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Flebotomíneos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, MG

Phlebotomine sandflies in Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Minas Gerais state, Brazil

Resumos

O presente trabalho teve como objetivo conhecer a fauna flebotomínica na Gruta do Caboclo, localizada no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, MG, e associá-la ao risco de transmissão das leishmanioses. As capturas foram realizadas utilizando-se armadilhas luminosas tipo CDC, nos meses de fevereiro e março de 2003. O total de 436 flebotomíneos foi capturado, pertencendo a 14 espécies. A espécie predominante foi Lutzomyia ischnacantha Martins, Souza & Falcão, com 28,7%, seguida por L. renei (27,06%) e L. cavernicola (13,07%). O encontro de L. intermedia, espécie incriminada como vetora de leishmaniose cutânea, deve ser levado em consideração.

Lutzomyia; Phlebotominae; leishmaniose; ecologia de vetores


We surveyed the phlebotomine fauna in the Parque Nacional Cavernas Do Peruaçu, Minas Gerais, Brazil, aiming to associate the presence of vector with the risk of leishmaniasis transmission. Field captures were performed with CDC light traps between February and March 2003. A total of 436 sand flies were captured, belonging to 14 species. The predominant species (28.7%) was Lutzomyia ischnacantha Martins, Souza e Falcão, followed by L. renei (27,06%) and L. cavernicola (13,07%). The finding of L. intermedia, a species that is incriminated as vector of the cutaneous leishmaniasis, has to be taken into account.

Lutzomyia; Phlebotominae; leishmaniasis; vector ecology


SCIENTIFIC NOTE

Flebotomíneos do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, MG

Phlebotomine sandflies in Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, Minas Gerais state, Brazil

Ricardo A. BarataI; Yasmine AntoniniII; Caroline M. GonçalvesI; Daniela C. CostaI; Edelberto S. DiasI

ICentro de Pesquisas René Rachou, Av. Augusto de Lima 1715 Barro Preto, 30190-002 Belo Horizonte, MG edel@cpqrr.fiocruz.br

IIUniv. Federal de Minas Gerais, Av. Antônio Carlos 6627, Pampulha, 31270-901, Belo Horizonte, MG

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo conhecer a fauna flebotomínica na Gruta do Caboclo, localizada no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, MG, e associá-la ao risco de transmissão das leishmanioses. As capturas foram realizadas utilizando-se armadilhas luminosas tipo CDC, nos meses de fevereiro e março de 2003. O total de 436 flebotomíneos foi capturado, pertencendo a 14 espécies. A espécie predominante foi Lutzomyia ischnacantha Martins, Souza & Falcão, com 28,7%, seguida por L. renei (27,06%) e L. cavernicola (13,07%). O encontro de L. intermedia, espécie incriminada como vetora de leishmaniose cutânea, deve ser levado em consideração.

Palavras-chave:Lutzomyia, Phlebotominae, leishmaniose, ecologia de vetores

ABSTRACT

We surveyed the phlebotomine fauna in the Parque Nacional Cavernas Do Peruaçu, Minas Gerais, Brazil, aiming to associate the presence of vector with the risk of leishmaniasis transmission. Field captures were performed with CDC light traps between February and March 2003. A total of 436 sand flies were captured, belonging to 14 species. The predominant species (28.7%) was Lutzomyia ischnacantha Martins, Souza e Falcão, followed by L. renei (27,06%) and L. cavernicola (13,07%). The finding of L. intermedia, a species that is incriminated as vector of the cutaneous leishmaniasis, has to be taken into account.

Key words:Lutzomyia, Phlebotominae, leishmaniasis, vector ecology

O conhecimento da fauna flebotomínica (Diptera: Psychodidae) e o estudo do comportamento de algumas espécies tem sido objeto de várias investigações (Cabanillas & Castellon 1999, Barata et al. 2004) dado que esses insetos são capazes de transmitir diversas espécies de Leishmania (Lainson & Shaw 1987).

Os flebotomíneos são encontrados com freqüência em ecótopos naturais, como troncos de árvores, tocas de animais, folhas caídas no solo, frestas em rochas e em cavernas (Galati et al. 2003, Azevedo et al. 1993), assim como em ambientes rurais e urbanos, caracterizados por abrigos de animais domésticos e habitações humanas, demonstrando que se encontram em processo de adaptação (Tolezano et al. 2001).

O Parque Nacional Cavernas do Peruaçu é visitado diariamente por centenas de turistas e tem sido objeto de estudo de vários pesquisadores, como biólogos, geólogos, espeleólogos e paleontólogos. Criado recentemente, essa unidade de conservação, fincada às margens do Rio São Francisco, ainda é pouco conhecida. Com uma preocupação iminente, devido à proximidade de pequenas cidades em seu entorno, onde já foram confirmados casos autóctones de leishmanioses, realizou-se este trabalho com o objetivo de conhecer a fauna flebotomínica em uma das cavernas do parque e associar as espécies encontradas ao risco de transmissão das leishmanioses na região.

Localizado no Norte de Minas Gerais, no vale do rio Peruaçu, cuja drenagem perene é hoje, uma das poucas na região, o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu (8310.000 N, 520.000 E) abrange terras dos municípios de São João das Missões, Itacarambi e Januária. Trata-se de uma zona de transição de ambientes entre cerrado e caatinga, onde são encontradas também mata subcaducifólia e remanescentes de Mata Atlântica. Apresenta grande diversidade e complexidade de ambientes e de usos antrópicos.

A Gruta do Caboclo, selecionada para o estudo, é inserida em um ambiente cárstico de grande geodiversidade, onde a dissolução da rocha carbonática e os processos de abatimento elaboraram vales cegos, escarpamentos na forma de canyons, torres calcárias, depressões fechadas e diversas microformas esculpidas sobre a rocha solúvel. Do ponto de vista hidrológico, é considerada seca, sendo "desconectada do aqüífero cárstico" do rio Peruaçu com aproximadamente 120 m de projeção horizontal, segundo Piló & Rubbioli 2002.

As capturas foram realizadas com armadilhas luminosas do tipo CDC durante os meses de fevereiro e março de 2003. As armadilhas foram expostas a 5 m da entrada da Gruta do Caboclo, das 18:00h às 8:00h da manhã seguinte, durante três dias consecutivos de cada mês.

O acondicionamento dos espécimes capturados foi feito em tubos de hemólise contendo álcool 70% e levados ao laboratório. Em seguida, foi realizada a preparação e montagem dos mesmos baseada na metodologia preconizada por Langeron (1949). A identificação dos exemplares foi feita de acordo com a classificação proposta por Young & Duncan (1994). Posteriormente, o material testemunha foi depositado na Coleção Padrão de Flebotomíneos do Laboratório de Leishmanioses do Centro de Pesquisas René Rachou.

A fauna flebotomínica capturada na Gruta do Caboclo constituiu-se de 14 espécies: Brumptomyia avellari (Costa Lima), Lutzomyia cavernicola (Costa Lima), L. intermedia (Lutz & Neiva), L. ischnacantha Martins, Souza & Falcão, L. lenti (Mangabeira), L. micropyga (Mangabeira), L. misionensis (Castro), L. peresi (Mangabeira), L. quinquefer (Dyar), L. renei (Martins, Falcão & Silva), L. sordellii (Shannon & Del Ponte), L. termitophila Martins, Falcão & Silva, L. trinidadensis (Newstead) e uma espécie não identificada, totalizando 436 exemplares, sendo 166 fêmeas (38,1%) e 270 machos (61,9%) (Tabela 1).

Para se estudar o comportamento dos flebotomíneos, são utilizadas armadilhas luminosas, tanto em ambiente florestal (Aguiar 1985) quanto em ambientes urbanos (Dourado et al. 1989). Para se ter uma verdadeira noção da abundância de espécies de uma região é necessário o emprego de outros tipos de armadilhas (Shaw & Lainson 1972) durante um período mais extenso. Contudo, os dados obtidos neste estudo podem fornecer uma idéia aproximada da fauna flebotomínica do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu que é bastante diversificada, com 14 espécies identificadas (uma do gênero Brumptomyia e 13 do gênero Lutzomyia), como mostra a Tabela 1.

O predomínio de machos (Tabela 1) não constitui um achado novo e pode ser explicado pela atração exercida pela luz das armadilhas e pelo comportamento de acompanhar as fêmeas para assegurar a fecundação durante seus deslocamentos. Este fato também foi observado por Domingos et al. (1998).

A espécie com maior predominância foi L. ischnacantha (28,7%), seguida por L. renei (27,1%) e L. cavernicola (13,1%). Do ponto de vista epidemiológico, o encontro dessas espécies não indica risco de transmissão da doença por não serem incriminadas como vetoras de leishmanioses. Neste estudo, não foi encontrada L. longipalpis (Lutz & Neiva 1912), vetora comprovada de leishmaniose visceral.

Galati et al. (1997), em um estudo de flebotomíneos no Mato Grosso do Sul, registraram a presença em uma gruta de L. corumbaensis, L. sordellii, L. forattinii, L. peresi e L. cruzi. Destas, apenas L. peresi e L. sordellii foram também encontradas nessa área, mas nenhuma delas tem implicação na transmissão de leishmanioses, pois alimentam-se preferencialmente de animais de sangue frio.

Em estudos realizados nos arredores da Gruta da Lapinha (Lagoa Santa, MG) que apresenta constituição geológica semelhante à do Caboclo, Andrade-Filho et al. (1998) encontraram oito espécies diferentes de flebotomíneos, sendo que apenas L. quinquefer, L. intermedia e L. renei foram coincidentes em ambos estudos.

Uma espécie não identificada denominada Lutzomyia sp., provavelmente pertencente a um grupo isolado, necessita de maiores estudos para a correta inserção na classificação proposta por Young & Duncan (1994).

O encontro da espécie L. intermedia, comprovadamente vetora de leishmaniose tegumentar em diversas regiões brasileiras (Aguiar et al. 1996; Lainson 1989; Rangel et al. 1984, 1986), mesmo que em número reduzido, indica que sua presença pode sugerir sua participação na transmissão de LT nos municípios limítrofes da região.

Received 27/VII/06. Accepted 04/IX/07.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2008
  • Data do Fascículo
    Abr 2008

Histórico

  • Aceito
    04 Set 2007
  • Recebido
    27 Jul 2006
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