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Associação de Constrictotermes cyphergaster Silvestri (Isoptera: Termitidae) com espécies arbóreas do Cerrado brasileiro

Association of Constrictotermes cyphergaster Silvestri (Isoptera: Termitidae) with trees in the Brazilian Cerrado

Resumos

Os cupins normalmente constroem ninhos que apresentam formas e características diferenciadas de acordo com a espécie, oferecendo-lhes proteção, além de manter a coesão da sociedade. Algumas espécies constroem seus ninhos sobre a superfície do solo, enquanto outras preferem a subsuperfície, troncos e galhos de árvores como suporte ou madeira para construção das galerias. O objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre a ocorrência de colônias do cupim arborícola Constrictotermes cyphergaster Silvestri e as espécies vegetais suporte em um Cerrado sentido restrito na Serra de Caldas Novas, GO. Os dados sugerem forte associação entre C. cyphergaster e algumas espécies vegetais de porte arbóreo, como Qualea grandiflora Mart., Annona crassiflora Mart., Caryocar brasiliense Camb. e Plathymenia reticulata Benth., evidenciado pelo alto valor do Qui-quadrado (chi2 = 214,986, gl. = 20, P < 0,001). Essa relação é verificada entre outras espécies de cupins e plantas, inclusive na região dos cerrados, e pode estar associada a vários fatores. Por um lado pode ser influenciada pela presença de inimigos naturais (competidores e predadores), e pela produção de substâncias tóxicas por essas plantas, ou por outro lado, pode haver benefício entre as espécies associadas, neste caso indicando relações ecológicas de mutualismo facultativo ou facilitação.

Mutualismo facultativo; facilitação; Qualea grandiflora; cupim arborícola


Termites usually build nests differently shaped and characterized according to each species, to protect and keep society cohesion. Some species build nests in the ground, some prefer tree thunks or branches as support, whereas other dig galleries in the wood. The purpose of this study is to analyze the relationship between the occurrence of arboreal termites Constrictotermes cyphergaster Silvestri and tree species that support the nest of this species, in a Cerrado sensu strictu of the Serra de Caldas Novas, GO. Data suggest a association relationship between C. Cyphergaster and the tree species Qualea grandiflora Mart., Annona crassiflora Mart., Caryocar brasiliense Camb. and Plathymenia reticulata Benth., shown by high Qui-squared values (c² = 214.986, gl. = 20, P < 0.001). This relationship may be found among other termites and tree species, including Cerrado biome, and may be due to several factors, such as natural competitors and predators, toxin production by other tree species or benefits between associated species (facultative mutualism or facilitation).

Facultative mutualism; facilitation; Qualea grandiflora; arboreal termite


ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Associação de Constrictotermes cyphergaster Silvestri (Isoptera: Termitidae) com espécies arbóreas do Cerrado brasileiro

Association of Constrictotermes cyphergaster Silvestri (Isoptera: Termitidae) with trees in the Brazilian Cerrado

Matheus de S. Lima-RibeiroI, II; Míriam P. PintoI; Shirley S. CostaI; João C. NaboutI; Thiago F.L.V.B. RangelI; Tatiana L. de MeloI; Iona'i O. de MouraI

IDepto. Biologia Geral, ICB, Univ. Federal de Goiás, C. postal 131, 74001-970, Goiânia, GO

IILab. Paleoecologia, MCAS, UCG. Av. Universitária, 1.069 – St. Universitário, C. postal 86, 74.605-010, Goiânia, GO limaribeiro@pop.com.br

RESUMO

Os cupins normalmente constroem ninhos que apresentam formas e características diferenciadas de acordo com a espécie, oferecendo-lhes proteção, além de manter a coesão da sociedade. Algumas espécies constroem seus ninhos sobre a superfície do solo, enquanto outras preferem a subsuperfície, troncos e galhos de árvores como suporte ou madeira para construção das galerias. O objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre a ocorrência de colônias do cupim arborícola Constrictotermes cyphergaster Silvestri e as espécies vegetais suporte em um Cerrado sentido restrito na Serra de Caldas Novas, GO. Os dados sugerem forte associação entre C. cyphergaster e algumas espécies vegetais de porte arbóreo, como Qualea grandiflora Mart., Annona crassiflora Mart., Caryocar brasiliense Camb. e Plathymenia reticulata Benth., evidenciado pelo alto valor do Qui-quadrado (c2 = 214,986, gl. = 20, P < 0,001). Essa relação é verificada entre outras espécies de cupins e plantas, inclusive na região dos cerrados, e pode estar associada a vários fatores. Por um lado pode ser influenciada pela presença de inimigos naturais (competidores e predadores), e pela produção de substâncias tóxicas por essas plantas, ou por outro lado, pode haver benefício entre as espécies associadas, neste caso indicando relações ecológicas de mutualismo facultativo ou facilitação.

Palavras-chave: Mutualismo facultativo, facilitação, Qualea grandiflora, cupim arborícola

ABSTRACT

Termites usually build nests differently shaped and characterized according to each species, to protect and keep society cohesion. Some species build nests in the ground, some prefer tree thunks or branches as support, whereas other dig galleries in the wood. The purpose of this study is to analyze the relationship between the occurrence of arboreal termites Constrictotermes cyphergaster Silvestri and tree species that support the nest of this species, in a Cerrado sensu strictu of the Serra de Caldas Novas, GO. Data suggest a association relationship between C. Cyphergaster and the tree species Qualea grandiflora Mart., Annona crassiflora Mart., Caryocar brasiliense Camb. and Plathymenia reticulata Benth., shown by high Qui-squared values (c2 = 214.986, gl. = 20, P < 0.001). This relationship may be found among other termites and tree species, including Cerrado biome, and may be due to several factors, such as natural competitors and predators, toxin production by other tree species or benefits between associated species (facultative mutualism or facilitation).

Key words: Facultative mutualism, facilitation, Qualea grandiflora, arboreal termite

Os cupins são pequenos insetos da ordem Isoptera e fazem parte, junto com os Hymenoptera (formigas, abelhas e vespas), de um grupo de invertebrados com comportamento diferenciado, os quais mantêm uma organização social com divisão de castas morfologicamente separadas e com funções diferentes na sociedade, porém funcionalmente interdependentes, chamados de insetos sociais (Wilson 1971). Normalmente a colônia de cupins é composta por três castas: reprodutores (rainha e rei), operários e soldados. A rainha é o maior indivíduo da colônia e em conjunto com o rei, são os únicos indivíduos férteis e responsáveis pela reprodução. Os operários são responsáveis pela construção e manutenção da colônia (limpeza e coleta de alimentos) e os soldados, com suas fortes mandíbulas e/ou substâncias químicas, servem para a defesa (Thorne 1996).

Distribuídos principalmente nas regiões tropicais e subtropicais do globo terrestre, os cupins são limitados pela temperatura ambiente (especialmente inverno rigoroso), umidade e disponibilidade de sítios para construção de ninhos (Araújo 1970, Wilson 1971). São particularmente evidentes e abundantes no Cerrado, onde alguns tipos de cupinzeiros podem alcançar elevados níveis de densidade. Na Amazônia, embora também apresentem grande diversidade e abundância, não são tão evidentes quanto no Cerrado (Constantino 1999).

Os cupins normalmente constroem ninhos que apresentam formas e características diferenciadas de acordo com a espécie, oferecendo-lhes proteção, além de manter a coesão da sociedade. O ninho é um sistema de cavidades e galerias interligadas entre si, constituindo um ambiente fechado e isolado que possui microclima mais ou menos distinto do meio circundante (com temperatura, umidade e atmosfera interna controladas). Ele pode ser construído em diferentes ambientes, com métodos variados, por meio de escavação no solo e/ou madeira. Algumas espécies constroem seus ninhos sobre a superfície do solo (epígeos), enquanto outras preferem a subsuperfície (hipógeos), troncos e galhos de árvores como suporte (arborícolas) ou madeira para construção das galerias, utilizando diferentes combinações de materiais (solo, matéria orgânica vegetal e até a própria saliva e fezes) como matéria prima (Noirot 1970, Fontes 1979).

C. cyphergaster é uma espécie arborícola que utiliza troncos de árvores e arbustos do Cerrado sentido restrito (Fontes 1980, Constantino & Costa-Leonardo 1997, Cunha 2000) e da Caatinga (Godinho et al. 1989) como suporte para construção dos ninhos, diferenciando-se das demais espécies arborícolas que são restritas à vegetação de florestas fechadas (Mathews 1977). Em Goiás, sabe-se de sua ocorrência em Niquelândia, Chapada dos Veadeiros, Distrito Federal e na Serra de Caldas Novas (Cunha 2000). Apesar de C. cyphergaster ser uma espécie comum na região dos cerrados do Planalto Central brasileiro, existem poucos trabalhos sobre sua ecologia, como, por exemplo, sua interação com as espécies vegetais. Por se tratar de cupim endêmico de algumas regiões dos cerrados, dados dessa natureza são úteis para o planejamento, demarcação e manejo de unidades de conservação.

O presente estudo tem por objetivo analisar a relação entre a ocorrência de colônias de C. cyphergaster e as espécies vegetais suporte em um Cerrado sentido restrito no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas, GO, verificando, por exemplo, se as colônias são construídas aleatoriamente nas espécies arbóreas mais freqüentes do Cerrado sentido restrito ou se existe preferência por algumas espécies específicas.

Material e Métodos

Caracterização da área de estudo. O Parque Estadual da Serra de Caldas Novas foi criado pela lei 7.282 de 25/09/1970 e representa uma importante área de proteção ambiental do bioma Cerrado, localizada na Região Sul de Goiás, a 180 km nordeste de Goiânia, abrangendo os municípios de Caldas Novas e Rio Quente (Fig. 1). Situado entre os paralelos 17º33' S e 17º53' S e longitudes de 48º40' W e 48º56 W, possui área total de 12.315,36 ha o que representa 0,04% da área do estado (CPRM 1980, Galinkin 2002).


Na Serra de Caldas Novas encontra-se uma vegetação típica do bioma Cerrado, com predominância de Cerrado sentido restrito principalmente no topo da serra, ocorrendo, em geral, sobre vários tipos de Latossolos (Magnago et al. 1983, Novaes et al. 1983). Nas encostas encontra-se um mosaico de fitofisionomias que se estendem desde Cerradão, Cerrado sentido restrito, Campo Sujo e Campo Limpo, Campo Rupestre (com dominância da espécie Arnica arbórea - Lycnophora ericoide), com a presença de Vereda em locais úmidos e Matas de Galeria junto aos córregos que "nascem" na serra e correm em direção às cotas mais baixas. Em escala regional a vegetação encontra-se bastante degradada devido à ação antrópica, principalmente com formação de pastagens e cultivos de soja e milho (Magnago et al. 1983).

Coleta dos dados. Os dados foram coletados numa área de Cerrado sentido restrito, localizada na porção leste do platô da Serra de Caldas Novas (Fig. 1). A coleta ocorreu na primeira semana do mês de novembro de 2004, período coincidente com o início das chuvas (verão) na região e foi dividida em duas etapas: i) identificação das espécies vegetais utilizadas como suporte por C. cyphergaster e ii) levantamento florístico.

Na primeira etapa foi estabelecido um campo amostral de 100 plantas que continham colônias de C. cyphergaster, as quais foram identificadas ao nível taxonômico mais baixo possível (família, gênero ou espécie). Foi tomada a circunferência do caule ao nível do solo, a fim de se estabelecer um critério de inclusão para o levantamento florístico, de acordo com o indivíduo de menor diâmetro.

Para o levantamento florístico foi utilizado o método dos quadrantes ou Point Centered Quarter (Greig-Smith 1964, Müeller-Dombois & Elemberg 1974), onde foram demarcados 36 pontos distribuídos em seis linhas, distando 10 m entre linhas e entre pontos, totalizando 144 indivíduos identificados. Foram incluídos na amostra somente os indivíduos que apresentaram circunferência de caule igual ou superior a 12 cm ao nível do solo, medida mínima encontrada nas plantas com ninhos de C. cyphergaster e utilizada como critério de inclusão. A maioria das plantas, tanto da primeira quanto da segunda etapa, foram identificadas in loco e as demais herborizadas e posteriormente identificadas, por comparação, com o material depositado no Herbário da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Análise dos dados. Para cada espécie vegetal foi calculada a freqüência relativa do número de colônias e indivíduos amostrados. O padrão de associação entre o cupim e as espécies arbóreas do Cerrado sentido restrito foi obtido através da comparação entre a distribuição de freqüências relativas das espécies vegetais com ninhos de C. cyphergaster (freqüência observada) e dos indivíduos amostrados durante o levantamento florístico (freqüência esperada). Durante o cálculo do c2, as freqüências esperadas menores que 1 (um) e suas respectivas freqüências observadas foram somadas, minimizando assim a probabilidade de erro tipo I associado ao teste (Sokal & Rohlf 1995, Krebs 1999, Zar 1999).

Resultados

Foram encontradas 35 espécies, pertencentes a 32 gêneros e 21 famílias, sendo que somente 24 espécies apresentaram colônias de C. cyphergaster (Fig. 2), com preferência aos indivíduos adultos. O teste de aderência (Qui-quadrado) realizado indica forte preferência por parte de C. cyphergaster por construir seus ninhos em um conjunto restrito de espécies vegetais do Cerrado, uma vez que a freqüência esperada difere significativamente da observada (c2 = 214,986, g.l. = 20, P < 0,001). Assim, C. cyphergaster não seleciona aleatoriamente ou de acordo com a abundância as espécies vegetais nas quais construirão seus ninhos, porém tem preferência por algumas espécies particulares.


Das 100 colônias amostradas neste estudo, 74% ocorreram em apenas 6 espécies vegetais, sendo que Qualea grandiflora Mart. apresentou o maior número de colônias (27%), seguida de Annona crassiflora Mart. (13%), Caryocar brasiliense Camb. (11%), Plathymenia reticulata Benth. (11%), Pouteria ramiflora (Mart.) Radik. (6%) e Vochysia sp. (6%) (Fig. 3a). De acordo com o levantamento florístico, as espécies mais freqüentes foram Kielmeyera coriacea (Spreng.) Mart. (22,2%), Caryocar brasiliense Camb. (7,6%), Syagrus sp. (6,9%), Vernonia sp. (6,3%) e Plathymenia reticulata Benth. (5,3%), com cerca de 50% dos indivíduos amostrados (Fig. 3b).


Discussão

Silva et al. (2002) encontraram resultados semelhantes, em um levantamento florístico realizado em outros dois cerrados sentido restrito do mesmo parque em questão, onde as mesmas espécies apresentaram-se entre aquelas com maior índice de valor de importância (IVI).

A preferência desse térmita por Q. grandiflora e A. crassiflora também foi encontrada por Cunha (2000) em outro Cerrado também localizado no Parque Estadual da Serra de Caldas Novas. Entretanto, a autora obteve divergências entre as outras espécies, o que pode estar ligado à amostragem, pois foram avaliadas 40 colônias, contra 100 colônias no presente trabalho. As espécies vegetais suporte mais freqüentes foram Q. grandiflora, Aspidosperma dasicarpum Mart., A. crassiflora, Aspidosperma tomentosum Mart. e Austroplenckia polpunea (Reiss.) Lund., com cerca de 75% das colônias amostradas.

A mesma autora encontrou colônias de C. cyphergaster em árvores com circunferência total de caule variando entre 17 cm e 116 cm, mas com preferência (72% dos ninhos) por plantas de caule entre 30 cm e 60 cm de circunferência. A inclinação do caule não altera o tamanho do ninho, mas normalmente está relacionada à sua forma. A maioria das árvores apresentaram tronco reto (90º) com ninhos em forma de pêra, sendo esse formato irregular em caules inclinados ou em forquilhas (Cunha 2000).

Diâmetro e inclinação do caule, ramificações, altura da árvore e tipo de solo são alguns dos fatores físicos que influenciam a colonização, estabelecimento, forma e tamanho das colônias de C. cyphergaster nas espécies vegetais do cerrado. Tendo em vista que Q. grandiflora e A. crassiflora são plantas de porte arbóreo, a preferência de C. cyphergaster por essas espécies (e outras poucas) pode estar ligada às suas características físicas (circunferência, inclinação e ramificação do caule) necessárias para o desenvolvimento ideal das colônias. Segundo Ribeiro & Walter (1998), o Cerrado sentido restrito é caracterizado pela predominância de um estrato herbáceo-arbustivo, com poucas espécies arbóreas, formando um dossel aberto. No entanto, poucas espécies de um Cerrado sentido restrito possuem caule com circunferência entre 30 cm e 60 cm, como encontrado por Cunha (2000).

A produção de substâncias tóxicas por algumas espécies vegetais também pode influenciar a colonização e construção do ninho de C. cyphergaster, apesar de essa espécie não se alimentar da seiva e, portanto, não se caracterizar como parasita. C. cyphergaster utiliza o solo e o húmus próximos às raízes da planta suporte para a construção-reparo da colônia e alimentação, respectivamente, às vezes com construção de galerias subterrâneas, mas nunca conectando duas ou mais colônias (Fontes 1980, Godinho et al. 1989, Cunha 2000). Algumas plantas produzem substâncias químicas que são liberadas no solo pelas raízes, como por exemplo, alguns agentes quelantes e metabólitos secundários (Haven et al. 2001), podendo repelir e/ou inibir o desenvolvimento das colônias desse térmita arborícola.

A presença ou associação de predadores e/ou competidores potenciais dos cupins (como as formigas, Wheler 1936), com algumas espécies vegetais, pode fazer com que C. cyphergaster apresente tendência de associação com Q. grandiflora, A. crassiflora, C. brasiliense, P. reticulata, entre outras, assumindo que essas espécies não sejam as preferidas pelos predadores. Porém, apesar das evidências de predação entre formigas e cupins (Thorne 1982, Domingos 1983, Mill 1982, 1983, Nyamasyo 1989, Dejean & Ruelle 1995) e de Cunha (2000) ter encontrado 11 tipos diferentes de formigas dentro dos ninhos de C. cyphergaster, não foi observada associação entre qualquer grupo de predadores e/ou competidores (formigas, vespas, aracnídeos, entre outros invertebrados) e espécies vegetais, como encontrado para C. cyphergaster (Fontes 1980, Godinho et al. 1989, Cunha 2000). Assim, a associação desse cupim com certas espécies vegetais do Cerrado sentido restrito provavelmente está ligada aos fatores físicos descritos (diâmetro e inclinação do caule, entre outros) ou relacionado intrinsecamente à relação ecológica entre duas espécies, como por exemplo, mutualismo facultativo ou facilitação.

Waldemar & Irgang (2003) encontraram uma relação de mutualismo facultativo entre o cupim Cortaritermes silvestrii (Holmgren), Nasutitermitinae e Dyckia maritima Backer (Bromeliaceae) em afloramentos rochosos no Parque Estadual de Itapuã, RS. Segundo os autores, a Bromeliaceae se desenvolve sobre os cupinzeiros, de forma elipsóide, devido à modificação do substrato pela ação dos cupins, com teores mais elevados dos nutrientes P, K, Ca, Mg, Zn e Mn, baixo teor de Al (metal fitotóxico) e acidez ativa, maior Capacidade de Troca Catiônica (CTC) e predominância de partículas finas (silte). Além de constituir um substrato mais rico em nutrientes, promove retenção de água e portanto maior umidade em comparação com outro tipo de substrato, o solo litólico húmico, existente sob o manto do musgo Campylopus spp. Dessa forma, D. maritima tem seu valor de cobertura elevado e os cupins se beneficiam, uma vez que alimentam-se da matéria orgânica proveniente da decomposição de suas folhas e raízes senescentes. A incidência de dois termiteiros sobre a rocha nua, quando comparados com 23 termiteiros associados a D. maritima existentes nas ilhas estudadas, sugere a existência de benefícios para os organismos em questão (Waldemar & Irgang 2003).

Uma associação desse tipo também foi encontrada por Thorne et al. (1996) para Nasutitermes acajutlae (Holmgren) e Tillandsia utriculata (Bromeliaceae) em um hábitat tropical seco na América Central, semelhante ao Cerrado. N. acajutlae também é um cupim arborícola e constrói suas galerias próximo às bromélias, interconectando-as com túneis. Por se tratar de um ambiente seco, os cupins adquirem a água retida na bromeliácea e esta absorve os nutrientes presentes no substrato utilizado na construção dos ninhos. Além dessa troca mútua, os cupins ainda protegem a planta contra o fogo e predadores naturais (herbívoros), como certas espécies de formigas.

Apesar de não construir galerias entre duas ou mais colônias (Fontes 1980, Godinho et al. 1989, Cunha 2000), C. cyphergaster também pode oferecer proteção às plantas, obtendo delas, por meio da transpiração foliar, a umidade necessária para manter suas colônias. Dessa maneira, esperar-se-ia associação com espécies vegetais de porte arbóreo que, a priori, possuem maior número de folhas e conseqüentemente de estômatos, gerando um microclima com maior disponibilidade hídrica sob suas copas, como as espécies encontradas neste estudo (Fig. 3a). Isso também pode explicar a alta presença desses cupins arborícolas e de associações cupim-planta nos cerrados e em outras regiões secas em relação às florestas úmidas (Amazônia e Mata Atlântica, por exemplo, Apolinário & Martius 2004).

Resultados semelhantes foram encontrados por Jouquet et al. (2004) entre Odontotermes n. pauperans Silvestri(Macrotemitinae) e gramíneas nas savanas africanas. O. pauperans faz parte de um importante grupo de térmitas subterrâneos que modificam a estrutura do solo e disponibilizam alimento para outros organismos. Em seu estudo, Jouquet et al. (2004) encontraram forte influência desse cupim na distribuição espacial de várias espécies de gramíneas no oeste da África.

Wolfgang et al. (1999), estudando termiteiros dos cerrados no Brasil Central, também notaram modificação no substrato, com aumento no teor de matéria orgânica, nutrientes (N e C) e argila, em comparação com o solo ao redor. Uma relação desse tipo, mutualismo facultativo ou facilitação, também pode ocorrer entre C. cyphergaster e as espécies vegetais de preferência, onde o inseto ou a planta (ou ainda os dois) seria(m) beneficiado(s) pela co-ocorrência, tendo em vista que os indivíduos dessa espécie de cupim também se alimentam de matéria orgânica (húmus) como afirmado por Fontes (1980), Mathews (1977) e Silvestri (1902, apud Araújo 1970), modificando o substrato próximo à arvore suporte devido a ação subterrânea, através das galerias descendentes (Cunha 2000).

Agradecimentos

Agradecemos aos Profs. Dr. Divino Brandão, Dr. Rogério P. Bastos e Dr. Leandro G. Oliveira pela oportunidade deste trabalho como atividade da disciplina Ecologia de Campo; à UFG pelo transporte à Serra de Caldas Novas; à Agencia Goiana de Meio Ambiente e Recursos Naturais pela concessão da licença de pesquisa e atividades acadêmicas e aos funcionários do PESCAN pela atenção dispensada à equipe. Agradecemos ainda à CAPES/UFG pela concessão de bolsa a M.S.L.R., M.P.P., S.S.C., T.F.L.V.B.R. e I.O.M. e a dois revisores anônimos pelos comentários ao manuscrito.

Received 18/III/05. Accepted 23/IX/05.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Fev 2006

Histórico

  • Aceito
    25 Set 2005
  • Recebido
    18 Mar 2005
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