Aspectos Biológicos e Comportamentais de Liogenys suturalis Blanchard (Coleoptera: Melolonthidae) no Mato Grosso do Sul

Biological notes and behavior of Liogenys suturalis Blanchard (Coleoptera: Melolonthidae) in Mato Grosso do Sul State, Brazil

ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Viviane Santos^I; Crébio J Ávila^II

^IDepto. de Entomologia, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Av. Pádua Dias, 11, 13418-900, Piracicaba, SP, [e-mail]

^IIEmbrapa Agropecuária Oeste, C. postal 661, 79.804-670, Dourados, MS, [e-mail]

ABSTRACT

Liogenys suturalis Blanchard is one of the main soil pests associated to corn, wheat and oat crops in the Southern Mato Grosso do Sul State. This work aimed to investigate the bioecological and behavioral aspects of this pest. The study was carried out in several municipalities of Mato Grosso do Sul State under field and laboratory conditions from August 2004 to December 2006. In the laboratory, we studied the incubation period and egg viability, the number of instars, and pupal and adult sex-related traits. The insect distribution was determined yearly, as well as the period of insect flying and some behavioral aspects during mating. Egg viability averaged 81.7%, with an incubation period of 22.8 ± 4.32 days. Liogenys suturalis took the whole year to complete its life cycle, developing through three different instars. The highest larval feeding activity and development occurred in February and June, and adult flight activities were between the second fortnight of September and December. Sex dimorphism was observed in both pupae and adults. Flights were concentrated from 7:00 to 8:00 PM. The average time for mating was 9.82 min. The observed adult sex ratio was 0.63.

Key words: Insecta, bioecology, white grub, corn, soil pest

RESUMO

Liogenys suturalis Blanchard é uma das principais pragas de solo associada às culturas do milho, do trigo e da aveia no Sul do Mato Grosso do Sul. O objetivo deste trabalho foi estudar aspectos bioecológicos e comportamentais dessa praga. A pesquisa foi executada em vários municípios do estado, em condições de campo e laboratório, entre agosto de 2004 e dezembro de 2006. No laboratório foram determinados o período de incubação e a viabilidade dos ovos, o número de ínstares e caracteres sexuais de pupas e adultos. Foram estudadas a distribuição temporal do inseto ao longo do ano, o período de revoada e aspectos comportamentais da cópula. A viabilidade média dos ovos foi de 81,7% e o período médio de incubação de 22,8 ± 4,32 dias. Liogenys suturalis completou o ciclo de vida no período de um ano passando por três instares. A fase em que a maioria das larvas estava mais desenvolvida e consumindo as raízes das plantas ocorreu entre os meses de fevereiro a junho e o período de revoada de adultos ocorreu da segunda quinzena de setembro até dezembro. Observou-se dimorfismo sexual em pupas e adultos. A maior porcentagem de adultos em revoada foi observada no horário entre 19:00h e 20:00h. A cópula teve duração média de 9,8 min. A razão sexual observada para adultos foi de 0,63.

Palavras-chave: Insecta, bioecologia, coró-do-milho, praga-de-solo

No Mato Grosso do Sul, os corós rizófagos constituem importantes pragas de solo em culturas de verão e de inverno no sistema de plantio direto. Os danos às culturas são indiretos, pois os corós, ao consumirem as raízes, prejudicam a capacidade das plantas em absorver água e nutrientes, o que afeta, consequentemente, o seu desenvolvimento e potencial produtivo (Ávila & Gomez 2003, Salvadori 2000).

O coró-do-milho, Liogenys suturalis Blanchard, tem sido constatado atacando lavouras de milho, trigo e aveia, especialmente no Mato Grosso do Sul, desde o início da década de 90. Seus danos às culturas são mais frequentes durante os meses de fevereiro, março e abril, ocasião em que as larvas estão mais desenvolvidas e, portanto, mais vorazes (Ávila & Gomez 2003).

A identificação correta e a realização de estudos bioecológicos das espécies de corós em uma determinada região fornecerão subsídios que permitirão a implementação do manejo integrado da praga. Dada a ausência de estudos relacionados ao coró L. suturalis, este trabalho teve por objetivo realizar estudos biológicos e comportamentais dessa espécie em condições de laboratório e de campo.

Material e Métodos

Local dos experimentos. A pesquisa foi conduzida no Mato Grosso do Sul em condições de campo e de laboratório, na Embrapa Agropecuária Oeste (Dourados/MS), bem como em lavouras de produtores rurais nos municípios de Caarapó, Laguna Carapã, Ponta Porã, Dourados e Douradina.

Período de incubação e viabilidade de ovos. Para a obtenção de ovos, adultos de L. suturalis foram coletados no campo, no município de Laguna Carapã, e mantidos em laboratório dentro de trinta recipientes plásticos contendo terra, e folhas de pessegueiro como alimento, sendo cinco casais por recipiente. As folhas de pessegueiro foram escolhidas para a alimentação dos insetos por ser frequente a presença de adultos de L. suturalis nessa planta nos locais onde esses insetos ocorrem em abundância. Os ovos encontrados no solo foram imersos em solução de formaldeído (0,2%), água destilada e sulfato de cobre (1%), para desinfecção superficial. Posteriormente foram transferidos para placas de Petri contendo solo esterilizado, umedecido com água (30 ±10%) e coberto com papel alumínio. As placas de Petri foram mantidas em câmara climatizada (25 ± 1ºC; 70 ±10% UR) até a eclosão. Foram realizadas observações diárias para determinar o período de incubação e a viabilidade dos ovos, bem como verificar as suas características morfológicas ao longo do tempo.

Distribuição estacional de L.suturalis. Para determinar a distribuição estacional de ovos, larvas, pupas e adultos de L. suturalis no campo, foram realizados levantamentos periódicos do inseto no período de agosto de 2004 a dezembro de 2006. O estudo foi conduzido em lavouras com alta densidade populacional desse coró, situadas nos municípios anteriormente mencionados. Para a captura dos insetos no solo, foram utilizadas pás e enxadas, sendo as coletas realizadas aleatoriamente na área infestada com a praga até a obtenção de um mínimo de 50 insetos por amostragem. No laboratório, as larvas e pupas foram contadas e mortas por meio da imersão em água fervente por 30 s, sendo, em seguida, colocadas em 70% etanol. Os ovos foram contados e colocados em placas de Petri contendo terra umedecida. As placas foram cobertas com papel alumínio e acondicionadas em câmara climatizada a 25 ± 1°C e umidade de 70% ±10, sendo que os ovos foram diariamente observados até a eclosão das larvas, para a confirmação da espécie.

Números de ínstares. Larvas de L. suturalis foram coletadas no campo, no período de agosto de 2004 a janeiro de 2006, e conservadas em 70% etanol. Para a determinação do número de ínstares, as cápsulas cefálicas das 1.182 larvas coletadas foram medidas com auxílio do equipamento Wild MMS - 235, acoplado ao microscópio estereoscópio. O número de ínstares foi determinado por meio da regra de Dyar (Parra & Haddad 1989).

Dimorfismo sexual de pupas e adultos. Oitenta pupas de L. suturalis coletadas no município de Laguna Carapã foram analisadas em microscópio óptico para identificar possíveis características morfológicas externas que diferenciassem machos de fêmeas. As pupas foram individualizadas em recipientes plásticos de 200 ml contendo terra umedecida e observadas até a emergência do adulto. Os recipientes foram cobertos com papel alumínio e mantidos em câmara climatizada (25 ± 1°C; 70 ±10% UR). Os adultos obtidos foram também analisados com o auxílio de microscópio óptico para identificar possíveis características morfológicas que caracterizassem o dimorfismo sexual. Foram determinados a largura e o comprimento de 60 pupas e de 60 adultos (30 machos e 30 fêmeas) de L. suturalis, utilizando-se o equipamento Wild MMS - 235, acoplado ao microscópio estereoscópio. As medidas de pupas e adultos, considerando os dois sexos, foram comparadas pelo teste t (P < 0,05) utilizando o pacote estatístico do programa Microsoft Excel.

Período de revoada e razão sexual. Para a determinação do período de revoada de L. suturalis, armadilhas luminosas do tipo "Luiz de Queiroz", foram instaladas em lavouras (1 armadilha/lavoura) em Dourados, Caarapó, Douradina e Ponta Porã, MS, no período de outubro a dezembro, nos anos de 2004, 2005 e 2006, das 18:00h às 8:00h. Esse procedimento foi realizado diariamente em Dourados, semanalmente em Ponta Porã, e três vezes por semana em Caarapó e Douradina. Para a determinação da razão sexual, foi instalada uma armadilha luminosa nas dependências da Embrapa Agropecuária Oeste, em 2006. Os adultos foram retirados da armadilha diariamente, separados por sexo e contados. A razão sexual foi obtida dividindo-se o número de fêmeas pela soma do número de machos e fêmeas.

Atividade diária de vôo. A atividade diária de vôo foi determinada por meio da instalação de uma armadilha luminosa do tipo "Luiz de Queiroz" próximo a uma lavoura nas dependências da Embrapa Agropecuária Oeste, em outubro de 2005. As observações foram realizadas das 17:00h às 2:00h, durante quatro noites diferentes, sendo os insetos capturados em intervalos de 1h, totalizando nove coletas por noite. Nos quatros dias de coleta a temperatura média variou de 21,7ºC a 25,3ºC e a umidade relativa média de 71% a 85%, sem ocorrência de chuvas. Os adultos coletados em cada período foram identificados, contados e registrados.

Comportamento de cópula. Para estudar o comportamento de cópula de L. suturalis, foi instalada uma armadilha luminosa na área de produção de grãos da Embrapa Agropecuária Oeste durante o mês de novembro de 2006. O estudo foi realizado observando-se o comportamento de 21 casais durante quatro noites seguidas, sendo registrado o comportamento do macho e da fêmea antes e durante a cópula.

A identificação dos espécimes de L. suturalis estudados foi realizada pelo Dr Sérgio Ide (Instituto Biológico de São Paulo), sendo os vouchers specimens depositados no Museu de Entomologia da Embrapa Agropecuária Oeste, em Dourados, MS.

Resultados e Discussão

Período de incubação e viabilidade de ovos. A viabilidade média dos ovos de L. suturalis foi de 81,7% com período de incubação médio de 22,8 ± 4,32 dias. Esse período foi superior ao observado para ovos de outros melolontídeos (Oliveira et al 1996, Silva & Loeck 1996), sendo os valores médios de viabilidade semelhantes aos relatados para Diloboderus abderus Sturm (Coleoptera: Melolonthidae) (Silva & Loeck 1996).

Distribuição estacional e comportamento deLiogenys suturalis. As larvas de primeiro ínstar foram mais abundantes nos meses de novembro e dezembro e as de segundo ínstar no mês de janeiro. A partir de fevereiro predominaram as larvas mais desenvolvidas de terceiro ínstar, que permanecem neste último ínstar até agosto, mas podem ser encontradas até novembro (Fig 1).

As larvas de primeiro ínstar foram facilmente encontradas sob palhadas onde são observadas próximo umas das outras, não se dispersando muito do local de oviposição. Os restos de culturas sobre a superfície do solo é um fator importante relacionado à reprodução e alimentação de corós, principalmente na proteção de ovos, além de serem usados para consumo de larvas neonatas (Silva et al 1996).

A partir do segundo ínstar, as larvas começaram a se dispersar e foram observadas próximo às raízes das plantas das quais se alimentaram. Essa dispersão, provavelmente, ocorre porque as larvas se desenvolvem e aumentam seu tamanho, passando a competir por espaço e alimento (García & Morón 2000).

Nos meses de julho e agosto, foram observados, respectivamente, 40,0% e 76,4% dos indivíduos na fase de prepupa. Antes de entrar nesse estágio, as larvas constroem um abrigo arredondado no solo, denominado de câmara pupal. O estágio prepupal caracteriza-se por um período de inanição e de cessação da alimentação, onde os espécimes apresentaram coloração mais esbranquiçada e tegumento mais espesso, assim como relatado para D. abderus (Silva & Loeck 1996).

As pupas foram encontradas no período de agosto a outubro, sendo mais abundantes em setembro (Fig 1). Os adultos emergiram no período de setembro a dezembro e realizaram a cópula e oviposição no solo. Os ovos foram abundantes nos meses de novembro e dezembro (Fig 1), apresentaram, inicialmente, coloração esbranquiçada e forma elíptica. Posteriormente, os ovos aumentaram visualmente de tamanho e assumiram formato arredondado. Os resultados de distribuição estacional de L. suturalis obtidos neste trabalho evidenciam que a espécie é univoltina.

Número de ínstares. Três ínstares de desenvolvimento foram evidenciados para a espécie, por meio da concentração dos valores na curva de distribuição de frequência das larguras das cápsulas cefálicas de larvas de L. suturalis. Essa característica é comum para larvas de melolontídeos (Fig 2) (Teetes et al 1976, Oliveira et al 1996, Silva & Grützmacher 1996, Salvadori 2000). A razão de crescimento média da cápsula cefálica de L. suturalis foi de 1,58 mm (Tabela 1), evidenciando a mudança de ínstar do inseto, conforme estabelecido pela regra proposta por Dyar para lagartas, mas também utilizada para outras ordens de insetos (Parra & Haddad 1989).

Dimorfismo sexual de pupas e adultos. As pupas fêmeas de L. suturalis apresentaram maior comprimento do que as pupas machos, não diferindo na largura (Tabela 2). As fêmeas adultas apresentaram, em média, comprimento e largura maiores (mm) em relação aos machos, semelhante ao observado para D. abderus (Silva & Grützmacher 1996).

As pupas de machos e de fêmeas de L. suturalis apresentaram diferenças morfológicas na genitália. Para os machos (Fig 3A), observou-se uma projeção tuberculiforme na parte terminal do abdome (ampola genital), assim como observado para pupas de machos de Phyllophaga Harris (Morón 1986); nas fêmeas, essa estrutura foi ausente (Fig 3B).

Com relação ao dimorfismo em adultos de L. suturalis, os machos (Fig 4A) apresentaram os tarsômeros mais largos nos dois primeiros pares de pernas do que no terceiro, não havendo diferenças nas fêmeas (Fig 4B), assim como observado para algumas espécies de melolontídeos (Alcázar-Ruiz et al 2003). Essa característica é mais evidente no primeiro par de pernas dos machos.

Período de revoada e razão sexual de adultos. O período de revoada de L. suturalis ocorreu da segunda quinzena de setembro até dezembro, com picos nos meses de outubro e novembro (Fig 5). Em todas as observações, os insetos sairam do solo geralmente após precipitações pluviométricas, ou seja, quando o solo estava úmido. Entretanto, nos dias chuvosos ou quando o solo estava muito úmido, não foram constatados adultos em revoada. A abundância estacional de adultos de várias espécies de corós depende de um período prévio de precipitações pluviométricas (Hilje 1996, García & Morón 2000).

A razão sexual média observada para L. suturalis foi de 0,63, um pouco superior a observada para outros insetos do grupo (Silva & Loeck 1996). Na primeira quinzena do mês de outubro, a proporção de machos foi maior do que de fêmeas, enquanto que a partir da segunda quinzena de outubro até o término do período de revoada, a proporção de fêmeas foi superior (Fig 6).

Atividade diária de vôo. A atividade diária de vôo de L. suturalis iniciou-se no período entre 18:00h e 19:00h e terminou entre 1:00h e 2:00h, apresentando pico de coleta entre 19:00h e 20:00h (Fig 7), a semelhança do observado para outros corós (Silva & Loeck 1996, García & Morón 2000).

Comportamento de cópula. Durante a revoada, as fêmeas ficaram imóveis próximas à lâmpada no solo ou na vegetação, à espera de um parceiro sexual. Provavelmente, quando permanecem nessa posição, as fêmeas liberem o feromônio sexual como foi sugerido para P. cuyabana (Santos 1992). Alguns casais permaneceram movimentando-se durante um a dois minutos. Em seguida, a fêmea ficou imóvel e o macho a segurou com os dois primeiros pares de pernas, mantendo a cabeça na mesma posição que a da fêmea, permanecendo ambos nessa posição durante a cópula. Comportamento semelhante de acasalamento foi observado por Oliveira & Garcia (2003) para adultos de P. cuyabana. A cópula durou em média 9,8 min, sendo esse período inferior ao tempo observado para P. cuyabana que durou, em média, 83,9 ± 4,20 min (Oliveira & Garcia 2003). Antes do término da cópula, o macho permanece alguns segundos unido à fêmea, provavelmente apenas pelo edeago.

Conclui-se que esse inseto é univoltino, sendo que a fase larval coincide com o plantio do milho safrinha, trigo e/ou aveia no Mato Grosso do Sul. Estudos bioecológicos desse inseto são importantes, pois podem contribuir para estudos comportamentais, como, por exemplo, a identificação do feromônio sexual, bem como no desenvolvimento de táticas de controle visando ao manejo desta praga em sua região de ocorrência.

Agradecimentos

Ao Dr. Miguel Angel Morón do Instituto de Ecologia do México pela identificação da espécie estudada neste trabalho, à estudante de pós-graduação Elizabeth do Carmo Pedroso da Universidade Estadual Paulista pela elaboração dos desenhos, ao CNPq pela concessão de bolsa de apoio técnico ao primeiro autor e à FUNDECT pelo financiamento desta pesquisa.

Received 20/X/08.

Accepted 11/IX/09.

Edited by Fernando L Cônsoli - ESALQ/USP

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Aspectos Biológicos e Comportamentais de Liogenys suturalis Blanchard (Coleoptera: Melolonthidae) no Mato Grosso do Sul

Biological notes and behavior of Liogenys suturalis Blanchard (Coleoptera: Melolonthidae) in Mato Grosso do Sul State, Brazil

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Jan 2010
• Data do Fascículo
  Dez 2009

Histórico

• Aceito
  11 Set 2009
• Recebido
  20 Out 2008