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Efeitos de fatores ambientais sobre a mirmecofauna em comunidade de restinga no Rio de Janeiro, RJ

Effects of environmental factors on the ant fauna of restinga community in Rio de Janeiro, Brazil

Resumos

A influência de fatores ambientais sobre a diversidade, riqueza e abundância de formigas em comunidade de restinga foi avaliada na Marambaia, litoral sul do estado do Rio de Janeiro. As amostras foram tomadas em agosto de 2004 (inverno) e março de 2005 (verão) em três fisionomias vegetais: (1) vegetação herbácea fechada de cordão arenoso (habitat homogeneo), (2) arbustiva fechada de cordão arenoso e (3) floresta de cordão arenoso (habitats heterogeneos). Em cada formação foram medidos os seguintes atributos ambientais: temperatura e umidade do solo, cobertura do solo por serapilheira e profundidade da serapilheira. Noventa e duas espécies distribuídas em 36 gêneros e oito subfamílias foram coletadas. A densidade de espécies e a abundância variaram significativamente com a fisionomia e época de coleta; a diversidade apenas com a fisionomia. O habitat homogêneo teve menor densidade de espécies, abundância e diversidade do que os habitats heterogêneos. As duas primeiras variáveis foram positivamente correlacionadas com a profundidade da serapilheira e ambas foram maiores na amostragem de verão do que na de inverno. Houve mais espécies de Ponerinae e Ectatomminae nos ambientes mais heterogêneos, enquanto que Formicinae foi mais abundante no ambiente homogêneo.

Formicidae; fauna edáfica; Marambaia; fisionomia vegetal


The effects of environmental factors on the richness, diversity and abundance of ants were studied in the Restinga da Marambaia, south coast of Rio de Janeiro State, Brazil. The samples were taken using pitfall traps in August/2004 (winter) and March/2005 (summer) in three different vegetation types: (1) herbaceous ridge palmoid (homogeneous habitat); (2) shrub dune thicket and (3) ridge forest (heterogeneous habitats). At each habitat a range of environmental attributes was recorded: soil temperature and humidity, percentage of soil covering by litter and litter depth. Ninety-two ant species belonging to 36 genera and eight subfamilies were recorded. Density of ant species and abundance varied significantly between habitats and seasons; ant diversity varied only between habitats. Homogeneous habitat had lower ant species density, abundance and diversity than heterogeneous habitats. The two first variables were positively correlated with litter depth and both were higher in summer than in winter samples. There were more species of Ponerinae and Ectatomminae in heterogeneous than in the homogeneous habitat, whereas the Formicinae species were more abundant in the later.

Formicidae; ground-dwelling ant; Neotropical fauna; plant physiognomy


ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Efeitos de fatores ambientais sobre a mirmecofauna em comunidade de restinga no Rio de Janeiro, RJ

Effects of environmental factors on the ant fauna of restinga community in Rio de Janeiro, Brazil

André B. VargasI; Antônio J. Mayhé-NunesII; Jarbas M. QueirozIII; Guilherme O. SouzaI; Elaine F. RamosI

I Programa de Pós-Graduação em Biologia Animal

IIDepto. Biologia Animal

IIIDepto. Ciências Ambientais. Univ. Federal Rural do Rio de Janeiro, C. postal 74.514, 23890-971, Seropédica, RJ, jarbas@ufrrj.br

RESUMO

A influência de fatores ambientais sobre a diversidade, riqueza e abundância de formigas em comunidade de restinga foi avaliada na Marambaia, litoral sul do estado do Rio de Janeiro. As amostras foram tomadas em agosto de 2004 (inverno) e março de 2005 (verão) em três fisionomias vegetais: (1) vegetação herbácea fechada de cordão arenoso (habitat homogeneo), (2) arbustiva fechada de cordão arenoso e (3) floresta de cordão arenoso (habitats heterogeneos). Em cada formação foram medidos os seguintes atributos ambientais: temperatura e umidade do solo, cobertura do solo por serapilheira e profundidade da serapilheira. Noventa e duas espécies distribuídas em 36 gêneros e oito subfamílias foram coletadas. A densidade de espécies e a abundância variaram significativamente com a fisionomia e época de coleta; a diversidade apenas com a fisionomia. O habitat homogêneo teve menor densidade de espécies, abundância e diversidade do que os habitats heterogêneos. As duas primeiras variáveis foram positivamente correlacionadas com a profundidade da serapilheira e ambas foram maiores na amostragem de verão do que na de inverno. Houve mais espécies de Ponerinae e Ectatomminae nos ambientes mais heterogêneos, enquanto que Formicinae foi mais abundante no ambiente homogêneo.

Palavras-chave: Formicidae, fauna edáfica, Marambaia, fisionomia vegetal

ABSTRACT

The effects of environmental factors on the richness, diversity and abundance of ants were studied in the Restinga da Marambaia, south coast of Rio de Janeiro State, Brazil. The samples were taken using pitfall traps in August/2004 (winter) and March/2005 (summer) in three different vegetation types: (1) herbaceous ridge palmoid (homogeneous habitat); (2) shrub dune thicket and (3) ridge forest (heterogeneous habitats). At each habitat a range of environmental attributes was recorded: soil temperature and humidity, percentage of soil covering by litter and litter depth. Ninety-two ant species belonging to 36 genera and eight subfamilies were recorded. Density of ant species and abundance varied significantly between habitats and seasons; ant diversity varied only between habitats. Homogeneous habitat had lower ant species density, abundance and diversity than heterogeneous habitats. The two first variables were positively correlated with litter depth and both were higher in summer than in winter samples. There were more species of Ponerinae and Ectatomminae in heterogeneous than in the homogeneous habitat, whereas the Formicinae species were more abundant in the later.

Key words: Formicidae, ground-dwelling ant, Neotropical fauna, plant physiognomy

A "hipótese da heterogeneidade ambiental" prevê que a riqueza e a diversidade de espécies devem aumentar em ambientes mais complexos, pois, nesses, a oferta de nichos para as espécies é maior (Pianka 1994). A complexidade do ambiente depende do arranjo de suas estruturas físicas (Lassau & Hochuli 2004), sendo que, na maioria dos ecossistemas terrestres, essa estrutura é influenciada, principalmente, pela riqueza e composição da comunidade de plantas (Tews et al. 2004). Por outro lado, há uma conexão importante entre a diversidade de espécies e os processos ecológicos nos ecossistemas. Um exemplo disso é a rapidez com que os nutrientes são reciclados nas florestas tropicais, em parte creditada às atividades de numerosas espécies de decompositores – fungos, bactérias, cupins, formigas, minhocas e outros (Gonzalez & Seastedt 2000). Devido às suas características biológicas e ecológicas as formigas exercem papel importante na maioria dos ecossistemas terrestres (Hölldobler & Wilson 1990), tornando-se relevante o estudo dos fatores responsáveis pelas variações na distribuição e abundância das espécies.

No Brasil, o domínio da Mata Atlântica é representado por vários ecossistemas ocorrendo em uma ampla faixa de latitude e altitude. Entre esses, os ecossistemas de restinga englobam o conjunto de comunidades que ocorrem sobre depósitos arenosos ao longo da costa brasileira (Cerqueira 2000). Variações no nível do lençol freático, proximidade com o oceano e a topografia do terreno estão entre os responsáveis pela existência de um conjunto variado de formações vegetais em áreas de restinga (Menezes & Araújo 2005). Ao invés de homogêneas, as restingas estão representadas por um mosaico de comunidades com diferentes níveis de complexidade ambiental (Araújo et al. 2004, Menezes & Araújo 2005), fazendo destas um experimento natural para avaliar os efeitos da heterogeneidade ambiental sobre comunidade de animais.

Durante algum tempo acreditou-se que variações sazonais em ambientes tropicais eram pouco relevantes comparadas com os ambientes temperados. No entanto Wolda (1978), para insetos, e Levings (1983), especificamente para formigas, demonstraram a importância dessas flutuações para a dinâmica das populações e estrutura das comunidades tropicais. Por outro lado, a resposta de formigas a diferentes fisionomias vegetais, com graus variados de complexidade ambiental, também tem sido abordada por vários autores. Leal (2003) encontrou correlação positiva entre a diversidade de formigas e a riqueza e densidade de plantas em áreas de caatinga. Lassau & Hochuli (2004) encontraram correlação negativa entre a riqueza de formigas e a complexidade do ambiente em florestas da Austrália. Nakamura et al. (2003) demonstraram que, entre um grande conjunto de variáveis ambientais, a profundidade da serapilheira foi a que mais influenciou a riqueza de formigas em experimentos de restauração florestal.

As restingas suportam uma fauna diversa, mas ainda pouco conhecida, de insetos (Rocha et al. 2004). Estudos anteriores sobre a riqueza de formigas nesses ecossistemas (Luederwaldt 1926, Kempf 1978, Gonçalves & Mayhé-Nunes 1984, Bonnet & Lopes 1993) proporcionaram um panorama geral, mas ainda incompleto. Informações detalhadas sobre a influência de diferentes fisionomias vegetais de restinga sobre a distribuição e abundância das espécies não foram encontradas. Lopes et al. (2005), trabalhando com coleópteros, encontraram valores de riqueza de espécies similares entre diferentes fisionomias de restinga na Ilha do Guriri, Espírito Santo. Por outro lado, a diversidade de espécies foi maior nos ambientes mais complexos. Desta forma, justifica-se um estudo sobre os fatores ambientais que afetam as comunidades de formigas em formações de restinga. As formigas, por exemplo, são organismos importantes na biologia de frutos e sementes em comunidades de restinga (Passos & Oliveira 2003). As características dessas formações, principalmente o solo pobre e arenoso, aliadas a sua localização, ao longo da costa brasileira, tornam as restingas ambientes muito ameaçados de degradação (Esteves & Lacerda 2000).

Material e Métodos

As amostragens foram realizadas em duas expedições de coleta, uma no inverno (agosto de 2004) e outra no verão (março de 2005), em três fisionomias vegetais na Restinga da Marambaia. O local situa-se no litoral sul do estado do Rio de Janeiro (23°03' S 44°03' W), ocupando parte dos municípios do Rio de Janeiro, Itaguaí e Mangaratiba, com aproximadamente 49,4 km2 ao longo de cerca de 40 km de costa. Os pontos de coleta estão no interior do Campo de Provas da Marambaia, do Exército Brasileiro, situado no município do Rio de Janeiro. O clima da Restinga da Marambaia foi enquadrado por Matos (2005), com base na classificação de Köpen, como macroclima tropical chuvoso – Aw. A temperatura média anual atinge 23,6ºC, sendo o mês de fevereiro o mais quente e julho o mais frio. As chuvas são mais abundantes no verão e escassas no inverno. O mês de agosto é o mais seco e março o mais úmido.

Procedimentos de coleta. Em cada uma das fisionomias descritas abaixo foram marcadas três parcelas com 1.200 m2 (40 X 30 m), distantes uma das outras por 100 m a 200 m. As parcelas da Fisionomia 1 (FN.1) distaram cerca de 500 m da Fisionomia 2 (FN.2) e as parcelas de ambas para as da Fisionomia 3 (FN.3) por cerca de 1.000 m. Em cada parcela foram instaladas 20 armadilhas de solo do tipo "Pitfall", distantes 10 m uma da outra, que permaneceram por 48h no campo. As armadilhas eram feitas de garrafas PET de dois litros, com 32,5 cm de diâmetro, cortadas ao meio e contendo 100 ml de formalina a 3% como líquido fixador. No laboratório, as amostras foram transferidas para vidros com alcool 70%, como líquido conservante.

Exemplares de cada espécie de formiga foram montados em via seca e depositados na Coleção Entomológica "Costa Lima" (CECL) do Instituto de Biologia da UFRRJ. Os gêneros foram identificados com base na chave de Bolton (1994) e as subfamílias de acordo com a proposta de Bolton (2003). As identificações ao nível de espécie foram realizadas, quando possível, com o auxílio de chaves contidas em revisões taxonômicas e por meio de comparações com exemplares identificados da CECL e da coleção do Museu de Zoologia da USP (MZSP).

Fatores ambientais

Fisionomia 1 (FN 1): A vegetação apresenta-se bem homogênea, com altura não superior a 1,5 m, sendo a primeira comunidade que se forma após a praia com o predomínio de Allagoptera arenaria (Gomes) O. Kuntze (Arecaceae). Menezes & Araújo (2005) atribuíram a essa fisionomia o nome de formação herbácea fechada de cordão arenoso. Nela, foram identificadas 64 espécies de plantas vasculares.

Fisionomia 2 (FN. 2): A vegetação se mostra bastante heterogênea e fechada, denominada por Menezes & Araújo (2005) como formação arbustiva fechada de cordão arenoso, também conhecida como "thicket fechado de Myrtaceae". Sua altura varia entre 3 m e 5 m, formando uma fisionomia limitada a uma faixa entre as dunas mais internas e a formação herbácea fechada de cordão arenoso. Possui riqueza intermediária de plantas (162 espécies).

Fisionomia 3 (FN. 3): A vegetação também se mostra heterogênea, mas bem mais alta que a anterior, com cerca de 20 m a 25 m de altura, sendo denominada por Menezes & Araújo (2005) como floresta de cordão arenoso. Outra diferença é a alta densidade de bromélias no extrato inferior e uma maior riqueza de plantas (296 espécies).

Relacionadas a cada fisionomia, foram analisadas as seguintes variáveis: A) Profundidade da serapilheira –medida ao lado de cada armadilha com o auxílio de uma régua; B) Temperatura e umidade do solo –medidas com o auxílio de um aparelho Termohigrômetro digital, "Termo Meter", sendo o sensor colocado na superfície do solo; C) Taxa de cobertura do solo por serapilheira –medida com o auxílio de um quadrado de madeira, com 50 cm de lado, dividido em 25 quadrados menores de 10 cm de lado. Foram tomadas quatro medidas ao redor de cada armadilha, de maneira aleatória, para que juntas totalizassem 1 m2. Para determinar a taxa de cobertura contou-se o total de quadrados preenchidos por serapilheira.

Análise dos dados. Para o cálculo da diversidade de espécies foi utilizado o índice de Shannon-Winner (H') (Magurran 1988). Foram realizadas análises de variância (ANOVA), tendo como variáveis dependentes a densidade de espécies, abundância e a diversidade; e como variáveis independentes as estações e fisionomias estudadas. A densidade de espécies refere-se ao número de espécies de formigas capturadas em 1200 m2 com o auxílio de 20 armadilhas pitfall, a intervalos de 10 m, durante 48h. As variáveis ambientais foram submetidas a uma seleção para compor um modelo multilinear através do método de regressão múltipla "passo a passo" (Valentin 2000). Os dados sofreram transformações, quando necessário, para adequação às premissas da estatística paramétrica. Todas as análises foram realizadas utilizando o programa SYSTAT® versão 8.0.

Resultados

Foram capturados 9.406 indivíduos no conjunto do experimento, sendo 3.205 na expedição realizada em agosto de 2004 e 6.201 na de março de 2005. Esse número foi distribuído em oito subfamílias, 36 gêneros e 92 espécies. Dos 36 gêneros amostrados nas três fisionomias, tanto no inverno quanto no verão, os mais ricos em espécies foram Pheidole e Hypoponera. A mirmecofauna foi mais rica em espécies na floresta de cordão arenoso (FN. 3) e vegetação arbustiva fechada de cordão arenoso (FN. 2) do que na vegetação herbácea fechada de cordão arenoso (FN. 1). A FN.1 foi pobre em espécies dos gêneros Gnamptogenys, Hypoponera e Odontomachus (Tabela 1). Proporcionalmente houve mais espécies e maior abundância de Ponerinae na FN. 2 e na FN. 3., enquanto que a FN.1 teve maior abundância de Formicinae. O número de subfamilias presentes nas amostras foi crescente da FN.1 para FN.3 (Fig. 1).


A densidade de espécies e a abundância de indivíduos variaram significativamente com o tipo de fisionomia e época da coleta. A diversidade variou significativamente apenas entre fisionomias. Não houve interação significativa entre fisionomia e época de coleta sobre qualquer um desses parâmetros (Tabela 2). Entre as variáveis ambientais medidas para caracterização das fisionomias e teste da relação com os parâmetros ecológicos da comunidade de formigas, a profundidade da serapilheira e a temperatura do solo variaram em função das fisionomias e época do ano; já a cobertura e a umidade do solo variaram apenas com a fisionomia. No caso da temperatura, houve também interação significativa entre fisionomia e época de coleta (Tabela 3).

Valores menores de densidade de espécies, abundância e diversidade foram obtidos nas amostras realizadas na FN. 1 e maiores na FN. 2 e FN. 3. Todavia, a densidade de espécies foi a mesma para verão e inverno na FN.1 mas foi maior no verão para as FN.2 e FN.3. Já a abundância foi sempre maior no verão, independente do tipo de fisionomia. A temperatura do solo na FN. 1 é muito mais elevada no verão do que nas FN.2 e FN. 3. No geral, as fisionomias 2 e 3 diferiram pouco para qualquer dos parâmetros, ficando as diferenças restritas às comparações com a fisionomia 1 (Tabelas 4 e 5).

As análises de regressão múltipla para os dados de inverno e verão agrupados revelaram que a densidade de espécies e a abundância de formigas dependeram, principalmente, da profundidade da serapilheira, variável que explicou, respectivamente, 73,9% e 39,6% da variação. Para a diversidade de espécies (H') a cobertura do solo por serapilheira explicou 51,8%.

Discussão

Os resultados obtidos corroboram que ambientes de restinga mais heterogêneos possuem maior riqueza, abundância e diversidade de espécies de formigas. As fisionomias de restinga escolhidas para análise da fauna de formigas representaram um gradiente de riqueza de espécies vegetais, no entanto as duas fisionomias mais complexas foram similares na maioria dos parâmetros ecológicos analisados para a mirmecofauna, exceto para a riqueza total de espécies. Nesse caso, houve uma relação positiva entre riqueza de plantas e riqueza de formigas. Além disso, houve importante variação entre as épocas de coleta, com maior abundância e densidade de espécies de formigas na época mais quente e úmida.

As espécies de formigas encontradas na fisionomia mais homogênea representaram um subconjunto da comunidade encontrada no ecossistema. O ambiente mais homogêneo, próximo à praia, caracterizado predominantemente pela palmeira A. arenaria, possuía uma serapilheira inexistente ou muito superficial, composta principalmente de folhas. Estiveram ausentes dessa comunidade as espécies que dependem sobremaneira da serapilheira, como várias espécies de Ponerinae e Ectatomminae. Espécies de Hypoponera e Gnamptogenys nidificam frequentemente em galhos secos (Carvalho & Vasconcelos 2002) e predam pequenos artrópodes que vivem na serapilheira (Hölldobler & Wilson 1990). Segundo Andersen (2000), as espécies de Hypoponera são mais abundantes e diversas em ambientes de florestas onde formam um componente importante da fauna de serapilheira em florestas tropicais úmidas. Outros exemplos são as espécies das sub-famílias Cerapachyinae e Amblyoponinae, predadores especializados de artrópodes da serapilheira (Hölldobler & Wilson (1990).

A disponibilidade de locais para nidificação é uma influência importante na produtividade e estrutura da comunidade de formigas (Andersen 2000), mas antes disso, as condições de temperatura e umidade criam um envelope de restrições para a maioria das espécies de formigas (Hölldobler & Wilson 1990). Neste estudo, assim como no de Nakamura et al. (2003), a profundidade da serapilheira foi o fator preponderante que explicou as variações na riqueza de espécies. Se de um lado uma serapilheira mais profunda representa maior oferta de alimento e locais para nidificação, por outro, ela proporciona um microclima favorável à vida de um número maior de espécies (Nakamura et al. 2003). As fisionomias com maior riqueza de espécies vegetais na Maramabaia tinham serapilheira mais profunda cobrindo bem o solo, a temperatura era menor e a umidade relativa do solo maior.

Na formação mais homogênea, a temperatura elevada do solo pode ter sido responsável pela ausência de algumas espécies e a dominância maior de diversas espécies dos gêneros Ectatomma, Dorymyrmex, assim como, em parte, Camponotus e Brachymyrmex. Algumas espécies desses grupos podem nidificar no solo e basear sua dieta em líquidos provenientes de plantas vivas (Lapola et al. 2003, Longino 2005). Por outro lado, há também o caso de Odontomachus que costuma nidificar junto a bromélias (Gonçalves & Mayhé-Nunes 1984, Blüthgen et al. 2000), raras na comunidade dominada por A. arenaria, mas muito comum no subbosque da floresta (Menezes & Araújo 2005). Leal (2004) também encontrou poucos poneríneos em diferentes fisionomias de caatinga, onde a serapilheira é escassa. Uma espécie que parece não ter sido afetada pela complexidade do ambiente foi Wasmannia auropunctata (Roger) (Hymenoptera: Formicidae), mundialmente conhecida pela sua capacidade de invadir novos ambientes (McGlynn 1999), pois foi igualmente encontrada nos três ambientes.

As variações entre as épocas de coleta observadas na comunidade da Marambaia podem se relacionar com os diferentes graus de termofilia das espécies (Bestelmeyer 2000) e também com a influência da produtividade primária do ecossistema (Kaspari et al. 2000). As diferenças de temperatura entre os meses de março e agosto na Marambaia, apesar de pequenas, podem ser suficientes para alterar diferentemente os níveis de atividades das formigas (Bestelmeyer 2000). Como as armadilhas de solo do tipo pitfall coletam principalmente as espécies com maior mobilidade no ambiente, um ambiente mais frio em agosto pode explicar a menor abundância e riqueza de formigas capturada nessa época.

De outro lado, a evapotranspiração no local, uma medida indireta da produtividade (Kaspari et al. 2000), é cerca de duas vezes maior nos meses de verão do que nos de inverno (Mattos 2005). Isso sugere que a disponibilidade de alimentos para as espécies de consumidores seria menor em agosto do que em março, podendo afetar negativamente as populações das espécies. No entanto, há ainda um terceiro fator, que para Wolda (1978) e Levings (1983) é preponderante, a fim de explicar diferenças na abundância de insetos tropicais em diferentes épocas do ano. Esse fator é a umidade, que, no caso da Marambaia, é muito maior em março do que em agosto (Mattos 2005). Possivelmente, o que pode acontecer, é uma ação conjunto de todos esses fatores, sobre as populações. Entretanto, o presente estudo não permite concluir sobre a existência de uma sazonalidade na comunidade de formigas da Restinga da Marambaia. Para isso, será necessário uma análise por um período de tempo maior do que o que foi estudado até o momento..

Este estudo fornece a lista mais extensa já publicada de espécies coletadas em área de restinga (41 espécies identificadas). Trabalhos anteriores como os de Gonçalves & Mayhé-Nunes (1984) e Bonnet & Lopes (1993) utilizaram técnicas diferentes e mais seletivas do que as armadilhas de solo usadas aqui. Embora os trabalhos com formigas de serapilheira sejam abundantes na literatura (e.g. Agosti et al. 2000), a mirmecofauna de restinga permanecia ainda pouco conhecida. A amostragem em diferentes fisionomias vegetais e épocas do ano, além de proporcionar informações ecológicas importantes, contribui para aumentar a lista de espécies conhecidas do local. Devido à sua localização ao longo da costa brasileira e suas características ecológicas, os ecossistemas de restinga, apesar de legalmente protegidos, vêm sofrendo redução em suas áreas e degradação por impactos antrópicos (Esteves & Lacerda 2000). Nos últimos 40 anos, com o processo acelerado de urbanização no município do Rio de Janeiro, muitas áreas de restingas foram destruídas e os remanescentes encontram-se incorporados à matriz urbana. A Marambaia pode ser considerada a última restinga preservada no município (Menezes et al. 1998) e resguarda uma fauna rica em espécies de formigas. A importância desses insetos em interações com outras espécies e sua participação nos processos ecológicos neste ecossistema merece ser estudada.

Agradecimentos

Ao Exército Brasileiro, através do Campo de Provas da Marambaia, pela autorização para a realização das coletas na Restinga da Marambaia. Ao colega Sergio Veiga-Ferreira e sua família pelo auxílio e hospitalidade oferecidos durante a coleta de dados. Ao Prof. Dr. Carlos Roberto Ferreira Brandão (Museu de Zoologia da USP) pelo auxílio na identificação e comparação do material na coleção MZSP. A CAPES pela bolsa concedida a ABV e GOS e ao CNPq pela bolsa a AJMN. A dois revisores anônimos pelas sugestões em uma versão prévia do manuscrito.

Received 10/III/06. Accepted 11/VII/06.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2006
  • Aceito
    11 Jul 2006
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