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Desenvolvimento de uma técnica de criação para Cerotoma arcuatus Olivier (Coleoptera: Chrysomelidae) em laboratório

Development of a rearing technique for Cerotoma arcuatus Olivier (Coleoptera: Chrysomelidae) in laboratory

Resumos

Realizaram-se estudos com o objetivo de desenvolver um método de criação de Cerotoma arcuatus Olivier em laboratório. Para a criação das larvas, foram testadas plântulas de soja e feijoeiro, utilizando-se vermiculita como substrato, avaliando-se a viabilidade e a duração do período larva-adulto. Em adultos avaliou-se a capacidade de postura nas temperaturas de 20, 25 e 30ºC, bem como a preferência alimentar em soja, feijoeiro, caupi e abóbora, através de testes de livre escolha, dupla escolha e sem chance de escolha. O substrato mais adequado para criação de C. arcuatus foi plântulas de soja em vermiculita, pois os insetos criados em feijoeiro tiveram a viabilidade do período larva-adulto reduzida. A capacidade de postura não foi afetada pelo substrato de criação e nem pelas temperaturas, sendo que à medida que se aumentou a temperatura, observou-se maior percentual de fêmeas que não realizaram postura e um ritmo de postura mais concentrado. Adultos de C. arcuatus têm preferência por folhas de soja, feijoeiro e abóbora em relação a caupi. Utilizando-se o substrato alimentar soja em vermiculita para as fases imaturas, e, folhas de soja para adultos, foi possível criar C. arcuatus, continuamente em laboratório.

Insecta; praga de soja; biologia


Studies were carried out aiming to develop a laboratory rearing technique for Cerotoma arcuatus Olivier. For larvae rearing, soybean and bean seedlings grown on vermiculite substrate were used. Viability and duration of larva-adult period were evaluated. In the adult phase, the egg-laying capacity under temperatures of 20°C, 25°C and 30°C as well as the feeding preference on soybean, bean, cowpea and pumpkin leaves were evaluated through free choice, double choice and no choice tests. Soybean seedlins grown on vermiculIte was the most adequate substrate for rearing C. arcuatus. Insects reared on bean seedlings had the viability of the larva-adult period reduced. Egg laying capacity was not affected by rearing substrate or temperature. As the temperature increased a higher percentage of females that did not oviposit as well as a more concentrated oviposition rhythm were observed. C. arcuatus adults preferred soybean, bean and pumpkin leaves as compared to cowpea leaves. The use of soybean seedlings grown on vermiculite for the immature phases and soybean leaves for the adults made possible the continuous rearing of C. arcuatus in the laboratory.

Insecta; soybean pest; biology


ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Desenvolvimento de uma Técnica de Criação para Cerotoma arcuatus Olivier (Coleoptera: Chrysomelidae) em Laboratório

DORI E. NAVA E JOSÉ R.P. PARRA

13418-900, Piracicaba, SP, nava@carpa.ciagri.usp.br

Neotropical Entomology 31(1): 055-062 (2002)

Development of a Rearing Technique for Cerotoma arcuatus Olivier (Coleoptera: Chrysomelidae) in Laboratory

ABSTRACT ¾ Studies were carried out aiming to develop a laboratory rearing technique for Cerotoma arcuatus Olivier. For larvae rearing, soybean and bean seedlings grown on vermiculite substrate were used. Viability and duration of larva-adult period were evaluated. In the adult phase, the egg-laying capacity under temperatures of 20°C, 25°C and 30°C as well as the feeding preference on soybean, bean, cowpea and pumpkin leaves were evaluated through free choice, double choice and no choice tests. Soybean seedlins grown on vermiculIte was the most adequate substrate for rearing C. arcuatus. Insects reared on bean seedlings had the viability of the larva-adult period reduced. Egg laying capacity was not affected by rearing substrate or temperature. As the temperature increased a higher percentage of females that did not oviposit as well as a more concentrated oviposition rhythm were observed. C. arcuatus adults preferred soybean, bean and pumpkin leaves as compared to cowpea leaves. The use of soybean seedlings grown on vermiculite for the immature phases and soybean leaves for the adults made possible the continuous rearing of C. arcuatus in the laboratory.

KEY WORDS: Insecta, soybean pest, biology.

RESUMO ¾ Realizaram-se estudos com o objetivo de desenvolver um método de criação de Cerotoma arcuatus Olivier em laboratório. Para a criação das larvas, foram testadas plântulas de soja e feijoeiro, utilizando-se vermiculita como substrato, avaliando-se a viabilidade e a duração do período larva-adulto. Em adultos avaliou-se a capacidade de postura nas temperaturas de 20, 25 e 30oC, bem como a preferência alimentar em soja, feijoeiro, caupi e abóbora, através de testes de livre escolha, dupla escolha e sem chance de escolha. O substrato mais adequado para criação de C. arcuatus foi plântulas de soja em vermiculita, pois os insetos criados em feijoeiro tiveram a viabilidade do período larva-adulto reduzida. A capacidade de postura não foi afetada pelo substrato de criação e nem pelas temperaturas, sendo que à medida que se aumentou a temperatura, observou-se maior percentual de fêmeas que não realizaram postura e um ritmo de postura mais concentrado. Adultos de C. arcuatus têm preferência por folhas de soja, feijoeiro e abóbora em relação a caupi. Utilizando-se o substrato alimentar soja em vermiculita para as fases imaturas, e, folhas de soja para adultos, foi possível criar C. arcuatus, continuamente em laboratório.

PALAVRAS-CHAVE: Insecta, praga de soja, biologia.

Cerotoma arcuatus Olivier (Coleoptera: Chrysomelidae) é considerada praga de importância agrícola por ser polífaga, causando prejuízos em muitas espécies vegetais, como soja [Glycine max (L.)] (Link & Costa 1978), feijão [Phaseolus vulgaris (L.)] (Teixeira et al. 1996) e caupi [Vigna unguiculata (L.) Walp.] (Fazolin 1995). As maiores perdas ocorrem nas leguminosas comestíveis, consideradas importantes fontes de proteínas para grande parte da população brasileira. Insetos deste gênero alimentam-se de raízes e nódulos nitrificadores durante a fase larval (Teixeira et al. 1996), limitando a fixação de nitrogênio. Em altas infestações, as larvas podem também causar danos às sementes em germinação, diminuindo a emergência de plantas. Na fase adulta, reduzem a parte aérea, consumindo cotilédones, folhas, órgãos reprodutivos tenros e, dependendo do estádio de desenvolvimento, provocam perdas significativas. Nos EUA, no estado de Iowa, Cerotoma trifurcata (Forster) causou diminuição da produção de soja em até 2.600 kg/ha (Smelser & Pedigo 1992). Além dos danos diretos, as larvas e adultos provocam danos indiretos, transmitindo vírus ao se alimentar (Rajnauth et al. 1987, Salas 1998).

Estudos básicos e aplicados têm sido realizados com C. arcuatus, utilizando-se criações de insetos em pequena escala ou insetos coletados no campo, pois inexiste um método adequado que propicie a criação da espécie em grandes quantidades. Os primeiros trabalhos visando ao desenvolvimento de técnicas de criação com o gênero Cerotoma Chevrolat foram realizados nos EUA no início da década de 30 por Eddy & Nettles e Isely, citados por Loughran & Ragsdale (1986), com C. trifurcata. Mas somente em 1974, foi desenvolvido um método que propiciasse a manutenção de C. trifurcata em laboratório por quatro gerações (Herzog et al. 1974). Holcomb & Fulton (1978) apresentaram novas técnicas, porém o método tornou-se inviável para criações maiores, pois o local de desenvolvimento de larvas e pupas era individualizado. A adaptação de técnicas utilizadas para Diabrotica spp. (Pitre & Kantack 1962, Rajnauth et al. 1987), facilitou estudos posteriores com Cerotoma spp. (Gonzalez et al. 1982). No Brasil, os trabalhos de Fernandes (1986), Heineck & Corseuil (1995), Salas (1998) e Abreu Neto (1999), apresentaram bons resultados, porém todas as técnicas de criação empregadas demandam muito trabalho, tornando-os inviáveis para estudos que necessitem de grande quantidade de insetos.

Desta forma, o objetivo deste trabalho foi, a partir de criações de Diabrotica speciosa (Germar) (Ávila et al. 2000), desenvolver uma técnica para C. arcuatus que produza, em laboratório, insetos comparáveis àquelas da natureza e que permita a sua produção contínua, para estudos básicos e aplicados.

Material e Métodos

Coleta de Insetos no Campo e Estabelecimento da População Inicial. Para estabelecimento da criação estoque, foram coletados adultos no campo, com auxílio de rede entomológica e aspirador bucal, em áreas cultivadas com soja e feijoeiro, localizadas na região de Piracicaba.

Após as coletas, os insetos foram transportados para o laboratório, em gaiolas (50 x 41 x 41 cm) confeccionadas com armação de madeira e as laterais de vidro e tela, contendo no seu interior folhas das plantas hospedeiras para alimentação, garantindo, desta maneira, a sobrevivência durante o transporte. No laboratório, os insetos foram criados conforme metodologia proposta por Ávila et al. (2000), sendo colocados em gaiola de acrílico e metal (39 x 51 x 51 cm). Os adultos foram alimentados com plantas de soja que tinham sido cultivadas em recipientes de plástico contendo solo, ou folhas colocadas em um pote com água, trocadas de dois em dois dias. Para o suprimento de folhas nas diferentes épocas do experimento, foram feitos plantios de soja escalonados em casa de vegetação ou telado. As gaiolas contendo os adultos foram mantidas em uma sala de criação com temperatura mantida a 25±2°C, umidade relativa de 60±20% e fotofase de 14h.

Os ovos de C. arcuatus foram obtidos conforme método proposto por Ávila et al. (2000) para D. speciosa e por Abreu Neto (1999) para C. arcuata. No interior das gaiolas de criação, foram colocadas placas de Petri de 8 cm de diâmetro por 1,5 cm de altura, forradas com espuma para manter umidade, a qual foi coberta por tecido tipo "gaze" de coloração preta para estimular a oviposição (Abreu Neto 1999).

Para a coleta dos ovos, as gazes foram passadas em água corrente, lavadas sucessivamente, retendo-se os ovos em uma peneira de malha fina (voil). Em seguida, os ovos receberam tratamento fungicida, com solução de sulfato de cobre (CuSO4) a 1%, durante 5 min. e, a seguir, foram colocados sobre um papel para secar. Posteriormente, foram transferidos para placas de Petri forradas com papel de filtro tratado com CuSO4 e umedecido com água destilada. As placas de Petri foram fechadas com tampa de mesmo diâmetro e vedadas com filme transparente de PVC (parafilme®), mantidas em câmara climatizada regulada à temperatura de 25±1°C, umidade relativa de 60±10% e fotofase de 14h, até a eclosão das larvas.

Adaptação do Método de Criação. O método de criação empregado para as fases imaturas foi baseado no trabalho desenvolvido por Ávila et al. (2000), para a criação de D. speciosa. Foram comparados dois tratamentos com nove repetições; o primeiro, com plântulas de soja (cultivar `FT 109') e outro com plântulas de feijão (cultivar 'Carioca'). Como substrato para o desenvolvimento das plântulas, utilizou-se vermiculita de textura média, esterilizada em estufa a 170oC por duas horas e cujas características físicas (porosidade, textura, etc.) propiciaram a manutenção da umidade. As sementes foram tratadas com fungicida captan (Captan 1g/kg de sementes) e postas a germinar em recipientes de plástico, contendo vermiculita saturada com água destilada. Os recipientes de germinação foram mantidos em laboratório a 25±2°C e fotofase de 14h, até a emissão dos cotilédones (cinco a seis dias), momento adequado para a "inoculação" das larvas.

Para realizar a inoculação, foram utilizados recipientes de 13,5 cm de diâmetro por 8 cm de altura, desinfestados com álcool, contendo uma camada constituída de uma parte de vermiculita (25 g) para duas de água (50 g). Sobre essa camada, foram colocadas plântulas de feijão ou soja e com o auxílio de um pincel, foram colocadas as larvas próximo aos cotilédones, na proporção de duas larvas para cada plântula, totalizando 50 larvas/recipiente. Sobre as plântulas, adicionou-se uma segunda camada, de composição semelhante à primeira, apenas dobrando-se a quantidade de vermiculita e água.

Próximo à fase de pré-pupa (10 dias após a inoculação), as larvas foram transferidas para um novo recipiente, chamado de recipiente de transferência, contendo alimento necessário para completar o desenvolvimento larval. A vermiculita serviu para manter a umidade e como local de formação da câmara-pupal. O preparo do recipiente de transferência foi semelhante ao da inoculação, sendo utilizado um conjunto de peneiras e pincéis, para separar as larvas da vermiculita do resto de alimento. Após aproximadamente 14 dias, os adultos emergidos foram coletados com o auxílio de um aspirador e colocados na gaiola de criação. Os recipientes de inoculação e transferência das larvas foram mantidos em laboratório a 25±2°C, umidade relativa de 60±20% e fotofase de 14h, até a emergência dos adultos.

Parâmetros Biológicos Avaliados. O desenvolvimento de C. arcuatus, em feijoeiro e soja, foi avaliado medindo-se a duração e a viabilidade do período larva-adulto. A capacidade de postura das fêmeas, criadas na fase larval em soja e feijão, foi determinada nas temperaturas de 20, 25 e 30°C, mantendo-se a umidade relativa de 70±10% e fotofase de 14h. Os insetos adultos foram separados por sexo com base nas antenas (Gonzalez et al. 1982). A seguir, casais individualizados foram colocados em gaiolas de acrílico, conforme Ávila et al. (2000) totalizando 12 e 20 repetições em cada temperatura, para feijoeiro e soja, respectivamente. O número de casais em feijoeiro foi limitado pela baixa viabilidade, não permitindo a formação de 20 casais em cada temperatura, número previamente estabelecido. No interior de cada gaiola, foi colocado um recipiente com água, contendo folíolos de soja para alimentação, trocados quando perdiam a turgescência; colocou-se também um substrato de postura, sendo os ovos coletados e contados de quatro em quatro dias.

O experimento foi conduzido em delineamento experimental inteiramente casualizado, sendo os resultados submetidos à análise da variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade. No caso de avaliação da capacidade de postura, foram consideradas, para análise, apenas as fêmeas que ovipositaram.

Consumo e Preferência Alimentar. Determinou-se o consumo, alimentando-se os adultos em testes de livre escolha e sem chance de escolha, utilizando-se folhas com a mesma idade fisiológica (5o ¾ 6o folha emitida), de quatro hospedeiros: soja ('FT 109'), feijoeiro ('Carioca'), caupi (variedade não identificada) e abóbora ('Caserta'). Os insetos utilizados nos testes foram deixados por 48h, alimentando-se de folhas de amendoinzeiro para evitar o condicionamento pré-imaginal. Os testes foram realizados em laboratório mantido à temperatura de 25±2°C, umidade relativa de 60±20% e fotofase de 14h.

No teste de livre escolha, utilizaram-se placas de Petri de 15 cm de diâmetro por 2 cm de altura, com fundo de gesso coberto por papel filtro umedecido. Círculos foliares de 5 cm2, dos quatro hospedeiros, cortados com o auxílio de um vazador de rolha, foram dispostos aleatoriamente de maneira eqüidistante nas placas de Petri (arena). No centro das arenas, foram colocados dois casais de C. arcuatus. Após 24h, retiraram-se os adultos e procedeu-se à leitura da área remanescente dos círculos foliares, utilizando-se um medidor de área foliar (CI-203, CID Incorporation), sendo o consumo determinado através da diferença entre a área inicial e a área não consumida.

No teste sem chance de escolha (confinamento), foram oferecidos quatro círculos foliares de apenas um hospedeiro alimentar, em cada placa. O procedimento de avaliação foi idêntico àquele descrito para o teste com chance de escolha.

Para determinar o índice de preferência dos hospedeiros (soja, feijão, caupi e abóbora), instalou-se um experimento de dupla escolha, onde a soja foi considerada a planta padrão. Os círculos foliares foram colocados de forma alternada em placas de Petri, contendo gesso e papel filtro umedecido com água destilada, para evitar desidratação dos círculos foliares durante a realização do experimento (24h). O número de insetos e a forma de avaliação foram semelhantes aos utilizados no teste de livre escolha. O índice de preferência foi calculado segundo Kogan & Goeden (1970), através da fórmula:

A interpretação dos resultados foi de acordo com o valor de C obtido, isto é:

C > 1 - A planta teste foi preferida pelo inseto com relação à planta padrão;

C = 1 - A planta teste é semelhante à planta padrão quanto a preferência;

C < 1 - A planta teste é menos adequada do que a planta padrão.

As folhas dos quatro hospedeiros (soja, feijão, caupi e abóbora), foram analisadas quimicamente no Laboratório de Nutrição Mineral de Plantas do Departamento de Solos e Nutrição de Plantas da ESALQ/USP, com o objetivo de se determinar o teor de nitrogênio para se estimar a quantidade de proteína bruta, visando encontrar alguma relação com o consumo de C. arcuatus. Para isto foram utilizadas folhas de mesma idade fisiológica por ocasião da realização do teste de preferência dos quatro hospedeiros, utilizando-se a metodologia proposta por Sarruge & Haag (1974).

Os testes de consumo foliar com e sem chance de escolha foram conduzidos em delineamento inteiramente casualizado, sendo os tratamentos constituídos pelas espécies hospedeiras em estudo, num total de 20 repetições para cada teste. Os resultados obtidos foram submetidos à análise da variância, e as médias comparadas pelo teste de Tukey, ao nível de 5% de probabilidade.

Resultados e Discussão

Duração e Viabilidade do Período Larva-Adulto. A duração do período larva-adulto não foi influenciada pelo tipo de alimento consumido (Tabela 1), sendo de 24,5 e 24,0 dias, quando se utilizou soja e feijoeiro, respectivamente. Entretanto, a viabilidade deste período foi significativamente afetada variando de 80%, quando C. arcuatus foi criada em soja, para 20% em plântulas de feijão (Tabela 1). Assim como as criações em laboratório de D. speciosa têm como padrão plântulas de milho, aparentemente as plântulas de soja são as mais adequadas para C. arcuatus. Os valores obtidos para o período larva-adulto, em soja, foram próximos àqueles relatados por Heineck & Corseuil (1995) para C. a. tingomariana (21,2 dias a 26±2oC) e aos de Herzog et al. (1974) que encontraram duração de 22,6 dias e viabilidade de 72%, para C. trifurcata, criada a 26oC. Os valores obtidos em plântulas de feijão foram próximos aos relatados por Herzog et al. (1974) e bastante discrepantes daqueles apresentados por Gonzalez et al. (1982) (19,5) e Salas (1998) (38,6).

Entretanto, além do substrato alimentar, o método utilizado pode ser um fator limitante da criação, pois dependendo do substrato haverá um significativo efeito sobre a umidade dos recipientes, a qual irá determinar a incidência de microorganismos (fungos, bactérias, etc.) e até ácaros, que podem prejudicar a manutenção das plantas e, por conseguinte, afetar também os insetos.

Capacidade de Postura. Não foram observadas diferenças significativas de postura nas três temperaturas (F = 0,38; P = 0,69) e nos dois substratos alimentares (F = 0,36; P = 0,55), havendo uma variação entre tratamentos, de 518,5 a 636,5 ovos (Fig. 1); tampouco foi encontrada interação dos fatores temperatura e substrato alimentar (F = 0,17; P = 0,84). Gonzalez et al. (1982) obtiveram resultados bastante semelhantes, ou seja, 532 ovos por fêmea na espécie C. facialis, a 27oC e alimentada durante a fase larval e adulta com soja. Por outro lado, os resultados diferem daqueles relatados por Heineck & Corseuil (1995), que encontraram maior capacidade de postura para C. a. tingomariana, a 26±2oC e alimentados com soja, ou seja, média de 1880,6 ovos por fêmea. Esta diferença pode ter ocorrido por se tratar de subespécies diferentes e gerações diferentes ou pode estar relacionada aos recipientes de criação empregados. Os autores citados utilizaram mangas de vidro para lampião, enquanto que no presente trabalho foram utilizados copos de acrílico, o que pode ter alterado as condições ambientais como espaço e luz e, conseqüentemente, ter interferido na biologia do inseto.


A capacidade de C. arcuatus ovipositar igualmente na faixa de 20-30oC, justifica a sua distribuição geográfica no Brasil, já que é relatada desde regiões mais frias, como o Sul do País (Link & Costa 1978) até regiões mais quentes como o Centro-Oeste, Nordeste e Norte (Vieira 1988, Fazolin 1995).

Embora a capacidade de postura não tenha diferido estatisticamente entre os substratos alimentares e as temperaturas, a porcentagem de fêmeas que não realizaram postura foi maior nas temperaturas mais baixas (Tabela 2). Este resultado é de grande importância para criações de laboratório, indicando que os adultos deverão ser mantidos em temperaturas mais elevadas para maior rendimento de produção de insetos.

Com relação ao ritmo de postura, constatou-se que o comportamento foi semelhante para os insetos alimentados com feijoeiro (Fig. 2A) e soja (Fig. 2B). Entretanto, a condição térmica afetou tal ritmo, observando-se um período de oviposição mais concentrado nas temperaturas de 30oC, com um pico entre o 36o e 48o dias de postura. A 25oC, tal pico ocorreu entre 50o e 70o dias. Por outro lado, a 20oC, as fêmeas realizaram postura de forma mais uniforme ao longo de todo o período de oviposição. Essas diferenças estão ligadas ao fato de o inseto ter maior longevidade nas temperaturas mais baixas, onde ele apresenta menor atividade metabólica, e, portanto, não necessita de colocar os ovos no início da sua vida (Allee et al. 1949). Tal informação é muito importante para programas de criação massal, pois uma vez definido o pico de postura, ou mesmo onde se concentra a maior freqüência de posturas, podem-se eliminar os insetos a partir desse período, otimizando-se a criação através da redução de custos de produção.


Consumo e Preferência Alimentar. Pelo teste de livre escolha, observou-se que o consumo foliar de C. arcuatus variou de acordo com os hospedeiros (Fig. 3A). Assim, adultos de C. arcuatus consumiram área foliar de soja, feijoeiro e abóbora equivalente a 2,13; 2,02 e 1,71 cm2, respectivamente. Para caupi, o consumo foi bastante reduzido, cerca de 0,77 cm2 em 24h.


Em relação aos dados do teste de consumo sem chance de escolha para C. arcuatus, também foi detectada diferença significativa na preferência do inseto em função do hospedeiro, com o menor consumo ocorrendo em caupi (Fig. 3B).

No teste de dupla escolha (Fig. 4), onde se determinou o índice de preferência da planta padrão (soja) em relação às plantas testes (feijoeiro, abóbora e caupi), o consumo foliar de soja foi significativamente maior quando comparado com o de abóbora e caupi, e menor em relação ao feijoeiro. Isto demonstra a preferência de C. arcuatus por soja e feijoeiro, pois no teste de livre escolha e sem chance de escolha, não houve diferença significativa entre soja, feijoeiro e abóbora. No teste de dupla escolha, comparando-se soja x feijoeiro, observou-se que o índice foi superior a um (1,19), indicando preferência de C. arcuatus por feijoeiro. Já quando se comparou soja x abóbora e soja x caupi o índice foi inferior a um (0,86 e 0,84, respectivamente), demonstrando preferência do inseto pela soja. Essa informação justifica a ocorrência da praga em quantidades relativamente grandes, causando prejuízos econômicos nas culturas de soja (Link & Costa 1978, Heineck & Corseuil 1995) e feijoeiro (Vieira 1988, Yokoyama 1998).


Resultados discrepantes foram obtidos em teste de livre escolha por Salas (1998) que determinou maior consumo de C. arcuatus em soja perene e comum, em relação a feijoeiro e caupi. Talvez a variedade utilizada na presente pesquisa tenha levado às diferenças observadas. Segundo Zeiss e Pedigo (1996) a alimentação dos insetos polífagos com a espécie hospedeira preferida aumenta a sua fecundidade; desta forma, o resultado encontrado no método desenvolvido na presente pesquisa reforça o alto valor nutricional da soja como alimento para o desenvolvimento da fase larval e para o adulto de C. arcuatus. Apesar de C. arcuatus ser relatado muitas vezes como praga de caupi, o consumo nessa leguminosa no presente trabalho, foi sempre inferior ao observado nas outras culturas estudadas. Isto pode ser explicado, em parte, por serem populações de C. arcuatus da região Sudeste, onde não se cultiva caupi, portanto, bem diferentes, daquelas populações da região Norte e Nordeste, onde a cultura é cultivada em grandes áreas.

Não se observou relação entre o teor de proteína bruta presente no hospedeiro e o consumo de área foliar, pois o caupi contém a maior porcentagem de proteína (29,4) e foi o vegetal menos consumido pelo inseto, comparando-se com o feijoeiro (29,3), soja (25,0) e abóbora (16,9). Portanto, o teor de proteína bruta não é um bom elemento para se estabelecer uma relação com o consumo de área foliar pelo inseto. Provavelmente, parte da proteína total não está disponível ao inseto, o que pode variar de vegetal para vegetal (McNeill & Southwood 1978, Parra & Carvalho 1984). Desta forma, para se conhecer realmente a disponibilidade dessas proteínas, são necessários estudos de consumo e utilização de alimento para o inseto.

Os resultados do presente trabalho possibilitam a criação contínua de C. arcuatus em laboratório, utilizando-se vermiculita e plântulas de soja para as fases imaturas e plantas de soja para alimentação dos adultos. Esta técnica de criação de C. arcuatus vem preencher uma lacuna e permitirá que sejam conduzidos estudos em áreas básicas e aplicadas, com vistas a um melhor conhecimento da praga para racionalização do seu controle.

Agradecimentos

Ao CNPQ pela concessão da bolsa de estudo de Mestrado. Ao pesquisador da Embrapa/CPAO Dr. Crébio José Ávila, pelas valiosas sugestões na realização do experimento.

Literatura Citada

Received 12/11/2001. Accepted 10/01/2002.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Mar 2002

Histórico

  • Aceito
    10 Jan 2002
  • Recebido
    12 Nov 2001
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