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Nidificação de Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure (Hymenoptera: Apidae) no solo do cerrado

Nesting of Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure (Hymenoptera: Apidae) in the ground of cerrado

Resumos

Ninhos de Euglossini dificilmente são encontrados na natureza e existem informações disponíveis apenas para 20% das espécies conhecidas. Um ninho de Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure, encontrado em uma cavidade no solo em uma área de Cerrado do municipio de Uberlândia, MG, é descrito. Comparações com o comportamento de nidificação e estrutura social descritos para Euglossa (Euglossa) cordata (L.) e Euglossa (Euglossa) townsendi Cokerell são apresentadas e discutidas.

Euglossini; comportamento de nidificação; estrutura social


Nests of euglossine bees are difficult to found in nature, with descriptions available for only 20% of known species. A nest of Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure found inside a cavity in the ground at a Cerrado area in Uberlândia, Minas Gerais state, is described. Comparisons of nesting behavior and social structure with those reported for Euglossa (Euglossa) cordata (L.) and Euglossa (Euglossa) townsendi Cokerell are presented and discussed.

Euglossine; nesting behavior; social structure


SCIENTIFIC NOTE

Nidificação de Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure (Hymenoptera: Apidae) no solo do cerrado

Nesting of Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure (Hymenoptera: Apidae) in the ground of cerrado

Solange C. AugustoI; Carlos A. GarófaloII

IInstituto de Biologia, Univ. Federal de Uberlândia, C. postal 593, 38400-902, Uberlândia, MG

IIDepto. Biologia, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, USP, 14040-901, Ribeirão Preto, SP

RESUMO

Ninhos de Euglossini dificilmente são encontrados na natureza e existem informações disponíveis apenas para 20% das espécies conhecidas. Um ninho de Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure, encontrado em uma cavidade no solo em uma área de Cerrado do municipio de Uberlândia, MG, é descrito. Comparações com o comportamento de nidificação e estrutura social descritos para Euglossa (Euglossa) cordata (L.) e Euglossa (Euglossa) townsendi Cokerell são apresentadas e discutidas.

Palavras-chave: Euglossini, comportamento de nidificação, estrutura social

ABSTRACT

Nests of euglossine bees are difficult to found in nature, with descriptions available for only 20% of known species. A nest of Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure found inside a cavity in the ground at a Cerrado area in Uberlândia, Minas Gerais state, is described. Comparisons of nesting behavior and social structure with those reported for Euglossa (Euglossa) cordata (L.) and Euglossa (Euglossa) townsendi Cokerell are presented and discussed.

Key words: Euglossine, nesting behavior, social structure

A tribo Euglossini (Hymenoptera: Apidae) possui atualmente cinco gêneros, sendo Euglossa Latreille, Eulaema Lepeletier e Eufriesea Cockerell constituídos por espécies coletoras de pólen, e Aglae Lepeletier & Serville e Exaerete Hoffmannsegg constituídos por espécies cleptoparasitas (Michener 2000). Dos gêneros coletores de pólen, são conhecidas aproximadamente 181 espécies, sendo 104 delas do gênero Euglossa, 62 de Eufriesea e 15 de Eulaema (Cameron 2004).

Os ninhos das espécies de Euglossa podem ser aéreos, fixos em folhas, galhos, ramos de árvores ou arbustos (Dodson 1966, Dressler 1982, Young 1985, Eberhard 1988), entre material fibroso em raízes de orquídeas (Dodson 1966), em cavidades existentes, tanto em ninhos abandonados de outros insetos (Zucchi et al. 1969, Garófalo 1992), como em recipientes feitos pelo homem (Garófalo 1985, 1992; Garófalo et al. 1993, 1998; Augusto & Garófalo 2004), ou ainda no solo (Roberts & Dodson 1967).

Caracterizada como uma espécie comumente encontrada em ambientes com vegetação aberta (ver Silveira et al. 2002) e geralmente a mais abundante nas áreas de cerrado estudadas até o momento (Nemésio & Faria Jr. 2004), um único ninho de Euglossa (Euglossa) melanotricha Moure foi até hoje descrito. O ninho, descrito por Sakagami et al. (1967), foi encontrado no interior de um termiteiro em área de cerrado do município de Campo Alegre de Goiás, GO. Devido à dificuldade de encontrar ninhos de Euglossini, estes foram descritos para apenas 20% das espécies conhecidas (Ramirez et al. 2002). Assim, qualquer informação que possa contribuir para ampliar o escasso conhecimento sobre esse aspecto da biologia do grupo deve ser difundida. Nesta comunicação, apresentamos a descrição de um ninho de E. melanotricha encontrado em uma cavidade em solo de cerrado e considerações sobre comportamento de nidificação e estrutura social encontrada em ninhos de Euglossa.

O ninho de E. melanotricha foi encontrado em 29 de abril de 2005, na Reserva Vegetal do Clube Caça & Pesca Itororó de Uberlândia, MG (18º55'S e 48º17'W). A Reserva possui área total de 127 ha, com predomínio de cerrado sentido restrito, (Appolinário & Schiavini 2002, Araújo et al. 2002). O clima da região caracteriza-se por duas estações bem definidas, uma seca e outra úmida, com índices pluviométricos oscilando anualmente em torno de 1550 mm e temperatura média anual de 22ºC (Nimer & Brandão 1989).

O ninho de E. melanotricha encontrado localizava-se em uma cavidade existente no solo, em uma das margens da estrada que corta a reserva, indicando que a espécie não está associada necessariamente a ninhos de térmitas, diferindo do ninho descrito por Sakagami et al. (1967). O ninho de E. melanotricha não apresentava entrada elaborada (Fig.1A), apenas um orifício de aproximadamente 1 cm de diâmetro, coberto pela vegetação, sendo detectado somente devido à entrada de uma fêmea nele. Esta característica assemelha-se à observada em um ninho de Euglossa (Glossura) imperialis Cockerell, estabelecido em uma cavidade em um barranco margeando uma estrada (Roberts & Dodson 1967). As análises químicas e de textura caracterizaram o solo como típico de cerrado sentido restrito, ou seja, solo arenoso, saturado em alumínio e pobre em base e nutrientes.



O ninho foi escavado no dia seguinte após ser detectado e depois de terem sido feitas algumas observações para se verificar o número de fêmeas que poderiam co-habitar e estar em atividade de forrageamento. Um pequeno graveto foi introduzido na entrada da cavidade para orientação durante o processo de escavação. A partir da entrada havia um canal perpendicular à cavidade conectando-se no final com a abertura de uma câmara situada 11 cm abaixo da superfície. Nessa câmara encontrava-se o ninho propriamente dito (Fig. 1B-E), formado por um conjunto de quatro células operculadas e uma fêmea com nítido desgaste alar. A ausência de uma célula em fase de aprovisionamento ou em construção, juntamente com a ausência de atividade de campo, sugerem que a fêmea já havia cessado suas atividades reprodutivas. As células, construídas com uma mistura de resina e solo, apresentavam formato elíptico com um mamilo na parte apical (aproximadamente 0,3 cm de altura) (Fig. 1F). As células, medidas com o auxílio de um paquímetro (altura: 1,3; 1,4; 1,4 e 1,5 cm; largura máxima: 0,8; 0,9; 0,9 e 0,9 cm), foram levadas para o laboratório e mantidas em um recipiente de plástico contendo solo retirado da área de nidificação. O recipiente foi envolvido por um tecido de organza e deixado à temperatura ambiente para emergência dos indivíduos. No período de 20/6 a 30/6/2005 emergiram três fêmeas e um macho.

O ninho de E. melanotricha descrito por Sakagami et al. (1967) continha dois conjuntos de células, o primeiro com 28 operculadas e nove células velhas e o segundo com uma célula operculada, uma em construção e 27 células velhas, duas fêmeas vivas (uma delas escapou quando da abertura do ninho), e os restos de uma terceira. A fêmea capturada apresentava desgaste alar e mandibular bastante acentuados. De acordo com os autores, a presença de células velhas e novas indicava o uso sucessivo por pelo menos duas gerações. Comparando-se esses dados com os obtidos a partir do ninho aqui descrito, fica evidente que os ninhos foram encontrados em momentos diferentes de desenvolvimento.

O conjunto de informações agora disponível indica que E. melanotricha apresenta hábito de nidificação semelhante ao da maioria das espécies de Euglossa estudadas mais detalhadamente (Garófalo 1985, 1992; Ramírez-Arriaga et al. 1996; Garófalo et al. 1998; Soucy et al. 2003; Augusto & Garófalo 2004), ou seja, fundação solitária comprovada pelo ninho aqui descrito, e reativação do ninho por uma ou mais fêmeas, conforme relatado por Sakagami et al. (1967). Por outro lado, a ausência de observações sobre o comportamento das fêmeas no interior do ninho dificulta a definição da estrutura social da espécie.

Para as espécies do gênero Euglossa que tiveram suas atividades intranidais detalhadamente estudadas (Garófalo 1985, Garófalo et al. 1998, Augusto & Garófalo 2004), dois tipos de organização social foram descritas até o momento: 1- organização comunal, observada em Euglossa (Glossura) annectans Dressler (Garófalo et al. 1998); nessa espécie, verificou-se que até duas fêmeas podem compartilhar o mesmo ninho, mas trabalham independentemente suas células; e 2 - organização primitivamente eussocial, descrita para Euglossa (Euglossa) cordata (L.) e Euglossa (Euglossa) townsendi Cokerell (Garófalo 1985, Augusto & Garófalo 2004). Nas duas últimas espécies, a fêmea fundadora oviposita em um número variável de células (até 14 células) e interrompe suas atividades reprodutivas, podendo permanecer no ninho até a emergência das filhas, quando, então, se estabelece uma associação matrifilial. Na associação as filhas realizam atividades de aprovisionamento e oviposição de células e a mãe assume a dominância reprodutiva do ninho, ovipositando, após realizar a oofagia, nas células utilizadas pelas filhas. Quando a mãe morre, a filha mais velha assume a posição de dominante reprodutiva do ninho.

As análises do número de imaturos presentes e a distribuição de seus estágios de desenvolvimento levaram Sakagami et al. (1967) a interpretarem que aquele conteúdo era resultante de atividades sincrônicas de pelo menos duas fêmeas, provavelmente as duas fêmeas encontradas vivas. Se tal interpretação for correta, poderíamos acrescentar, então, que E. melanotricha, similarmente a E. annectans, apresenta estrutura social do tipo comunal. Uma outra possibilidade envolveria a fêmea encontrada morta no ninho. Nesse caso, a fêmea morta poderia ter sido a fêmea reprodutivamente dominante do ninho enquanto as outras duas trabalhavam, sincronicamente, aprovisionando e ovipositando em suas células. Após a morte da fêmea reprodutivamente dominante, uma das outras fêmeas, talvez aquela capturada no interior do ninho, assumiu a dominância. Isso explicaria a presença de apenas uma célula com ovo e uma célula sendo construída, já que a partir daquele momento, o ninho teria apenas uma fêmea em atividade de construção e aprovisionamento de célula. Se essa segunda possibilidade for correta, então, E. melanotricha apresenta estrutura social semelhante à de E. cordata e E. townsendi. Desta forma, teríamos, além dessas duas espécies, mais um exemplo reforçando a hipótese de parasitismo parental como um caminho alternativo pelo qual a socialidade nos insetos poderia ter-se originado, conforme proposto por Charnov (1978) e Stubblefield & Charnov (1986).

Agradecimentos

Agradecemos à M.Sc. Claudia Inês da Silva, da Universidade Federal de Uberlândia, pelo auxílio na retirada do ninho e pelas fotos e ao Sr. José Carlos Serrano, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP, pela identificação da espécie. Agradecemos também aos revisores que avaliaram o manuscrito e contribuíram com comentários e sugestões para a versão final.

Received 19/IV/06. Accepted 01/VI/06.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2007
  • Data do Fascículo
    Fev 2007

Histórico

  • Aceito
    01 Jun 2006
  • Recebido
    19 Abr 2006
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