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Tendência da mortalidade neonatal evitável nos Estados do Brasil

Resumo

Objetivos:

descrever a tendência da mortalidade neonatal evitável por intervenções do Sistema Único de Saúde, no Brasil de 2000 a 2018, segundo grupos de causas de morte e residência materna.

Métodos:

estudo ecológico misto com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade e Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos. A análise ocorreu a partir do número e taxas de mortalidade neonatal evitável, modelos de regressão polinomial por método dos mínimos quadrados e mapas temáticos.

Resultados:

a taxa de mortalidade neonatal evitável reduziu de 10,98, em 2000, para 6, 76 por mil nascidos vivos, em 2018. Prevaleceram as causas evitáveis por adequada atenção à mulher na gestação, parto, feto e ao recém-nascido. As mortes por causas evitáveis por ações de promoção à saúde durante a gestação aumentaram no Maranhão (p=0,003) e Distrito Federal (p=0,001) e permaneceram estáveis em nove estados. Houve estabilidade nas taxas de mortalidade por parto no Maranhão, Piauí e Amazonas. As causas evitáveis por ações com o recém-nascido apresentaram tendência decrescente, com exceção de Roraima onde houve estabilidade.

Conclusão:

há desigualdades nas tendências das taxas de mortalidade neonatal evitável nos estados segundo grupo de causas e necessidade de melhorar o acesso e qualidade da assistência à saúde materno e infantil nesses locais.

Palavras-chave:
Mortalidade neonatal; Tendência; Registros de mortalidade; Distribuição espacial

Abstract

Objectives:

to describe the trend of preventable neonatal mortality due to interventions by the Unified Health System in Brazil from 2000 to 2018, according to groups of causes of death and maternal residence.

Methods:

mixed ecological study with data from the Mortality Information System and Information System on Live Births. The analysis occurred based on the number and rates of avoidable neonatal mortality, polynomial regression models by least squares method and thematic maps.

Results:

the avoidable neonatal mortality rate decreased from 10.98 in 2000 to 6.76 per 1,000 live births in 2018. Preventable causes prevailed due to adequate care for women during pregnancy, childbirth, fetus and newborn. Deaths from preventable causes from health promotion actions during pregnancy increased in Maranhão (p=0.003) and the Federal District (p=0.001) and remained stable in nine states. There was stability in the rates of mortality due to delivery in Maranhão, Piauí and Amazonas. The causes avoidable by actions with the newborn showed a decreasing trend, except for Roraima where there was stability.

Conclusions:

there are inequalities in trends of avoidable neonatal mortality rates in the states second according to the group of causes and the need to improve access to and quality of maternal and child health care in these places

Key words:
Neonatal mortality; Trend; Mortality records; Spatial distribution

Introdução

A morte neonatal é aquela que ocorre no período de zero a 27 dias de vida e considerada um importante indicador de saúde pública nos países,!-22 Roos N, Von Xylander SR. Why do maternal and newborn deaths continue to occur? Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2016; 36: 30-44. com causas relacionadas aos cuidados de saúde ofertados na gestação, parto e após o nascimento.3-43 World Health Organization. United Nations Children's Fund. World Bank Group. United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. Levels & Trends in Child Mortality: Report 2018. Genebra (OMS). 2018 [cited 2020 May 20];1-44. Available from: https://www.unicef.org/reports/levels-and-trends-child-mortality-report-2018
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Embora seja o principal componente da mortalidade infantil, as mortes neonatais no mundo reduziram de 37 mortes por mil nascidos vivos em 2000, para 18,0 por mil nascidos vivos, em 2017.33 World Health Organization. United Nations Children's Fund. World Bank Group. United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation. Levels & Trends in Child Mortality: Report 2018. Genebra (OMS). 2018 [cited 2020 May 20];1-44. Available from: https://www.unicef.org/reports/levels-and-trends-child-mortality-report-2018
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No Brasil, a taxa de mortalidade neonatal, que era de 26 óbitos por mil nascidos vivos em 1990, declinou para 16,7 por mil nascidos vivos em 2015.5 Contribuíram para esse declínio, no Brasil, a implantação de políticas públicas voltadas à melhoria da atenção à saúde materno e infantil, dentre elas, o Programa Nacional de Humanização do Parto e Nascimento, em 2000, e o Rede Cegonha, em 2011, visando atingir as metas estabelecidas nos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), definidas pela Organização das Nações Unidas (ONU).66 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23 (6): 1915-28.

Os principais fatores de risco da morte neonatal são a ausência ou baixa qualidade da assistência prénatal, intercorrências de saúde materna durante a gravidez, o baixo peso ao nascer, a asfixia ao nascer e a prematuridade,77 Veloso FCS, Kassar LML, Oliveira MJC, Lima THB de, Bueno NB, Gurgel RQ, Kassar SB. Analysis of neonatal mortality risk factors in Brazil: a systematic review and meta-analysis of observational studies. J Pediatr. 2019; 95 (5): 519-30. que são agravos considerados evitáveis por intervenções dos serviços de saúde.88 Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, França E, Almeida MF, Duarte EC, Grupo Técnico. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010; 19 (2): 173-6. A erradicação da mortalidade neonatal evitável faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU,99 Brasil. O Brasil e os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio [Internet]. 2018. [acesso 10 maio 2020]; 1-4. Disponível em: http://www.odmbrasil.gov.br/o-brasil-e-os-odm
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e a compreensão da tendência da mortalidade pode auxiliar no alcance dessa meta.1010 Hug L, Alexander M, You D, Alkema L. National, regional, and global levels and trends in neonatal mortality between 1990 and 2017, with scenario-based projections to 2030: a systematic analysis. Lancet Glob Health. 2019; 7 (6): e710-20.

As análises de tendência dos coeficientes de mortalidade neonatal são importantes para a avaliação das políticas e projeção de mortalidade, sendo ferramentas úteis ao planejamento das ações de saúde.1111 Blencowe H, Calvert C, Lawn JE, Cousens S, Campbell OMR. Measuring maternal, foetal and neonatal mortality: Challenges and solutions. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2016; 36: 14-29. Um estudo mundial sobre a tendência da mortalidade neonatal no período de 1990 a 2017 demonstrou a redução das taxas de mortalidade neonatal, que declinaram de 30,6 mortes por mil nascidos vivos, em 1 990, para 18,0 mortes por mil nascidos vivos, em 2017. O estudo fez a previsão da ocorrência de 27,8 milhões de mortes neonatais no mundo, de 2018 a 2030,10 caso seja mantido o nível de tendência de redução dos coeficientes nos países. Dessa forma, a identificação da tendência da mortalidade neonatal evitável em diferentes espaços e realidades pode otimizar as práticas de cuidados, contribuir para a utilização racional dos recursos e reorganizar as redes de atenção para promover a redução das inequidades em saúde.1212 Saltarelli RMF, Prado RR do, Monteiro RA, Malta DC. Tendência da mortalidade por causas evitáveis na infância: contribuições para a avaliação de desempenho dos serviços públicos de saúde da Região Sudeste do Brasil. Rev Bras Epidemiol. 2019; 22: e190020.

Fornecer evidências científicas para a avaliação das políticas implantadas e planejamento de medidas destinadas à redução da mortalidade neonatal evitável nos estados do Brasil foi a motivação do estudo que teve como objetivo analisar a tendência da mortalidade neonatal evitável por intervenções do Sistema Único de Saúde, segundo grupos de causas e estado de residência materna, no período de 2000 a 2018.

Métodos

Trata de um estudo ecológico misto, com abordagem espacial e temporal, das mortes neonatais evitáveis ocorridas nos estados do Brasil, de 2000 a 2018. Justifica-se o recorte temporal por considerar o ano 2000, data de publicação da “Declaração do Milênio” da ONU, um importante momento do estabelecimento de metas para a melhoria dos indicadores sociais e de saúde das nações.

Foram utilizados dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade que tem por finalidade sistematizar informações a partir da Declaração de Óbito em todo território brasileiro e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) que contempla os registros das Declarações de Nascidos Vivos no Brasil. Os arquivos do SIM e SINASC estão disponíveis de acordo com o ano e estado de residência.

Os registros das mortes com idade menor ou igual a 27 dias, tiveram suas causas classificadas em evitáveis ou não evitáveis. A classificação ocorreu por meio da comparação do Código Internacional de Doenças (CID) do campo causa básica do óbito (CAUSABAS), com os códigos contidos na “Lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil”.88 Malta DC, Sardinha LMV, Moura L, Lansky S, Leal MC, Szwarcwald CL, França E, Almeida MF, Duarte EC, Grupo Técnico. Atualização da lista de causas de mortes evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde do Brasil. Epidemiol Serv Saúde. 2010; 19 (2): 173-6.

As causas evitáveis da lista estão distribuídas nos seguintes grupos: 1) Reduzíveis por ações de imunoprevenção; 2.1) Reduzíveis por adequada atenção à mulher na gestação; 2.2) Reduzíveis por adequada atenção no parto; 2.3) Reduzíveis por adequada atenção ao recém-nascido; 3) Reduzíveis por ações adequadas de diagnóstico e tratamento; e 4) Reduzíveis por ações adequadas de promoção à saúde. As causas de morte mal definidas e demais causas foram excluídas da análise.

A análise das mortes neonatais segundo grupo de causas evitáveis8 e local de residência, ocorreu por meio das frequências absoluta e relativa, ano de ocorrência, triênios (2000 a 2002; 2008 a 2010; 2016 a 2018) e taxas de mortalidade neonatal por mil nascidos vivos. Para as taxas do primeiro (T1) e último (T3) triênios, calculou-se a variação percentual por meio da fórmula: T3T1/T1x100. Para a análise da tendência dos três principais grupos de causas evitáveis foi realizado regressão polino-mial, por método dos mínimos quadrados, considerando os anos calendário como variável independente (X) e a taxa de mortalidade neonatal evitável como variável dependente (Y). Foram testados os modelos de regressão linear Y=β0+β1X, de segunda ordem Y=β0+β1X+β2X2 e terceira ordem Y=β0+β1X+β2X2+β3X3. Utilizou-se a análise de resíduo para avaliar a adequação do modelo, assim como a homocedastici-dade das variáveis por estados e grupo de causas. Foi considerada tendência significativa aquela cujo modelo apresentou p<0,05. Por meio das equações, foi possível identificar a média da taxa de mortalidade neonatal evitável no período nos estados (Pq), bem com o impacto da redução ou aumento no ano que se deseja estimar. O software utilizado foi o SPSS Statistics, versão 20.0.

A tendência da mortalidade neonatal em cada estado foi representada em mapas temáticos, tendo como base cartográfica o mapa do Brasil disponível no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os mapas foram construídos com o Sistema de Informação Geográfica (SIG) de código aberto QGIS versão 3.4.

Os preceitos contidos na Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitados e por se tratar de uma pesquisa com dados secundários, de domínio público, sem a identificação dos neonatos ou de suas famílias, este estudo dispensou de utilização do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

De 2000 a 2018 foram identificados 56.442.235 registros no SINASC e 591.097 registros de mortes neonatais no SIM, sendo 76% classificadas como evitáveis por intervenções do Sistema Único de Saúde. A taxa de mortalidade neonatal por todas as causas reduziu de 13,60 por mil nascidos vivos, em 2000, para 8,54, em 2018. Por outro lado, a taxa de mortalidade neonatal evitável reduziu de 10,98 por mil nascidos vivos, em 2000, para 6,76, em 2018. A taxa média de óbitos evitáveis no período foi de 8,38.

Foi observada redução nas taxas de mortalidade neonatal evitável em todas as regiões do Brasil. As regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores taxas de mortalidade neonatal evitável durante o período, e a região Sul, as menores (Figura 1).

Figura 1
Distribuição das taxas de mortalidade neonatal evitável, segundo região. Brasil, 2000 a 2018.

Observou-se redução nas taxas de mortalidade neonatal evitável nos estados do Brasil, com exceção de Roraima (Região Norte) e Maranhão (Região Nordeste) que apresentaram aumento de 12,64% e 6,94%, respectivamente. Foi identificado no estado de Rondônia (Região Norte) a principal redução na taxa de mortalidade neonatal evitável (-54,41%) (Tabela 1).

Tabela 1
Taxa de mortalidade neonatal evitável (por mil nascidos vivos) segundo estado de residência por triênios. Brasil, 2000 a 2018.

As mortes neonatais evitáveis ocorreram principalmente por causas relacionadas à adequada atenção à mulher na gestação (44,02%), adequada atenção ao feto e ao recém-nascido (34,96%) e adequada atenção à mulher durante o parto (18,65%). A taxa de mortalidade neonatal evitável por ações de imunoprevenção reduziu 89,14%, enquanto que a taxa por causas de adequada atenção à mulher durante a gestação, reduziu 13,73% (Tabela 2).

Tabela 2
Taxa de mortalidade neonatal evitável segundo grupo de causas por triênios. Brasil, 2000 a 2018.

A taxa de mortalidade neonatal evitável por atenção adequada à gestação apresentou tendência de decréscimo em 16 estados, com exceção da tendência crescente identificada nos estados do Maranhão (p=0,003) e no Distrito Federal (p=0,001). Houve estabilidade na taxa de mortalidade por essas causas em nove estados das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Tabela 3). Observou-se nos mapas que as taxas de mortalidade neonatal evitável por atenção adequada durante o parto mantiveram-se estáveis nos estados do Maranhão, Piauí e Amazonas, e para os demais demonstrou-se tendência decrescente (Figura 2).

Tabela 3
Taxa de mortalidade neonatal evitável segundo estado de residência por triênios. Brasil, 2000-2018.

Figura 2
Tendência da mortalidade neonatal por adequada atenção à mulher durante a gestação (A), adequada atenção durante o parto (B) e adequada atenção ao feto e recém-nascido (C). Brasil, 2000 a 2018.

Discussão

De 2000 a 2018 observou-se redução na taxa de mortalidade neonatal evitável no Brasil e na maioria dos estados. A taxa de mortalidade neonatal por todas as causas acompanhou a tendência de queda, mas ainda detém coeficientes altos comparados com outros países.13-1513 Morakinyo OM, Fagbamigbe AF. Neonatal, infant and under-five mortalities in Nigeria: An examination of trends and drivers (2003-2013). PLoS ONE. 2017; 12 (8): e0182990.

A redução observada nos estados, com exceção de Roraima e Maranhão, foi resultado de mudanças nas esferas econômica, educacional, ambiental e de assistência à saúde ocorridas nas últimas décadas no Brasil que impactaram sobre a saúde de mães e crianças. Por meio de políticas intersetoriais foram enfrentados problemas como a baixa escolaridade, a pobreza e as más condições de saneamento básico.66 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23 (6): 1915-28. A implantação de programas sociais como o Bolsa Família, de promoção e universalização da saúde, como a Estratégia Saúde da Família, e de saúde materno e infantil, como a Rede Cegonha, possibilitaram acesso à renda, à educação e ampliação de serviços de saúde de maior complexidade.1616 Silva ESA, Paes NA. Bolsa família programme and the reduction of child mortality in the municipalities of the Brazilian semiarid region. Ciênc Saúde Coletiva. 2019; 24 (2): 623-30..1717 Dourado I, Medina MG, Aquino R. The effect of the Family Health Strategy on usual source of care in Brazil: Data from the 2013 National Health Survey (PNS 2013). Int J Equity Health. 2016; 15 (1): 151. Entende-se que essas ações influenciaram no empoderamento da mulher e da sociedade em relação aos direitos sociais e reprodutivos, contribuíram para a estruturação de serviços de saúde materno e infantil e auxiliaram na redução das inequidades sociais em alguns locais, melhorando os indicadores de mortalidade neonatal por causas evitáveis.

Considera-se as investigações dos óbitos por comitês de prevenção de mortalidade infantil e fetal nos estados como aliadas no processo de redução. O óbito evitável é um evento sentinela e os comitês surgiram para dar visibilidade, investigar e monitorar esses óbitos, além de propor intervenções para o seu enfrentamento.1414 Ruoff AB, Andrade SR, Schmitt MD. Atividades desenvolvidas pelos comitês de prevenção do óbito infantil e fetal: revisão integrativa. Rev Gaúcha Enferm. 2017; 38(1): e67342.

No âmbito regional, os estados implantaram políticas locais de saúde materno e infantil e os resultados na mortalidade neonatal evitável podem possuir disparidades, de acordo com o desenvolvimento social e econômico de cada região. Em Pernambuco, por exemplo, houve a implantação do Programa Mãe Coruja, em 2007, voltado à assistência pré-natal, qualificação do parto e do cuidado com o recém-nascido. Um estudo nesse Estado demonstrou queda da mortalidade neonatal evitável, principalmente na fase neonatal precoce, devido à ampliação da rede de alto risco proposta no programa.1818 Lima SS, Braga MC, Vanderlei LCM, Luna CF, Frias PG. Avaliação do impacto de programas de assistência prénatal, parto e ao recém-nascido nas mortes neonatais evitáveis em Pernambuco, Brasil: estudo de adequação. Cad Saúde Pública. 2020; 36(2): e00039719. Pontua-se que as causas evitáveis concentram-se nos grupos relacionados à assistência do binômio mãe-filho e, para que haja impacto na melhoria dos indicadores, torna-se imprescindível que gestores e profissionais de saúde sejam imbuídos de conhecimento técnico e científico para a gestão e o cuidado integral, humanizado e resolutivo no pré-natal, nascimento e primeiro mês de vida, como é preconizado nas políticas.

As causas evitáveis por adequada atenção à mulher na gestação foram frequentes e apresentaram a menor redução entre os grupos (-13,73%). Observou-se nos mapas o aumento nas taxas de mortalidade neonatal por essas causas no estado do Maranhão e Distrito Federal, e estabilidade nos estados de Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, Piauí, Rio Grande do Norte, Bahia e Goiás. A estabilidade mostra um sinal de alerta para as os gestores e profissionais de saúde, visto que a tendência decrescente era esperada devido à implantação das políticas e programas implantados.

A gestante necessita de suporte dos profissionais de saúde por apresentar condições fisiológicas e psicológicas que influenciam no desenvolvimento fetal e vida neonatal. Entretanto, desigualdades sociais e individuais definem sobre o acesso e qualidade do pré-natal, como a gestação na adolescência, residência em municípios pequenos do interior e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano.1919 Tomasi E, Fernandes PAA, Fischer T, Siqueira FCV, Silveira DS, Thumé E, Duro SMS, Saes MO, Nunes BP, Fassa ACG, Facchini LA. Qualidade da atenção pré-natal na rede básica de saúde do Brasil: indicadores e desigualdades sociais. Cad Saúde Pública. 2017; 33(3): e00195815. O planejamento da gravidez e a satisfação da mulher ao descobri-la também implicam nos indicadores de qualidade do pré-natal.2020 Santos JMJ, Matos TS, Mendes RB, Freitas CKAC, Leite AM, Rodrigues IDCV. Influência do planejamento reprodutivo e da satisfação materna com a descoberta da gravidez na qualidade da assistência pré-natal no Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2019; 19(3): 529-35. As políticas públicas intersetoriais voltadas para os adolescentes e para melhoria das condições sociais das mulheres podem ser consideradas insuficientes para que ocorra igualdade na redução da mortalidade neonatal evitável nos estados do Brasil.

Nesse contexto, ressalta-se a importância da consulta de pré-natal para gestantes em situação de vulnerabilidade com profissionais qualificados. O número de consultas pré-natal para cada gestante brasileira foi considerado satisfatório,66 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23 (6): 1915-28. mas a quantidade não se faz suficiente para reduzir as iniquidades em saúde.21-2221 Leal MC, Esteves-Pereira AP, Viellas EF, Domingues RMSM, Gama SGN. Assistência pré-natal nos serviços públicos de saúde brasileiros. Rev Saúde Pública. 2020; 54: 8. Os modelos comuns de cuidado que tratam somente dos aspectos biológicos da gestante não tem sido suficientes para abranger as necessidades maternas e fetais em toda sua plenitude. Há dificuldades econômicas, familiares, de educação e de moradia que implicam em gestações de maior risco e em mortalidade neonatal, sendo necessária a estruturação de políticas abrangentes, responsabilidade dos gestores e capacitação dos profissionais para a melhoria dos indicadores sociais e de saúde da mulher e família que impactam no óbito evitável.

O modelo de gestão de caso no pré-natal tem demonstrado ser uma estratégia positiva para a saúde materno e neonatal. Trata de um modelo de atenção que utiliza ação ativa do profissional, manejo diferenciado para os casos de maior complexidade, auxílio na dinâmica entre os diferentes serviços e profissionais de saúde, efetivando a integralidade do cuidado.2323 Soares LG, Higarashi IH. Gestão de caso como estratégia de cuidado no pré-natal de alto risco. Rev Bras Enferm. 2019; 72(3): 692-9.

As mortes evitáveis por causas relativas ao parto foram responsáveis por outra parcela significativa dos óbitos neonatais (18,65%). Demonstrou-se nos mapas que não houve tendência crescente para esse grupo de causas, mas Maranhão, Piauí e Amazonas apresentaram estabilidade. Após a gestação, o parto qualificado torna-se fundamental para a prevenção da mortalidade neonatal e está associado à infraestrutura adequada, disponibilidade de materiais e capacitação profissional, que quando ausentes ou insuficientes resultam em fragilidades na rede de assistência do trabalho de parto como a demora no atendimento, a violência institucional e desfechos neonatais desfavoráveis.24-2724 Leal MC, Bittencourt SDA, Torres RMC, Niquini RP, Souza Jr PRB. Determinants of infant mortality in the Jequitinhonha Valley and in the North and Northeast regions of Brazil. Rev Saúde Pública. 2017; 51: 12.

Uma revisão de literatura apontou diversos problemas enfrentados por profissionais que realizam partos em países de baixa e média renda, como falta de capacitação, baixos salários, falta de equipamentos, horários de trabalho estendidos, espaços inadequados, baixa quantidade de suprimentos e medicamentos e até falta de fornecimento de eletricidade e água.2828 Munabi-Babigumira S, Glenton C, Lewin S, Fretheim A, Nabudere H. Factors that influence the provision of intrapartum and postnatal care by skilled birth attendants in low-and middle-income countries: a qualitative evidence synthesis. Cochrane Database Syst Rev. 2017; 11 (11): CD011558. Locais que mais necessitam de atenção qualificada, em virtude de problemas estruturais e sociais, detém dificuldades que pioram o processo de trabalho e influenciam na mortalidade neonatal.

Em relação às taxas de mortalidade evitáveis por cuidado adequado com o recém-nascido, observou-se tendência decrescente nos estados, com exceção de Roraima, que apresentou estabilidade. As taxas de óbitos por cuidados desse grupo reduziram 52,68% no Brasil considerando o primeiro e o último triênios do estudo. Esse resultado era esperado em virtude da ampliação de leitos em unidades de terapia intensiva neonatal e do avanço científico, em algumas regiões, que influenciam na oferta de novas tecnologias de cuidado,2929 Costa MFS, Gomes Junior SC, Magluta C. Análise da distribuição dos nascimentos com marcadores de gravidade em maternidades com unidade de terapia intensiva neonatal no Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Coletiva. 2018; 26 ( 2 ): 125-30. principalmente para a prevenção do óbito nas primeiras 24 horas de vida.2,152 Roos N, Von Xylander SR. Why do maternal and newborn deaths continue to occur? Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol. 2016; 36: 30-44.

As taxas de mortalidade neonatal evitável por ações de imunoprevenção, diagnóstico, tratamento oportuno e de promoção da saúde foram menos frequentes e reduziram no período do estudo. Os programas nacionais promoção do aleitamento materno, imunização e ampliação da Estratégia Saúde da Família, considerados referências mundiais, contribuíram para melhorar os indicadores por essas causas.66 Leal MDC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, Victora C. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23 (6): 1915-28.

A limitação do estudo refere-se à falácia ecológica de fazer inferências no nível individual baseado em dados agregados das populações. No entanto, o estudo analisou a mortalidade neonatal evitável no Brasil por meio dos dados dos sistemas de informação do Ministério da Saúde que auxiliam na análise da situação sanitária da população brasileira, planejamento e avaliação de programas e políticas de saúde.3030 Prezotto KH, Oliveira LR, Oliveira RR, Melo EC, Scholze AR, Fernandes CAM. Mortalidad infantil: tendencia y cambios tras la implantación del programa red madre paranaense. Enferm Glob. 2019; 18 (55): 469-509. Pesquisas que contemplem a avaliação da qualidade da assistência materno e neonatal em cada estado e as dificuldades dos profissionais em relação às intervenções no pré-natal, parto e cuidados com o recém-nascido são necessárias para elaboração de estratégias de prevenção das mortes evitáveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Jul 2020
  • Revisado
    04 Dez 2020
  • Aceito
    14 Dez 2020
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