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Efeito de uma intervenção educativa sobre a técnica de amamentação na prevalência do aleitamento materno exclusivo

Resumo

Objetivos:

avaliar o efeito de uma intervenção direcionada à técnica de amamentação na prevalência de aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de vida.

Métodos:

foi realizado um estudo de intervenção quasi randomizado em uma maternidade pública, credenciada como Amigo da Criança. A intervenção consistiu em orientações individuais sobre a técnica de amamentação nas primeiras 48 horas após o parto, com ajuda de seio cobaia, boneca e filme. O grupo controle foi orientado sobre a importância do aleitamento materno pelas pesquisadoras, além das orientações fornecidas pelo hospital. A coleta de dados ocorreu na maternidade e ao final do primeiro mês em serviço ambulatorial do hospital, mediante a aplicação de um questionário, observação da mamada e exame das mamas.

Resultados:

a prevalência do aleitamento materno exclusivo, no primeiro mês de vida do lactente, foi de 76,6% no grupo experimental e 52,2% no grupo controle. RR=1,46 (IC95%=1,16-1,84); NNT=4,09; p=0,001. As mulheres que sofreram a intervenção, apresentaram técnica correta de amamentação em proporção significativamente maior que os controles: 64,04% vs 15,11%, RR= 4,87 [IC95%= 2,93-8,34] NNT= 1,96; p<0,001.

Conclusões:

a utilização de recursos audiovisuais, uso de instrumentos (seio cobaia e boneca) e tipo de abordagem individualizada contribuíram para o aumento da prevalência do aleitamento materno exclusivo até 30 dias pós parto.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Intervenção; Prevalência

Abstract

Objectives:

to evaluate the effect of an intervention directed to the breastfeeding technique in the prevalence of exclusive breastfeeding in the first month of life.

Methods:

this is a quasi-randomized intervention study conducted in a public maternity ward accredited in the Baby-Friendly Hospital Initiative. The intervention consisted of individual orientations on the breastfeeding technique in the first 48 hours after delivery, with the help of a breast model, doll, and movie. The control group was oriented by researchers about the importance of breastfeeding, and received hospital orientations. Data were collected in the maternity ward, and at the end of the first month in the hospital’s outpatient service by implementing a questionnaire, observing the baby’s breastfeeding technique and examining breasts.

Results:

the prevalence of exclusive breastfeeding in the first month of life of the infant was 76.6% in the experimental group, and 52.2% in the control group. RR=1.46 (CI95%=1.16-1.84); NNT=4.09; p=0.001. The trained women presented a correct breast-feeding technique in 64.04%, much higher when compared to those who did not receive training (15.11%;RR=4.87[CI95%=2.93-8.34]; NNT=1.96;p<0.001).

Conclusions:

the use of audiovisual resources, use of instruments (model breast and doll), and type of individualized approach contributed to an increased prevalence of exclusive breastfeeding up to 30 days after delivery.

Palavras-chave:
Breastfeeding; Intervention; Prevalence

Introdução

A prática do aleitamento materno é fundamental para a saúde das crianças. São diversos os benefícios do aleitamento materno exclusivo, a exemplo da proteção contra doenças gastrointestinais e respiratórias com impacto na redução da mortalidade infantil.11 Sankar MJ, Sinha B, Chowdhury R, Bhandari N, Taneja S, Martines J, Bahl R. Optimal breastfeeding practices and infant child mortality: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr. 2015; 104 (Supl. 467): 3-13. Confere também proteção contra doenças crônicas como: diabetes tipo II e obesidade22 Horta BL, Mola CL, Victoria CG. Long-term consequences of breastfeeding on cholesterol, obesity, systolic blood pressure and type 2 diabetes: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr. 2015; 104 (Supl. 467): 30-7. auxilia no desenvolvimento cognitivo,33 Horta BL, Mola CL, Victoria CG. Breastfeeding and intelligence: a systematic review and meta-analysis. Acta Paediatr. 2015; 104 (Supl. 467): 14-19. entre outros benefícios.

A recomendação do aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida da criança e a sua manutenção por dois anos ou mais é consensual.44 WHO (World Health Organization). Infant and young child feeding: model chapter for textbooks for medical students and allied health professionals. Geneva; 2009. Apesar da melhora significativa dos indicadores de aleitamento materno no Brasil, nas últimas décadas, a interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo continua sendo um problema de saúde pública.55 Bezerra VLVA, Nisiyama AL, Jorge AL, Cardoso RM, Silva EF, Tristão RM. Aleitamento Materno exclusivo e fatores associados a sua interrupção: estudo comparativo entre 1999 e 2008. Rev Paul Pediatr. 2012; 30 (2): 173-9.,66 Boccolini CS, Boccolini PMM, Monteiro FR, Venâncio SY, Giugliani ERJ. Tendência de indicadores do aleitamento materno no Brasil em três décadas. Rev Saúde Pública. 2017;51:108.

Algumas dificuldades no processo de amamentação que evoluem para o desmame precoce estão relacionadas às características maternas, a exemplo: ser mãe jovem,55 Bezerra VLVA, Nisiyama AL, Jorge AL, Cardoso RM, Silva EF, Tristão RM. Aleitamento Materno exclusivo e fatores associados a sua interrupção: estudo comparativo entre 1999 e 2008. Rev Paul Pediatr. 2012; 30 (2): 173-9. ter baixa renda familiar,77 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MI. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saúde Pública. 2015; 49: 91. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26759970.
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26759970...
trabalho materno fora do lar,77 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MI. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saúde Pública. 2015; 49: 91. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26759970.
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,88 Vieira TO, Vieira GO, Oliveira NF, Mendes CMC, Giugliani ERJ, Silva LR. Durationof exclusive breastfeeding in a Brazilianpopulation: new determinants in a cohortstudy. BMC Pregnancy and Childbirth. 2014; 14: 175. Disponível em: <http://www.biomedcentral.com/14712393/14/175>.
http://www.biomedcentral.com/14712393/14...
baixa escolaridade, ser mãe solteira, ausência de experiência anterior com a amamentação,77 Boccolini CS, Carvalho ML, Oliveira MI. Factors associated with exclusive breastfeeding in the first six months of life in Brazil: a systematic review. Rev Saúde Pública. 2015; 49: 91. Disponível em: www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26759970.
www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/26759970...
,99 Vieira GO, Martins CC, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR. Fatores preditivos da interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de lactação.J Pediatr. 2010;86 (5):441-4. desconhecimento das vantagens do aleitamento materno, ausência de orientação sobre aleitamento materno na maternidade10 e fissura mamilar como consequência da técnica inadequada de amamentação.1111 Santos KJS, Santana GS, Vieira TO, Santos CAST, Giugliani ERJ, Vieira GO. Prevalence and factors associated with cracked nipples in the first month postpartum. BMC Pregnancy Childbirth. 2016; 16: 209-16.

A técnica incorreta de amamentação é uma dificuldade enfrentada pela nutriz, que pode ser identificada antes da alta hospitalar. Quando não corrigida pode levar ao trauma mamilar,1111 Santos KJS, Santana GS, Vieira TO, Santos CAST, Giugliani ERJ, Vieira GO. Prevalence and factors associated with cracked nipples in the first month postpartum. BMC Pregnancy Childbirth. 2016; 16: 209-16. ingurgitamento mamário, baixa produção de leite, introdução desnecessária de alimentos complementares e desmame precoce.44 WHO (World Health Organization). Infant and young child feeding: model chapter for textbooks for medical students and allied health professionals. Geneva; 2009.,1212 Weigert EMI, Giugliane ERJ, França MCT, Oliveira LD, Bonilha A, Espírito Santo LC, Kõhler CVF. Influência da técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusivo e lesões mamilares no primeiro mês de lactação. J Pediatr. 2005; 81 (4): 310-6.,1313 WHO/Unicef (World Health Organizathion/United Nations Children's Fund). Implementation guidance: protecting, promoting, and supporting breastfeeding in facilities providing maternity and newborn services. Geneva; 2018. É um determinante da interrupção do aleitamento materno exclusivo, modificável mediante estratégias de intervenção. Diante desta situação este artigo traz como questão norteadora: se a mulher for orientada adequadamente sobre a técnica correta de amamentação conseguirá amamentar de forma exclusiva seu bebê, no primeiro mês de vida?

O tema em questão é relevante, pois ações educativas melhoram as taxas de início, de duração da amamentação e de aleitamento materno exclusivo. Estratégias devem ser conduzidas para solução das dificuldades que surgem na primeira e segunda semanas pós-parto, período de maior risco de desmame precoce.1616 Wagner EA, Chantry CJ, Dewey KG, Nommsen Rivers LA. Breastfeeding concerns at 3 and 7 days postpartum and feedingstatus at 2 months. Pediatrics. 2013; 132 (4): e865-75.

O presente estudo teve como objetivo avaliar o efeito de uma intervenção educativa direcionada à técnica de amamentação na prevalência de aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de vida.

Métodos

Trata-se de um estudo de intervenção quasi randomizado tendo como variável independente a técnica de amamentação e como desfecho a prevalência de aleitamento materno exclusivo no primeiro mês após o parto. A intervenção consistiu em ensinar e demonstrar para o grupo experimental de modo sistematizado a técnica correta de amamentação nas primeiras 48 horas após o parto. No grupo controle as puérperas foram orientadas sobre a importância do aleitamento materno, acrescida das orientações padronizadas pelo hospital recebidas indistintamente pelos dois grupos.

O atual estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana com CAAE nº 39286514.0.0000.0053, obedecendo às normas do Conselho Nacional de Saúde e da Comissão de Ética em Pesquisa (CONEP), resolução 466/12. Os dados foram coletados após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Os participantes pesquisados foram as duplas puérperas/recém-nascidos residentes em Feira de Santana-Bahia, cujos partos ocorreram em um hospital com a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, localizado no município. Neste houve um total de atendimentos em partos equivalentes a 4.504 no ano de 2013.

No cálculo da amostra admitindo-se um erro alfa de 5% com erro beta (poder) de 80% assumiu-se uma prevalência de 59,3% de aleitamento materno exclusivo, demonstrada em estudo anterior.99 Vieira GO, Martins CC, Vieira TO, Oliveira NF, Silva LR. Fatores preditivos da interrupção do aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de lactação.J Pediatr. 2010;86 (5):441-4. Adicionalmente, calculou-se uma mínima diferença de 20% para que o resultado da intervenção fosse considerado significativo, fez-se necessário 180 duplas, alocadas 90 para o grupo controle e 90 para o grupo experimental. Foi acrescentado um quantitativo de 20% para possíveis perdas, com um total de 216 duplas.

Os critérios de exclusão da amostra foram os recém-nascidos gemelares ou internados na unidade neonatal ou mulheres que apresentassem alguma contraindicação para a amamentação. Foi realizado estudo piloto com nove mães, quantidade correspondente a 5% da amostra, sendo testada a logística do estudo e os instrumentos de coleta de dados, com posterior revisão dos formulários e os ajustes necessários.

Na maternidade foram colhidas informações de identificação materna, de características sociodemográficas, variáveis relacionadas à gravidez e dados sobre o conhecimento e experiência das puérperas. Quanto ao lactente foram coletados dados referentes ao nascimento e de sua alimentação. Foi definido como aleitamento materno exclusivo os lactentes que recebiam somente leite materno, diretamente da mama ou leite humano ordenhado e nenhum outro alimento líquido ou sólido, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, minerais e/ou medicamentos.44 WHO (World Health Organization). Infant and young child feeding: model chapter for textbooks for medical students and allied health professionals. Geneva; 2009. A técnica de amamentar foi avaliada mediante a aplicação do instrumento recomendado pela Organização Mundial da Saúde4 que inclui na avaliação critérios de postura corporal (posicionamento) da dupla, reflexos e respostas do bebê durante a mamada, sinais de vínculo, anatomia do seio e sinais de sucção durante a pega. A técnica de amamentar foi considerada como incorreta quando pelo menos um critério estava inadequado.

Na primeira semana foi realizado um sorteio simples, dando início à coleta de dados pelo grupo experimental. As duplas de puérperas/recém-nascidos, dentre as gestantes que pariram nas 48 horas que antecederam a coleta de dados, foram selecionadas diariamente até ser atingido o número mínimo de participantes calculado para a pesquisa.

A alocação dos sujeitos se deu em bloco, pois a coleta de dados das puérperas que integraram o grupo experimental e controle ocorreu em semanas alternadas, de forma que as mães dos respectivos grupos ocupavam enfermarias distintas, evitando assim que as mulheres do grupo controle se sentissem desprestigiadas devido às diferenças de atenção e de abordagens fornecidas ao grupo experimental, bem como evitar o cruzamento de informações que poderia interferir nos resultados. À medida que ocorriam as perdas novas duplas eram selecionadas até ser atingido o número mínimo de participantes.

Das 216 duplas selecionadas para o estudo, 36 (16,6%) foram perdidas ao longo do acompanhamento, o que resultou em 180 duplas, assim distribuídas: 90 no grupo controle e 90 no grupo de intervenção (Figura 1).

Figura 1
Diagrama de fluxo do progresso através das fases de um estudo de intervenção.

Os dados foram coletados em duas ocasiões: na maternidade e 30 dias após o parto, no serviço ambulatorial de pediatria do próprio hospital. Quando a mãe não comparecia à consulta com o pediatra era realizada visita domiciliar com agendamento prévio por telefone. Os dados foram coletados por duas enfermeiras e uma nutricionista, responsáveis pela seleção da amostra, entrevista com as mães, observação das mamas e avaliação das mamadas. Todas foram treinadas quanto aos procedimentos de coleta.

No que diz respeito ao objeto do atual estudo, durante a abordagem hospitalar, foi efetuada a observação da mamada no grupo experimental. Em seguida foi realizada a intervenção em três etapas: 1ª Etapa - exibição do vídeo “Amamentação muito mais do que alimentar a criança” produzido pelo Ministério da Saúde de 22 minutos, no qual aborda a técnica correta de amamentar e os benefícios do aleitamento materno. Esta exibição ocorreu de modo individual ou em grupo de no máximo três mulheres, com a presença de uma das pesquisadoras. Além disso, foi demonstrado, com ajuda do computador, um recorte específico do vídeo sobre a técnica de amamentar; 2ª Etapa - orientações verbais sobre os benefícios do leite materno, vestimentas adequadas que facilitem a exposição do seio, posição da mãe e do filho, com a cabeça e corpo alinhados e voltados para o corpo da mãe (barriga com barriga), o queixo tocando o peito, de frente para o mamilo, pega ao seio materno com boca bem aberta, abocanhando todo o mamilo e boa parte da aréola e a; 3ª Etapa - demonstração individualizada da técnica de amamentar com a utilização do seio cobaia e da boneca. A mãe repetia os procedimentos ensinados com seu filho e caso fosse identificado algum parâmetro desfavorável da técnica de amamentação era feita a devida orientação. Ao final da intervenção as dúvidas foram esclarecidas.

As orientações oferecidas durante a intervenção se diferenciaram das que já ocorriam rotineiramente no hospital, no que diz respeito à utilização de diversos recursos numa mesma abordagem (seio cobaia, boneca e vídeo), ao tipo de abordagem indi-vidual (vídeo específico sobre técnica, demonstração da técnica de amamentação e observação da mamada) ou em grupo de no máximo três mulheres, sendo aplicado somente para o vídeo do Ministério da Saúde.

Na abordagem hospitalar os procedimentos realizados, pelas pesquisadoras, para o grupo controle foram a aplicação do mesmo questionário do grupo experimental e a realização das orientações sobre os benefícios do aleitamento materno. Além disso, seguiam as rotinas do hospital que consistia em orientações e distribuição de folhetos explicativos sobre o manejo da amamentação.

Aos trinta dias após o nascimento, as genitoras com os seus respectivos lactentes, dos grupos controle e experimental, retornavam para o mesmo hospital para consulta de puericultura com a pediatra da instituição. Nesta abordagem, os procedimentos foram os mesmos para o grupo experimental e controle. Durante o período de espera para consulta médica foi aplicado sob a forma de entrevista o formulário de seguimento, que pesquisou informações sobre o padrão alimentar do lactente e também foi aplicado um questionário específico sobre os traumas mamilares, objeto de estudo de outra pesquisa. Por fim, foi realizada a observação da mamada com o preenchimento do formulário recomendado pela Organização Mundial da Saúde4 e realizado o exame das mamas para a investigação de traumas mamilares.

Análises Estatísticas - Para a elaboração do banco de dados e das análises estatísticas foi utilizado o pacote estatístico Statistic Package for Social Sciences (SPSS), versão 10.0. As frequências absolutas e relativas de todas as variáveis coletadas foram computadas, sendo realizada a caracterização do grupo controle e do grupo experimental. Foram comparadas as frequências dos parâmetros observados durante a amamentação entre as duplas. Foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson e o teste de Fisher. O nível de significância adotado foi de p≤0,05 e intervalo de confiança de 95%. Foram também calculados o Risco Relativo e o Número Necessário para Tratar (NNT), que representa a estimativa do número de indivíduos que deve receber uma intervenção para produzir um desfecho positivo. O NNT equivale à recíproca da redução absoluta do risco ou diferença de risco.1717 Oliveira Filho PF. Epidemiologia e bioestatística: fundamentos para a leitura crítica. 1 ed. Rio de Janeiro: Rubio; 2015.

Resultados

Foram avaliadas 180 duplas (mães e recém-nascidos). Os grupos experimental e controle foram bastante semelhantes, tanto nas características das puérperas quanto dos recém-nascidos. A média de idade dos grupos controle foi de 25,92±6,95 e experimental 24,96 ± 6,67 com p=0,821. As demais características estão descritas na Tabela 1.

Tabela 1
Características das 180 duplas mães e recém-nascidos incluídas no estudo, Feira de Santana/BA, 2015.

No grupo que recebeu a intervenção observou-se uma maior prevalência de aleitamento materno exclusivo no primeiro mês de vida quando comparados aos controles: respectivamente,76,6% (69/90) e 52,2% (47/90). RR=1,46 [IC95%=1,16-1,84]. NNT=4,09 [IC95%=2,64-10,31]; p=0,001.

Do mesmo modo, as mulheres do grupo experimental apresentaram técnica correta de amamentação aos 30 dias numa proporção significativamente maior do que às do controle: 64% (57/89) versus 15% (13/86). RR= 4,87[IC95%= 2,93-8,34]; NNT= 1,96 [IC95%= 1,61-2,72] p<0,001.

Os parâmetros desfavoráveis da técnica de amamentar foram significantemente menores entre as duplas do grupo experimental aos 30 dias de vida, para posicionamento do bebê (bebê distante da mãe, queixo não toca o seio e bebê não apoiado), resposta do bebê (bebê não mantêm a pega da aréola), vínculo emocional (mãe e bebê quase não se tocam), pega (boca pouco aberta, pega não assimétrica e lábio inferior virado para dentro) e sucção (apenas sugadas rápidas com estalidos) (Tabela 2).

Tabela 2
Frequências dos parâmetros desfavoráveis notados na observação da mamada de mães e recém-nascidos aos 30 dias após o parto.

Discussão

A prevalência do aleitamento materno exclusivo no atual estudo foi de 76,6% no grupo experimental e 52,2% no grupo controle, probabilidade 1,46 vezes maior das mulheres praticarem o aleitamento exclusivo no primeiro mês de vida do lactente. Foi demonstrado também que a intervenção realizada teve efeito positivo sobre a técnica de amamentar no grupo experimental, com a probabilidade de 4,87 vezes maior a possibilidade de apresentar a técnica correta. Em resumo aleitamento aos 30 dias 50% maior e técnica adequada 500% mais frequentes.

Outros estudos também observaram resultados semelhantes em relação à prevalência do aleitamento materno exclusivo. A intervenção de uma seção interativa com a mãe sobre técnica de amamentação na maternidade apontou efeito positivo nas taxas de aleitamento materno exclusivo,1818 Rodrigues DP, Matte BC, Pedron CD, Kohler CVF, Pinto DGC, Weight E, Espírito Santo LC, Oliveira LD, Bohn M, Franca M, Oliveira PB. Impacto da intervencao na técnica de amamentacao e no padrao de aleitamento materno no primeiro mes de vida. Salao de Iniciacao Cientifica, 15; 24-28 nov 2003; [Trabalhos cientificos]. Porto Alegre, RS: Departamento de Pediatria e Puericultura, Faculdade de Medicina, UFRGS, Sessao 26, no 219, p. 624, 2003. [acesso em 20 mar 2018]. Disponivel em: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/48900
https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/4...
mediante intervenção que consistiu na observação e correção da pega na primeira mamada.1919 Pereira MA, Levy L, Matos MA, Calheiros JM. Influência da correção da pega no sucesso do Aleitamento Materno: resultados de um estudo experimental. Rev Referência. 2008;2(6):27-38.

Estudos internacionais também registraram um aumento nas taxas de aleitamento materno após aplicação da intervenção. Orientação quanto à técnica de amamentação logo após o parto e em vários momentos durante o internamento da mãe na maternidade,2020 Ingran J, Johnson D, Greenwood R. Breastfeeding in Bristol: teaching good positioning, and support fathers and families. Midwifery.2002; 18(2): 87-101. assim como orientação sobre a técnica de amamentação para gestantes, em grupo, com mais de 36 semanas de gestação apresentou resultado bem sucedido.2121 Duffy EP, Percival P, Kershaw E. Positive effects of an antenatal group teaching session on postnatal nipple pain, nipple trauma and breastfeeding rates. Midwifery. 1997; 13(4):189-96.

Por outro lado, outros estudos que realizaram somente uma única intervenção sobre a técnica de amamentar na maternidade não notaram melhora da qualidade da técnica de amamentação e impacto nas taxas de aleitamento materno exclusivo,1212 Weigert EMI, Giugliane ERJ, França MCT, Oliveira LD, Bonilha A, Espírito Santo LC, Kõhler CVF. Influência da técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusivo e lesões mamilares no primeiro mês de lactação. J Pediatr. 2005; 81 (4): 310-6.,2222 Henderson A, Stamp G, Pincombe J. Postpartum positioning and attachment education for increasing breastfeeding: a randomized trial. Birth.2001; 28(4): 236-42.,2323 Oliveira LD. Efeito de intervenção para melhorar a técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusive e problemas decorrentes da lactação [dissertação] Porto Alegre: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2004. mesmo quando se usou imagens (fotos), boneca e seio cobaia.2323 Oliveira LD. Efeito de intervenção para melhorar a técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusive e problemas decorrentes da lactação [dissertação] Porto Alegre: Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2004. Acreditamos que o uso adicional de recursos audiovisuais (filme), pelas pesquisadoras em sessão única, pode ter contribuído para os melhores resultados encontrados nesta intervenção.

A intervenção foi conduzida em uma maternidade com a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, que realiza rotineiramente orientações sobre amamentação e conta com um Banco de Leite Humano. Nossos achados demonstram a importância de ações educativas complementares realizadas em grupo e também individualizadas, bem como o uso simultâneo de recursos audiovisuais em associação ao uso de instrumentos como o seio cobaia para demonstração da técnica de amamentação. As orientações presenciais face-a-face costumam ser mais efetivas,2424 McFadden A, Gavine A, Renfrew MJ, Wade A, Buchanan P, Taylor JL, Veitch E, Rennie AM, Crowther SA, Neiman S, MacGillivray S. Support for healthy breastfeeding mothers with healthy term babies. Cochrane Database Syst Rev. 2017; 28(2): CD001141. quando comparadas ao aconselhamento realizado individualmente ou somente em grupo.2525 Harron S, Das JK, Salam RA, Imdad, A, Bhutta ZA. Breastfeeding promotion interventions and breastfeeding practices: a systematic review.BMC Public Health. 2013; 13 (Supl. 3): S20.

O cálculo do NNT estimou que para cada duas mães orientadas sobre a técnica de amamentar uma a realizou de modo correto. Do mesmo modo, para cada quatro mulheres orientadas sobre a técnica de amamentar uma praticou o aleitamento materno exclusivo aos 30 dias. Quanto menor o valor do NNT maior é o benefício da intervenção. A magnitude do efeito da intervenção reforça a importância da orientação materna e pode influenciar positivamente os profissionais de saúde no processo de valoração dos esforços despendidos na orientação da qualidade da técnica de amamentar e de seu impacto nos indicadores do aleitamento materno.

Os parâmetros desfavoráveis da técnica de amamentar foram significantemente menores entre as duplas do grupo experimental aos 30 dias de vida, quando comparados ao controle. Esses achados são descritos em outros estudos como preditores do desmame precoce.1212 Weigert EMI, Giugliane ERJ, França MCT, Oliveira LD, Bonilha A, Espírito Santo LC, Kõhler CVF. Influência da técnica de amamentação nas frequências de aleitamento materno exclusivo e lesões mamilares no primeiro mês de lactação. J Pediatr. 2005; 81 (4): 310-6.,1919 Pereira MA, Levy L, Matos MA, Calheiros JM. Influência da correção da pega no sucesso do Aleitamento Materno: resultados de um estudo experimental. Rev Referência. 2008;2(6):27-38. Abordagem mais específica destes parâmetros talvez possa tornar a amamentação mais adequada e contribuir para maior adesão no futuro.

As eventuais limitações da alocação em blocos e as perdas entre o treinamento e a avaliação de 30 dias a despeito de não serem ideais, no nosso entendimento pouco impactaram nas conclusões, uma vez que os grupos comparados apresentaram características bastante semelhantes e o tamanho da amostra avaliada suficiente para rejeitar a hipótese nula com uma redução absoluta de risco de 20%.

Podemos demonstrar que a intervenção sobre a técnica de amamentar conduzida na maternidade, em grupo e face-a-face, com a ajuda do seio cobaia, boneca e de recursos audiovisuais teve efeito positivo sobre a qualidade da técnica e na prevalência do aleitamento materno exclusivo ao final do primeiro mês após o parto.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    08 Mar 2019
  • Aceito
    06 Nov 2019
  • Aceito
    18 Dez 2019
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