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Prevalência de doenças respiratórias crônicas e uso de medicamentos entre crianças e adolescentes no Brasil - um estudo transversal de base populacional

Resumo

Objetivos:

descrever a prevalência de doenças respiratórias crônicas e seu manejo farmacológico em crianças e adolescentes no Brasil.

Métodos:

foram analisados os dados da Pesquisa Nacional de Acesso, Uso e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM), um estudo transversal de base populacional. As pesquisas domiciliares foram realizadas entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014. Incluímos a população com menos de 20 anos de idade com doenças respiratórias crônicas. Foi avaliada a prevalência de doença, indicação de tratamento farmacológico e seu uso.

Resultados:

a prevalência de doenças respiratórias crônicas em menores de 6 anos foi de 6,1% (IC95%= 5,0-7,4), 4,7% (IC95%= 3,4-6,4) naqueles 6-12 anos e 3,9% (IC95%= 2,8-5,4) em crianças com 13 anos ou mais. Crianças menores de 6 anos apresentaram uma maior prevalência de indicação de tratamento farmacológico (74,6%; IC95%= 66,0-81,7), assim como uso de medicamentos (72,6%; IC95%= 62,8-80,7). Dos usuários de inaladores, 56,6% relataram o uso com espaçador. As classes farmacológicas mais frequentemente relatadas foram β2 agonistas de curta ação (19,0%), seguidos por anti-histamínicos (17,2%).

Conclusão:

crianças e adolescentes que relatam doenças respiratórias crônicas residentes em áreas urbanas no Brasil parecem ser subtratados para suas condições crônicas. O tratamento farmacológico, mesmo quando indicado, não foi utilizado em sua totalidade, um achado importante para a tomada de decisão nessa população.

Key words
Inquéritos epidemiológicos; Uso de medicamentos; Doenças respiratórias; Doença crônica; Criança; Adolescente

Abstract

Objectives:

to describe the prevalence of chronic respiratory diseases and their pharmacological management in children and adolescents in Brazil.

Methods:

data from the Pesquisa Nacional de Acesso, Uso e Promoção do Uso Racional de Medicamentos no Brasil (PNAUM)(National Access Survey, Use and Promotion of Rational Use of Medicines in Brazil),a population-based cross-sectional study, were analyzed. Household surveys were conducted between September 2013 and February 2014. We included the population under 20 years of age with chronic respiratory diseases. Prevalence of disease, indication of pharmacological treatment, and their use were assessed.

Results:

the prevalence of chronic respiratory diseases in children aged less than 6 years old was 6.1% (CI95%= 5.0-7.4), 4.7% (CI95%= 3.4-6.4) in those 6-12 years, and 3.9% (CI95%= 2.8-5.4) in children 13 years and older. Children under 6 showed a higher prevalence of pharmacological treatment indication (74.6%; CI95%= 66.0-81.7), as well as medication use (72.6%; CI95%= 62.8-80.7). Of those using inhalers, 56.6% reported using it with a spacer. The most frequent pharmacologic classes reported were short-acting β2 agonists (19.0%), followed by antihistamines (17.2%).

Conclusion:

children and adolescents who report chronic respiratory diseases living in urban areas in Brazil seem to be undertreated for their chronic conditions. Pharmacological treatment, even if indicated, was not used, an important finding for decision-making in this population.

Key words
Epidemiological surveys; Medication use; Respiratory diseases; Chronic disease; Child; Adolescent

Introdução

O grupo de doenças respiratórias crônicas é o décimo mais prevalente entre os jovens com menos de 20 anos de idade, respondendo por 4,3% dos casos prevalentes entre todas as doenças crônicas no mundo.11 Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME). GBD compare data visualization [Internet]. Seattle, WA: IHME/University of Washington; 2019; [access in 2017 Oct 16]. Available from: http://vizhub.healthdata.org/gbd-compare
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Definidas como uma ampla gama de condições das vias aéreas e outras estruturas dos pulmões, elas são caracterizadas por sintomas semelhantes,22 Bousquet J, Dahl R, Khaltaev N. Global alliance against chronic respiratory diseases: global alliance against chronic respiratory diseases. Allergy. 2007 Mar; 62 (3): 216-23. mas com diferentes etiologia, fisiopatologia e prognóstico.33 Ribeiro JD, Fischer GB. Chronic obstructive pulmonary diseases in children. J Pediatr (Rio J). 2015; 91 (Suppl 1): S11-S25.

A asma é a doença respiratória mais comum em crianças e um fator de risco para comprometimento do fluxo de ar na idade adulta.44 Lenney W, Adachi Y, Bush A, Fischer GB, Hong J, Ostrem A, et al. Asthma: moving toward a global children’s charter. Lancet Respir Med. 2019 Apr; 7 (4): 299-300. Juntamente com a asma, a sibilância recorrente e a displasia broncopulmonar são as doenças respiratórias crônicas com maior prevalência na população pediátrica. Condições menos prevalentes são discinesia ciliar primária, bronquiectasia não associada a fibrose cística, bronquite plástica e bronquiolite obliterante.33 Ribeiro JD, Fischer GB. Chronic obstructive pulmonary diseases in children. J Pediatr (Rio J). 2015; 91 (Suppl 1): S11-S25. Ao todo, essas condições são as principais causas de morbidade, má qualidade de vida e uma carga econômica para o sistema de saúde.22 Bousquet J, Dahl R, Khaltaev N. Global alliance against chronic respiratory diseases: global alliance against chronic respiratory diseases. Allergy. 2007 Mar; 62 (3): 216-23.

A semelhança dos sintomas entre as condições respiratórias crônicas na infância, além da falta de biomarcadores para apoiar o diagnóstico, e a interpretação equivocada do chiado, levam à classificação errônea do diagnóstico e ao manejo inadequado.55 Forum of International Respiratory Societies. European Respiratory Society. The global impact of respiratory disease [Internet]. 2nd ed. Sheffield: European Respiratory Society; 2017; [access in 2017 Oct 20]. Available from: https://www.who.int/gard/publications/The_Global_Impact_of_Respiratory_Disease.pdf
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O cenário piora quando familiares e profissionais de saúde não reconhecem os sinais crônicos dessas doenças.33 Ribeiro JD, Fischer GB. Chronic obstructive pulmonary diseases in children. J Pediatr (Rio J). 2015; 91 (Suppl 1): S11-S25.,66 Roncada C, Cardoso TA, Bugança BM, Bischoff LC, Soldera K, Pitrez PM. Levels of knowledge about asthma of parents of asthmatic children. Einstein São Paulo. 2018; 16 (2): eAO4204.,77 Martinez JAB. Not all that wheezes is asthma! J Bras Pneumol. 2013 Jun; 39 (4): 518-20. A Aliança Global contra Doenças Respiratórias Crônicas (GARD - Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases) tem trabalhado para melhorar a qualidade do cuidado e a redução da carga dessas condições, principalmente em países de baixa e média renda.88 Bousquet J, Mohammad Y, Bedbrook A, To T, McGihon R, Bárbara C, et al. Country activities of Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases (GARD): focus presentations at the 11th GARD General Meeting, Brussels. J Thorac Dis. 2018 Dec; 10 (12): 7064-72. No Brasil, a GARD tem destacado que, apesar das melhorias, é necessário mais compromisso do Ministério da Saúde para atender às políticas de saúde para doenças respiratórias crônicas.88 Bousquet J, Mohammad Y, Bedbrook A, To T, McGihon R, Bárbara C, et al. Country activities of Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases (GARD): focus presentations at the 11th GARD General Meeting, Brussels. J Thorac Dis. 2018 Dec; 10 (12): 7064-72. Até o momento, não foram realizados estudos populacionais no Brasil para atualização das prevalências fornecidas pelo Estudo Internacional de Asma e Alergias na Infância (ISAAC - The International Study of Asthma and Allergies in Childhood),99 Sole D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Mallozi MC. Asthma in children and adolescents in Brazil: contribution of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Rev Paul Pediatr. 2014 Jan/Mar; 32 (1): 114-25. e as diretrizes do Ministério da Saúde para o manejo de doenças respiratórias crônicas em crianças não foram atualizadas nos últimos dez anos.1010 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica nº 25. Doenças respiratórias crônicas [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2010; [access in 2017 Oct 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_respiratorias_cronicas.pdf
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,1111 Amaral LM, Palma PV, Leite ICG. Evolução das políticas públicas e programas de controle da asma no Brasil sob a perspectiva dos consensos. J Bras Pneumol. 2012 Aug; 38 (4): 518-25.

Nesse sentido, pouco se sabe sobre essas condições e terapias atuais para pessoas com menos de 20 anos no Brasil. Portanto, pesquisas nessa área são necessárias para fornecer informações, não apenas para cuidadores e médicos, mas também para apoiar políticas de saúde e tomada de decisão.44 Lenney W, Adachi Y, Bush A, Fischer GB, Hong J, Ostrem A, et al. Asthma: moving toward a global children’s charter. Lancet Respir Med. 2019 Apr; 7 (4): 299-300.

Este estudo teve como objetivo avaliar a prevalência de doenças respiratórias crônicas entre crianças e adolescentes em áreas urbanas no Brasil. Também foram avaliados a prescrição e padrões de uso de medicamentos, incluindo o perfil de uso de inaladores com espaçadores.

Métodos

O relato do presente estudo seguiu a Declaração STROBE (Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology Statement) para estudos transversais.1212 Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2007 Apr; 61 (4): 344-9.

Este foi um estudo transversal de base populacional utilizando dados da Pesquisa Nacional de Acesso, Uso e Promoção do Uso Racional de Medicamentos (PNAUM).1313 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, et al. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): 4S. O estudo PNAUM baseou-se em amostra probabilística com amostragem definida por clusters em três estágios: município (unidade amostral primária), setor censitário e domicilio. A coleta de dados ocorreu entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014. O conjunto de questionários das entrevistas presenciais foi aplicado por uma equipe de entrevistadores treinados. Os dados foram registrados em tablets com software especificamente desenvolvido para o estudo. Os detalhes sobre a amostragem e logística da coleta de dados, bem como outras informações, foram publicados no artigo metodológico.1313 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, et al. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): 4S.

A população do estudo PNAUM foi constituída por residentes em áreas urbanas das cinco regiões, onde foram coletados dados de 41.433 indivíduos em mais de 20.000 domicílios em todo o Brasil. Após ajuste por região, sexo e idade, a população do estudo representou aproximadamente 171 milhões de brasileiros residentes nas áreas urbanas do país.

Neste artigo analisamos dados de crianças e adolescentes. Nossa população foi constituída por indivíduos entre 0 e 19 anos. De acordo com os métodos do PNAUM, a população menor de 14 anos teve seus questionários respondidos pelos cuidadores. Adolescentes com 15 anos ou mais responderam aos questionários, utilizando-se os mesmos questionários aplicados na população adulta. Foram excluídos os questionários de pessoas com deficiência, considerando-se que essa população não conseguia se comunicar ou auto referir informações adequadamente.

A principal variável dependente foi a doença respiratória crônica autorreferida. As outras variáveis dependentes foram indicação médica para tratamento farmacológico e uso de medicamentos e espaçadores.

Para estimar a prevalência de doenças respiratórias crônicas, utilizamos a seguinte pergunta: “Algum médico já lhe disse que você tem asma, bronquite crônica, enfisema ou outras doenças pulmonares?” (sim, não). Embora a PNAUM solicitasse a condição específica em caso de resposta afirmativa (asma, bronquite crônica, enfisema pulmonar, outra doença pulmonar, ou não sabe), decidimos não usar essa classificação para reduzir a possibilidade de classificação errônea da doença. Avaliamos a prevalência de indicações médicas para tratamento farmacológico através da pergunta “Você tem uma indicação médica para usar algum remédio para esta doença?” (sim, não). Para avaliar a prevalência do uso de medicamentos em pacientes com doenças respiratórias crônicas que tinham indicações de tratamento, usamos a pergunta “Você está usando algum desses remédios?” (sim, não). Para essas estimativas, dados de todos os indivíduos entrevistados de 0 a 19 anos foram utilizados como denominador.

Para indivíduos menores de 15 anos de idade, os entrevistadores do PNAUM questionaram se eles estavam usando algum tipo de inalador. Aqueles que responderam afirmativamente foram questionados sobre o uso de espaçador (sim, não). A fonte de obtenção dos espaçadores foi examinada (comprou, ganhou ou adaptou). Os dispositivos adaptados foram aqueles produzidos no domicilio usando uma garrafa de plástico.

Para avaliar o perfil de uso de medicamentos, os entrevistadores da PNAUM solicitaram que fossem apresentadas as embalagens e prescrições, para cada medicamento em uso. Foram coletadas informações detalhadas sobre o produto (genérico, data de validade, dosagem, concentração). Classificamos os produtos de acordo com a classe farmacológica utilizada pela Iniciativa Global para Asma (GINA - Global Initiative for Asthma).1414 GINA (Global Initiative for Asthma). Pocket guide for asthma management and prevention (for children 5 years and younger) [Internet]. Fontana, WI: GINA; 2014; [access in 2016 Oct 10]. Available from: http://www.moh.gov.sy/LinkClick.aspx?fileticket=F2vaUszgIuo%3D&portalid=0&language=ar-YE
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Para esta estimativa utilizamos como denominador todos os medicamentos relatados para doença pulmonar. Suplementos alimentares, cosméticos e produtos registrados como “ignorados” foram excluídos de nossa análise.

Foram avaliadas as seguintes características sociodemográficas: sexo (feminino ou masculino), faixa etária (<6; 6-12; e ≥13 anos), Critério Brasileiro de Classificação Econômica (A/B, C, D/E) (CCEB 2013/ABEP - http://www.abep.org/) Região (Norte, Nordeste, Sudeste, Sul, Centro-Oeste) e plano de saúde privado (sim, não). A idade foi coletada como variável contínua e categorizada por faixas etárias, considerando o perfil de doenças respiratórias crônicas para essa população.

As estimativas de prevalência e intervalo de confiança de 95% (IC95%) foram relatadas ajustando-se aos pesos amostrais e pós-estratificação por idade e sexo.1313 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, et al. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): 4S. O teste qui-quadrado de Pearson para independência com o ajuste de Rao Scott foi aplicado para avaliar associações entre variáveis categóricas, com um nível de significância de 5%. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o Software Stata/IC 15 (StataCorp LLC, TX), considerando o plano de amostragem complexo (cluster svyset) e aplicando-se o método de exclusão em pares.

A PNAUM foi aprovada pelo Conselho Nacional de Ética (Número: 398.131 de 16/9/2013) e todas as entrevistas foram feitas após a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e assinatura, fosse por um cuidador ou responsável legal entrevistado.

Resultados

Foram avaliados dados de 9.062 crianças e adolescentes residentes em áreas urbanas no Brasil, dos quais 5.973 (25%) eram menores de 6 anos, 1.555 (37%) tinham entre 6 e 12 anos e 1.534 (37%) tinham 13 anos ou mais (Figura 1). A prevalência de doenças respiratórias crônicas entre os participantes do estudo segundo características sociodemográficas está detalhada na Tabela 1. A maior prevalência de doenças respiratórias crônicas foi encontrada naqueles com menos de 6 anos (6,1%; IC95%= 5,0-7,4). Quando estratificados por características socioeconômicas, também foram observadas maiores prevalências entre os menores de 6 anos, em meninos, pertencentes à classe econômica “C”, e nos residentes na região Sudeste. Entre aqueles de 6 a 12 anos que responderam possuir plano de saúde privado, observou-se maior prevalência de doença respiratória crônica.

Tabela 1
Prevalência de doenças respiratórias crônicas em crianças e adolescentes segundo características socio-demográficas. PNAUM, Brasil, 2014. (N=9.062)

Figura 1
Diagrama de fluxo de estudo.

A prevalência global de doenças respiratórias crônicas, a prevalência de indicação para tratamentos farmacológicos, bem como seu uso são apresentadas na Tabela 2. Independentemente da idade, crianças e adolescentes que relataram ter uma doença respiratória crônica não tinham medicamentos adequadamente prescritos, nem utilizavam os medicamentos indicados, com prevalências tanto para indicação de tratamento quanto para seu uso variando de 56% a 75%.

Tabela 2
Doença respiratória crônica, indicação para tratamento farmacológico e prevalência de uso de medicamentos em crianças e adolescentes no Brasil. PNAUM, Brasil, 2014.

A Figura 2 mostra que 57% das crianças e adolescentes com 14 anos ou menos que tinham prescrição médica e usavam inaladores para o tratamento de sua condição respiratória crônica também usavam um espaçador. No entanto, mais da metade (68%) estava usando um dispositivo comprado.

Figura 2
Proporção de uso de espaçadores entre a população que relatou o uso de um inalador (n=73).

A Tabela 3 mostra a frequência e as classes de medicamentos relatados entre os participantes do estudo. Beta-2 agonista de ação curta inalatório foi a classe mais frequentemente relatada (19,0%), seguido por anti-histamínicos (17,2%), corticosteroides inalatórios e intranasais (ambos 11,4%). Quando combinados, medicamentos preventivos como corticosteroides intranasais e inalatórios e antileucotrienos representaram menos de 50% de todos os medicamentos relatados. Crianças com mais de 6 anos apresentaram menor uso de medicamentos em comparação com os de menor idade.

Tabela 3
Medicamentos autorreferidos segundo classe farmacológica e faixa etária, PNAUM, 2014. (medicamen-tos denominadores, n=268 medicamentos).

Discussão

Por meio dos dados do PNAUM, estimamos a prevalência de doenças respiratórias crônicas e características do tratamento farmacológico em crianças e adolescentes no Brasil entre 2013 e 2014. A PNAUM foi o primeiro estudo de utilização de medicamentos representativo da população brasileira que vive em áreas urbanas. Para nosso conhecimento, não há atualização para essas estimativas. Esta é, portanto, a única fonte disponível que nos permite compreender o perfil farmacoterapêutico de crianças e adolescentes com doenças respiratórias crônicas no Brasil. Nossos achados demonstraram que as prevalências de doenças respiratórias crônicas em crianças e adolescentes foram menores do que as relatadas anteriormente por outros estudos realizados no Brasil.99 Sole D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Mallozi MC. Asthma in children and adolescents in Brazil: contribution of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Rev Paul Pediatr. 2014 Jan/Mar; 32 (1): 114-25.,1515 Barreto ML, Ribeiro-Silva RC, Malta DC, Oliveira-Campos M, Andreazzi MA, Cruz AA. Prevalence of asthma symptoms among adolescents in Brazil: National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014; 17 (Suppl 1): S106-S15. Várias razões podem ser atribuídas a essas estimativas mais baixas, incluindo o desenho do estudo, e a falta de diagnóstico e reconhecimento adequados por parte dos pais e cuidadores.66 Roncada C, Cardoso TA, Bugança BM, Bischoff LC, Soldera K, Pitrez PM. Levels of knowledge about asthma of parents of asthmatic children. Einstein São Paulo. 2018; 16 (2): eAO4204. Os resultados relativos ao uso de medicamentos devem ser interpretados à luz das diretrizes no período em que o estudo foi realizado. Uma diretriz recente para o manejo da asma foi publicada;1616 Pizzichini MMM, Carvalho-Pinto RM, Cançado JED, Rubin AS, Cerci Neto A, Cardoso AP, et al. 2020 Brazilian Thoracic Association recommendations for the management of asthma. J Bras Pneumol. 2020; 46 (1): e20190307. no entanto, ainda existem poucas iniciativas nacionais para atualização de diretrizes. Diante disso, assumimos a hipótese de que não houve mudanças nas estimativas desde 2014.

A prevalência de doenças respiratórias crônicas variou entre as regiões, sendo maior no Sudeste, independentemente da faixa etária. Entre as crianças menores de 6 anos, a menor prevalência foi encontrada no Norte, enquanto que, para os mais velhos, prevalências ainda mais baixas foram encontradas na região Nordeste (menos de 2%). Estudos como ISAAC,99 Sole D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Mallozi MC. Asthma in children and adolescents in Brazil: contribution of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Rev Paul Pediatr. 2014 Jan/Mar; 32 (1): 114-25. ERICA1717 Kuschnir FC, Gurgel RQ, Solé D, Costa E, Felix MMR, Oliveira CL, et al. ERICA: prevalence of asthma in Brazilian adolescents. Rev Saúde Pública. 2016; 50 (Suppl 1): 13S. e PeNSE1515 Barreto ML, Ribeiro-Silva RC, Malta DC, Oliveira-Campos M, Andreazzi MA, Cruz AA. Prevalence of asthma symptoms among adolescents in Brazil: National Adolescent School-based Health Survey (PeNSE 2012). Rev Bras Epidemiol. 2014; 17 (Suppl 1): S106-S15. também encontraram diferenças regionais, principalmente explicadas por disparidades socioeconômicas em todo o país. Tanto o ERICA quanto o PenSE foram inquéritos nacionais de base escolar que incluíram crianças e adolescentes em todo o país. Além disso, ambos adaptaram questões do estudo ISAAC, avaliando sintomas de asma e diagnóstico da doença realizados por um médico. Assim, embora não sejamos capazes de fazer comparações diretas, considerando que esses estudos tinham um desenho distinto e incluíam uma população diferente, algumas questões podem ser destacadas. Maiores prevalências no Sudeste e menores prevalências no Norte seguiram o mesmo padrão, sugerindo que doenças respiratórias crônicas poderiam ser sub-diagnosticadas nas regiões onde o acesso à saúde é reconhecidamente baixo.1818 Bertoldi AD, Pizzol TSD, Ramos LR, Mengue SS, Luiza VL, Tavares NUL, et al. Sociodemographic profile of medicines users in Brazil: results from the 2014 PNAUM survey. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): S5. Após a aplicação dos pesos, nossa amostra foi distribuída da mesma forma entre as três faixas etárias, sendo que os pais e cuidadores foram responsáveis por autorrelatar as condições crônicas em seus filhos. Diante disso, não podemos descartar que nosso estudo subestime as prevalências, considerando que apenas 6% dos pais e cuidadores reconhecem doenças respiratórias crônicas como condições crônicas.66 Roncada C, Cardoso TA, Bugança BM, Bischoff LC, Soldera K, Pitrez PM. Levels of knowledge about asthma of parents of asthmatic children. Einstein São Paulo. 2018; 16 (2): eAO4204. Por outro lado, uma superestimação através do PenSE, em que cerca de 18% dos estudantes referiram presença de asma pelo menos uma vez em suas vidas,1919 Ribeiro-Silva RC, Barreto ML, Ramos D, Cruz AA, Oliveira-Campos M, Malta DC. Tendência da asma na adolescência no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) 2012 e 2015. Rev Bras Epidemiol. 2018; 21 (Suppl 1): e180017. não pode ser descartada. Esses resultados devem ser interpretados considerando-se as limitações do estudo, como viés de memória e a capacidade dos adolescentes de responder adequadamente às perguntas. No nosso estudo, também levantamos a hipótese de que características ambientais de diferentes regiões estariam contribuindo para as diferenças encontradas entre as regiões.

Nosso estudo também encontrou mais do que o dobro da prevalência de doenças respiratórias crônicas em pessoas de 6 a 12 anos com plano de saúde privado, em comparação com aquelas sem plano privado de saúde. Isso poderia ser atribuído ao fato de que o plano privado de saúde proporcionaria maior acesso aos serviços de saúde e, portanto, maior probabilidade de diagnóstico e tratamento farmacológico. O sistema privado de saúde não necessariamente proporciona melhor atenção, no entanto, às vezes, há mais oportunidade de receber um diagnóstico.

Independentemente da dificuldade de diagnóstico de doenças respiratórias crônicas em crianças menores de 6 anos, as estimativas para a prevalência foram maiores entre elas, bem como a indicação de tratamento. De acordo com a fisiopatologia dessas condições, espera-se redução na prevalência, com aumento da idade,2020 Papi A, Brightling C, Pedersen SE, Reddel HK. Asthma. Lancet. 2018 Feb; 391 (10122): 783-800. uma tendência que parece ser confirmada em nosso estudo com aqueles com 13 anos ou mais mostrando prevalência de 4% de doenças respiratórias crônicas. Apesar das estimativas pontuais serem diferentes entre as faixas etárias, não foi observada diferença estatística para estimativas de doença, indicação de tratamento e uso de medicamentos. O estudo PNAUM representou a maior pesquisa realizada no Brasil para avaliação do uso de medicamentos, e a estratégia amostral permitida tem uma população representativa para todas as faixas etárias estudadas. No entanto, ao avaliar os estratos da doença respiratória crônica, os números contribuíram escassamente para os grandes intervalos de confiança para estimativas e, provavelmente, falta de poder para demonstrar diferenças entre crianças e adolescentes.

Crianças de 6 a 12 anos receberam menos indicação e usaram menos medicamentos em relação ao resto da população do estudo. Isso pode ocorrer, uma vez que o tratamento é gerenciado principalmente por pais em crianças mais jovens em comparação com crianças mais velhas,2121 Fuchs O, Bahmer T, Rabe KF, Von Mutius E. Asthma transition from childhood into adulthood. Lancet Respir Med. 2017 Mar; 5(3): 224-34. ou devido à remissão de doenças respiratórias crônicas, por exemplo, asma, que podem ocorrer após os 6 anos de idade.2121 Fuchs O, Bahmer T, Rabe KF, Von Mutius E. Asthma transition from childhood into adulthood. Lancet Respir Med. 2017 Mar; 5(3): 224-34.

Quanto ao padrão de uso de medicamentos, não é de surpreender que beta-2 agonistas inalatórios de ação curta tenham sido a classe mais relatada, como publicado anteriormente.2222 Santos DB, Cruz AA, Simões SM, Rodrigues LC, Camargos PAM, Coelho HLL, et al. Pattern of asthma medication use among children from a large urban center in Brazil. Eur J Clin Pharmacol. 2012; 68 (1): 73-82. Salbutamol era, e continua sendo fornecido gratuitamente ou disponibilizado a um baixo custo nos programas de saúde pública brasileiros. Medicamentos gratuitos são recomendados pela GARD e, de acordo com o protocolo GINA (considerando o período em que o presente estudo foi realizado), recomendado conforme necessário como primeiro passo no manejo da asma.1414 GINA (Global Initiative for Asthma). Pocket guide for asthma management and prevention (for children 5 years and younger) [Internet]. Fontana, WI: GINA; 2014; [access in 2016 Oct 10]. Available from: http://www.moh.gov.sy/LinkClick.aspx?fileticket=F2vaUszgIuo%3D&portalid=0&language=ar-YE
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O manejo inadequado da asma com o uso excessivo de agonistas beta-2 inalatórios de ação curta é bem descrito,2323 Belhassen M, Nibber A, Van Ganse E, Ryan D, Langlois C, Appiagyei F, et al. Inappropriate asthma therapy - a tale of two countries: a parallel population-based cohort study. NPJ Prim Care Respir Med. 2016 Oct; 26: 16076. representando um risco aumentado de eventos adversos. Igualmente, sua subutilização pode ser um problema.66 Roncada C, Cardoso TA, Bugança BM, Bischoff LC, Soldera K, Pitrez PM. Levels of knowledge about asthma of parents of asthmatic children. Einstein São Paulo. 2018; 16 (2): eAO4204. Medicamentos para asma fornecidos pelo sistema de saúde brasileiro desde 2011 gratuitamente, mostraram reduzir em 30% a taxa de internação hospitalar em menores de 19 anos no Brasil.2424 Comaru T, Pitrez PM, Friedrich FO, Silveira VD, Pinto LA. Free asthma medications reduces hospital admissions in Brazil (Free asthma drugs reduces hospitalizations in Brazil). Respir Med. 2016 Dec; 121: 21-5. Brometo de ipratrópio, dipropionato de beclometasona e salbutamol são essenciais para o manejo da asma; no entanto, ações de educação em saúde são necessárias para o uso adequado. Programas de sucesso no Brasil para gestão da asma em crianças e adolescentes foram realizados,2525 Lasmar L, Fontes MJ, Mohallen MT, Fonseca AC, Camargos P. Wheezy child program: the experience of the Belo Horizonte pediatric asthma management program. World Allergy Organ J. 2009; 2 (12): 289-95.,2626 Urrutia-Pereira D, Avila J, Solé D. The Program for the Prevention of Childhood Asthma: a specialized care program for children with wheezing or asthma in Brazil. J Bras Pneumol. 2016 Jan/Feb; 42 (1): 42-7. mas são isolados e não representam as necessidades de toda a população brasileira.

Dispositivo dosimetrado com espaçador adaptado à máscara para crianças menores de quatro anos e dispositivo dosimetrado com espaçador ligado diretamente à boca para crianças entre 4 e 6 anos de idade eram as recomendações para todas as crianças com prescrição de medicamentos inalatorios.1010 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica nº 25. Doenças respiratórias crônicas [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2010; [access in 2017 Oct 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_respiratorias_cronicas.pdf
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No entanto, observou-se menor proporção (55%) do uso de espaçadores. Além disso, a maioria dos usuários tinha pago seus espaçadores - resultado esperado - uma vez que que esses dispositivos tinham custo elevado e não estavam disponíveis gratuitamente.2525 Lasmar L, Fontes MJ, Mohallen MT, Fonseca AC, Camargos P. Wheezy child program: the experience of the Belo Horizonte pediatric asthma management program. World Allergy Organ J. 2009; 2 (12): 289-95.

Anti-histamínicos, que desempenham um papel importante no tratamento de doenças alérgicas em crianças,2727 Fitzsimons R, Van Der Poel LA, Thornhill W, Du Toit G, Shah N, Brough HA. Antihistamine use in children. Arch Dis Child Educ Pract Ed. 2015 Jun; 100 (3): 122-31. foram a segunda classe de medicamentos mais relatada. Para doenças respiratórias crônicas, especificamente para asma, seu uso permanece controverso e não existe recomendação para ser usado como tratamento de primeira linha ou em monoterapia.1010 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica nº 25. Doenças respiratórias crônicas [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2010; [access in 2017 Oct 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_respiratorias_cronicas.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
,1414 GINA (Global Initiative for Asthma). Pocket guide for asthma management and prevention (for children 5 years and younger) [Internet]. Fontana, WI: GINA; 2014; [access in 2016 Oct 10]. Available from: http://www.moh.gov.sy/LinkClick.aspx?fileticket=F2vaUszgIuo%3D&portalid=0&language=ar-YE
http://www.moh.gov.sy/LinkClick.aspx?fil...
,2828 Wilson AM. The role of antihistamines in asthma management. Treat Respir Med. 2006; 5 (3): 149-58.

De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde para o gerenciamento de doenças respiratórias crônicas (2010), uma baixa dose de corticosteroides inalatórios deve ser a terapia de primeira linha para o tratamento da asma leve, juntamente com agonistas beta-2 inalatórios de ação curta, para alívio dos sintomas.1010 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica nº 25. Doenças respiratórias crônicas [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2010; [access in 2017 Oct 20]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_respiratorias_cronicas.pdf
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Corticosteroides sistêmicos eram recomendados por um curto período de tempo e apenas para o tratamento de exacerbações. Nossos achados foram consistentes com essas recomendações para corticosteroides inalatórios, mas não para medicamentos sistêmicos. Como nosso estudo avaliou o uso de medicamentos naqueles que tinham indicaram tratamento, não esperávamos encontrar uma maior proporção de medicamentos utilizados apenas para exacerbações.

Ribeiro e Fischer33 Ribeiro JD, Fischer GB. Chronic obstructive pulmonary diseases in children. J Pediatr (Rio J). 2015; 91 (Suppl 1): S11-S25. apresentaram um resumo dos medicamentos utilizados no tratamento de doenças respiratórias crônicas, e nossos achados foram consistentes em relação a um grande número de classes recomendadas para o tratamento dessas condições. Crianças menores de seis anos foram aquelas que apresentaram maior diversidade de tratamentos, resultados esperados ao considerar o perfil das condições respiratórias nessa população.

As tendências têm demonstrado estabilidade nas estimativas para doenças respiratórias crônicas para crianças e adultos.99 Sole D, Camelo-Nunes IC, Wandalsen GF, Mallozi MC. Asthma in children and adolescents in Brazil: contribution of the International Study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC). Rev Paul Pediatr. 2014 Jan/Mar; 32 (1): 114-25.,2929 Cruz AA, Camargos PA, Urrutia-Pereira M, Stelmach R. Global Alliance against Chronic Respiratory Diseases (GARD) Brazil success case: overcoming barriers. J Thorac Dis. 2018 Jan; 10 (1): 534-8. No entanto, são necessários estudos longitudinais para avaliar o efeito de tratamentos ou políticas para a população brasileira. O uso incorreto de medicamentos é tão grave quanto a falta de sua administração, e isso deve ser uma preocupação. Condições respiratórias crônicas necessitam de reavaliação e a intensificação, ou desescalonamento, do tratamento são altamente dependentes do uso adequado dos dispositivos respiratórios.1414 GINA (Global Initiative for Asthma). Pocket guide for asthma management and prevention (for children 5 years and younger) [Internet]. Fontana, WI: GINA; 2014; [access in 2016 Oct 10]. Available from: http://www.moh.gov.sy/LinkClick.aspx?fileticket=F2vaUszgIuo%3D&portalid=0&language=ar-YE
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As limitações do nosso estudo são aquelas que esperamos encontrar ao realizar inquéritos. Desafios metodológicos e limitações gerais relacionadas ao estudo do PNAUM foram descritos no artigo metodológico.1313 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, et al. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): 4S. Além dos desafios na implementação de inquéritos populacionais, destacamos as limitações relativas à qualidade das informações obtidas e outros viéses relacionados às entrevistas autorrelatadas. Viés de autorrelato é um tipo conhecido de viés de informação apresentado em estudos observacionais.3030 Althubaiti A. Information bias in health research: definition, pitfalls, and adjustment methods. J Multidiscip Healthc. 2016; 9: 211-7. Para avaliar doenças respiratórias crônicas em crianças e adolescentes não podemos descartar a possibilidade de viés de recordação. Esse viés pode estar relacionado aos pais ou cuidadores que não se lembram de receber um diagnóstico para a condição do filho. A falta de diagnóstico médico e o reconhecimento da doença respiratória crônica, previamente discutida, também podem ter ocorrido, o que pode ajudar a explicar a menor prevalência observada em nosso estudo. Estudos de base populacional que comparam a validade do diagnóstico autorrelato para doenças respiratórias crônicas em crianças e adolescentes, e não somente para asma, estão em falta no Brasil. Há, portanto, uma necessidade de pesquisas futuras nesta área. Para o registro dos medicamentos, a embalagem nem sempre estava disponível e informações inconsistentes entre a doença declarada e a indicação terapêutica do medicamento podem ter ocorrido.1313 Mengue SS, Bertoldi AD, Boing AC, Tavares NUL, Pizzol TSD, Oliveira MA, et al. National Survey on Access, Use and Promotion of Rational Use of Medicines (PNAUM): household survey component methods. Rev Saúde Pública. 2016 Dec; 50 (Suppl 2): 4S. Para reduzir o risco de classificação errada do motivo do uso, restringimos a análise de medicamentos para aqueles que declararam condição respiratória crônica. Por fim, apesar do tamanho do estudo e do número equilibrado de crianças e adolescentes, ao analisar doenças respiratórias crônicas, os números foram baixos e foram observados amplos intervalos de confiança para as estimativas.

O estudo PNAUM foi o primeiro grande inquérito nacional que investigou o uso de medicamentos em detalhes com entrevistas realizadas entre setembro de 2013 e fevereiro de 2014. O desenho e implementação deste levantamento nacional seguiu todas as recomendações para a realização de pesquisas de alta qualidade, com resultados representativos do perfil do uso de medicamentos da população brasileira, incluindo doenças respiratórias para crianças e adolescentes. Embora as entrevistas tenham ocorrido há seis anos, não houve mudanças nas políticas nacionais de manejo de doenças respiratórias crônicas em crianças e adolescentes no Brasil desde então. Assumimos, portanto, que nossos resultados representam o melhor conhecimento disponível sobre o perfil do uso de medicamentos para essa população. Embora o objetivo do nosso estudo não abranja o manejo correto da terapia, é importante focar no padrão encontrado, uma alta proporção de medicamentos utilizados para resgate em vez de controle e prevenção. Esses achados são as únicas evidências disponíveis atualmente, permitindo compreender o manejo de doenças respiratórias crônicas em crianças no Brasil. Destaca-se que as estimativas atualizadas são cruciais para apoiar decisões estratégicas relacionadas aos serviços farmacêuticos no Sistema Único de Saúde.

Em resumo, crianças e adolescentes que relataram doenças respiratórias crônicas residentes em áreas urbanas no Brasil parecem estar sub-tratados para suas condições crônicas. O tratamento farmacológico, mesmo que indicado, não foi utilizado adequadamente, um importante achado para a tomada de decisão nesta população.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jan 2021
  • Revisado
    31 Jul 2021
  • Aceito
    27 Out 2021
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