Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação das propriedades de medida da versão em português do “International Consultation on Incontinence Questionnaire Female Sexual Matters Associated with Lower Urinary Tract Symptoms Module” (ICIQ-FLUTSsex)

Resumo

Objetivos:

avaliar a consistência interna e a confiabilidade e disponibilizar a versão em português do International Consultation on Incontinence Questionnaire Female Sexual Matters Associated with Lower Urinary Tract Symptoms Module (ICIQ-FLUTSsex).

Métodos:

estudo de validação, realizado por meio de questionários em 56 mulheres, maiores de 18 anos, com vida sexual ativa e apresentavam incontinência urinária, excluindo as que tiveram infecção urinária nos últimos 6 meses. Foram utilizados três questionários para coleta, um de identificação pessoal; o International Consultationon Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQ-SF) e o ICIQ-FLUTSsex. Para análise dos dados utilizou-se o software SPSS. Para verificar a confiabilidade dos itens do questionário utilizou o Alfa de Cronbach e para avaliar a concordância entre o questionário aplicado no teste-reteste foi utilizado o coeficiente de Kappa Ponderado.

Resultados:

a idade média foi de 49,1 anos, sendo a maioria parda e casada, com maior prevalência da incontinência urinaria mista. O resultado do Alfa de Cronbach foi de 0,80, considerado bom. O valor de Kappa Ponderado foi moderado, variando de 0,36 a 0,76.

Conclusão:

a consistência interna foi considerada boa e a confiabilidade moderada. A versão do ICIQ-FLUTSsex em português mostrou-se válida para ser utilizada em mulheres com incontinência urinária, contribuindo para a prática clínica, uma vez que fornece uma ferramenta rápida para a pesquisa sobre disfunção sexual.

Palavras-chave:
Validação; Incontinência urinária; Questionário

Abstract

Objectives:

to assess internal consistency and reliability in providing a Portuguese version of the International Consultation on Incontinence Questionnaire Female Sexual Matters Associated with Lower Urinary Tract Symptoms Module (ICIQ-FLUTSsex).

Methods:

a validation study was conducted by applying questionnaires for 56 women over 18 years old with active sexual life and presenting urinary incontinence, excluding those who had urinary infection in the past 6 months. Three questionnaires were used, one for personal identification; the International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form (ICIQ-SF) and the ICIQ-FLUTSsex. SPSS software was used for data analysis. Cronbach's alpha was used to verify reliability of the items on the questionnaires and Kappa coefficient was used to assess the agreement between the questionnaires applied in the test-retest.

Results:

the median age was 49.1 years old, mostly were mixed colored skin and married, with a high prevalence of mixed urinary incontinence. Cronbach's alpha score was 0.80, which was considered good. Kappa value was moderate, ranging from 0.36 to 0.76.

Conclusion:

internal consistency was considered good and reliability moderate. The Portuguese version of ICIQ-FLUTSsex was proven to be valid to use on women with urinary incontinence, contributing for clinical practice, as it provides as a quick tool for research on sexual dysfunction.

Key words:
Validation; Urinary incontinence; Questionnaire

Introdução

De acordo com a International Continence Society (ICS), a Incontinência Urinária (IU) é definida como qualquer perda involuntária de urina.11 Hunskaar S, K. Burgio, A.Clark, M.C. Lapitan N, R. Nelson, U. Sillén DT. Epidemiology of Urinary (UI) and Faecal (FI) Incontinence and Pelvic Organ Prolapse (POP). Int Cont Soc. 2009;255-312. Possui etiologia multifatorial e é mais frequente em mulheres. Entre os principais fatores predisponentes destacam-se: número de gestações, parto vaginal, climatério, hipoestrogenismo, diabetes, obesidade e traumas na musculatura do assoalho pélvico.22 Wennberg AL, Molander U, Fall M, Edlund C, Peeker R, Milsom I. A Longitudinal Population-based Survey of Urinary Incontinence, Overactive Bladder, and Other Lower Urinary Tract Symptoms in Women. Eur Urol. 2009;55(4):783-91.,33 Dedicação AC, Haddad M, Saldanha MES, Driusso P. Comparação da qualidade de vida nos diferentes tipos de incontinência urinária feminina. Rev Bras Fisioter. 2009;13(2):116-22.

A IU é classificada em três tipos principais: (1) a Incontinência Urinária de Esforço (IUE), quando ocorre perda de urina durante algum esforço que aumente a pressão intra-abdominal, como tosse, espirro ou exercícios físicos; (2) a Urge-Incontinência ou Incontinência Urinária de Urgência (IUU), caracterizada pela perda de urina acompanhada por forte sensação de urgência para urinar e a Incontinência Urinária Mista (IUM), quando há queixa de perda associada à urgência e também aos esforços.44 Melo B, Freitas B, Oliveira V, Menezes R. Correlation between signs and symptoms of urinary incontinence and self-esteem in elderly women. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(1):41-50.

Em mulheres com a IU uma das áreas mais atingidas é a da sexualidade, afetando de forma mais específica à satisfação sexual, podendo diminuir sua qualidade de vida (QV).A vergonha e a aceitação são os principais problemas emocionais enfrentados pelas mulheres com incontinência urinária, interferindo de forma direta na atividade sexual do casal.55 Enrique JMB, Binfa LE, Cataldo Alejandra Carrasco V PA, Izaguirre HL, Sarrá SC. Índice De Función Sexual Femenina: Un Test Para Evaluar La Sexualidad De La Mujer. Rev Chil Obs Ginecol. 2004;69(692):118-25. A disfunção sexual feminina (DSF) caracteriza-se por uma perturbação clinicamente significativa na capacidade de uma pessoa responder sexualmente ou de experimentar prazer sexual.66 Abdo C, Oliveira Jr W, Moreira Jr E, Fittipaldi J. Perfil sexual da população brasileira: resultado do estudo do comportamento sexual (ECOS) do Brasileiro/Sexual profile of brazilian population: results from Brazilian Study of Sexual Behavior(BSSB). RBM Rev Bras Med. 2002;59(4):250-7. É considerada um problema de saúde frequente que inclui: disfunção no desejo/excitação sexual, disfunção do orgasmo e dor genito/pélvica.77 Helena C, Abdo N. Quociente sexual feminino: um questionário brasileiro para avaliar a atividade sexual da mulher. Diagn Trat. 2009;14(2):89-1.

Mulheres com incontinência têm relatado queixa de perda urinária no intercurso sexual, durante a penetração e orgasmo, além de apresentarem dificuldades para atingir o orgasmo, diminuição do desejo, lubrificação e satisfação.88 Hawthorne G, Sansoni J, Hayes L, Marosszeky N, Sansoni E. Measuring patient satisfaction with health care treatment using the Short Assessment of Patient Satisfaction measure delivered superior and robust satisfaction estimates. J Clin Epidemiol. 2014;67(5):527-37. Achados de um estudo de corte transversal, realizado com 356 mulheres sobre o impacto da IU na disfunção sexual feminina, concluiu que mulheres com IU eram mais propensas a serem abstinentes sexuais do que mulheres continentes. Além disso, essas mulheres com IU mostraram menos desejo, conforto e satisfação sexual.99 Martinez EZ. Validade de construto de uma versão em português do Female Sexual Function Index Construct validity of a Portuguese version of the Female Sexual Function Index. 2009;25(11):2333-44.

Um estudo brasileiro mostrou de 58% das mulheres apresentavam queixas sexuais, sendo as mais frequentes: falta de desejo sexual (34,6%), disfunção orgástica (29,3%) e dor na relação sexual (21%).66 Abdo C, Oliveira Jr W, Moreira Jr E, Fittipaldi J. Perfil sexual da população brasileira: resultado do estudo do comportamento sexual (ECOS) do Brasileiro/Sexual profile of brazilian population: results from Brazilian Study of Sexual Behavior(BSSB). RBM Rev Bras Med. 2002;59(4):250-7. Apesar de ser considerado como um problema de saúde importante, a DSF continua a ser subdiagnosticada e subtratada. Por ser uma doença que depende de auto relato, tanto para diagnóstico como para o tratamento, medidas válidas e confiáveis de identificá-la podem ajudar a tratar esta questão, como o uso de questionários validados, por exemplo.77 Helena C, Abdo N. Quociente sexual feminino: um questionário brasileiro para avaliar a atividade sexual da mulher. Diagn Trat. 2009;14(2):89-1.

O International Consultation on Incontinence Questionnaire Female Sexual Matters Associated with Lower Urinary Tract Symptoms Module (ICIQ-FLUTSsex) é um questionário breve que realiza uma avaliação detalhada do comportamento sexual feminino associado com os sintomas do trato urinário inferior e seu impacto na QV. Composto por oito perguntas, tem a vantagem da sua fácil e rápida aplicação contribuindo para o a seu uso na prática clínica em todo o mundo.88 Hawthorne G, Sansoni J, Hayes L, Marosszeky N, Sansoni E. Measuring patient satisfaction with health care treatment using the Short Assessment of Patient Satisfaction measure delivered superior and robust satisfaction estimates. J Clin Epidemiol. 2014;67(5):527-37.

Outros questionários abordando a incontinência urinaria e a disfunção sexual já foram anteriormente validados para o português, a exemplo do Female Sexual Function Index (FSFI) e do International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form” (ICIQ-SF). O FSFI avalia a resposta sexual feminina a partir de seis domínios: desejo sexual, excitação sexual, lubrificação vaginal, orgasmo, satisfação sexual e dor. O ICIQ-SF é utilizado para avaliar o impacto da IU na qualidade de vida e qualificar a perda urinária de pacientes de ambos os sexos. Porém, ainda não existia um questionário validado no Brasil que avaliasse queixas sexuais relacionando com o trato urinário inferior.99 Martinez EZ. Validade de construto de uma versão em português do Female Sexual Function Index Construct validity of a Portuguese version of the Female Sexual Function Index. 2009;25(11):2333-44.,1010 Nunes Tamanini JT, Dambros M, D'Ancona CAL, Rodrigues Palma PC, Rodrigues Netto N. Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF). Rev Saúde Pública. 2004;38(3):438-44.

Embora, adaptação transcultural do ICIQ-FLUTSsex para o Brasil já tenha sido publicado, pelos próprios autores, em anais de congresso, a publicação não disponibilizava ao público aversão em português.1111 Katz L, Guendler JA, Flamini MEDM, Flamini RC, Vieira JSBC, Schulze NBB AM. ICIQ-FLUTSsex: uma nova ferramenta para avaliação da Incontinência Urinária e Disfunção Sexual Feminina. Rev Conteporânea GO Fem. 2017;45:15. Ademais, a análise das propriedades de medida (Alfa de Cronbach e Kappa) não haviam sido realizadas. Portanto, não poderia ainda ser utilizado para apoiar a avaliação das disfunções sexuais associadas ao trato urinário inferior no Brasil e em outros países de língua portuguesa (Figura 1).

Figura 1
Questionário ICIQ-FLUTSsex utilizado para avaliação das disfunções sexuais.

Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar as seguintes propriedades de medida: consistência interna e confiabilidade e disponibilizar versão em português do questionário ICIQ-FLUTSsex.

Métodos

O presente estudo faz parte de um estudo de validação, realizado no Ambulatório de Fisioterapia da Mulher do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) em Recife, Pernambuco, no período entre abril de 2017 a junho de 2018. Foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Pernambucana de Saúde (CAAE: 49429915.4.0000.5569).

A população foi composta por mulheres acompanhadas pelo Ambulatório de Fisioterapia da Mulher do IMIP e os critérios de inclusão foram: mulheres com idade igual ou maior que 18 anos sexualmente ativas, ter tido pelo menos uma relação sexual nas últimas quatro semanas e que apresentam incontinência urinária. O único critério de exclusão foi à presença de infecção urinária nos últimos seis meses.

O cálculo amostral foi considerado a partir de sete sujeitos por item do questionário.1212 Barbara G, Tabachnick LSF. Using multivariate statistics 4th ed. Boston: Allyn and Bacon; 2001. Como o ICIQ-FLUTSsex possui oito itens, a amostra final foi composta por 56 mulheres.Ademais, segundo Sapnas and Zeller,1313 Sapnas KG, Zeller RA. Minimizing Sample Size When Using Exploratory Factor Analysis for Measurement. J Nursiing Meas. 2002;10(2):135-54. um mínimo de 50 sujeitos e máximo de 100 sujeitos são suficientes quando se pretende avaliar as propriedades dos instrumentos de medidas de saúde. A amostragem foi consecutiva baseada na demanda espontânea do ambulatório.1313 Sapnas KG, Zeller RA. Minimizing Sample Size When Using Exploratory Factor Analysis for Measurement. J Nursiing Meas. 2002;10(2):135-54.

A inclusão e a validade das informações obtidas pelas voluntárias,apenas foram incluídas no estudo após a validação dos critérios de elegibilidade e consentimento em participar da pesquisa através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram utilizados três instrumentos para coleta de dados: o primeiro foi um questionário de identificação pessoal para dados sociodemográficos (idade, etnia, estado civil, escolaridade, ocupação e renda familiar), clínicos (hipertensão, asma, diabetes, cardiopatia, dismenorreia primária, dor traumato-ortopédica e cirurgia, realização de atividade física), obstétrico (número de gestação, parto, tipo de parto, número de aborto, filhos e complicações na gestação) e ginecológicos (idade da menarca, idade da última menstruação, cirurgias prévias como laqueadura ou histerectomia e tipo de incontinência). O segundo foi o questionário o ICIQ-SF, utilizado para retificar a queixa de IU das voluntárias, avaliar o impacto da IU na qualidade de vida e a qualificar a perda urinária dos pacientes analisados. O ICIQ-SF é composto de quatro questões que avaliam a frequência, a gravidade e o impacto da incontinência urinária, além de um conjunto de oito itens de auto-diagnostico, relacionados às causas ou a situações de IU vivenciadas pelos pacientes.1010 Nunes Tamanini JT, Dambros M, D'Ancona CAL, Rodrigues Palma PC, Rodrigues Netto N. Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF). Rev Saúde Pública. 2004;38(3):438-44. Para análise das suas respostas são atribuídos valores numéricos, em que a pontuação total varia de 0 a 21 pontos, sendo que, quanto maior a soma de pontos, maior a gravidade e o impacto da IU na qualidade de vida. O impacto sobre a QV é classificado da seguinte maneira: zero (0) ponto, nenhum impacto; de 1 a 3 pontos, leve impacto; de 4 a 6 pontos, moderado; de 7 a 9 pontos, grave; e, de 10 ou mais pontos, muito grave.1414 Padilha J, Conte da Silva A, Zarpellon Mazo G, De Godoy Marques CM. Investigação Da Qualidade De Vida De Mulheres Com Incontinência Urinária. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2018;22(1):43-8.

O terceiro instrumento foi o ICIQ-FLUTSsex na versão em português, um questionário que avalia as questões sexuais associadas ao trato urinário inferior, composto por oito questões, das quais quatro avaliam a presença de dor ou desconforto devido à secura vaginal, impacto da incontinência urinária na vida sexual, presença de dor e perda de urina durante a relação sexual. As demais questões avaliam o quanto cada questão incomoda, com respostas numéricas variando de 0 (nem um pouco) a 10 (demais).O escore final do questionário pode variar entre 0 e 16. Valores maiores indicam maior gravidade dos sintomas.1111 Katz L, Guendler JA, Flamini MEDM, Flamini RC, Vieira JSBC, Schulze NBB AM. ICIQ-FLUTSsex: uma nova ferramenta para avaliação da Incontinência Urinária e Disfunção Sexual Feminina. Rev Conteporânea GO Fem. 2017;45:15.

O processo de adaptação transcultural do instrumento ocorreu em cinco estágios (tradução, síntese das traduções, retrotradução, revisão por comitê de especialistas e pré-teste), os resultados foram realizados previamente a este estudo e publicado.1111 Katz L, Guendler JA, Flamini MEDM, Flamini RC, Vieira JSBC, Schulze NBB AM. ICIQ-FLUTSsex: uma nova ferramenta para avaliação da Incontinência Urinária e Disfunção Sexual Feminina. Rev Conteporânea GO Fem. 2017;45:15. Após esses estágios o questionário ficou disponível para ser aplicado de modo a verificar suas propriedades de medida.

Os dados foram digitados, tabulados e analisados utilizando-se o sotfwares Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21. Para avaliar a consistência interna, foi calculado o coeficiente Alfa de Cronbach, a fim de verificar a homogeneidade dos itens, ou seja, sua acurácia. Como regra geral, a acurácia não deve ser inferior a 0,80 se a escala for amplamente utilizada, mas valores acima de 0,60 já indicam consistência entre os itens.1515 Carvalho MP de, Andrade FP, Peres W, Martinelli T, Simch F, Orcy RB, et al. O impacto da incontinência urinária e seus fatores associados em idosas. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(4):721-30.

A confiabilidade das aplicações foi feita através de teste-reteste, realizado pelo mesmo avaliador, com intervalo de 8 a 15 dias para repetição, a partir da primeira aplicação, na intenção de verificar a precisão das respostas. Foi avaliada a confiabilidade de cada item separadamente. Durante o período do estudo as participantes estavam em tratamento fisioterapêutico com frequência semanal, o que facilitou a realização do reteste.

Utilizou-se o coeficiente do Kappa ponderado para distinguir a discordância ou concordância entre as avaliações realizadas.1616 Silva RS PA. Por dentro da estatística. Educ Contin Saúde einstein. 2012;10(4):165-6. Os valores podem ser interpretados como: pequeno (0,00 a 0,20); regular (021 a 0,40); moderado (0,41 a 0,60); substancial (0,61 a 0,80) e quase perfeito (0,81 a 1,00).1717 Landis JR, Koch GG. The Measurement of Observer Agreement for Categorical Data. Biometrics. 1977;33(1):159.

Resultados

Para este estudo foram abordadas 80 mulheres, das quais duas não aceitaram participar por se tratar de assuntos que envolvem sexualidade e outras foram excluídas, pois não tinham vida sexual ativa, totalizando a amostra final de 56 mulheres. A idade média das participantes foi de 49,1 anos (DP= 11,6). As características sociodemográficas demonstraram que 40 (71,4%) eram casadas, 26 (46,4%) eram pardas; 19 (33,9%) concluíram o ensino médio; 31 (55,4%) tinham renda até um salário mínimo e 32 (57,1%) trabalhavam (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas da amostra.

A respeito dos antecedentes obstétricos, 52 (92,9%) disseram que já tinham tido alguma gestação, com uma mediana de 2,71 (DP= 1,8) partos, por participante, sendo eles normal ou cesárea com médias de 2,13 (DP= 1,9) e 0,67 (DP=0,7), respectivamente.

Em relação ao tipo de incontinência, a maioria das mulheres apresentou incontinência urinária mista 34 (60,7%), 13 (23,2%) incontinência urinária aos esforços e nove (16,1%) incontinência urinária de urgência (Tabela2). Ademais, 39 (69,6) mulheres haviam realizado cirurgia de histerectomia.

Tabela 2
Descrição dos antecedentes ginecológicos da amostra.

A análise do impacto da incontinência urinária na qualidade de vida, a partir do questionário ICIQ-SF, demonstrou que 46 (82,1%) participantes apresentaram um impacto muito grave; sete (12,5%) grave; uma (1,8%) moderado e duas (3,6%) nenhum impacto. Investigando a frequência de perda de urina, 33 (58,9%) relataram perder urina diversas vezes ao dia, 25 (44,6%) responderam que a quantidade de perda era pouca e a interferência na vida diária, naescala de 0 a 10, 22 (39,3%) marcaram 10 (Tabela 3).

Tabela 3
Descrição da amostra em número e percentual do resultado do ICIQ-SF.

O resultado da análise de consistência interna do questionário ICIQ-FLUTSsex medido pelo Alfa de Cronbach foi de 0,80. Sobre a concordância entre as respostas dadas na primeira e na segunda avaliações do ICIQ-FLUTSsex (teste-reteste), realizado com 41 (73,2%) participantes, o coeficiente de Kappa ponderado teve uma média de 0,59 (DP= 0,12) variando 0,36 a 0,76 (Tabela 4).

Tabela 4
Resultados de Kappa referente ao questionário ICIQ-FLUTSsex.

Discussão

O presente estudo avaliou a consistência interna e confiabilidade da versão em português do Brasil do ICIQ-FLUTSsex em mulheres com incontinência urinária. Ao nosso conhecimento, trata-se do primeiro estudo que avaliou as propriedades de medida de um questionário especifico para avaliar disfunção sexual em mulheres com disfunção no trato urinário inferior. Os resultados mostraram que o ICIQ-FLUTSsex, utilizado nesta população, foi de rápida aplicação e apresentou boa consistência interna e confiabilidade de teste e reteste moderada.

A maioria das participantes não eram nulíparas, sendo a via de parto vaginal a mais frequente. Um estudo realizado na Suécia, tipo coorte, com 5.236 mulheres constatou que ter parto vaginal, em comparação com a cesariana, aumentou o risco de IU em 275% para o período de 10 anos e em 67%, para 20 anos após o parto.1818 Gyhagen M, Bullarbo M, Nielsen TF, Milsom I. The prevalence of urinary incontinence 20 years after childbirth: A national cohort study in singleton primiparae after vaginal or caesarean delivery. BJOG An Int J Obstet Gynaecol. 2013;120(2):144-51. Não apenas a via de parto, mas a própria gestação pode influenciar o aparecimento da incontinência urinária. Outro estudo, do tipo transversal, realizado no Brasil com 220 mulheres, dois anos após o parto cesáreo, relatou que esse tipo de parto não previne a incontinência urinária.1919 Pascon Barbosa AM, Marini G, Piculo F, Rudge CVC, Calderon IMP, Rudge MVC. Prevalência de incontinência urinária e disfunção muscular do assoalho pélvico em primíparas dois anos após parto cesárea: Estudo transversal. Sao Paulo Med J. 2013;131(2):95-9.

O resultado do ICIQ-SF mostra que muitas mulheres apresentam impacto da incontinência muito grave sua na qualidade de vida. Um estudo qualitativo acrescenta que a IU causa impacto negativo na vida das mulheres acometidas, modificando seu comportamento diário, impondo-lhes restrições e comprometendo até mesmo seu convívio social.2020 Henkes DF, Fiori A, Carvalho JAM, Tavares KO FJ. Incontinência urinária: o impacto na vida de mulheres acometidas e o significado do tratamento fisioterapêutico. Sem Ciênc Biol Saúde. 2015;36(2):57-66. Um dos domínios acometido sem mulheres com incontinência é a sexualidade.2121 Silva AI, Almeida C, Aguiar H, Neves M, Teles MJ. Impacto da incontinência urinária na qualidade de vida sexual da mulher. Femina. 2016;44(3):364-76. Muitas podem sentir-se constrangidas, pois correm o risco de perder urina durante a relação. Somado ao medo da perda, algumas mulheres podem apresentar desconforto como dor ou secura vaginal.

Analisando os resultados, podemos inferir que a consistência interna do questionário ICIQ-FLUTSsex, avaliado pelo Alfa de Cronbach (0,80), foi boa. Segundo os critérios do COSMIN, o Alfa de Cronbach deve estar entre 0,70 e 0,95.2222 Prinsen CAC, Mokkink LB, Bouter LM, Alonso J, Patrick DL, Vet HCW, Terwee CB. COSMIN guideline for systematic reviews of patient-reported outcome measures. Qual Life Res. 2018;27(5):1147-57. Comparativamente, a versão deste mesmo questionário na língua grega obteve um alfa de 0,69 (consistência interna moderada).2323 Stavros A,* Themistoklis G, Niki K, George G and AA. The Validation of International Consultation on Incontinence Questionnaires in the Greek Language. Neurourol Urodyn. 2012;28(5):395-9. Entretanto, devido à variação da amostra e a intervenção durante o intervalo do reteste, não é possível concluir que a versão Brasileira seja superior a Grega.

Analisando os valores da confiabilidade do teste-reteste, através do Kappa ponderado, foi visto que os resultados variaram de uma concordância fraca a uma concordância substancial. Os valores desta pesquisa variaram de 0,36 a 0,76, com uma média de 0,59 o que se considera moderado. O item de menor concordância foi relativo quanto à dor durante a relação sexual.

Segundo os critérios de Terwee et al.,2424 Terwee CB, Bot SDM, de Boer MR, van der Windt DAWM, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42. o intervalo entre as administrações repetidas deve ser longo o suficiente para evitar a recordação, embora curto o suficiente para garantir que a mudança clínica não tenha ocorrido. Muitas vezes, uma ou duas semanas serão apropriadas.2424 Terwee CB, Bot SDM, de Boer MR, van der Windt DAWM, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42.

Uma limitação do estudo foi que todas as participantes estavam em tratamento pela fisioterapia pélvica e a possível interferência no resultado do reteste, com uma possível melhora dos sintomas.

Na validação desse questionário na versão grega, o reteste foi respondido depois 14 a 21 dias após a primeira avaliação e seus resultados obtiveram um Kappa ponderado variando de 0,61 a 0,86, que significa um valor de substancial a quase perfeito.

Como perspectivas para pesquisas futuras, seria relevante avaliar responsividade, uma propriedade para detectar diferenças entre dois pontos no tempo (mudança ao longo do tempo) dentro de grupos, ou seja, uma alteração clinicamente relevante nos escores de uma medida do estado funcional relacionado à saúde, para que o questionário possa ser utilizado também para acompanhamento do tratamento da disfunção sexual.

O objetivo deste estudo foi avaliar a consistência interna e a confiabilidade do ICIQ-FLUTSsex e publicar sua versão em português, e assim disponibilizar mais um instrumento de avaliação em mulheres que possuem alguma queixa sexual associada ao trato urinário inferior. O ICIQ-FLUTSsex possui a vantagem por ser simples, de fácil entendimento e aplicação, contribuindo dessa maneira com uma melhor avaliação de disfunções sexuais.

A versão do ICIQ-FLUTSsex em português se encontra disponível, mostrando-se como uma ferramenta válida, de fácil aplicação, para avaliar a disfunção sexual em mulheres com queixa de incontinência urinária.

References

  • 1
    Hunskaar S, K. Burgio, A.Clark, M.C. Lapitan N, R. Nelson, U. Sillén DT. Epidemiology of Urinary (UI) and Faecal (FI) Incontinence and Pelvic Organ Prolapse (POP). Int Cont Soc. 2009;255-312.
  • 2
    Wennberg AL, Molander U, Fall M, Edlund C, Peeker R, Milsom I. A Longitudinal Population-based Survey of Urinary Incontinence, Overactive Bladder, and Other Lower Urinary Tract Symptoms in Women. Eur Urol. 2009;55(4):783-91.
  • 3
    Dedicação AC, Haddad M, Saldanha MES, Driusso P. Comparação da qualidade de vida nos diferentes tipos de incontinência urinária feminina. Rev Bras Fisioter. 2009;13(2):116-22.
  • 4
    Melo B, Freitas B, Oliveira V, Menezes R. Correlation between signs and symptoms of urinary incontinence and self-esteem in elderly women. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(1):41-50.
  • 5
    Enrique JMB, Binfa LE, Cataldo Alejandra Carrasco V PA, Izaguirre HL, Sarrá SC. Índice De Función Sexual Femenina: Un Test Para Evaluar La Sexualidad De La Mujer. Rev Chil Obs Ginecol. 2004;69(692):118-25.
  • 6
    Abdo C, Oliveira Jr W, Moreira Jr E, Fittipaldi J. Perfil sexual da população brasileira: resultado do estudo do comportamento sexual (ECOS) do Brasileiro/Sexual profile of brazilian population: results from Brazilian Study of Sexual Behavior(BSSB). RBM Rev Bras Med. 2002;59(4):250-7.
  • 7
    Helena C, Abdo N. Quociente sexual feminino: um questionário brasileiro para avaliar a atividade sexual da mulher. Diagn Trat. 2009;14(2):89-1.
  • 8
    Hawthorne G, Sansoni J, Hayes L, Marosszeky N, Sansoni E. Measuring patient satisfaction with health care treatment using the Short Assessment of Patient Satisfaction measure delivered superior and robust satisfaction estimates. J Clin Epidemiol. 2014;67(5):527-37.
  • 9
    Martinez EZ. Validade de construto de uma versão em português do Female Sexual Function Index Construct validity of a Portuguese version of the Female Sexual Function Index. 2009;25(11):2333-44.
  • 10
    Nunes Tamanini JT, Dambros M, D'Ancona CAL, Rodrigues Palma PC, Rodrigues Netto N. Validação para o português do "International Consultation on Incontinence Questionnaire - Short Form" (ICIQ-SF). Rev Saúde Pública. 2004;38(3):438-44.
  • 11
    Katz L, Guendler JA, Flamini MEDM, Flamini RC, Vieira JSBC, Schulze NBB AM. ICIQ-FLUTSsex: uma nova ferramenta para avaliação da Incontinência Urinária e Disfunção Sexual Feminina. Rev Conteporânea GO Fem. 2017;45:15.
  • 12
    Barbara G, Tabachnick LSF. Using multivariate statistics 4th ed. Boston: Allyn and Bacon; 2001.
  • 13
    Sapnas KG, Zeller RA. Minimizing Sample Size When Using Exploratory Factor Analysis for Measurement. J Nursiing Meas. 2002;10(2):135-54.
  • 14
    Padilha J, Conte da Silva A, Zarpellon Mazo G, De Godoy Marques CM. Investigação Da Qualidade De Vida De Mulheres Com Incontinência Urinária. Arq Ciênc Saúde UNIPAR. 2018;22(1):43-8.
  • 15
    Carvalho MP de, Andrade FP, Peres W, Martinelli T, Simch F, Orcy RB, et al. O impacto da incontinência urinária e seus fatores associados em idosas. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2014;17(4):721-30.
  • 16
    Silva RS PA. Por dentro da estatística. Educ Contin Saúde einstein. 2012;10(4):165-6.
  • 17
    Landis JR, Koch GG. The Measurement of Observer Agreement for Categorical Data. Biometrics. 1977;33(1):159.
  • 18
    Gyhagen M, Bullarbo M, Nielsen TF, Milsom I. The prevalence of urinary incontinence 20 years after childbirth: A national cohort study in singleton primiparae after vaginal or caesarean delivery. BJOG An Int J Obstet Gynaecol. 2013;120(2):144-51.
  • 19
    Pascon Barbosa AM, Marini G, Piculo F, Rudge CVC, Calderon IMP, Rudge MVC. Prevalência de incontinência urinária e disfunção muscular do assoalho pélvico em primíparas dois anos após parto cesárea: Estudo transversal. Sao Paulo Med J. 2013;131(2):95-9.
  • 20
    Henkes DF, Fiori A, Carvalho JAM, Tavares KO FJ. Incontinência urinária: o impacto na vida de mulheres acometidas e o significado do tratamento fisioterapêutico. Sem Ciênc Biol Saúde. 2015;36(2):57-66.
  • 21
    Silva AI, Almeida C, Aguiar H, Neves M, Teles MJ. Impacto da incontinência urinária na qualidade de vida sexual da mulher. Femina. 2016;44(3):364-76.
  • 22
    Prinsen CAC, Mokkink LB, Bouter LM, Alonso J, Patrick DL, Vet HCW, Terwee CB. COSMIN guideline for systematic reviews of patient-reported outcome measures. Qual Life Res. 2018;27(5):1147-57.
  • 23
    Stavros A,* Themistoklis G, Niki K, George G and AA. The Validation of International Consultation on Incontinence Questionnaires in the Greek Language. Neurourol Urodyn. 2012;28(5):395-9.
  • 24
    Terwee CB, Bot SDM, de Boer MR, van der Windt DAWM, Knol DL, Dekker J, et al. Quality criteria were proposed for measurement properties of health status questionnaires. J Clin Epidemiol. 2007;60(1):34-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2019
  • Aceito
    26 Dez 2019
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira Rua dos Coelhos, 300. Boa Vista, 50070-550 Recife PE Brasil, Tel./Fax: +55 81 2122-4141 - Recife - PR - Brazil
E-mail: revista@imip.org.br