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Biologia de Stenoma catenifer Walsingham (Lepidoptera: Elachistidae) em dieta natural e artificial e estabelecimento de um sistema de criação

Biology of Stenoma catenifer Walsingham (Lepidoptera: Elachistidae) in natural and artificial diets and development of a rearing system

Resumos

O objetivo deste trabalho foi estudar a biologia de Stenoma catenifer Walsingham em dieta natural e artificial e desenvolver técnicas de criação em laboratório para as diferentes fases de desenvolvimento. Foram conduzidos experimentos para a criação e desenvolvimento de S. catenifer em polpa e semente de abacate das cultivares Breda e Margarida; criação e desenvolvimento de S. catenifer em dieta artificial e em sementes das cultivares Margarida e Breda; e adaptação de S. catenifer à dieta artificial por sete gerações. Para os três experimentos, avaliaram-se parâmetros morfológicos e biométricos. A sobrevivência larval e pupal, a fecundidade e a longevidade (de machos e fêmeas) de S. catenifer em sementes de abacate foram maiores do que em polpa. As sementes mostraram-se, portanto, mais adequadas nutricionalmente, apesar de a duração da fase larval ter sido maior do que a dos insetos criados em polpas. De forma análoga, a duração e a sobrevivência da fase larval foram maiores nas sementes de abacate do que em dieta artificial, sendo que o número de ínstares das lagartas alimentadas em sementes e em dieta artificial foi constante e igual a cinco. A dieta artificial utilizada para a criação de insetos por sete gerações sucessivas mostrou-se nutricionalmente adequada, já que os parâmetros biológicos e morfológicos avaliados não sofreram alterações ao longo do tempo. Demonstra-se, assim, que é possível criar S. catenifer tanto em dieta natural como artificial, utilizando-se as técnicas apresentadas neste trabalho.

Insecta; broca-do-abacate; Persea americana; técnica de criação


The goal of this work was to study the biology of Stenoma catenifer Walsingham on natural and artificial diets and to develop a laboratory rearing technique. Thus, three experiments were performed: a) rearing and development of S. catenifer on pulp and seed of avocado cultivars Breda and Margarida; b) rearing and development of S. catenifer on artificial diet and seeds of cultivars Margarida and Breda; and c) adaptation of S. catenifer to the artificial diet for seven generations. Morphological and biometrical parameters were used to evaluate insect development on all experiments. Larval and pupal survival, fecundity and longevity (males and females) were higher in avocado seeds than pulp. So, nutrition-wise it was a more adequate substrate despite the longer larval stage as compared to that obtained from pulp. Likewise, larval duration and survival were higher in avocado seeds than in artificial diet with five instars regardless the rearing substrate. The artificial diet used for insect rearing for seven generations proved to be suitable since the biological and morphological parameters evaluated did not change throughout all generations studied. Therefore, it is possible to rear S. catenifer using natural and artificial diet through the approaches presented in this paper.

Insecta; avocado fruit borer; Persea americana; rearing tecnique


ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Biologia de Stenoma catenifer Walsingham (Lepidoptera: Elachistidae) em dieta natural e artificial e estabelecimento de um sistema de criação

Biology of Stenoma catenifer Walsingham (Lepidoptera: Elachistidae) in natural and artificial diets and development of a rearing system

Dori E. Nava; José R.P. Parra

Depto. Entomologia, Fitopatologia e Zoologia Agrícola, ESALQ/USP, C. postal 9, 13418-310, Piracicaba, SP

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi estudar a biologia de Stenoma catenifer Walsingham em dieta natural e artificial e desenvolver técnicas de criação em laboratório para as diferentes fases de desenvolvimento. Foram conduzidos experimentos para a criação e desenvolvimento de S. catenifer em polpa e semente de abacate das cultivares Breda e Margarida; criação e desenvolvimento de S. catenifer em dieta artificial e em sementes das cultivares Margarida e Breda; e adaptação de S. catenifer à dieta artificial por sete gerações. Para os três experimentos, avaliaram-se parâmetros morfológicos e biométricos. A sobrevivência larval e pupal, a fecundidade e a longevidade (de machos e fêmeas) de S. catenifer em sementes de abacate foram maiores do que em polpa. As sementes mostraram-se, portanto, mais adequadas nutricionalmente, apesar de a duração da fase larval ter sido maior do que a dos insetos criados em polpas. De forma análoga, a duração e a sobrevivência da fase larval foram maiores nas sementes de abacate do que em dieta artificial, sendo que o número de ínstares das lagartas alimentadas em sementes e em dieta artificial foi constante e igual a cinco. A dieta artificial utilizada para a criação de insetos por sete gerações sucessivas mostrou-se nutricionalmente adequada, já que os parâmetros biológicos e morfológicos avaliados não sofreram alterações ao longo do tempo. Demonstra-se, assim, que é possível criar S. catenifer tanto em dieta natural como artificial, utilizando-se as técnicas apresentadas neste trabalho.

Palavras-chave: Insecta, broca-do-abacate, Persea americana, técnica de criação

ABSTRACT

The goal of this work was to study the biology of Stenoma catenifer Walsingham on natural and artificial diets and to develop a laboratory rearing technique. Thus, three experiments were performed: a) rearing and development of S. catenifer on pulp and seed of avocado cultivars Breda and Margarida; b) rearing and development of S. catenifer on artificial diet and seeds of cultivars Margarida and Breda; and c) adaptation of S. catenifer to the artificial diet for seven generations. Morphological and biometrical parameters were used to evaluate insect development on all experiments. Larval and pupal survival, fecundity and longevity (males and females) were higher in avocado seeds than pulp. So, nutrition-wise it was a more adequate substrate despite the longer larval stage as compared to that obtained from pulp. Likewise, larval duration and survival were higher in avocado seeds than in artificial diet with five instars regardless the rearing substrate. The artificial diet used for insect rearing for seven generations proved to be suitable since the biological and morphological parameters evaluated did not change throughout all generations studied. Therefore, it is possible to rear S. catenifer using natural and artificial diet through the approaches presented in this paper.

Key words: Insecta, avocado fruit borer, Persea americana, rearing tecnique

O desenvolvimento de técnicas de criação de insetos em dieta artificial nos últimos 50 anos permitiu um grande avanço da entomologia dentro do manejo de pragas, com a implementação de programas de criação massal para controle de pragas. A possibilidade da criação de insetos em condições artificiais também facilitou estudos em fisiologia, genética, toxicologia, relação inseto-planta, patologia, biotecnologia, entre outros, propiciando grandes avanços à entomologia moderna. A importância dessa técnica fica clara ao se analisarem os programas de controle biológico bem sucedidos no Brasil, que sempre foram respaldados por laboratórios que desenvolveram métodos para a multiplicação da praga e/ou inimigos naturais (Parra 2000).

Vários grupos de insetos podem ser mantidos em dietas artificiais, o que facilita a sua criação e permite manter um suprimento contínuo, principalmente nos períodos do ano em que eles não ocorrem no campo (Singh & Moore 1985, Parra 2001). Outros, porém, têm que ser criados em dietas naturais o que demanda aumento de mão-de-obra, e conseqüentemente dos gastos, pois a mão-de-obra representa 80% dos custos de produção. Dentre os insetos de difícil criação em dieta artificial, destacam-se os insetos das Ordens Thysanoptera e Hemiptera e, entre os mais facilmente criados, estão os lepidópteros, que representam aproximadamente 40% do total dos grupos taxonômicos criados (Singh 1977, Parra 2001). As famílias Noctuidae e Tortricidae estão entre as que apresentam maior número de dietas para criação (Singh & Moore 1985). Outras famílias, entretanto, como a de Stenoma catenifer Walsingham, não possuem representantes criados em dieta artificial, dificultando o estabelecimento de novas medidas de controle, tais como a utilização de feromônio sexual e o controle biológico. Por outro lado, a criação de S. catenifer no hospedeiro natural também tem sido dificultada, já que os frutos deterioram com facilidade, interferindo no desenvolvimento larval.

S. catenifer é uma das principais pragas do abacateiro (Persea americana Mill.) na região Neotropical, sendo relatada desde o México (Acevedo 1970) até o Norte da Argentina (Artigas 1994). No Brasil foi referida por Costa Lima (1945) como praga do abacateiro e, desde a década de 90, tem sido considerada praga-chave dessa frutífera, ocorrendo nas principais regiões produtoras, incluindo o Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo (Medina 1978). As mariposas realizam posturas sobre a epiderme dos frutos e em maior quantidade sobre o pedicelo (Hohmann et al. 2003). Após a eclosão, as lagartas de primeiro ínstar perfuram a casca e alimentam-se inicialmente da polpa, podendo atingir nos últimos ínstares o caroço, causando sérios danos nos frutos e na maioria das vezes provocando sua queda. As perdas são variáveis, e dependendo do ano e da cultivar, podem ser totais (Hohmann & Meneguim 1993).

O objetivo deste trabalho foi estabelecer um sistema de criação para S. catenifer, visando produzir insetos de alta qualidade durante o ano todo. Primeiramente, determinou-se a melhor dieta natural para o desenvolvimento da broca-da-abacate. Em seguida, comparou-se a melhor dieta natural com uma dieta artificial adaptada de Bonagota cranaodes (Meyrick). Posteriormente estudou-se o desenvolvimento em dieta artificial, por sete gerações, visando determinar a adaptabilidade de S. catenifer. O desenvolvimento de técnicas de criação de S. catenifer em dieta natural e a possibilidade de criar o inseto em dieta artificial ao longo do tempo, com características semelhantes àquelas do inseto selvagem, poderão facilitar o desenvolvimento de outros métodos de controle, uma vez que o controle químico é a única opção disponível no momento.

Material e Métodos

Estabelecimento de um Sistema de Criação de S. catenifer. Para iniciar a criação foram coletados frutos de abacate com sintomas característicos de ataque (exsudato branco e excrementos da lagarta na parte externa do fruto) em pomares comerciais situados em São Tomás de Aquino, MG (latitude: 20º52'30" S, longitude: 47º07'30" W e altitude de 1000 m). Os frutos foram dissecados para a retirada das lagartas de S. catenifer, que foram alimentadas com sementes de abacates até a pupação. Os experimentos foram realizados em condições controladas de temperatura (25 ± 2ºC), umidade relativa (70 ± 10%) e fotofase de 14h.

As pupas foram distribuídas em copos plásticos (5 cm de altura x 5 cm e 3 cm de largura para o topo e base, respectivamente), dispostos sobre uma bandeja, contendo papel de filtro umedecido diariamente. Os adultos recém-emergidos foram separados por sexo com base no formato terminal do abdome (as fêmeas possuem a abertura genital chamada oviporo). Em seguida, para a cópula, dois casais foram colocados em copos plásticos (13 cm de altura x 8 cm e 6 cm de largura para o topo e base, respectivamente). Após 24h, transferiram-se 10 desses casais para gaiolas confeccionadas com tubos de PVC (23 cm de altura x 15 cm de diâmetro), revestidas internamente com papel toalha, que serviu como substrato para postura (Nava et al. 2005). Em uma das extremidades, o tubo era apoiado sobre recipiente de plástico e a outra extremidade tampada com tela plástica de 0,02 mm2 de malha. Os adultos foram alimentados com uma solução de mel a 10%, fornecida por capilaridade, por meio de rolo de algodão dental, além de um fruto de abacate para estimular a oviposição. O alimento e o substrato para oviposição foram renovados diariamente. Para evitar as contaminações fúngicas nas posturas, o papel toalha foi tratado previamente com uma solução de sulfato de cobre a 1% por 5 min. e acondicionados em recipientes plásticos.

Com o aumento da criação de S. catenifer, o desenvolvimento larval passou a ser em recipientes de plástico maiores (31 cm de comprimento x 22 cm de largura x 11 cm de altura). As sementes foram dispostas em uma camada, entre folhas de papel toalha, com a finalidade de absorver o excesso de umidade causado pela transpiração das mesmas. Em cada recipiente foram colocadas cerca de 22 sementes e transferidas três lagartas recém-eclodidas cada.

Desenvolvimento de S. catenifer em Polpa e Sementes de Abacate. Para estudo da biologia de S. catenifer em polpa de abacate utilizaram-se placas de Petri (2 cm de altura x 9 cm de diâmetro) esterilizadas em estufa a 180ºC durante 1h. Os frutos foram lavados em água corrente e desinfetados em solução de hipoclorito de sódio a 2%, durante 10 min. Em seguida, em câmara de fluxo laminar, os frutos foram fatiados, de forma que a parte superior ficasse protegida pela casca, sendo as fatias colocadas nas placas de Petri. Para retirar o excesso de umidade, colocou-se sob e sobre a fatia de abacate, papel de filtro, sendo transferidas duas lagartas recém-eclodidas (com até 12h) por placa de Petri. A cada cinco dias, procedeu-se à troca do alimento e do papel de filtro.

Para avaliação do desenvolvimento larval de S. catenifer em sementes de abacate, duas lagartas recém-eclodidas foram transferidas para semente colocadas no interior de potes de plástico (8 cm de altura x 8 cm e 6 cm de largura para o topo e a base, respectivamente), contendo papel de filtro em sua base.

Nas duas dietas naturais de semente e polpa foram inoculadas 140 lagartas e foram determinadas a duração e a sobrevivência das fases larval e pupal, o peso de pupas com 24h, a fecundidade e a longevidade de machos e de fêmeas. A fecundidade e a longevidade foram determinados em 20 casais.

Desenvolvimento de S. catenifer em Sementes de Abacate e Dieta Artificial. Para o desenvolvimento larval, foram testados dois alimentos naturais (sementes de abacate das cultivares Margarida e Breda) e uma dieta artificial. A metodologia de criação de S. catenifer em sementes foi a mesma descrita no item anterior e os insetos foram provenientes da criação em sementes de abacates da cultivar Margarida.

Para a criação de S. catenifer utilizou-se uma modificação da dieta artificial empregada por Parra et al. (1995) para B. cranaodes, substituindo-se o feijão 'Carioca' pelo feijão 'Branco' e acrescentado 30 g de cenoura e 2 ml de suplemento vitamínico Vitagol® (Tabela 1). A cenoura foi cozida juntamente com o feijão e o Vitagolâ adicionado à solução vitamínica. A dieta foi elaborada segundo metodologia proposta por Parra (2001) e transferida para tubos de vidro (8,5 cm de altura x 2,5 cm de diâmetro). Após 24h do preparo, transferiram-se com auxílio de um pincel, duas lagartas recém-eclodidas por tubo.

Para cada dieta foram utilizadas 140 lagartas, avaliando-se a duração e a sobrevivência das fases de ovo, lagarta, pupa e ciclo biológico (ovo-adulto), número de ínstares, peso de pupas após 24h, razão sexual utilizando-se a fórmula: rs = , fecundidade e a longevidade de machos e fêmeas.

O número de ínstares foi obtido pela medição diária da largura da cápsula cefálica de 12 lagartas/dia, retiradas de um lote de aproximadamente 500. As lagartas foram retiradas do alimento e mortas em álcool 70%, procedendo-se posteriormente à medição com ocular micrométrica, acoplada a um microscópio estereoscópico. A determinação do número de ínstares foi realizada segundo Dyar (1890). A longevidade e a fecundidade de S. catenifer foram determinadas em 20 casais.

Desenvolvimento de S. catenifer em Dieta Artificial por Sucessivas Gerações. A dieta artificial modificada de Parra et al. (1995) utilizada para a criação de S. catenifer foi testada por sete gerações sucessivas utilizando-se 140 lagartas recém-eclodidas por geração. Para avaliar a qualidade da dieta artificial e conseqüentemente dos insetos produzidos, foram utilizados critérios morfológicos (deformação de adultos) e critérios biométricos (duração e a sobrevivência do período ovo-adulto, viabilidade da fase de ovo, peso de pupas com 24h, razão sexual, fecundidade e longevidade de machos e fêmeas).

Análise Estatística. Os experimentos foram conduzidos em delineamento inteiramente casualizado e os dados obtidos foram submetidos à análise de variância, sendo as médias comparadas pelo teste de Tukey (P < 0,05).

Resultados e Discussão

Desenvolvimento da Broca-do-Abacate em Polpa e Sementes de Abacate. Os diversos parâmetros biológicos de S. catenifer variaram em função do tipo de alimento (semente e polpa) e da cultivar de abacate utilizada (Tabela 2). A duração da fase larval variou de 18,4 a 22,6 dias, sendo registrados os maiores valores para os insetos alimentados com sementes. A duração da fase de pupa variou de 12,3 a 12,7 dias (Tabela 2), não sendo observadas diferenças significativas entre os alimentos testados. Esses valores estão próximos aos 19,8 e 11,1 dias relatados por Boscán de Martínez & Godoy (1984) para as fases larval e pupal, respectivamente, em polpa de cultivar desconhecida, e superiores aos relatados por Hohmann & Meneguim (1993) os quais observaram 15,3 e 10,6, dias respectivamente, para as fases larval e pupal, utilizando-se frutos da cultivar Margarida a 25ºC. Embora os primeiros autores não citem a temperatura utilizada no experimento, observa-se que há grande variação nos dados na literatura existente, indicando que a cultivar, o alimento e o método utilizado exercem importante influência sobre o desenvolvimento de S. catenifer.

A sobrevivência de lagartas alimentadas com sementes sempre foi significativamente superior a 80%, enquanto que aquelas alimentados com polpa foi cerca de 70% (Tabela 2). A sobrevivência pupal dos insetos alimentados com sementes diferiu significativamente dos alimentados com polpa da cultivar Margarida (Tabela 2). Hohmann & Meneguim (1993) relataram sobrevivência da fase larval e pupal de 25,4% e 82,8%, respectivamente. A baixa sobrevivência larval pode estar ligada ao método de criação utilizada pelos autores, uma vez que os frutos da cultivar 'Margarida', utilizados para o desenvolvimento larval foram colocados sobre suportes de bambu, diferentemente do utilizado neste trabalho, onde o desenvolvimento larval ocorreu obrigatoriamente em polpa ou em semente de abacates acondicionados em placas de Petri ou em recipientes de plástico, respectivamente.

Para o peso de pupas, também foi observado que os insetos alimentados com sementes foram mais pesados do que os criados com polpa (Tabela 2). A diferença de peso provavelmente refletiu na capacidade de postura de S. catenifer, já que o número de ovos colocados por adultos oriundos de lagartas criadas com sementes foi superior ao dos insetos alimentados com polpa (Tabela 2). A capacidade de postura de S. catenifer criada em frutos ou apenas polpa de abacate variou de 164 a 240 ovos (Acevedo et al. 1972, Hohmann & Meneguim 1993). Assim, pode-se concluir que a fecundidade de S. catenifer esteja relacionada à qualidade nutricional do substrato alimentar empregado na fase larval, sendo que, na presente pesquisa, a semente pode ser considerada a de melhor qualidade.

A longevidade de machos e fêmeas foi afetada pelos diferentes substratos alimentares semelhantemente aos parâmetros biológicos anteriormente relatados. Os insetos alimentados com sementes foram, de modo geral, mais longevos do que os alimentados com polpa (Tabela 2). Também em comparação com o trabalho de Hohmann & Meneguim (1993) os insetos vivem de cinco a seis dias a mais, indicando que além de fatores nutricionais, as técnicas de criação também podem influenciar a longevidade de S. catenifer.

Desenvolvimento de S. catenifer em Sementes de Abacate e Dieta Artificial. A fase de ovo foi de cerca de cinco dias, não diferindo estatisticamente para as dietas utilizadas (Tabela 3). Para as fases de lagarta e pupa, a duração foi significativamente maior para os insetos alimentados com sementes de abacate quando comparado com os alimentados em dieta artificial (Tabela 3).

Insetos criados em dieta artificial realizaram postura com sobrevivência (80,2%) inferior aos criados em sementes de abacate (Tabela 3). Hohmann & Meneguim (1993) também observaram sobrevivência de ovos próxima à da presente pesquisa apesar de criarem insetos nos frutos de abacate e não nas sementes. A mesma tendência foi observada para a fase larval, havendo algumas variações pois a sobrevivência dos insetos criados em sementes de abacate 'Margarida' (72,3%) foi superior à daqueles criados em dieta artificial (60,0%), embora não diferisse de 'Breda' (69,2%). Esses valores, nos três substratos, são superiores aos 25,4% determinados por Hohmann & Meneguim (1993), que criaram as lagartas em frutos. Para a fase de pupa, a sobrevivência foi semelhante para os três tratamentos e superior a 76,3% (Tabela 3). Da mesma forma, a sobrevivência de todo o ciclo biológico (ovo-adulto) dos insetos criados em sementes foi superior à sobrevivência daqueles criados em dieta artificial (Tabela 3).

Normalmente em insetos, os alimentos mais adequados propiciam menor duração das fases de desenvolvimento e maior sobrevivência (Parra 2001). Para S. catenifer, a duração e a sobrevivência têm sido maiores nos insetos alimentados com sementes, em comparação com dieta artificial, contrariando essa afirmação. Provavelmente, tais valores, em condições naturais, possam ser diferentes já que as larvas alimentam-se da polpa podendo, nos últimos estádios, alimentar-se das sementes. A duração na dieta artificial foi próxima daquela obtida em dieta natural à base de fruto de abacate (Hohmann & Meneguim 1993), indicando que a dieta artificial aparentemente possui o mesmo valor nutricional da polpa.

O peso de pupas de S. catenifer, provenientes de lagartas alimentadas com sementes de abacates foi significativamente maior do que o peso das lagartas alimentadas com dieta artificial (Tabela 4). Essa diferença provavelmente está ligada ao fato de que a duração da fase larval em dieta artificial é menor do que em alimento natural e, em conseqüência, os adultos tendem a ser menos fecundos e longevos. Este fato não foi observado no presente estudo, já que a fecundidade dos insetos criados em sementes de abacate não diferiu significativamente daqueles criados em dieta artificial (Tabela 4). Em dieta natural, a sobrevivência dos insetos nas diferentes fases do desenvolvimento, especialmente do período embrionário e do ciclo biológico foi menor do que a dos insetos criados em dieta natural. Entretanto, os adultos foram fecundos, produzindo quantidade de ovos similar nos três tratamentos. O número de ovos colocado, tanto para os que se alimentaram em dieta natural como artificial foi superior ao valor médio de 164 ovos relatado por Hohmann & Meneguim (1993) e próximo do intervalo de 180 a 240 ovos registrados por Acevedo et al. (1972). Embora a fecundidade tenha sido avaliada em insetos criados em sementes de abacate e dieta artificial e, portanto, diferente dos dados registrados pelos citados autores, em todos os alimentos testados, demonstrou-se o grande potencial reprodutivo da espécie.

A longevidade de machos e de fêmeas foi semelhante para os três substratos alimentares. Machos alimentados com sementes de abacates e dieta artificial apresentaram longevidade de 9,6 a 10,9 dias, sendo as fêmeas ligeiramente mais longevas (10,8 a 11,9 dias) (Tabela 4). Para S. catenifer criados em frutos de abacate, Acevedo et al. (1972) registraram longevidade variável de 5,7 a 7,8 dias, enquanto Hohmann & Meneguim (1993) obtiveram valores médios de 5,1 dias para os machos e 4,7 dias para as fêmeas, valores estes inferiores aos obtidos neste trabalho.

A razão sexual foi próxima de 0,5, não diferindo entre os três tratamentos (Tabela 4), sendo similar ao valor relatado por Hohmann & Meneguim (1993), que determinaram a proporção sexual de 1:1 para insetos alimentados com frutos de 'Margarida'.

Pela distribuição de freqüência das medidas das larguras de cápsulas cefálicas das lagartas de S. catenifer foram determinados cinco ínstares, para os insetos criados nas duas dietas naturais e na dieta artificial, com coeficiente de determinação (R2) próximo de 1, encontrando-se a constante de Dyar (K) entre 1,51 e 1,59 (Tabela 5). A razão de crescimento (K) da broca-do-abacate está, pois, dentro do intervalo de variação proposto por Dyar (1890). Acevedo (1970) encontrou quatro ínstares para lagartas de S. catenifer coletadas no campo e cinco ínstares para os insetos criados em laboratório. Segundo o autor, o quinto ínstar corresponde à forma inativa antes da fase de pupa. Entretanto, tem-se observado em laboratório, que antes da fase inativa (ou pré-pupa), ocorre uma fase ativa, responsável por cerca de 80% do consumo. Isso pode ser afirmado pois a largura da cápsula cefálica do quinto ínstar e da pré-pupa são semelhantes. Alimentos nutricionalmente inadequados podem aumentar o número de ínstares de uma espécie (Parra et al. 1977, Slansky & Rodríguez 1987). No presente estudo, os três alimentos aparentemente foram nutricionalmente similares, desde que S. catenifer apresentou, nas dietas natural e artificial, o mesmo número de ínstares.

Desenvolvimento de S. catenifer em Dieta Artificial por Sucessivas Gerações. A dieta artificial utilizada para o crescimento larval permitiu o desenvolvimento de S. catenifer ao longo de sete gerações sucessivas (Tabela 6).

A duração e a sobrevivência do período lagarta-adulto variou de 32,9 a 35,6 dias e de 52,7% a 67,3%, respectivamente, ao longo das gerações (Tabela 6). Quanto à sobrevivência total, a quinta geração diferiu estatisticamente das demais estabilizando-se entre 52% e 58% (Tabela 6). A sobrevivência das gerações testadas esteve abaixo dos 75% preconizados por Singh (1983) para que a dieta artificial seja considerada adequada. Apesar de não ser observada melhora substancial nos parâmetros biológicos avaliados ao longo das gerações, há uma estabilização dos valores de sobrevivência do período ovo-adulto de S. catenifer.

A criação contínua de insetos em laboratório provoca a diminuição da variabilidade genética da população nas primeiras gerações devido a deriva genética, seleção e endogamia (cruzamento entre irmãos) (Bartlett 1984). Com o passar do tempo, ocorrerá uma recuperação dessa variabilidade genética, por meio da recombinação e das mutações dos genes. Assim, a seleção realizada em laboratório, planejada ou não, pode levar à perda de alelos, que contribuem para o menor vigor da população, principalmente se as condições ambientais do insetário forem constantes (Joslyn 1984). Para microlepidópteros, a perda do vigor genético ocorre nas primeiras gerações, havendo em seguida, geralmente entre a 5ª e 7ª gerações uma recuperação deste vigor pelos motivos mencionados por Bartlett (1984). No entanto, recomenda-se a introdução periódica de insetos selvagens na criação de laboratório, visando manter a variabilidade genética por meio de cruzamentos.

Quanto ao peso de pupas, observaram-se variações entre 52,8 mg e 62,3 mg com diferenças significativas entre a 4ª e a 5ª geração, e estas por sua vez nao diferiram das demais (Tabela 6). O peso, de certa maneira, manteve-se constante ao longo das gerações.

A porcentagem de adultos deformados variou de 2% a 8%, sem diferenças significativas entre as gerações (Tabela 6). As anomalias mais freqüentes foram observadas nas asas ou em insetos que não conseguiram emergir, ficando presos à exúvia pupal.

A razão sexual permaneceu próxima de 0,5, indicando que ambos os sexos foram igualmente afetados pela dieta ao longo das gerações (Tabela 6).

A capacidade de postura variou, ao longo das gerações, de 240 a 320 ovos, sendo observadas diferenças da quinta geração em relação às demais, exceto com a terceira (Fig. 1). Esses valores estão dentro do intervalo determinado nos experimentos anteriores e ao relatado por Acevedo et al. (1972) (240 ovos), demonstrando que a capacidade de postura em dieta artificial manteve-se perto da observada com alimento natural e estável ao longo das gerações.


De maneira semelhante, a longevidade tanto a de machos como a de fêmeas (Fig. 2), manteve-se entre onze e quatorze dias, sendo superior aos cinco dias determinados por Hohmann & Meneguim (1993).


Assim, demonstrou-se que a dieta artificial, testada ao longo de sete gerações sucessivas, permitiu a estabilidade dos parâmetros biológicos de S. catenifer, indicando que as propriedades químicas e físicas da dieta estão próximas às da dieta natural. A dieta artificial mostra-se aparentemente, adequada e permite manter uma criação da broca-do-abacate em laboratório, sem precisar estocar sementes de abacates em câmaras climatizadas, para suprir épocas de entressafra. Os resultados obtidos na presente pesquisa poderão facilitar pesquisas futuras fornecendo subsídios para o desenvolvimento de alternativas de controle da praga.

Agradecimentos

Ao Engº. Agrº. José C. Gonçalves, proprietário da Empresa Café Total, pelo financiamento da pesquisa e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pela concessão da bolsa de estudo ao primeiro autor.

Literatura Citada

Received 04/III/05. Accepted 18/VI/05.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jan 2006
  • Data do Fascículo
    Out 2005

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2005
  • Aceito
    18 Jun 2005
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