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Violência contra mulheres antes e durante o período gestacional: diferenças em taxas e perpetradores

Resumo

Objetivos:

analisar diferenças na prevalência e perpetradores da violência contra mulheres antes e durante a gravidez.

Métodos:

trata-se de um estudo transversal com amostra de 1446 gestantes entrevistadas em 2010 e 2011 no município de São Luís (Brasil). Treze perguntas mediram violência psicológica, física e sexual nos 12 meses anteriores e durante a gestação. Violência psicológica/física/sexual foi definida como qualquer tipo de violência praticada contra as entrevistadas. Os perpetradores foram categorizados em parceiro íntimo, outros membros da família, membros da comunidade e vários autores. Diferenças entre violência antes e durante a gravidez foram analisadas pelo teste do qui-quadrado.

Resultados:

violência psicológica/física/sexual e violência psicológica foram mais prevalentes durante a gravidez do que antes da gestação (p<0,001). Insultos, humilhação e intimidação (p<0,05) foram mais relatados durante a gravidez. Um parceiro íntimo foi o agressor mais frequente. Não houve diferenças nos percentual de formas moderadas e graves de violência física e sexual, recorrência de agressões e agressores nos dois períodos (p>0,05).

Conclusões:

a gestação não protegeu usuárias de serviços de pré-natal no município de São Luís da violência psicológica, física e sexual. Violência psicológica/física/sexual e violência psicológica foram mais comumente praticadas durante a gestação. Os autores de violência no ano anterior à gestação continuaram abusando das entrevistadas durante a gravidez.

Palavras-chave:
Violência de gênero; Violência por parceiro íntimo; Gestantes; Violência contra a mulher

Abstract

Objectives:

to analyze differences in prevalence and perpetrators of violence against women before and during pregnancy.

Methods:

this is a cross-sectional study with a sample of 1,446 pregnant women interviewed in 2010 and 2011 in the São Luís municipality (Brazil). Thirteen questions measured psychological, physical and sexual violence in the 12 months before and during pregnancy. Psychological/physical/sexual violence was defined as any type of violence perpetrated against the interviewees. The perpetrators were categorized into intimate partner, other family members, community members, and multiple perpetrators. Differences between violence before and during pregnancy were analyzed by the chi-square test.

Results:

psychological/physical/sexual and psychological violence were more prevalent during pregnancy than before gestation (p<0.001). Insults, humiliation and intimidation (p<0.05) were more frequently reported during pregnancy. An intimate partner was the most frequent perpetrator. There were no differences in the percentage of moderate and severe forms of physical violence and sexual violence, recurrence of aggressions and perpetrators in both periods (p>0.05).

Conclusions:

gestation did not protect users of prenatal services in São Luís municipality from psychological, physical and sexual violence. Psychological/physical/sexual and psychological violence were more commonly practiced during pregnancy. The perpetrators of violence in the year before gestation continued to abuse the interviewees during pregnancy

Key words:
Gender-based violence; Intimate partner violence; Pregnancy; Violence against women

Introdução

Violência contra mulheres é considerada problema de saúde pública e violação de direitos humanos porque pode ser ameaça à vida, à saúde e ao desenvolvimento da mulher e de seus filhos.11 WHO (World Health Organization). Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva; 2013.,22 Day T, McKenna K, Bowlus A. The economic costs of violence against women: an evaluation of the literature. New York: United Nations; 2005. Foi definida pela Convenção Interamericana como qualquer ameaça ou ato de violência de gênero que cause ou pareça resultar em dano físico, sexual ou psicológico ou sofrimento à mulher, de ocorrerência quer no ambiente familiar quer em espaços públicos.33 Organization of American States. Inter-American convention on the prevention, punishment, and eradication of violence against women. Washington: OAS; 1994.

Estima-se que até 59% das mulheres de diferentes situações socioeconômicas e culturas serão submetidas à violência ao menos uma vez na vida,44 United Nations. The World's Women 2010: trends and statistics. New York: UN; 2010. inclusive durante o período gestacional, quando é esperado que a mulher se exponha ao mínimo a riscos que possam comprometer a saúde materno-infantil. Resultados do WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence against women (WHO VAW) mostraram que violência contra gestantes variou de 1% no Japão a 28% na província do Peru. No Brasil, as prevalências de violência física foram de 8% na cidade de São Paulo (região Sul do Brasil) e 11% na Zona da Mata do Estado de Pernambuco (Região Nordeste do Brasil).55 WHO (World Health Organization). WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses. Geneva; 2005.

Violência durante a gravidez frequentemente é uma continuação de maus-tratos ocorridos no passado.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.

7 Islam MJ, Broidy L, Mazerolle P, Baird K, Mazumder N. Exploring intimate partner violence before, during, and after pregnancy in Bangladesh. J Interpers Violence. 2018; 00 (0): 1-29.

8 Velikonja VG, Lučovnik M, Sršen TP, Leskošek V, Krajnc M, Pavše L, Blickstein I. Violence before pregnancy and the risk of violence during pregnancy. Journal of perinatal medicine. 2018; 46 (1): 29-33.

9 Perales, MT, Cripev SM, Lam N, Sanchez SE, Sanchez E, Williams MA. Prevalence, types, and pattern of intimate partner violence among pregnant women in Lima, Peru. Violence AgainstWomen. 2009; 15 (2): 224-50.

10 Castro R, Peek-Asa C, Ruiz A. Violence Against Women in Mexico: a Study of Abuse Before and During Pregnancy. Am J Public Health. 2003; 93 (7): 1110-6.

11 Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA. 2011; 285 (12): 1581-4.

12 Pires MRM, Locatelli TZ, Rojas PFB, Lindner SR, Bolsoni CC, Coelho EBS. Prevalência e os fatores associados da violência psicológica contra gestantes em capital no sul do Brasil. Saúde Transform Social. 2017; 8 (1): 29-39.
-1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53. Não está claro se a gestação protegeria as mulheres da violência ou de alguns de seus tipos.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.,77 Islam MJ, Broidy L, Mazerolle P, Baird K, Mazumder N. Exploring intimate partner violence before, during, and after pregnancy in Bangladesh. J Interpers Violence. 2018; 00 (0): 1-29.,99 Perales, MT, Cripev SM, Lam N, Sanchez SE, Sanchez E, Williams MA. Prevalence, types, and pattern of intimate partner violence among pregnant women in Lima, Peru. Violence AgainstWomen. 2009; 15 (2): 224-50.,1010 Castro R, Peek-Asa C, Ruiz A. Violence Against Women in Mexico: a Study of Abuse Before and During Pregnancy. Am J Public Health. 2003; 93 (7): 1110-6. Em nove artigos analisados em uma revisão sobre violência contra gestantes, as agressões sofridas antes da gestação continuaram para 31,3% a 69,2% e cessaram para cerca de 30,8% a 68,7% das entrevistadas.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35. Dois estudos brasileiros mostraram em mais de 11 vezes a chance de ocorrência de violência por parceiro íntimo durante o período gestacional quando havia relatos de maustratos nos 12 meses anteriores à gestação.1212 Pires MRM, Locatelli TZ, Rojas PFB, Lindner SR, Bolsoni CC, Coelho EBS. Prevalência e os fatores associados da violência psicológica contra gestantes em capital no sul do Brasil. Saúde Transform Social. 2017; 8 (1): 29-39.,1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53. Outro estudo que entrevistou puérperas nas cidades brasileiras de São Paulo e Recife (estado de Pernambuco) observou diminuição da violência física durante a gestação nas duas cidades, aumento na violência psicológica na cidade de Recife e taxas semelhantes de violência sexual nas duas localidades.1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007.

Violência psicológica, física e sexual praticada contra gestantes geralmente tem como principal autor um atual ou ex-parceiro íntimo.11 WHO (World Health Organization). Global and regional estimates of violence against women: prevalence and health effects of intimate partner violence and non-partner sexual violence. Geneva; 2013.,66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.,1010 Castro R, Peek-Asa C, Ruiz A. Violence Against Women in Mexico: a Study of Abuse Before and During Pregnancy. Am J Public Health. 2003; 93 (7): 1110-6.,1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007. Outros sujeitos do ambiente doméstico-familiar, pessoas do convívio da gestante em outros ambientes sociais e desconhecidos ainda são pouco investigados como autores da violência.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.

Este estudo teve as seguintes hipóteses: a) a gravidez não protege as mulheres da violência; b) os perpetradores de violência nos 12 meses anteriores à gestação continuam praticando maus tratos quando as mulheres estão grávidas. Por conseguinte, o objetivo deste estudo foi analisar diferenças entre prevalências de violência psicológica/física/sexual (qualquer tipo de violência), psicológica, física e sexual antes e durante a gestação e entre perpetradores de violência psicológica/física/sexual. Inova em relação a outros estudos brasileiros porque testa diferenças em formas e gravidade dos episódios e analisa diferenças entre perpetradores de violência antes e durante a gravidez.

Métodos

Os dados utilizados neste estudo transversal foram coletados do banco de dados da coorte pré-natal do Brazilian Ribeirão Preto and São Luís Birth Cohort Studies (BRISA) para o município de São Luís. São Luís, capital do estado do Maranhão, faz parte da região Nordeste do Brasil. Tinha população de 1.014.837 habitantes e um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,768 em 2010.1515 PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Fundação João Pinheiro. Base de dados: Atlas do desenvolvimento humano do Brasil. Perfil municipal: São Luis. São Luís; 2013. Em 2011, apenas 41,4% de gestantes compareceram a sete ou mais consultas de pré-natal.1616 Brasil DATASUS. Cobertura de consultas de pré-natal: São Luis, 2011. São Luís: DATASUS; 2011.

A amostra foi de conveniência pela dificuldade de se obter uma amostra aleatória representativada população de gestantes. As grávidas foram recrutadas enquanto aguardavam consultas de pré-natal nas três maiores maternidades públicas e em clínicas de ultrassonografia. Foram critérios de inclusão ter realizado a primeira ultrassonografia com menos de 20 semanas de idade gestacional, gestação única e pretender parir em uma das maternidades de São Luís. Foi realizada entrevista entre 22 e 25 semanas gestacionais no Centro de Pesquisa Clínica da Universidade Federal do Maranhão. A amostra final da coorte pré-natal BRISA São Luís foi composta por 1.447 mulheres.

As treze questões que mediram violência durante a gestação e nos doze meses anteriores foram obtidas da versão brasileira do World Health Organization Violence Against Women (WHO VAW).1717 World Health Organization. Estudo multi-países sobre saúde da mulher e violência doméstica. Geneva: WHO; 2005. Este instrumento foi validado no Brasil pelo estudo WHO VAW e para gestantes.1818 Schraiber LB, Latorre MRDO, França Júnior I, Segri NJ, D'Oliveira AFPL. Validity of the WHO VAW study instrument for estimating gender-based violence against women. Rev Saúde Pública. 2010; 44 (4): 658-66.,1919 Ribeiro MR, Britto e Alves MT, Batista RF, Ribeiro CC, Schraiber LB, Barbieri MA, Bettiol H, Silva AAM. Confirmatory factor analysis of the WHO Violence Against Women instrument in pregnant women: results from the Brisa prenatal cohort. PLoS One.2014; 9 (12): e115382. Violência psicológica/ física/sexual representou a soma dos episódios de violência psicológica, física ou sexual.

As quatro perguntas que mediram violência psicológica foram as seguintes: a) “Insultou-a ou fez com que você se sentisse mal a respeito de si mesma?”; b) “Depreciou ou humilhou você diante de outras pessoas?”; c) “Fez coisas para assustá-la ou amedrontá-la de propósito (p.ex.: a forma como a olha, como grita, quebra coisas)?”; e d) “Ameaçou machucá-la ou a alguém de quem você gosta?”.1717 World Health Organization. Estudo multi-países sobre saúde da mulher e violência doméstica. Geneva: WHO; 2005. Insultos e humilhações foram classificados como violência psicológica moderada e as outras formas como violência grave.

Os seis itens que investigaram violência física foram: a) “Deu-lhe uma tapa ou jogou algo em você que poderia machucá-la?”; b) “Empurrou-a ou deu-lhe um tranco/chacoalhão?”; c) “Machucou-a com um soco ou com algum objeto?”; d) “Deu-lhe um chute, arrastou ou surrou você?”; e) “Tentou estrangular ou queimou você de propósito?”; e f) “Ameaçou usar ou realmente usou arma de fogo, faca ou outro tipo de arma contra você?”.1717 World Health Organization. Estudo multi-países sobre saúde da mulher e violência doméstica. Geneva: WHO; 2005. Tapas, jogar objetos, empurrões e chacoalhões foram classificados como violência física moderada e as outras formas como grave.2020 Durand JG, Schraiber LB. Violência na gestação entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2007; 10: 310-22.

Para medir violência sexual, foram feitas as seguintes perguntas: a) “Forçou-a fisicamente a manter relações sexuais quando você não queria?”; b) “Você teve relação sexual porque estava com medo do que essa pessoa pudesse fazer?”; e c) “Forçou-a a uma prática sexual que você considera humilhante?”.1717 World Health Organization. Estudo multi-países sobre saúde da mulher e violência doméstica. Geneva: WHO; 2005.

As opções de resposta foram: a) não; b) uma vez; c) algumas vezes; e d) muitas vezes. Considerou-se que a violência era recorrente quando a resposta foi "poucas vezes" ou "muitas vezes".1717 World Health Organization. Estudo multi-países sobre saúde da mulher e violência doméstica. Geneva: WHO; 2005.

Os perpetradores foram classificados em: a) parceiro íntimo; b) outros membros da família; c) membros da comunidade; e d) sujeitos múltiplos. As mulheres que não identificaram os perpetradores ou porque não queriam identificá-los ou porque apontaram que "não houve violência" foram excluídas da análise.

Para caracterização das gestantes foram utilizadas as seguintes variáveis: idade da gestante (categorias até 19 anos, 20 a 24 anos ou 25 anos ou mais), situação conjugal (categorizada como casada, união consensual, solteira/viúva e divorciada/separada), escolaridade (categorizada em até 4 anos de estudo, 5 a 8 anos, 9 a 11 anos e 12 anos ou mais), chefe de família (categorizado em gestante, parceiro íntimo e outros) e classe econômica (categorizada em D/E, C e A/B).

O instrumento utilizado para medir classe econômica foi criado pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas (ABEP). O Critério “Brasil” de classificação econômica estabeleceu as classes econômicas A, B, C, D e E segundo posse de bens e grau de instrução no chefe de família, sendo as categorias A e B as com maior poder de consumo.2121 ABEP (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa). Critério de classificação econômica Brasil. Brasil; 2008.

Todas as variáveis foram investigadas como categóricas. A análise descritiva dos dados para caracterização da amostra foi realizada por meio de frequências absolutas, porcentagens e medidas de tendência central. Considerou-se que havia diferenças entre as prevalências de violência antes e durante o período gestacional quando p<0,05 pelo teste do qui-quadrado. A análise estatística foi realizada no software STATA, versão 10.0.

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HUUFMA), de acordo com o parecer 223/2009. As gestantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos, em cumprimento da resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados

Uma gestante foi excluída por não responder às questões relacionadas à violência. Assim, a amostra final para análise totalizou 1446.

Aproximadamente 12% delas tinham até 19 anos e 58% viviam em união consensual. A gestante era chefe de família em apenas 10,8% dos domicílios. Cerca de 75% possuíam entre 9 e 11 anos de estudo e 67% pertenciam à classe econômica C (Tabela 1). Apenas três gestantes nunca frequentaram a escola (dados não apresentados na tabela).

Tabela 1
Características demográficas e situação socioeconômica de 1.446 usuárias de serviços de pré-natal. Coorte pré-natal de São Luís, Brasil, 2010-2011.

Violência psicológica/física/sexual foi mais frequente (p<0,001) durante a gestação (49,7%) do que nos 12 meses anteriores (38,3%) (Tabela 2).

Tabela 2
Violência psicológica/física/sexual e violência psicológica segundo frequência de episódios nos 12 meses anteriores à gestação e durante a gestação. Coorte pré-natal de São Luís, Brasil, 2010-2011.

Violência psicológica também foi mais frequente (p<0,001) durante a gravidez (48,4%) do que nos 12 meses anteriores à gestação (36,4%), com insultos (p<0,001), humilhações (p=0,01) e bullying (p<0,001) sendo relatados mais frequentemente no período gestacional do que antes da gestação. As prevalências de violência psicológica recorrente foram semelhantes nos dois períodos (p=0,436). O primeiro episódio de violência psicológica ocorreu durante a gravidez para 35,3% das entrevistadas (Tabela 2).

Com relação à violência física (Tabela 3) e sexual (Tabela 4), não houve diferenças significativas entre prevalências, tipos de agressão, gravidade da violência física e recorrência de episódios antes e durante a gestação. O primeiro episódio de violência física ocorreu durante a gravidez para 46,9% das mulheres (Tabela 3). Cerca de 48% das gestantes que sofreram violência sexual relataram o primeiro episódio durante a gestação (Tabela 4).

Tabela 3
Violência física segundo frequência de episódios nos 12 meses anteriores à gestação e durante a gestação.Coorte pré-natal de São Luís, Brasil, 2010-2011.
Tabela 4
Violência sexual segundo frequência de episódios nos 12 meses anteriores à gestação e durante a gestação. Coorte pré-natal de São Luís, Brasil, 2010-2011.

Não houve diferenças em relação aos perpetradores nos dois períodos (Tabela 5). Trinta e sete gestantes que sofreram maus tratos psicológicos não identificaram o(s) perpetradores(es) porque consideraram que não haviam sofrido violência psicológica.

Tabela 5
Perpetradores de violência psicológica/física/sexual contra gestantes nos 12 meses anteriores à gestação e durante a gestação.Coorte pré-natal de São Luís, Brasil, 2010-2011.

Discussão

Violência psicológica/física/sexual e violência psicológica foram mais prevalentes durante a gravidez do que nos 12 meses anteriores à gestação. Insultos, humilhações e intimidações, formas de violência psicológica, foram mais frequentes durante a gravidez. Recorrência da violência psicológica foi semelhante nos dois períodos investigados. Os episódios de violência psicológica começaram mais frequentemente antes da gestação. Prevalências e recorrências de violência física e sexual foram semelhantes antes e durante a gravidez. O primeiro episódio de agressão física e de abuso sexual ocorreu durante a gestação para quase metade das entrevistadas submetidas a esses dois tipos de violência. Não houve diferenças entre perpetradores de violência psicológica/física/sexual praticada antes e durante a gravidez.

Uma possível limitação deste estudo é o viés de memória, principalmente em relação à violência ocorrida antes da gestação, episódios isolados e formas menos graves de violência psicológica. É possível que pelo fato de as entrevistadas terem sido informadas que a pesquisa BRISA tinha como objetivo estudar a etiologia do nascimento pré-termo, tendo a violência como uma das causas investigadas, tenha havido um esforço delas para relembrarem episódios que ocorreram durante a gravidez. O fato de o estudo ter utilizado uma amostra de conveniência limita a generalização externa dos achados.

Violência psicológica/física/sexual refletiu em grande parte a violência psicológica, o tipo mais frequente55 WHO (World Health Organization). WHO multi-country study on women's health and domestic violence against women: initial results on prevalence, health outcomes and women's responses. Geneva; 2005. e presente para quase todas as gestantes que sofreram maus-tratos na coorte pré-natal da BRISA São Luís. Cabe ressaltar que a violência psicológica começou durante a gravidez para cerca de 35% das mulheres, mostrando que para a maioria das entrevistadas a violência foi apenas uma continuação das agressões iniciadas antes da gestação. Os nove estudos analisados em uma revisão mostraram que os maus-tratos contra gestantes foram iniciados antes da gravidez para ao menos 60% das entrevistadas, o que está de acordo com nossos achados.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.

Embora a gestação seja considerada um processo fisiológico na vida das mulheres em idade reprodutiva, é um período caracterizado por mudanças físicas e psicológicas, reorganizações socioeconômicas familiares e mudanças nos projetos de vida e nas relações interpessoais, que podem fomentar conflitos, principalmente no ambiente doméstico e no trabalho.2222 Maldonato, MT. Psicologia da gravidez. 1 ed. Rio de Janeiro: Editora Jaguatirica Digital; 2013. Tais conflitos em si não desencadeariam violência se não fossem permeados por normas tradicionais de gênero, historicamente presentes em sociedades de diferentes condições socioeconômicas e culturas, as quais colocam a mulher em uma posição social hierarquicamente inferior à do homem e ainda toleram a violência de gênero. Nessa perspectiva, não ter planejado a gravidez com o parceiro, engravidar sem aprovação da família, não ter independência financeira, dúvidas sobre paternidade e diminuição do desejo sexual da mulher, entre outros fatores, podem estar associados à violência contra gestantes.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.,1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53.,2323 Durand JG, Schraiber LB, d'Oliveira AFPL. A vulnerabilidade à violência por parceiro íntimo na gestação: caminhos para seu enfrentamento. In: Lima FR, Santos C, organizadores. Violência Doméstica: vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2008; 1: 195-204.

Assim como na coorte pré-natal da BRISA São Luís, outros três estudos brasileiros também compararam violência psicológica perpetrada contra mulheres antes e durante a gravidez.1212 Pires MRM, Locatelli TZ, Rojas PFB, Lindner SR, Bolsoni CC, Coelho EBS. Prevalência e os fatores associados da violência psicológica contra gestantes em capital no sul do Brasil. Saúde Transform Social. 2017; 8 (1): 29-39.

13 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53.
-1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007. Na Grande Florianópolis (região metropolitana de municípios em torno da cidade principal de Florianópolis, região Sul do Brasil), a chance de sofrer violência psicológica por um parceiro íntimo durante a gravidez aumentou aproximadamente 12 vezes para as mulheres com relatos de maus-tratos psicológicos no ano anterior à gravidez.1212 Pires MRM, Locatelli TZ, Rojas PFB, Lindner SR, Bolsoni CC, Coelho EBS. Prevalência e os fatores associados da violência psicológica contra gestantes em capital no sul do Brasil. Saúde Transform Social. 2017; 8 (1): 29-39. Resultados de um estudo com puérperas de um distrito sanitário da cidade de Recife mostraram aumento da violência psicológica durante a gravidez em comparação aos 12 meses anteriores.1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53. Outro estudo realizado puérperas da cidade de São Paulo não encontrou diferenças nos percentuais de violência psicológica praticada antes e durante a gestação.1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007.

Uma revisão sobre violência contra gestantes citou estudos que mostraram continuidade na gestação de violência psicológica pregressa.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35. Um estudo com 426 puérperas de Bangladesh constatou redução na violência psicológica durante a gestação em comparação ao período pré-gestacional.77 Islam MJ, Broidy L, Mazerolle P, Baird K, Mazumder N. Exploring intimate partner violence before, during, and after pregnancy in Bangladesh. J Interpers Violence. 2018; 00 (0): 1-29. O risco de maus-tratos psicológicos contra puérperas eslovenas aumentou 3,3 vezes quando havia história de violência psicológica na idade adulta.88 Velikonja VG, Lučovnik M, Sršen TP, Leskošek V, Krajnc M, Pavše L, Blickstein I. Violence before pregnancy and the risk of violence during pregnancy. Journal of perinatal medicine. 2018; 46 (1): 29-33.

Na coorte pré-natal BRISA São Luís, não houve diferenças nos percentuais de recorrência da violência psicológica nos dois períodos investigados. Estudos analisados em uma revisão sobre violência contra gestantes mostraram que recorrência de episódios ocorreu tanto antes comodurante a gestação.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.

Insultos e humilhações, episódios considerados de gravidade moderada, e intimidação, episódio tido como grave, foram mais frequentes durante a gravidez do que nos 12 meses anteriores. Somente para o item "Ameaçou machucá-la ou a alguém de quem você gosta?", também considerado grave, não foram encontradas diferenças entre os dois períodos (p=0.054).

Estudo realizado em Florianópolis não testou diferenças entre episódios de violência antes e durante a gestação. As prevalências de insultos (15,5%), humilhação (4,3%), intimidação (3,9%) e ameaças de violência física contra gestantes (2,1%) nesse município1212 Pires MRM, Locatelli TZ, Rojas PFB, Lindner SR, Bolsoni CC, Coelho EBS. Prevalência e os fatores associados da violência psicológica contra gestantes em capital no sul do Brasil. Saúde Transform Social. 2017; 8 (1): 29-39. foram duas vezes mais baixas do que as encontradas na coorte pré-natal BRISA São Luís.

Na amostra estudada, o primeiro episódio de violência física e sexual ocorreu durante a gestação para quase metade das mulheres submetidas a esses dois tipos de agressões, mostrando que a gravidez não protegeu a mulher de maus-tratos físicos e sexuais. Experimentar um primeiro episódio de violência durante a gestação foi considerado fenômeno raro em um estudo esloveno com 1.269 mulheres. Entre as eslovenas entrevistadas, apenas 2% e 0,7% tiveram, respectivamente, início de violência psicológica e física durante a gestação. Não foi observado início de violência sexual no período gestacional.88 Velikonja VG, Lučovnik M, Sršen TP, Leskošek V, Krajnc M, Pavše L, Blickstein I. Violence before pregnancy and the risk of violence during pregnancy. Journal of perinatal medicine. 2018; 46 (1): 29-33.

Não houve diferenças nos percentuais de violência física e sexual em relação a prevalências, episódios, recorrência e gravidade antes e durante a gestação na coorte pré-natal BRISA São Luís.

Um estudo norte-americano com 3.543 puérperas também não encontrou diferenças nas taxas de violência fisica antes e durante a gestação.1111 Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA. 2011; 285 (12): 1581-4. Em Recife, violência física por parceiros íntimos diminui quase 50% na gravidez, em comparação aos 12 meses anteriores. No entanto, esse estudo não identificou diferenças nas frequências de episódios de abuso sexual antes e durante a gestação.1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53. Em Bangladesh, houve redução na frequência de episódios de violência física e sexual durante a gestação.44 United Nations. The World's Women 2010: trends and statistics. New York: UN; 2010. Um estudo esloveno encontrou risco 2,3 vezes maior de violência física durante a gestação, quando havia história de maus-tratos anteriores na idade adulta e risco ainda maior, 5,6 vezes, de sofrer violência sexual.88 Velikonja VG, Lučovnik M, Sršen TP, Leskošek V, Krajnc M, Pavše L, Blickstein I. Violence before pregnancy and the risk of violence during pregnancy. Journal of perinatal medicine. 2018; 46 (1): 29-33.

Na coorte pré-natal BRISA São Luís, episódios moderados de violência física antes e durante a gestação foram mais frequentes do que episódios graves. Tapas e empurrões ocorreram para cerca de 6% a 12% das entrevistadas e socos, chutes, estrangulamentos, queimaduras e ameaças de uso de facas e armas variaram de aproximadamente 0,6% a 3%.

Um estudo peruano também encontrou maior frequência de episódios de violência física moderada do que violência física grave, tanto antes como durante a gestação.99 Perales, MT, Cripev SM, Lam N, Sanchez SE, Sanchez E, Williams MA. Prevalence, types, and pattern of intimate partner violence among pregnant women in Lima, Peru. Violence AgainstWomen. 2009; 15 (2): 224-50. Entre usuárias de serviços públicos de saúde na região metropolitana de São Paulo, episódios de violência psicológica e física moderadas foram mais frequentes do que os episódios de violência grave.2020 Durand JG, Schraiber LB. Violência na gestação entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2007; 10: 310-22. Uma revisão da violência durante a gestação sugeriu que violência moderada parece aumentar durante a gravidez com redução de episódios graves.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.

Recorrência de violência física e sexual ocorreu para cerca da metade das mulheres submetidas aesses tipos de maus tratos. Esse achado é compatível com a taxa de recorrência encontrada na região metropolitana de São Paulo, onde 55,5% das gestantes entrevistadas foram maltratadas por seus familiares em mais de uma ocasião.2020 Durand JG, Schraiber LB. Violência na gestação entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2007; 10: 310-22. Em Recife, mulheres que relataram violência durante a gravidez apresentaram maiores taxas de violência durante o puerpério do que as que não relataram violência durante a gestação.1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53. Esses resultados indicam um padrão de recorrência e continuidade da violência.1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53.,2020 Durand JG, Schraiber LB. Violência na gestação entre usuárias de serviços públicos de saúde da Grande São Paulo: prevalência e fatores associados. Rev Bras Epidemiol. 2007; 10: 310-22.

O principal perpetrador de violência foi um parceiro íntimo atual ou anterior, tanto antes como durante a gestação, seguido pelos familiares. Esses resultados indicaram que os perpetradores de violência nos últimos 12 meses continuam como autores de maus tratos durante a gestação.

Literatura científica nacional e internacional aponta pessoas do ambiente familiar como os principais autores de maus-tratos a gestantes,66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.,1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007. destacando um atual ou ex-parceiro.66 Taillieu TL, Brownridge DA. Violence against pregnant women: prevalence, patterns, risk factors, theories, and directions for future research. Aggression Violent Behavior. 2010; 15 (1): 14-35.,99 Perales, MT, Cripev SM, Lam N, Sanchez SE, Sanchez E, Williams MA. Prevalence, types, and pattern of intimate partner violence among pregnant women in Lima, Peru. Violence AgainstWomen. 2009; 15 (2): 224-50.,1010 Castro R, Peek-Asa C, Ruiz A. Violence Against Women in Mexico: a Study of Abuse Before and During Pregnancy. Am J Public Health. 2003; 93 (7): 1110-6.,1313 Silva EP, Ludermir AB, Araújo TVBD, Valongueiro SA. Frequency and pattern ofintimate partner violence before, during and after pregnancy. Rev Saúde Pública. 2011; 45 (6): 1044-53.,1414 Schraiber LB, D’Oliveira AF, Kiss LB, Durand J, Hanada H, Silva VN. Saúde da mulher, relações familiares e serviços de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) em duas capitais-Recife e São Paulo. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 2007.,2323 Durand JG, Schraiber LB, d'Oliveira AFPL. A vulnerabilidade à violência por parceiro íntimo na gestação: caminhos para seu enfrentamento. In: Lima FR, Santos C, organizadores. Violência Doméstica: vulnerabilidades e desafios na intervenção criminal e multidisciplinar. Rio de Janeiro: Lumen Juris; 2008; 1: 195-204. Um estudo americano que analisou violência física contra gestantes identificou diferentes perpetradores. Na maioria das vezes, era um atual/ex-companheiro/marido, seguido por membros da família, vários sujeitos, amigos e outros autores. Os perpetradores da violência antes da gestação quase sempre eram os mesmos perpetradores da violência durante a gestação.1111 Martin SL, Mackie L, Kupper LL, Buescher PA, Moracco KE. Physical abuse of women before, during, and after pregnancy. JAMA. 2011; 285 (12): 1581-4.

Por fim, os resultados reforçam a necessidade de profissionais da assistência pré-natal na cidade de São Luís identificarem gestantes em situação de violência e orientá-las a procurar auxílio na rede municipal de enfrentamento, que possui uma Casa da Mulher Brasileira, que vem a ser um centro de atendimento especializado a mulheres em situação de violência. Não é incomum que profissionais de saúde da atenção básica, onde ocorre a grande maioria do pré-natal da população brasileira, desconheçam que qualquer ato de violência contra mulheres é problema de saúde pública, de violação de direitos humanos e que esse assunto está no escopo do trabalho deles.2424 Kiss LB, Schraiber LB. Temas médico-sociais e a intervenção em saúde: a violência contra mulheres no discurso dos profissionais. Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16 (3): 1943-52.,2525 Hegarty K, O’Doherty L, Taft A, Chondros P, Brown S, Valpied J, Astbury J Taket A, Gold L, Feder G, Gunn J. Screening and counselling in the primary care setting for women who have experienced intimate partner violence (WEAVE):a cluster randomised controlled trial. Lancet. 2013; 382 (9888): 249-58. A frequência e recorrência de episódios antes e durante a gravidez e o início da violência durante a gestação na coorte pré-natal BRISA São Luís mostrou que violência contra gestantes é mais frequente do que doenças frequentemente investigadas nas consultas de pré-natal, a exemplo de diabetes gestacional.2626 Van Parys AS, Verhamme A, Temmerman M, Verstraelen H. Intimate partner violence and pregnancy: A systematic review of interventions. PloS One. 2014; 9 (1): e85084.

Este estudo tem três pontos considerados pontos fortes. Primeiro, utilizou o questionário WHO VAW, que investiga a violência nas formas psicológica, física e sexual, tendo suas características psicométricas analisadas e validadas para a amostra do estudo. Segundo, aplicou o instrumento para medir violência de forma autoadministrada, o que reduziu as chances de ocultar episódios de maustratos e a identidade dos perpetradores. Terceiro, o estudo analisa as diferentes formas de violência por episódios e compara perpetradores em ambos os períodos.

Este estudo mostrou que a gestação não protegeu usuárias de serviços de pré-natal na cidade de São Luís da violência ou de suas formas psicológica, física e sexual. Violência psicológica/física/sexual e violência psicológica foram mais comumente praticadas durante a gravidez, quando comparadas a um período anterior de 12 meses. Os autores de violência no ano anterior à gestação continuaram abusando das entrevistadas durante a gravidez. Esses resultados reforçam a necessidade de investigar a violência que ocorre durante a gestação.

  • Informações sobre financiamento
    Esta pesquisa foi apoiada por doações do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA).

Agradecimentos

Os autores desejam agradecer às mulheres que gentilmente concordaram em participar da investigação BRISA, bem como às entrevistadoras, porque sem a ajuda delas os dados não poderiam ter sido coletados.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2019
  • Aceito
    30 Mar 2020
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