Preditores da baixa habilidade percepto-motora em crianças de 4-5 anos de idade

Resumo

Objetivos:

avaliar os preditores da baixa habilidade percepto-motora em crianças em idade pré-escolar.

Métodos:

trata-se de um estudo transversal aninhado a uma coorte de nascimentos envol-vendo pares de mães-crianças. A habilidade percepto-motora das crianças foi avaliada indi-vidualmente em suas residências quando completaram 4-5 anos de idade, utilizando-se o Teste de Habilidades e Conhecimento Pré-Alfabetização (THCP^®), um instrumento brasileiro validado. Análise de regressão logística foi utilizada para estimar a associação entre a baixa habilidade percepto-motora das crianças e potenciais fatores de risco materno-infantil.

Resultados:

das 199 crianças incluídas no estudo, 53,8% eram meninos, 90,8% frequen-tavam a escola, e 91,1% estudavam em escola pública. Entre as crianças, 114 (57,3%), 41 (20,6%) e 44 (22,1%) revelaram baixa, moderada e elevada habilidade percepto-motora, respectivamente. A análise de regressão logística ajustada revelou maior chance de crianças em idade pré-escolar apresentar baixa habilidade percepto-motora quando em meninos (OR=2,10; IC95%=1,14-3,88), crianças que não frequentavam a escola (OR=4,61; IC95%=1,21-17,49), e possuíam renda familiar <5 salários mínimos (SM) (OR=4,28; IC95%=1,49-12,26).

Conclusões:

nosso estudo revelou que sexo masculino, renda familiar <5 SM, e não frequentar a escola foram preditores significativos da baixa habilidade percepto-motora em crianças de 4-5 anos de idade.

Palavras-chave:
Habilidade percepto-motora; Desenvolvimento cognitivo; Idade pré-escolar; Habilidade motora

Abstract

Objectives:

the purpose of this study was to evaluate the predictors of low perceptual-motor skills in children at preschool age.

Methods:

this is a cross-sectional study nested in a birth cohort involving mother-child pairs. The children’s perceptual-motor skills were assessed individually in their homes when they were 4-5 years old using the Pre-Literacy Skills and Knowledge Test (THCP^®), a vali-dated Brazilian instrument. Logistic regression analysis was used to estimate the association between cognitive perceptual-motor skills and potential maternal and child risk factors.

Results:

of the 199 children included in the study, 53.8% were boys, 90.8% attended school, and 91.1% were enrolled in a public school. Among the children, 114 (57.3%), 41 (20.6%) and 44 (22.1%) had low, moderate and high perceptual-motor skills, respectively. Multivariate logistic regression analysis revealed greater odds of children at preschool age having low perceptual motor skills for boys (OR=2.10; CI95%= 1.14-3.88), children who did not attend school (OR=4.61; CI95%= 1.21-17.49), and those with a household income <5 minimum wages (MW) (OR=4.28; CI95%= 1.49-12.26).

Conclusions:

our study showed that male gender, not attending school and a monthly household income <5 MW were predictors of low perceptual-motor skills in children at 4-5 years of age.

Key words:
Perceptual-motor skill; Cognitive development; Cognitive skill; Pre-school age; Motor skill

Introdução

O desenvolvimento cognitivo da criança é uma característica complexa, influenciada por múltiplos fatores¹e compreende diferentes habilidades cognitivas, como atenção, memória, execução/expressão da informação e habilidade percepto-motora.²A habilidade motora é formada pela prática motora, que consiste em um conjunto de habilidades motoras que descrevem a condição motora geral de um indivíduo.³A habilidade percepto-motora está relacionada ao reconhecimento e interpretação de estímulos sensoriais seguidos de uma resposta na forma de movimento.²É também, um conjunto de habilidades que envolve coordenação e uma sequencia de movimentos para atingir um determinado objetivo.⁴

O desenvolvimento motor promove e requer melhorias na flexibilidade comportamental devido a novas habilidades motoras fornecerem novas oportunidades de ação e exigirem novas soluções.⁵Inclui ainda equilíbrio, movimentos motores finos e grossos, velocidade, força, agilidade e destreza manual.⁴Em geral, os indivíduos com baixa habilidade percepto-motora apresentam baixo desempenho acadêmico, problemas de escrita e dificuldade para atuar em profissões que exigem elevada habilidade percepto-motora.⁶

A habilidade percepto-motora não pode ser considerada como um processo independente e dissociado do ambiente,⁷já que está associada a diversos fatores como personalidade, estado nutricional, hábito alimentar, desenvolvimento físico,⁸distúrbios cognitivos, afetivos ou motores, características socioeconómicas e estimulação motora no ambiente familiar e escolar.^6,9-12A escola também é fundamental para o desenvolvimento cognitivo da criança, uma vez que ocorre durante um período importante do seu desenvolvimento.^6,9Identificar os fatores que afetam a habilidade percepto-motora no início da aprendizagem não só contribui para a melhoria do desempenho da criança em sala de aula,⁹como também para seu desempenho profissional quando adulta.

Neste sentido, o objetivo deste estudo foi examinar se existe associação entre as características biológicas, socioeconómicas e demográficas da mãe/criança e a habilidade percepto-motora da criança quatro anos após o parto. Os resultados serão úteis para aumentar nosso conhecimento sobre habilidade percepto-motora de crianças em idade pré-escolar.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal aninhado a um estudo de coorte de nascimentos denominado “Preditores do excesso peso corporal materno-infantil - Estudo PREDI, iniciado na Maternidade Darcy Vargas, em Joinville, maior cidade do Estado de Santa Catarina, Brasil. O estudo PREDI foi elaborado para investigar os determinantes e as consequências de crianças nascidas grandes para a idade gestacional e do excesso de peso corporal materno-infantil em mães e seus filhos ao longo dos anos.^13,14

O presente estudo utilizou dados obtidos das mães e seus filhos na linha de base do estudo PREDI (2012, quando as crianças nasceram), e após 2 e 4 anos de seguimento (2014 e 2016, respectivamente). Os detalhes do processo de recrutamento na linha de base foram previamente descritos.^13,14Brevemente, todas as mulheres com mais de 18 anos de idade que deram à luz um único filho a termo (entre 37 e 42 semanas de gestação) foram convidadas a participar do estudo com seus recém-nascidos em janeiro-fevereiro de 2012. Os critérios de exclusão da linha de base incluíram pré-eclâmpsia, presença de doença infectocontagiosa (AIDS, hepatite, sífilis e toxoplasmose), defeitos congênitos e planos para adoção imediatamente após o parto. Dos 529 pares (mães-crianças) elegíveis para participar do estudo, 58 não atenderam aos critérios de inclusão e 36 não foram considerados por outros motivos, totalizando 435 pares de mães-crianças que participaram da avaliação inicial em 2012 (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma dos participantes ao longo do processo de recrutamento, Joinville, Brasil.

Um grupo de profissionais de saúde treinado coletou os dados tanto na linha de base como nos seguimentos. A coleta de dados incluiu avaliação antropométrica e informações demográficas, biológicas e socioeconómicas da mãe e da criança. Em todos os seguimentos os dados foram coletados individualmente, em um cómodo privado da casa dos participantes utilizando-se um formulário estruturado e previamente testado.

Linha de base, 2012

Como dados da linha de base foi utilizado somente o sexo das crianças, obtido do livro de registro dos dados da criança no berçário da maternidade, logo após o parto.

Primeiro seguimento, 2013-2014

O peso das crianças foi aferido em balança digital portátil pediátrica (Modelo BY20, Beurer®) com precisão de 10 g. O comprimento foi aferido utilizando-se régua antropométrica pediátrica (Modelo Wood, WCS®), com precisão de 0,1 cm. O estado nutricional das crianças foi classificado em duas categorias segundo o índice de massa corporal (IMC) por idade da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2006: <85 percentil, >85 e <97 percentil, e >97 percentil.¹⁵Todas as medidas antropométricas foram realizadas em duplicata, e a média das duas medidas foi considerada na análise dos dados.

A duração do aleitamento materno (em meses) foi auto-relatada pelas mães e classificada segundo os indicadores da OMS para avaliar as práticas adequadas de alimentação infantil.¹⁶Para o presente estudo todas as categorias de aleitamento materno não exclusivo foram combinadas em uma única categoria, denominada “aleitamento materno não exclusivo” (AMNE).16,17

Segundo seguimento, 2016-2017

No 2° seguimento a habilidade percepto-motora da criança foi coletada individualmente por meio do “Teste de Habilidades e Conhecimento Pré-Alfabetização (THCP)”, um instrumento brasileiro validado.¹⁸Além da habilidade percepto-motora, o teste avalia as habilidades cognitivas e motoras mais importantes do desenvolvimento pré-alfabetização

Linha de Base, 2012

em crianças de 4 a 7 anos de idade, incluindo memória, linguagem, pensamento quantitativo e atenção concentrada.¹⁸Para o presente estudo, apenas a habilidade percepto-motora das crianças foi considerado na análise dos dados. Essa habilidade inclui a capacidade de: 1) realizar movimentos finos e precisos dos dedos em resposta a um estímulo visual; 2) discriminar estímulos que são percebidos visualmente, e 3) perceber posições no espaço. O teste foi aplicado por uma psicóloga em um cômodo privado da casa do participante, geralmente na presença da mãe. Antes da aplicação do teste a mãe foi informada sobre seu procedimento e da importância de sua discrição durante sua execução. Após a apresentação do material à criança e quando esta se tornou receptiva a execução das atividades, a pesquisadora deu início ao teste. O tempo médio de aplicação do teste foi de 25 min, e a resposta de cada questão foi convertida em escore de acordo com a idade da criança. O escore cognitivo percepto-motor foi calculado considerando-se a idade e o número de acertos obtidos pela criança ao longo do teste, sendo 30 o escore máximo.

O desempenho percepto-motor das crianças foi classificado em três categorias de acordo com a idade e o escore total obtido: baixo (0-11), moderado (12-15) e elevado (>16) para crianças de 4 anos de idade; baixo (0-16), moderado (17-19) e elevado (>20) para crianças com idade >5 anos. Para o presente estudo, as categorias moderada e elevada foram combinadas em uma única categoria.

Os dados foram analisados nosoftwareestatístico IBM SPSS Statistics 22,0. O teste de proporções do x²foi utilizado para comparar a frequência das variáveis categóricas segundo a habilidade percepto-motora da criança (baixa e moderada/elevada). A idade materna (<30, 30-40 e >40 anos) e a renda familiar mensal (<3, 3-5 e >5 salários mínimos - SM) foram classificados segundo os critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.¹⁹A escolaridade materna (<9 anos para mulheres que concluíram o ensino fundamental; 912 anos para as que concluíram o ensino médio; >12 anos para aquelas que iniciaram/terminaram o curso de graduação) foi classificada segundo a Lei da Educação de 1996 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional).²⁰

O teste U de Mann-Whitney foi utilizado para comparar a mediana e o intervalo interquartil de variáveis com distribuição assimétrica (escore percepto-motor, IMC da criança, duração do aleitamento materno, idade e escolaridade materna, e renda familiar mensal).

Análise de regressão logística foi utilizada para estimar a associação entre as categorias da variável desfecho “habilidade percepto-motora (baixa e moderada/elevada)” e as variáveis preditoras (sexo, duração do aleitamento materno, prática alimentar, IMC da criança, frequentar a escola, tipo de escola, estímulo à criança, idade da mãe, estado civil, escolaridade da mãe e renda familiar mensal).Odds ratios(OR) e intervalos de confiança de 95% (IC) também foram calculados. Na análise não ajustada (Modelo 1), os efeitos brutos de cada fator de risco foram estimados. Utilizou-se abordagem hierárquica de três níveis (distal, intermediário e proximal) para ajustar os modelos considerando-se apenas as variáveis comp<0,20 na análise não ajustada (Modelo 1). As variáveis distais foram introduzidas primeiro no modelo (idade da mãe, escolaridade da mãe e renda familiar mensal), seguidas pelas variáveis intermediárias (sexo) e proximais (frequentar a escola e tipo de escola) (Modelo 2). No segundo modelo ajustado (Modelo 3), a variável “tipo de escola” não foi incluída na análise devido aos alunos que não frequentaram a escola não terem sido classificados quanto ao tipo de escola. O SM em 2014 foi o equivalente a US $ 306,00.

Neste estudo, a presença de estímulo infantil foi considerada quando a mãe relatou praticar algum tipo de atividade que contribuísse para a aprendizagem da criança, como leitura de diferentes tipos de livros, contação de histórias, uso de jogos educativos, atividades envolvendo música, entre outras atividades relacionadas. O testeVariance Inflation Factor Testrevelou baixa colinearidade entre as variáveis preditoras. Ump<0,05 foi considerado estatisticamente significativo em todas as análises.

Todos os procedimentos desenvolvidos no estudo seguiram as normas éticas envolvendo seres humanos. O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade da Região de Joinville aprovou este estudo (Protocolo n° 107/2011).

Resultados

Das 199 crianças incluídas no estudo, 114 (57,3%), 41 (20,6%) e 44 (22,1%) apresentaram habilidade percepto-motora baixa, moderada e elevada, respectivamente. A Tabela 1 mostra as variáveis categóricas das crianças e das mães no período 2012 a 2016 segundo a habilidade percepto-motora das crianças aos 4-5 anos de idade. A proporção de crianças com baixa habilidade percepto-motora foi significativamente maior entre os meninos (63,6%), crianças que não frequentavam a escola (83,3%) e aquelas que estudavam em escolas públicas (56,4%), quando comparadas à meninas, crianças que frequentavam a escola e aquelas que estudavam em escolas privadas, respectivamente. Em relação às características maternas, a proporção de crianças com baixa habilidade percepto-motora foi significativamente maior entre as mães que estudaram <12 anos (70,3%) e com renda familiar mensal <5 SM (60,2%), quando comparadas às mães que estudaram >12 anos e ganhavam >5 SM.

Tabela 1
Características (variáveis categóricas) dos participantes do estudo segundo a habilidade percepto-motora da criança aos 4-5 anos de idade. Estudo PREDI, 2014-17.

Variáveis	Habilidade percepto-motora (n = 199)
	Baixo		Moderado/Elevado		Total		p
	n	%	n	%	n	%
Crianças
Sexo							0,054
Feminino	46	50,0	46	50,0	92	46,2
Masculino	68	63,6	39	36,4	107	53,8
Duração do aleitamento materno (meses)							0,417
≥ 6	40	60,6	26	39,4	66	33,5
≥ 4 e < 6	41	59,4	28	40,6	69	35,0
< 4	31	50,0	31	50,0	62	31,5
Práticas de alimentação							0,687
Aleitamento materno exclusivo	41	60,3	27	39,7	68	34,5
Aleitamento materno não exclusivo	63	54,3	53	45,7	116	58,9
Aleitamento artificial	8	61,5	5	38,5	13	6,6
IMC da criança (Percentil)							0,592
≤ 85	78	56,9	59	43,1	137	69,5
> 85 e < 97	22	52,4	20	47,6	42	21,3
≥ 97	12	66,7	6	33,3	18	9,2
Frequentar a escola							0,023
Sim	97	54,2	82	45,8	179	90,8
Não	15	83,3	3	16,7	18	9,2
Tipo de escola							0,054
Privada	5	31,3	11	68,8	16	8,9
Pública	92	56,4	71	43,6	163	91,1
Estímulo à criança							0,722
Sim	90	56,3	70	43,8	160	81,2
Não	22	59,5	15	40,5	37	18,8
Mães
Idade da mãe (anos)							0,231
≥ 40	10	43,5	13	56,5	23	11,7
30 - 40	43	54,4	36	37,9	95	48,2
< 30	59	62,1	36	37,9	79	40,1
Estado civil							0,350
Casada/União consensual	75	45,2	91	54,8	166	85,6
Outra	10	35,7	18	64,3	28	14,4
Trabalha?							0,301
Não	50	47,2	56	52,8	106	54,6
Sim	35	39,8	53	60,2	88	45,4
Escolaridade materna (anos)							<0,001
≥ 12	31	37,3	52	62,7	83	42,8
9 - 12	46	70,8	19	29,2	65	33,5
< 9	32	69,6	14	30,4	46	23,7
Renda familiar mensal (SM)							0,007
≥5	6	26,1	17	73,9	23	11,9
3 - 5	32	57,1	24	42,9	56	28,9
< 3	71	61,7	44	38,3	115	59,2

• IMC = Índice de massa corporal; SM = Salário mínimo.

Os determinantes da baixa habilidade percepto-motora estão descritos na Tabela 2. A análise não ajustada (Modelo 1) mostrou que crianças do sexo masculino e que não frequentavam a escola apresentaram chances significativamente maiores para baixa habilidade percepto-motora aos 4-5 anos de idade, quando comparadas à meninas (OR = 1,74, IC95% = 0,99-3,07) e à crianças que frequentavam a escola (OR = 4,23, IC95% = 1,18-15,11). No que tange às características maternas, a chance das crianças apresentarem baixa habilidade percepto-motora aos 4-5 anos de idade foi maior para as mães que estudaram <9 anos e aquelas que ganhavam <5 SM, quando comparada às mães que estudaram >9 anos e que ganhavam >5 SM (OR = 2,11, IC95% = 1,04-4,27; OR = 4,29, IC95% = 1,61-11,43, para escolaridade da mãe e renda familiar mensal, respectivamente). Após o ajuste do modelo considerando-se apenas as variáveis comp<0,20 da análise não ajustada (Modelo 1), crianças do sexo masculino e com renda familiar mensal <5 SM apresentaram maior chance de baixa habilidade percepto-motora aos 4-5 anos de idade, quando comparadas a crianças do sexo feminino e com renda familiar mensal >5 SM (Modelo 2: OR = 2,11, IC95% = 1,12-3,97; OR = 5,10, IC95% = 1,58-16,45, respectivamente).

Tabela 2
Determinantes da baixa habilidade percepto-motora em crianças brasileiras de 4-5 anos de idade. Estudo PREDI, 2014-17.

Variável	Modelo 1 (n = 199)		Modelo 2 (n = 176)		Modelo 3 (n = 193)
	OR (IC95%)	p	OR (IC95%)	p	OR (IC95%)	p
Crianças
Sexo
Feminino	Referência		Referência		Referência
Masculino	1,74 (0,99 - 3,07)	0,054	2,11 (1,12 - 3,97)	0,021	2,10 (1,14 - 3,88)	0,018
Duração do aleitamento materno (meses)
≥ 6	Referência
< 6	0,79 (0,43 - 1,45)	0,451
Práticas de alimentação
Aleitamento materno exclusivo	Referência
Aleitamento materno não exclusivo	0,81 (0,44 - 1,46)	0,479
IMC da criança (Percentil)
≤ 85	Referência
> 85	0,99 (0,54 - 1,83)	0,972
Frequentar a escola
Sim	Referência				Referência
Não	4,23 (1,18 - 15,11)	0,027			4,61 (1,21 - 17,49)	0,025
Tipo de escola
Privada	Referência		Referência
Pública	2,85 (0,95 - 8,58)	0,062	1,97 (0,60 - 6,48)	0,266
Estímulo à criança
Sim	Referência
Não	1,14 (0,55 - 2,36)	0,723
Mães
Idade da mãe (anos)
≥ 30	Referência		Referência		Referência
< 30	1,52 (0,86 - 2,67)	0,152	0,72 (0,38 - 1,38)	0,331	0,67 (0,36 - 1,22)	0,186
Estado civil
Casada/União consensual	Referência
Outra	1,48 (0,65 - 3,41)	0,352
Trabalha?
Não	Referência		Referência
Sim	0,74 (0,42 - 1,31)	0,302	1,07 (0,57 - 2,00)	0,930
Escolaridade materna (anos)
≥ 9	Referência		Referência		Referência
< 9	2,11 (1,04 - 4,27)	0,038	1,34 (0,61 - 2,96)	0,461	1,72 (0,80 - 3,66)	0,163
Renda familiar mensal (SM)
≥5	Referência		Referência		Referência
< 5	4,29 (1,61 - 11,43)	0,004	5,10 (1,58 - 16,45)	0,006	4,28 (1,49 - 12,26)	0,007

• SM = Salário mínimo; Modelo 1 corresponde à análise não ajustada; O Modelo 2 corresponde à análise ajustada incluindo variáveis com p≤0,20 do Modelo 1; O Modelo 3 corresponde à análise ajustada incluindo variáveis com p≤0,20 do Modelo 1, exceto para "tipo de escola".

O modelo 3 foi ajustado considerando-se apenas as variáveis comp<0,20 na análise não ajustada, exceto “tipo de escola”. Sexo masculino e não frequentar a escola continuaram sendo preditores independentes de baixa habilidade percepto-motora (OR = 2,10, IC95% = 1,14-3,88; OR = 4,61, IC95%= 1,21-17,49, respectivamente). Adicionalmente, a renda familiar mensal <5 SM continuou fortemente associada à baixa habilidade percepto-motora em crianças em idade pré-escolar (OR = 4,28; IC95% = 1,49-12,26).

Discussão

O presente estudo revelou que sexo masculino, não frequentar a escola e renda familiar mensal inferior a 5 SM foram associados a maior chance de crianças apresentarem baixa habilidade percepto-motora aos 4-5 anos de idade. Adicionalmente, observou-se associação positiva entre a escolaridade materna e a habilidade percepto-motora da criança, no entanto sem significância estatística após o ajuste para outras covariáveis.

Ao avaliarem como crianças e adultos percebem suas habilidades de movimento (controle de objetos e locomotor), e como suas habilidades perceptivas estão associadas ao meio ambiente, alguns autores relataram que tanto meninos como meninas são precisos em perceber sua competência de movimento.^21,22No entanto, parece haver diferença de gênero em favor das meninas para quase todas as tarefas de habilidades motoras na fase pré-escolar.²³As meninas tendem a desenvolver habilidades motoras mais finas e que requerem melhor concentração, como pintar, desenhar, modelar objetos e brincar de boneca, enquanto os meninos tendem a realizar atividades motoras mais grossas, como esportes, subir em árvores e correr.³As meninas desenvolvem as áreas do cérebro responsáveis pelo desenvolvimento motor um ano antes que os meninos.²⁴Em outras palavras, um maior controle da realização de movimentos repetitivos e padronizados tende a ocorrer mais cedo em meninas pré-escolares em relação a meninos da mesma faixa etária.²⁴

Fatores ambientais e culturais podem ser uma das causas para a diferença das habilidades motoras entre meninos e meninas.²³No entanto, essa diferença no desenvolvimento percepto-motor entre os sexos tende a desaparecer na adolescência.²⁴Em nosso estudo os dados também demonstraram melhor habilidade percepto-motora nas meninas na idade pré-escolar.

O estímulo das funções cognitivas na idade pré-escolar é extremamente importante para o desenvolvimento da criança, e a participação efetiva dos pais e familiares é necessária para continuar a promover atividades que estimulem o desenvolvimento cognitivo da criança ao longo dos anos. As crianças apresentam melhor desenvolvimento cognitivo quando suas mães possuem maior escolaridade e maior quociente de inteligência (QI), quando comparadas às crianças filhas de mães com menor escolaridade,^25,26mesmo quando nascem prematuras.^27,28No presente estudo, crianças filhas de mães com maior escolaridade exibiram melhor habilidade percepto-motora na análise não ajustada. As mães com nível de educação superior tendem a estimular seus filhos e a se envolver mais em suas atividades escolares.

O nível socioeconómico também é uma condição importante que influencia o desenvolvimento cognitivo da criança. Crianças cujos pais possuem ensino superior apresentam melhor coordenação corporal,²³ característica que vem de encontro aos nossos resultados. Neste estudo demonstramos que a proporção de crianças com baixa habilidade percepto-motora foi significativamente maior entre as mães que relataram renda familiar mensal <5 SM quando comparadas àquelas que ganhavam cinco ou mais SM. Em geral, as famílias de baixa renda não podem pagar materiais que ajudam a estimular o desenvolvimento cognitivo de seus filhos, como livros, jogos educativos, brinquedos, desenhos e pinturas, nem têm espaço adequado para brincar com seus filhos. A maioria dos pais de famílias com baixa renda trabalha o dia todo, e deixam a criança com parentes, como irmãos, avós ou tios/tias que também estão envolvidos em outras atividades domésticas. Também é importante enfatizar que famílias de baixa renda geralmente não têm a cultura de investir na aprendizagem de seus filhos por não terem recebido esse incentivo quando crianças. Esta é uma característica importante visto que tanto a leitura quanto a escrita por exemplo, estão associados ao desenvolvimento das habilidades motoras.¹⁰.²⁴

Outro resultado importante deste estudo foi a associação positiva entre habilidade percepto-motora da criança e frequentar a escola. As crianças que não frequentavam a escola apresentaram menor habilidade percepto-motora provavelmente devido à falta de estímulos advindos na escola. Durante a presença na escola as crianças participam de várias atividades que estimulam diferentes habilidades cognitivas, incluindo habilidades motoras. O papel da escola na melhoria do desenvolvimento cognitivo das crianças já foi relatado em outros estudos.^27,28Crianças que não frequentam a escola ou não são estimuladas pelos pais em casa são mais susceptíveis a desenvolverem baixa habilidade percepto-motora em diferentes idades. As atividades educacionais escolares no início da alfabetização melhoram diferentes habilidades cognitivas da criança e influenciam seu desempenho escolar ao longo dos anos.

A maioria dos estudos que avaliam a relação entre aleitamento materno e funções cognitivas em crianças e adolescentes usa testes gerais para avaliar o desenvolvimento cognitivo, como o teste de QI, por exemplo. Em geral, esses testes são fortemente influenciados por fatores biológicos, como estado físico, humor e motivação,^2,29e são realizados quando a criança já iniciou o ensino funda-mental.^10,30Para este estudo utilizamos um teste específico validado exclusivamente em crianças brasileiras para avaliar a habilidade percepto-motora, minimizando o viés de testes desenvolvidos com populações de outros países.

Alguns pontos fortes deste estudo devem ser mencionados. Os dados obtidos são primários, fato que abre espaço para futuras pesquisas na área. Adicionalmente, os dados foram obtidos de um estudo longitudinal em que o par mãe-filho foi avaliado concomitantemente pela maioria dos membros da mesma equipe, garantindo a qualidade das informações. Finalmente, o ajuste para importantes covariáveis também contribuiu para melhorar a qualidade da resposta.

Este estudo também tem algumas limitações. Primeiro, a falta de estudos envolvendo o tema e os diferentes desenhos de estudo dificultaram a comparação dos dados. Segundo, como a coleta de dados ocorreu nas casas dos participantes do estudo, os filhos podem ter sido influenciados pela presença dos pais ou de distrações no ambiente doméstico. Terceiro, algumas crianças não se sentiram motivadas em responder todo o instrumento, fato que pode ter influenciado os resultados do teste e gerado valores menores de escore total para a habilidade percepto-motora. A motivação é importante para qualquer teste de psicologia visto que mantém o interesse e melhora o desempenho da resposta. Quarto, embora o teste de Mann-Whitney não tenha mostrado diferença significativa para as variáveis escolaridade materna, peso ao nascer e IMC da criança entre as mães/crianças que participaram da linha de base e aquelas que não participaram dos seguimentos, um possível viés resultante da perda de seguimento não pode ser descartado. Finalmente, a prevalência relativamente alta de crianças com baixa habilidade percepto-motora (57,3%) de famílias com baixa renda (<5 SM) em nosso estudo sugere que essas crianças pertencem a um grupo de risco vulnerável, algumas vivendo em condições precárias.

Concluindo, este estudo mostrou que sexo, frequentar a escola e renda familiar mensal são fatores importantes que influenciam a habilidade percepto-motora no início da alfabetização. Do ponto de vista educacional e de saúde pública, acreditamos que estratégias voltadas para o aprimoramento da habilidade percepto-motora da criança ainda na fase pré-escolar são capazes de aprimorar seu desempenho cognitivo na adolescência e na idade adulta.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Out 2020
• Data do Fascículo
  Jul-Sep 2020

Histórico

• Recebido
  04 Fev 2019
• Revisado
  25 Maio 2020
• Aceito
  26 Jun 2020