regularmentenos três meses anteriores à entrevista, variável aferida aos seis e aos doze meses pós-parto com a pergunta: “nos últimos três meses, você realizou regularmente algum exercício ou praticou algum esporte em seu tempo livre (sim, não)”. Também foi investigado se a gestação foi planejada (sim, não), supondo-se que essa variável poderia interferir no tempo de aleitamento, como demonstra um artigo de revisão25 e, eventualmente, também na retenção ponderal via alimentação, prática de atividade física ou outros fatores comportamentais.

Considerando que alimentação e atividade física podem influenciar a retenção de peso materno, para ajustar as análises por esses fatores, caso necessário, foi criada uma variável indicadora da qualidade da alimentação materna, o escore de alimentação saudável, avaliado aos seis e doze meses pós-parto (EAS-6 e EAS-12, respectivamente). Esse escore foi construído somando-se pontos dados à frequência semanal de consumo de frutas, hortaliças e feijão. Quanto maior a soma, possivelmente mais adequada a alimentação materna, sendo a variação de zero a três pontos (mais saudável = 3). Um escore indicador de alimentação não saudável também foi construído, somando-se os pontos dados à frequência de consumo de: refrigerantes, doces e substituição de comida por lanche. Quanto maior a soma, possivelmente, menos saudável a alimentação materna, sendo a variação de zero a três pontos (menos saudável = 3).2626 Figueiredo, ICR, Jaime PC, Monteiro CA. Fatores associados ao consumo de frutas, legumes e verduras em adultos da cidade de São Paulo. Rev. Saúde Pública 2008; 42 (5): 777-85.

Valores médios e estatísticas descritivas da retenção de peso pós-parto para a coorte de mães e segundo situação de aleitamento materno do lactente (AME e AM) em diferentes idades foram calculados e comparados, aos 3 (AM3 e AME3), 6 (AM6 e AME), 9 (AM9 e AME9) e 12 (AM12) meses pós-parto, utilizando-se para isso o Teste t de Student adotando-se p<0,05 como nível de significância estatística.

Como já indicado, apenas a retenção de peso aos seis e aos doze meses pós-parto foram tomadas como desfechos na investigação do efeito da duração do AME e do AM. Quando analisado o efeito da duração do AME e AM sobre a retenção de peso materno aos seis meses pós-parto, o tempo máximo de ambos foi considerado 180 dias; no caso da retenção aos 12 meses, o tempo máximo de AM e AME foi 12 meses ou 366 dias.

A associação entre duração do aleitamento exclusivo e aleitamento materno com retenção de peso materno aos seis e aos doze meses pós-parto foi avaliada mediante modelos de regressão linear, ajustados para os potenciais confundidores identificados, considerando-se para tal relações identificadas em análises brutas ou univariadas que apresentaram significância estatística em nível de p 0,10. Nas análises ajustadas, relações foram consideradas significativas se p<0,05. Destaca-se que foram utilizados os coeficientes (b) não-padronizados dos modelos de regressão para avaliar a magnitude dos efeitos. As análises foram realizadas com o software IBM SPSS software, v20.

A normalidade dos resíduos, nos 4 modelos múltiplos realizados, foi avaliada pelo teste de Shapiro Wilk, mas não foi confirmada; já a homocedasticidade foi avaliada plotando-se os resíduos versus preditores e foi confirmada. Apesar da ausência de normalidade dos resíduos, houve homocedasticidade das variâncias, contribuindo assim com a qualidade do processo de estimação e teste de significância dos parâmetros dos modelos ajustados. As alternativas existentes na literatura estatística para contornar a ausência da normalidade dos resíduos não trariam ganhos para a interpretação epidemiológica dos resultados.

Resultados

A coorte iniciou com 641 binômios e houve perdas ao longo do tempo de seguimento devidas à não localização da mãe, à recusa materna em continuar participando do estudo e dados de peso materno ausentes ou inconsistentes. Aos 3 meses pós-parto, obteve-se dados válidos de retenção de peso para 510 mães, 485 aos 6, 498 aos 9 e 507 aos 12 meses pós-parto. Detalhes das perdas e seus motivos estão na Figura 1, na qual pode-se notar que valores inconsistentes do peso materno (pré-gestacional ou peso aferido) ao longo do primeiro ano pós-parto foram os principais motivos para as perdas. Comparando-se os binômios que permaneceram no estudo até seis e doze meses com as perdas, quanto às características socioeconômicas e demográficas das mães, não houve diferenças significativas (dados não mostrados em Tabela).

Figura 1
Fluxograma da coorte segundo tempo de seguimento. Botucatu, SP. Estudo CLaB, 2015/2017.

As características das mães (n=641)e dos lactentes na linha de base são apresentadas na Tabela 1. Nota-se predomínio de mães adultas (≥19 anos), com nove anos ou mais de escolaridade (82,9%) e de cor branca (62,1%); a grande maioria (87,8%) vivia com companheiro. Cerca de metade (49,1%) eram primíparas, 52,4% foram submetidas a operação cesariana para ter o filho e 52,4% não planejaram a gestação.Um quinto das mães apresentaram obesidade pré-gestacional (20,3%) e 43,9% ganho de peso excessivo na gestação. A estatura média foi de 1,62m (DP 0,07 m), a mínima 1,45m e a máxima 1,83m. Os recém-nascidos nasceram a termo (94,1%), com peso adequado (93,8% ≥ 2500 g).

Tabela 1
Características sociodemográficas, gestacionais, nutricionais e comportamentais das mães e dos lactentes ao nascimento (N= 641) na linha de base e variáveis comportamentais maternas aos 6 e 12 meses pós-parto. Estudo CLaB. Botucatu, 2015-2017.

A qualidade da alimentação materna e a frequência de mães que realizavam atividades físicas regularmente teve evolução negativa: o escore de alimentação saudável médio foi 1,77 (DP 0,67) e o escore de alimentação não saudável 1,22 (0,56) aos seis meses pós-parto; aos doze meses, a média do escore saudável caiu para 0,59 (DP 0,37) e do escore não saudável aumentou para 1,17 (DP 0,61). Quanto à realização de atividades físicas, aos seis meses pós-parto, 87,7 % das mulheres afirmaram não terem praticado regularmente exercício ou esporte no último trimestre, valor que passou para 91,4% aos doze meses (Tabela 1).

A média de retenção de peso materno foi de 1,69 Kg, 1,79 Kg, 1,75Kg e 1,69 Kg, respectivamente aos 3, 6, 9 e 12 meses pós-parto, com valores medianos de 1,80 Kg; 1,80 Kg; 1,50 Kg e 1,20 Kg. Houve ampla variação na retenção ponderal e cerca de um quarto das mães apresentou retenção igual ou acima de 5 Kg nesses períodos pós-parto (dados não mostrados em tabela).

Na Tabela 2 apresentam-se as médias, respectivos desvios-padrão e intervalos de confiança 95% da retenção de peso materno segundo situação de aleitamento materno dos lactentes em diferentes idades: aos 3, 6, 9 e 12 meses. Notam-se valores médios menores nas mães de lactentes em aleitamento materno, em todos as idades avaliadas.

Tabela 2
Retenção de peso materno (Kg) pós-parto segundo situação de aleitamento materno do lactente em diferentes idades. Estudo CLaB, Botucatu, 2015-2017.

Contudo, as diferenças só foram estatisticamente significantes quando os lactentes estavam em AME aos três meses e em AM aos seis meses para a retenção de peso média aos 6 e 12 meses pós-parto. Nota-se também que as médias não mudaram expressivamente após 3 meses pós-parto e que a variabilidade foi grande em todos os momentos avaliados.

Os resultados das análises brutas que investigaram associação entre duração do AME e AM e co-variáveis com os desfechos são apresentados na Tabela 3. A duração do AME e do AM associou-se negativamente com retenção de peso materno 6 meses após o parto. Foram identificados como potenciais fatores de confusão (p 0,10) para essa associação: adequação do ganho ponderal gestacional (p<0,001), IMC pré-gestacional (p<0,001), gestação planejada (p=0,105) e paridade (p=0,091). No caso da retenção ponderal 12 meses pós-parto, foram selecionados como possíveis fatores confundidores: gestação planejada (p=0,042), adequação do ganho de peso gestacional (p=0,009), IMC pré-gestacional (p=0,011), trabalho remunerado fora de casa (p=0,083) e tipo de parto (p=0,071). Essas variáveis foram inseridas nos modelos múltiplos.

Tabela 3
Resultados das análises de regressão linear brutas que avaliaram associação entre variáveis de exposição e co-variáveis com retenção de peso materno 6 e 12 meses pós-parto. Estudo CLaB, Botucatu, 2015-2017.

De acordo com os resultados dos modelos de regressão múltiplos, ajustados pelos confundidores identificados pelas análises brutas, o tempo de AME influiu sobre a retenção de peso materno, sendo o efeito médio de -11g e -16g a cada dia a mais de AME, considerando-se a retenção de peso materno aos 6 e aos 12 meses pós-parto, respectivamente.

Cada dia a mais de manutenção do lactente em aleitamento materno total (considerando-se 180 dias no máximo) reduziu em média 12 gramas a retenção de peso materno aos seis meses pós-parto. O efeito da duração do aleitamento materno total (considerando-se o máximo de 366 dias) sobre a retenção de peso aos 12 meses após o parto foi menor: redução média de 5 gramas a cada dia de aleitamento materno (Tabela 4).

Tabela 4
Resultados dos modelos de regressão linear múltiplos entre duração de aleitamento materno exclusivo (AME) e total (AM) e retenção de peso pós-parto aos seis e aos doze meses pós-parto. Estudo CLaB, Botucatu, 2015-2017.

Discussão

No presente estudo foi examinada a associação entre aleitamento materno e retenção de peso pós-parto, questão ainda inconclusiva na literatura. Os resultados indicaram que mães que amamentaram exclusivamente por mais tempo tiveram menor retenção de peso seis e doze meses após o parto. Quando analisado o tempo total de aleitamento materno (complementado ou não), também houve influência negativa sobre retenção ponderal aos seis e aos doze meses pós-parto, embora de menor magnitude. Esses resultados apoiam a inclusão da menor retenção de peso pós-parto no rol de benefícios do aleitamento materno para a saúde materno-infantil e se alinham a estudos anteriores que já haviam detectado esse efeito.1212 Zanotti J, Capp E, Wender MCO. Factors associated with post-partum weight retention in a Brazilian cohort. Rev Bras Ginecol Obstet. 2015; 37: 164-71.,1313 Chagas, DC, Silva AAM, Ribeiro CC, Batista RFL, Britto e Alves MTSS. Efeitos do ganho de peso gestacional e do aleitamento materno na retenção de peso pós-parto em mulheres da coorte BRISA Cad Saúde Pública. 2017; 33: e00007916.

Os estudos anteriores que não haviam detectado essa associação falharam, possivelmente, porque a amostra foi pequena10 ou porque coletaram as informações de modo retrospectivo,1414 Potter S, Hannum S, Mcfarlin B, Essex-sorlie, D, Campbell E, Trupin S. Does infant feeding method influence maternal post-partum weight loss? J Am Diet Assoc.1991; 91: 441-6. o que pode ter conduzido a erros nas estimativas de duração do aleitamento e consequentemente na avaliação de seu efeito.

Explicar a influência do aleitamento materno sobre a retenção pós-parto, tem sido um desafio para os pesquisadores. Os mecanismos postulados são: 1) o aumento do gasto energético, pois a lactação custa em torno de 450 a 700 Kcal/dia, e 2) a regulação do metabolismo e do apetite durante a lactação e após sua cessação. O primeiro caminho poderia explicar a influência negativa do aleitamento enquanto este estivesse vigente e também explicaria o maior efeito do AME, em relação ao do AM. Esse mecanismo foi questionado por pesquisadores dinamarqueses,2727 Baker JL1, Gamborg M, Heitmann BL, Lissner L, Sorensen TI, Rasmussen KM. Breastfeeding reduces postpartum weight retention. Am J Clin Nutr.2008; 88 (6):1543-51. que não identificaram qualquer efeito do tempo de aleitamento materno sobre a retenção de peso de mulheres que apresentaram ganho de peso gestacional excessivo. Porém, em nosso estudo o efeito do aleitamento materno foi significativo mesmo quando ajustado para o ganho de peso gestacional e IMC pré-gestacional, o que fala a favor de um efeito positivo para todas as mães, independentemente de seu estado nutricional e ganho de peso na gestação.

O segundo mecanismo, que poderia explicar os efeitos de longo prazo da duração do AME sobre a retenção aos doze meses pós-parto é que a amamentação influiria sobre hormônios que atuam na regulação do metabolismo e da saciedade da mulher e que tais efeitos se manteriam mesmo após a cessação da amamentação. Sobre isso, os resultados dos dois únicos estudos que localizamos são conflitantes. Stuebe et al.2828 Stuebe, AM, Mantzoros C, Kleinman K, Gillman MW, Rifas-shiman S, Gunderson EP. Duration of lactation and maternal adipokines at 3 years postpartum. Diabetes. 2011; 60:1277-85. encontraram níveis elevados de grelina e peptídeos YY três anos após o parto em mulheres que haviam amamentado exclusivamente por seis meses e também naquelas que haviam amamentado (exclusivamente ou não) por pelo menos um ano. Estas adipocinas apresentam papéis diferentes no organismo humano, como regular o apetite, sistema imune e balanço energético, dentre outros. Vários hormônios, incluindo grelina (orexígeno) e peptídeos YY (anorexígeno), poderiam estar envolvidos na regulação do apetite e do metabolismo da nutriz, de modo a reduzir a retenção ponderal. O outro estudo, desenvolvido por Larson-Meyer et al.,2929 Larson-Meyer DE, Ravussin E, Heibronn L, DeJonge L. Ghrelin and peptide YY in postpartum lactanting and nonlactanting women. Am J Clin Nutr. 2010: 366-72. não detectou diferenças nos níveis desses hormônios entre mães amamentando e não amamentando em seis meses de seguimento pós-parto, contrariando a hipótese e deixando a questão ainda em aberto para novos estudos.

Os valores médios de retenção ponderal que obtivemos foram menores do que os reportados por estudos brasileiros anteriores. Em estudo no Rio de Janeiro, a retenção média foi de 3,4 e 3,1kg aos 6 e 9 meses pós-parto, respectivamente6; na Bahia,3030 Silva, M C, Oliveira A M P, Magalhães LO; Fonseca, NS; Santana, M LP, Góes Neto E A, Cruz TRP. Determinants of postpartum weight variation in a cohort of adult woman: a hierarchical approach. Nutr Hosp. 2013; 28 (3): 660-70. a retenção média aos 12 meses pós-parto foi de -3,157 kg. Diferenças no perfil populacional das coortes dos estudos citados e o realizado em Botucatu podem explicar tais diferenças: nossa coorte incluiu mães e lactentes usuários de serviços públicos e privados, teve base populacional, enquanto a coorte no Rio de Janeiro incluiu apenas usuárias de serviços públicos de atenção primária à saúde e a coorte estudada na Bahia foi formada predominantemente com mulheres pobres de áreas rurais, onde a frequência de sobrepeso e obesidade era muito baixa, o que pode explicar a média negativa de retenção ponderal.

Pelas diferenças de contexto socioeconômico e de perfil nutricional, a comparabilidade entre os diferentes estudos nacionais é muito limitada, indicando a necessidade de estudo com amostra representativa da população brasileira para que a magnitude da retenção ponderal pós-parto seja estabelecida e contrastes regionais e socioeconômicos conhecidos.

Merece menção um achado secundário de nosso estudo, mas de interesse para profissionais ligados à saúde materno-infantil: o baixíssimo percentual de mães que praticavam regularmente algum tipo de atividade/exercício físico, mesmo quando o lactente já havia completado doze meses. Essa pode ser a explicação para não termos detectado associação entre atividade física e retenção de peso pós-parto já nas análises brutas. Também vale mencionar que não houve associação entre o escore de qualidade da alimentação e retenção. Contudo, as variáveis relativas à alimentação e atividade física que analisamos foram aferidas com pouco detalhamento. Assim, existe outra possibilidade para explicar a ausência de influência dessas variáveis: limitações da informação, pois não foi possível avaliar o nível de atividade física das mães ou o consumo de energia, medidas que seriam mais adequadas.

Outras limitações de nosso estudo que merecem ser consideradas são o tamanho da nossa amostra, definido para os objetivos do estudo matriz (CLaB) e não para a questão do presente estudo e o fato de o peso materno ter sido aferido em medida única, a cada avaliação. No caso dos efeitos do aleitamento sobre a retenção de peso materna, amostras maiores poderiam conduzir a estimativas de efeito mais precisas, com intervalos de confiança menores. No segundo caso, quando a comparação com o peso pré-gestacional e o peso aferido na CB levaram à suspeita sobre a validade de pesos subsequentes, optamos por desconsiderar a medida, o que levou a perdas no número mães avaliadas em cada momento de estudo, mas apoia a qualidade dos dados que efetivamente foram analisados.

A favor da validade de nossos resultados estão o desenho prospectivo e a qualidade das informações sobre duração do aleitamento materno exclusivo e do aleitamento materno, pois foram realizadas entrevistas frequentes com as mães ao longo do primeiro ano de vida do lactente, mediante longo questionário que indagou sobre o consumo de 48 alimentos, evitando-se assim o viés de memória.

Em síntese, o presente estudo se alinha aos anteriores1313 Chagas, DC, Silva AAM, Ribeiro CC, Batista RFL, Britto e Alves MTSS. Efeitos do ganho de peso gestacional e do aleitamento materno na retenção de peso pós-parto em mulheres da coorte BRISA Cad Saúde Pública. 2017; 33: e00007916.,1515 Shu-Kay NG, Cameron CM, Hills AP, McClure RJ, Scuffham PA. Socioeconomic disparities in pre-pregnancy BMI and impact on maternal and neonatal outcomes and postpartum weight retention: the EFHL longitudinal birth cohort study. BMC Pregnancy Childbirth. 2014; 14:314-29. que haviam identificado papel protetor do aleitamento materno sobre a retenção de peso materno, discorda dos estudos que não observaram esse papel1414 Potter S, Hannum S, Mcfarlin B, Essex-sorlie, D, Campbell E, Trupin S. Does infant feeding method influence maternal post-partum weight loss? J Am Diet Assoc.1991; 91: 441-6. e assim contribui para consolidar o conhecimento sobre a associação inversa entre duração do aleitamento e retenção de peso.

A retenção de peso materno um ano após o parto um evento comum no contexto de estudo e o peso médio retido (1,69 kg) elevado. A duração do aleitamento materno exclusivo e total influiu negativamente sobre essa retenção, independentemente do ganho de peso gestacional, estado nutricional da mulher no início da gestação e outros fatores controlados pelo potencial de confundir as associações investigadas. A magnitude do efeito da duração do aleitamento materno e do aleitamento exclusivo foi pequena, mas relevante: aos seis e doze meses pós-parto, respectivamente, -11g e -16g de peso retido a cada dia a mais de aleitamento materno exclusivo e -12g e -5g de peso materno retido a cada dia a mais de aleitamento materno, complementado ou não.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Pesquisa de São Paulo (FAPESP) pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Jan 2019
  • Revisado
    25 Jul 2019
  • Aceito
    27 Dez 2019
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