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Insegurança materna na amamentação em lactantes atendidas em um banco de leite humano

Resumo

Objetivos:

verificar a prevalência e os fatores associados à insegurança materna na amamentação em lactantes atendidas em um banco de leite humano.

Métodos:

estudo transversal com dados retrospectivos de registros ocorridos de janeiro de 2017 a dezembro de 2018 no Banco de Leite Humano do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão.

Resultados:

analisou-se 891 atendimentos, dentre os quais 24,3% das lactantes apresentaram insegurança materna, sendo a segunda intercorrência mais prevalente. A maioria era adulta jovem, casada (68%), com nível superior completo (64,9%) e renda familiar acima de cinco salários mínimos (32,5%o). Em relação aos antecedentes obstétricos a maior frequência foi de primigestas (63, 7%), primíparas (70%), realizaram sete ou mais consultas de prénatal (91%) em serviços privados de saúde (76,5%) onde também ocorreu a maioria dos partos (78,6%), sendo a cesariana a via maisprevalente (86,5%); 47,2% relataram nunca ter recebido orientações sobre amamentação e 80, 7%o amamentavam pela primeira vez. Observou-se relação estatisticamente significativa (p-valor <0,05) com o local de realização do pré-natal, local do parto e via de parto.

Conclusão:

a insegurança materna foi a segunda intercorrência mamária mais prevalente entre as lactantes do serviço. Destaca-se a necessidade de orientações e aconselhamento adequados sobre o tema, especialmente durante o pré-natal, contribuindo para que se evite o desmame precoce.

Palavras-chave:
Aleitamento materno; Comportamento materno; Prevalência; Bancos de leite; Enfermagem

Abstract

Objectives:

to verify the prevalence and factors associated with maternal insecurity in breastfeeding with lactating women treated at a milk bank.

Methods:

cross-sectional study with secondary record data from January 2017 to December 2018 at the Human Milk Bank of the University Hospital of the Federal University of Maranhão.

Results:

a total of 891 lactating women were analyzed, of which 23.4% had maternal insecurity, being the second most prevalent complication. Most were young adults, married (68%), with complete higher education (64.9%) and family income above five minimum wages (32.5%). Regarding the obstetric history, the highest frequency was ofprimigravida (63.7%o), primiparous (70%), who had had seven or more prenatal appointments (91 %) in private health services (76.5%) where most births also occurred (78.6%), with cesarean section being the most prevalent mode of delivery (86.5%), 47.2% reported never having received guidance on breastfeeding and 80.7% were breastfeeding for the first time. There was a statistically significant relationship (p-value < 0.05) of maternal insecurity with the place where the prenatal care was performed and the place and mode of delivery.

Conclusion:

maternal insecurity was the second most prevalent breast complication among lactating women in the service. It stands out the need for adequate guidance and counseling on the subject, especially during prenatal care, contributing to avoid early weaning

Key words:
Breast feeding; Maternal behavior; Prevalence; Milk banks; Nursing

Introdução

O processo da amamentação é influenciado por diversos fatores, incluindo os aspectos maternos, principalmente no que se refere ao comportamento de cada mulher nesse contexto, aspectos relacionados à criança e aos períodos de parto e pós-parto e, ainda, de condições externas, as quais envolvem o ambiente e a rotina familiar.11 Fialho FA, Lopes AM, Dias IMAV, Salvador M. Fatores associados ao desmame precoce do aleitamento materno. Rev Cuidarte. 2014; 5 (1): 670-8.

Os componentes da rede social da nutriz, incluindo os profissionais de saúde, são capazes de exercer interferência na decisão de amamentar, sendo relevante atentar para a forma com que é feita a abordagem à mulher e seus familiares, pois nem sempre suas aflições são expostas de maneira espontânea. É preconizado pela OMS e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) que essa abordagem se dê de maneira efetiva, sendo necessários o uso de habilidades de aconselhamento como escuta qualificada, a compreensão e a oferta de ajuda, a fim de promover autoconfiança e autoestima, preparando-as para lidar com situações adversas e para tomada de decisões.22 Almeida JM, Luz SAB, Ued FV. Apoio ao aleitamento materno pelos profissionais de saúde: uma revisão integra-tiva da literatura. Rev Paulista Pediatr. 2015; 33 (3): 35562.

Por isso o período gestacional não deve ser excluído deste processo, pois em geral, é permeado de dúvidas e indecisões, sendo um momento suscetível ao surgimento de sentimentos como insegurança e medo.33 Marques ES, Cotta RMM, Priore SH. Mitos e crenças sobre o aleitamento materno. Revista de Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16 (5): 2461-8. A consulta de pré-natal é uma importante ferramenta nesse contexto, pois pensando na prevenção de possíveis intercorrências, é o ambiente mais propício para fomentar a prática da amamentação e empoderar a futura nutriz.44 Silva YJA, Damasceno AC, Pontes CDN, Correa MQ, Gurjão HHR, Lima IG Costa FB, Carvalho RC, Nascimento RS. Dificuldades no aleitamento materno na maternidade da fundação santa casa de misericórdia do Pará e o apoio do banco de leite. Rev Eletrônica Acervo Saúde. 2019; 11 (5): 1-14.

A insegurança materna geralmente está relacionada à percepção da mulher frente à capacidade de alimentar seu filho, constituindo um fator influ-enciador na decisão e na manutenção do aleitamento, sendo ainda apontada como uma das principais razões para a introdução de complementação nutricional antes do quarto mês de vida do bebê.55 Marques ES, Cotta RMM, Magalhães KA, Sant'Ana LFR, Gomes AP, Batista RSA. Influência da rede social da nutriz no aleitamento materno: o papel estratégico dos familiares e dos profissionais de saúde. Ciênc Saúde Coletiva. 2010; 15 (1): 1391-1400.

Estudos apontam para a existência de mitos e crenças incapacitantes sobre o aleitamento materno (AM), principalmente aos que se referem a produção, a qualidade do leite e ao choro da criança que, em geral, é mal interpretado e associado à fome, configurando importantes representações que justificam a introdução precoce de outros alimentos, a oferta de bicos artificiais e até mesmo a interrupção do AM.33 Marques ES, Cotta RMM, Priore SH. Mitos e crenças sobre o aleitamento materno. Revista de Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16 (5): 2461-8.

Seguindo tais argumentos verifica-se a relevância de pesquisas voltadas para os fatores influenciadores do desmame precoce, pois podem subsidiar a prática técnico-científica, levando a uma atuação mais direcionada e eficaz. Nesse sentido, o objetivo deste estudo é verificar a prevalência e os fatores associados à insegurança materna na amamentação em lactantes atendidas em um banco de leite humano.

Métodos

Trata-se de estudo transversal e analítico com abordagem quantitativa baseada nos dados retrospectivos dos registros de atendimentos ocorridos entre janeiro de 2017 a dezembro de 2018 no Banco de Leite Humano (BLH) do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão - Unidade Materno Infantil (HUUFMA-UMI).

O HUUFMA é um órgão da administração pública federal que desempenha assistência, ensino, pesquisa e extensão na área de saúde e afins, possuindo certificação pelo Ministério da Educação e Ministério da Saúde. A Unidade Materno Infantil é uma das três maternidades do estado do Maranhão que possui certificado de Hospital Amigo da Criança, revalidado em 2018, e possuindo também o incentivo no Cuidado Amigo da Mulher.66 ASCOM (São Luís). Assessoria de Comunicação do Huufma (Org.). Dia Nacional de Doação de Leite Humano mobiliza doadoras. 2018. [acesso 31 mar 2019]. Disponível em: http://www2.ebserh.gov.br/pt/web/hu-ufma/detalhes-das-noticias/-/asset_publisher/7d2qZuJcLDFo/content/id/3142351/2018-05-dia-nacional-de-doacao-de-leite-humano-mobiliza-doadoras.
http://www2.ebserh.gov.br/pt/web/hu-ufma...

O Banco de Leite Humano do HUUFMA funciona na Unidade Materno Infantil e conta com uma equipe multiprofissional para oferecer serviços de captação e coleta domiciliar de leite materno, seguimento de puericultura e assistência especializada às lactantes com intercorrências na amamentação, apoiando as mães nas possíveis dificuldades do amamentar, além de suporte e orientação.66 ASCOM (São Luís). Assessoria de Comunicação do Huufma (Org.). Dia Nacional de Doação de Leite Humano mobiliza doadoras. 2018. [acesso 31 mar 2019]. Disponível em: http://www2.ebserh.gov.br/pt/web/hu-ufma/detalhes-das-noticias/-/asset_publisher/7d2qZuJcLDFo/content/id/3142351/2018-05-dia-nacional-de-doacao-de-leite-humano-mobiliza-doadoras.
http://www2.ebserh.gov.br/pt/web/hu-ufma...

A informações inerentes a esta pesquisa foram recolhidas com base nos atendimentos especializados prestados às lactantes. Esses dado s eram registrados em livros específicos, com fichas de atendimento individual, preenchidos manualmente pela equipe multiprofissional da unidade, contendo informações sociodemográficas, obstétricas, principais queixas ou o motivo que a levou a busca pela assistência, diagnósticos e evolução dos casos, bem como informações sobre o recém-nascido (RN).

Desse modo, para viabilizar a coleta dos dados, foi realizada a reprodução dessa ficha de atendimento por meio de um instrumento criado na Plataforma Google Forms. As informações foram reunidas entre os meses de setembro a novembro de 2019 e, posteriormente, transcritas, gerando-se um banco de dados com o Programa Microsoft Excel.

Dentre todos os registros de atendimentos especializados ocorridos no período investigado, incluíram-se aqueles que apresentaram o campo “hipótese diagnóstica” preenchido com "insegurança materna”. Na análise estatística, para cada aspecto estudado, foram selecionados registros completos, excluindo-se os que não atendiam a esse critério.

As variáveis utilizadas para este estudo foram: sociodemográficas (idade, escolaridade, estado civil e renda familiar) e obstétricas (número de gestações, número de consultas pré-natal, local de realização do pré-natal, via de parto, local do parto, número de partos, orientações sobre amamentação e experiência prévia em amamentar).

Para a análise estatística, utilizou-se o programa Stata versão 14, onde foram estimadas as frequências absolutas e relativas das variáveis em estudo. Diferenças nas características associadas a insegurança materna foram verificadas por meio do teste qui-quadrado de Pearson, adotando-se nível de significância p<0,05. Os resultados foram apresentados sob o formato de tabelas e figuras.

Destaca-se que este estudo é resultante de um projeto macro identificado como “Perfil Epidemiológico das Lactantes Atendidas em um Banco de Leite Humano em São Luís - MA”, submetido e aprovado em instância ética, via Plataforma Brasil, sob o CAAE n° 16782719.8.0000.5086. Por se tratar de pesquisa envolvendo a análise de dado s retrospectivos referentes a seres humanos, obedeceu-se à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, havendo dispensa do uso de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No entanto, foi garantida a privacidade e a confidencialidade dos dados das pacientes, a fim de atenuar os riscos relativos ao sigilo.

Resultados

No período proposto pela pesquisa foram analisados 891 registros de atendimentos especializados a lactantes no BLH do HUUFMA. Dentre estes, a insegurança materna esteve presente em 216 mulheres, perfazendo 24,3% da amostra (Figura 1), configurando assim a segunda maior prevalência entre as intercorrências atendidas.

Dentre as queixas que levaram os profissionais a levantar a hipótese diagnóstica de insegurança materna pode-se destacar os relatos de “leite pouco”, “bebê não pega o peito” e “bebê não ganha peso”.

Em sua maioria eram adultas jovens, estando 36% na faixa etária entre 30 e 34 anos, 68% eram casadas, 64,9% possuíam nível superior completo e 32,5% possuíam renda familiar superior a cinco salários mínimos, não sendo observada relação estatisticamente significativa com nenhuma das variáveis sociodemográficas estudadas (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das lactantes com insegurança na amamentação segundo variáveis sociodemográficas. São Luís-MA, 2020.

Em relação às variáveis obstétricas, observou-se maior prevalência de insegurança nas pacientes que estavam em sua primeira gestação, correspondendo a 63,7% delas; 91% realizaram sete ou mais consultas de pré-natal, sendo 76,5% em serviços privados de saúde; 78,6% dos nascimentos ocorreram nos mesmos serviços; 70% das lactantes eram primíparas e 86,5% dos nascimentos tiveram a cesariana como via de parto.

A insegurança materna foi predominante entre aquelas que referiram nunca ter recebido orientações sobre amamentação (47,2%) e que estavam amamen-tando pela primeira vez (80,7%). Identificou-se relação estatisticamente significativa entre insegurança materna e o local de realização do pré-natal (p=0,043), o local onde ocorreu o parto (p=0,001) e a via de parto (p<0,029) (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição das lactantes com insegurança na amamentação segundo variáveis obstétricas. São Luís-MA, 2020..

Discussão

A insegurança da mãe no processo de amamentação pode ser revelada diante relatos como “leite fraco”, “pouco leite”, “o bebê não quis pegar o peito”, “o leite materno não mata a sede do bebê” e “os seios caem com a lactação”.11 Fialho FA, Lopes AM, Dias IMAV, Salvador M. Fatores associados ao desmame precoce do aleitamento materno. Rev Cuidarte. 2014; 5 (1): 670-8.,33 Marques ES, Cotta RMM, Priore SH. Mitos e crenças sobre o aleitamento materno. Revista de Ciênc Saúde Coletiva. 2011; 16 (5): 2461-8. Os três primeiros coincidem com os de maior relevância na classificação de insegurança materna nesse estudo.

As usuárias que buscaram por suporte especializado na amamentação no local de estudo, em sua maioria, possuíam um nível socioeconómico razoável, pertencentes à classe C, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maioria dos atendimentos foi feito a pacientes egressas de serviços privados de saúde, sendo este um cenário que remete ao princípio doutrinário de Universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS), revelando a importância dos BLHs como ferramenta no fortalecimento e apoio ao aleitamento materno.

A frequência maior na busca pelos atendimentos para suporte à amamentação por mulheres com bom nível sociocultural e económico evidenciado neste estudo, pode estar relacionada com o acesso aos serviços privados de saúde, tanto para acompanhamento pré-natal, quanto para realização do parto. Isto pode estar relacionado à inexistência de unidades privadas de saúde no município que possuam certificado IHAC e, por conseguinte, a disponibilização de suporte adequado para as mães nesses setores, recorrendo, então, às unidades de BLH em busca de orientações e/ou intervenções às intercorrências vivenciadas.

Recente trabalho realizado junto ao BLH de uma maternidade com título IHAC em Belo Horizonte -MG, mostrou que as lactantes atendidas por esta unidade, em sua maioria, apresentavam ensino médio completo (40,7%),77 Silva CM, Pellegrinelli ALR, Pereira SCL, Passos IR, Santos LC. Práticas educativas segundo os "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno" em um Banco de Leite Humano. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (5): 1661-7. o que difere do que foi evidenciado na presente investigação. Em contra-partida, pesquisa realizada em um BLH de Madrid, na Espanha, observou que a maioria das lactantes (65,3%) apresentava educação universitária,88 Colomina GS, Lara NG, Vieco DE, Ramón SV, Alonso EC, Pallas Alonso CR. Cracterísticas de las mujeres donantes de um banco de leche materna y relacíon com el tiempo de donacón. Anales de Pediatría. 2014; 80 (4): 236-41. corroborando com os resultados aqui encontrados.

Figura 1
Prevalência de insegurança na amamentação entre as lactantes atendidas (N=891) em um banco de leite humano de um hospital universitário, São Luís - MA, 2020.

Com relação ao pré-natal, a investigação de Belo Horizonte demonstrou que uma pequena parcela das usuárias não havia realizado esse acompanhamento de forma regular, apenas 1,3%; mais da metade dentre as que realizaram o fizeram em serviços públicos de saúde, 52,4%; e 38,8% delas relatou ter recebido orientações sobre amamentação em suas consultas,77 Silva CM, Pellegrinelli ALR, Pereira SCL, Passos IR, Santos LC. Práticas educativas segundo os "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno" em um Banco de Leite Humano. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22 (5): 1661-7. divergindo dos resultados encontrados nesta pesquisa.

Em uma maternidade do Pará, certificada como IHAC e portadora de uma unidade de banco de leite, constatou-se que a maioria das usuárias também havia feito mais de seis consultas de pré-natal (77,28%), destacando-se que 59,1% delas recebeu orientações sobre amamentação durante o pré-natal,44 Silva YJA, Damasceno AC, Pontes CDN, Correa MQ, Gurjão HHR, Lima IG Costa FB, Carvalho RC, Nascimento RS. Dificuldades no aleitamento materno na maternidade da fundação santa casa de misericórdia do Pará e o apoio do banco de leite. Rev Eletrônica Acervo Saúde. 2019; 11 (5): 1-14. estimativa que ultrapassa o dobro do percentual inferido neste estudo. Essa significativa diferença aponta para a fragilidade na oferta de orientações sobre aleitamento materno no pré-natal à população estudada.

Chama-se atenção para a valorização do tema, pois além de competências teóricas e clínicas, os profissionais de saúde envolvidos necessitam desenvolver habilidades de comunicação,22 Almeida JM, Luz SAB, Ued FV. Apoio ao aleitamento materno pelos profissionais de saúde: uma revisão integra-tiva da literatura. Rev Paulista Pediatr. 2015; 33 (3): 35562.,1010 Caminha MF, Serva VB, Anjos MM, Brito BB, Lins MM, Batisto FM. Exclusive breastfeeding among profissionals in a family healthcare program. Cienc Saude Coletiv. 2011; 16: 2245-2250. e tendo em vista que as informações sobre AM repassadas às gestantes durante o pré-natal podem não ser assimiladas totalmente, levando-as a realizar afirmativas acerca do desconhecimento sobre o assunto.1111 Silva NM, Waterkemper R, Silva EF, Cordova EP, Bonilha ALL. Conhecimento de puérperas sobre amamentação exclusiva. Rev Brase Enferm. 2014; 67 (2): 290-95.

Identificou-se neste estudo uma maior demanda em decorrência de insegurança materna por lactantes que realizaram o pré-natal em serviços de saúde privados e, apesar de terem comparecido a seis ou mais consultas de acompanhamento, é sabido que no a nível local estas são realizadas por profissionais médicos.

Na atenção básica, em especial no programa Estratégia de Saúde da Família (ESF), as gestantes contam com uma abordagem multiprofissional necessária para atender o princípio da integralidade do SUS. O pré-natal de risco habitual é conduzido pelo enfermeiro seguindo o caderno do Ministério da Saúde, que propõe que seja abordado com a mulher e seus familiares, dentre outros tópicos, a amamentação.1212 Rocha AC, Andrade GS. Atenção da equipe de enfermagem durante o pré-natal: percepção das gestantes atendidas na rede básica de Itapuranga-GO em diferentes contextos sociais. Rev Enferm Contemporânea. 2017; 6 (1): 30-41.

Ressalta-se ainda que o tema é um grande desafio para os profissionais de saúde, uma vez que eles se deparam com uma demanda para a qual não foram preparados e que exige sensibilidade e habilidade no seu trato. Para atuar na assistência à amamentação os profissionais devem ter uma abordagem refinada e que ultrapasse as fronteiras do biológico, compreendendo a nutriz em todas as suas dimensões do ‘‘ser mulher’’.1313 Araújo RM, Almeida JA. Aleitamento materno: o desafio de compreender a vivência. Rev Nutr. 2007; 20 (4): 431-8. Para tanto, a capacitação profissional é fundamental e deve ser estabelecida em nível técnico e superior, em caráter específico e multidisciplinar.1414 Hoddinott P, Pill R, Chalmers M. Health professionals, imple-mentation and outcomes: reflections on a complex interventionto improve breastfeeding rates in primary care. Fam Pract. 2007: 84-91.

Pesquisa realizada no município do Rio de Janeiro, com objetivo de avaliar a capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno, evidenciou que a equipe de enfermagem é dotada de melhores práticas em relação a outras categorias profissionais.1515 Jesus PC, Oliveira MIC, Moraes JR. Capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno e sua associação com conhecimentos, habilidades e práticas. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22(1): 311-20. Outro estudo revelou baixos escores alcançados por médicos e destacou melhor desempenho de fisioterapeutas e nutricionistas, o que demonstra o interesse e o empenho com a promoção do AM de outras categorias componentes da equipe multiprofissional.1616 Cavalcante AVSON, Borges EM, Araújo AGF, Medeiros LNB, Melo LGNS. Avaliação dos conhecimentos e práticas em aleitamento materno dos profissionais de saúde em um hospital amigo da criança. Rev Bras Educ Saúde. 2019; 9 (2): 13-20. No contexto da amamentação, a equipe de saúde deve manter um discurso homogêneo, pois informações discordantes podem gerar insegurança na nutriz e prejudicar o AM.1515 Jesus PC, Oliveira MIC, Moraes JR. Capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno e sua associação com conhecimentos, habilidades e práticas. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22(1): 311-20.

Outras investigações sobre o efeito da capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno no nível hospitalar se concentraram na área da enfermagem, ou apenas alcançaram somente este grupo, por falta de adesão das demais categorias. Tais achados sugerem maior sensibilização e disponibilização dos enfermeiros na participação em qualificações sobre AM.1515 Jesus PC, Oliveira MIC, Moraes JR. Capacitação de profissionais de saúde em aleitamento materno e sua associação com conhecimentos, habilidades e práticas. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22(1): 311-20. O conhecimento atribuído à enfermagem por meio de capacitações têm implicações positivas para a prática do aleitamento e é um fator importante no apoio a uma mãe na decisão de amamentar.1717 Watkins AL, Dodgson JE. Breastfeeding educational inter-venti-ons for health professionals: a synthesis of intervention studies. J Spec Pediatr Nurs. 2010; 15 (3): 223-32.

O HUUFMA oferece à sociedade o pré-natal de médio e alto risco que, conforme protocolo, é acompanhado por médico obstetra. Além disso, é disponibilizado às usuárias o acompanhamento com outros profissionais. Na unidade, são ofertados cursos para as gestantes, ministrados por enfermeiros, em que são tratados temas como parto, puerpério, amamentação e cuidados com o recém-nascido. No entanto, a participação das gestantes não é compulsória.

Sob o ponto de vista da paridade, as mulheres primíparas buscam auxílio em BLH com maior frequência,1818 Ferreira LB, Nea ITO, Sousa TM, Santos LC. Caracterização nutricional e sociodemográficas de lactantes: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23 (2): 437-48. o que corrobora os resultados aqui demonstrados. Estudo realizado em hospitais que prestam assistência ao parto, na Bahia, mostrou que a primiparidade foi encontrada como um dos principais fatores para a interrupção da amamentação ainda no primeiro mês de vida. Fatores culturais e crenças no contexto do primeiro parto, somados à insegurança da “mãe de primeira viagem” podem influenciar negativamente na decisão e na duração da amamentação.1919 Martins CC, Vieira GO, Vieira TO, Mendes CMC. Fatores de risco maternos e de assistência ao parto para interrupção precoce do aleitamento materno exclusivo: Estudo de coorte. Rev Baiana Saúde Coletiva. 2011; 35 (1): 167-78. Uma maior procura pelos serviços especializados por mulheres que estão vivenciando seu primeiro parto dá oportunidade de ofertar maior apoio e orientações a essa população a fim de proteger o AME.

Com relação ao tipo de parto, percebe-se uma alta prevalência de cesarianas no Brasil. Enquanto que em nível nacional a taxa é de 55,7%,2020 Freitas PF, Moreira BC, Manoel AL, Botura ACA. O parecer do Conselho Federal de Medicina, o incentivo à remuneração ao parto e as taxas de cesariana no Brasil. Cad Saúde Pública. 2015; 31 (9): 1839-55. neste estudo observou-se a incidência de 81,2%, condição que pode expor o binômio a situações desfavoráveis, pois o parto cesáreo já foi apontado como um dos fatores adversos ao aleitamento materno na primeira hora de vida.2121 Belo MNM, Azevedo PTACC, Belo MPM, Serva VMSBD, Batista Filho M, Figueiroa JN, Caminha MFC. Aleitamento materno na primeira hora de vida em um Hospital Amigo da Criança: prevalência, fatores associados e razões para sua não ocorrência. Rev Bras Saúde Materno Infantil 2014; 14 (1): 65-72.

Em pesquisa realizada no alojamento conjunto (ALCON) de uma unidade hospitalar certificada IHAC, no Rio Grande do Norte, a hipogalactia foi elencada como motivo para indicação de uso de complemento lácteo, sendo evidenciada a associação estatística desta variável com o parto do tipo cesáreo.2222 Pinheiro JMF, Menêzes TB, Brito KMF, Melo ANL, Queiroz DJM, Sureira TM. Prevalência e fatores associados à prescrição/solicitação de suplementação alimentar em recém nascidos. Rev Nutrição. 2016; 29 (3): 367-75. A associação encontrada no presente estudo entre a insegurança das mães frente à sua capacidade de amamentar e o parto cesariano pode estar relacionada a concepção construída pela mulher em relação a quantidade de leite produzido, tendo em vista que a hipogalactia está associada à via de parto em questão.

Em relação ao local de parto, notou-se baixa prevalência de insegurança materna entre as lactantes que tiveram seus bebês no HUUFMA, o que pode ser justificado pela existência de um anexo do BLH no ALCON da unidade de saúde, prestando assistência especializada às intercorrências relacionadas à amamentação de modo precoce, levando em consideração os aspectos biopsicossociais das usuárias. Tal prática também é observada em outras maternidades que possuem unidades de banco de leite, em que profissionais devidamente capacitados atuam oferecendo apoio para que as dificuldades no processo sejam superadas ainda nas enfermarias.44 Silva YJA, Damasceno AC, Pontes CDN, Correa MQ, Gurjão HHR, Lima IG Costa FB, Carvalho RC, Nascimento RS. Dificuldades no aleitamento materno na maternidade da fundação santa casa de misericórdia do Pará e o apoio do banco de leite. Rev Eletrônica Acervo Saúde. 2019; 11 (5): 1-14.

Desta forma, concluiu-se dando destaque à prevalência de insegurança materna entre as usuárias do serviço, condição que atingiu praticamente 25% das lactantes, sendo a segunda intercorrência mamária mais citada, e estando associada estatisticamente ao local de realização do pré-natal, local do parto e via de parto. Considerando-se esta intercorrência como um fator contribuinte para o desmame precoce, ressalta-se que essa percepção pode ser evitada por meio do acolhimento, informação e orientação adequadas, especialmente no pré-natal.

Reitera-se a importância dos serviços desenvolvidos nos Bancos de Leite Humano em todo o país, atuando como uma ferramenta importante, constituindo a rede SUS, contribuindo para o fortalecimento e incentivo à prática da amamentação, beneficiando lactantes, bebês e suas famílias.

Ressalta-se o destaque dos profissionais de saúde, especialmente a equipe de enfermagem, atuando em contexto multiprofissional, não somente nos serviços desenvolvidos no BLH, mas também no pré-natal e puerpério, com ações de orientação e incentivo à prática do aleitamento materno.

Consideram-se relevantes os resultados desta pesquisa para a comunidade científica e sociedade em geral, apresentando dados que podem embasar a prática dos profissionais e ações de saúde, para além da realidade local.

Como limitações enfatiza-se a escassez de trabalhos que abordem a insegurança materna como objeto de estudo, além dos dados inexistentes, incompletos ou ilegíveis, que não puderam ser contabilizados nesta análise.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2020
  • Revisado
    12 Nov 2020
  • Aceito
    28 Dez 2020
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