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Composição, abundância e índice de infestação de espécies de formigas em um hospital materno-infantil de Palmas, TO

Composition, abundance and infestation rate of ant species in a children's hospital in the city of Palmas, Tocantins, Brazil

Resumo

This first survey of the ant fauna in a children's hospital in the city of Palmas, state of Tocantins, compares species composition, abundance and infestation rate of ants between rainy and dry seasons, day and night periods, and among 15 hospital sectors. Forty-eight collections, being 12 diurnal and 12 nocturnal in each season using five attractive baits distributed per sector, maintained for 3h per sampling. A total of 34,309 ants were collected, distributed in 12 species: Acromyrmex sp., Brachymyrmex sp., Camponotus spp. (four morphospecies), Dorymyrmex sp., Tetramorium sp., Solenopsis globularia (Creighton), Solenopsis saevissima Smith, Tapinoma melanocephalum (Fabricius) and Paratrechina longicornis (Latreille). The hospital presented an average building infestation rate (40.3%), when compared with hospitals from other Brazilian regions. In general, there was no difference in the species composition between seasons and the period of the day, although abundance of ants was higher at night. The dry season and the nocturnal period showed the highest infestation rate, mainly by T.melanocephalum and S.globularia. Gynecologic ward, lactation unit, preconception and pediatric ward access ramp showed higher infestation rate, although these varied between seasons. The significant infestation levels by the three species above, especially in sectors with restricted access such as lactation unit, laboratory, Intensive Care Unit e surgery center, indicate potential risks for contamination of patients by multi resistant pathogens possibly present in ants' bodies, as verified in others studies.

Nosocomial infection; diurnal activity; nocturnal activity; seasonality; hospital sector


Nosocomial infection; diurnal activity; nocturnal activity; seasonality; hospital sector

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Composição, abundância e índice de infestação de espécies de formigas em um hospital materno-infantil de Palmas, TO

Composition, abundance and infestation rate of ant species in a children's hospital in the city of Palmas, Tocantins, Brazil

Marcos A L BragançaI; Jefferson D LimaII

ICurso de Ciências Biológicas, Univ Federal do Tocantins - UFT, 77500-000, Porto Nacional, TO, Brasil; marcosbr@uft.edu.br

IILaboratório Modelo de Saúde, Campus de Palmas, Univ Federal do Tocantins - UFT, 77000-000, Palmas, TO, Brasil; taveiraelima@brturbo.com.br

ABSTRACT

This first survey of the ant fauna in a children's hospital in the city of Palmas, state of Tocantins, compares species composition, abundance and infestation rate of ants between rainy and dry seasons, day and night periods, and among 15 hospital sectors. Forty-eight collections, being 12 diurnal and 12 nocturnal in each season using five attractive baits distributed per sector, maintained for 3h per sampling. A total of 34,309 ants were collected, distributed in 12 species: Acromyrmex sp., Brachymyrmex sp., Camponotus spp. (four morphospecies), Dorymyrmex sp., Tetramorium sp., Solenopsis globularia (Creighton), Solenopsis saevissima Smith, Tapinoma melanocephalum (Fabricius) and Paratrechina longicornis (Latreille). The hospital presented an average building infestation rate (40.3%), when compared with hospitals from other Brazilian regions. In general, there was no difference in the species composition between seasons and the period of the day, although abundance of ants was higher at night. The dry season and the nocturnal period showed the highest infestation rate, mainly by T.melanocephalum and S.globularia. Gynecologic ward, lactation unit, preconception and pediatric ward access ramp showed higher infestation rate, although these varied between seasons. The significant infestation levels by the three species above, especially in sectors with restricted access such as lactation unit, laboratory, Intensive Care Unit e surgery center, indicate potential risks for contamination of patients by multi resistant pathogens possibly present in ants' bodies, as verified in others studies.

Key words: Nosocomial infection, diurnal activity, nocturnal activity, seasonality, hospital sector

As formigas são os insetos sociais que melhor se adaptaram ao ambiente urbano. Grande parte dessa capacidade de adaptação ocorreu pela facilidade em encontrar alimento, umidade e locais para construção de seus ninhos (Soares et al 2006). A dificuldade em reduzir a disponibilidade dos recursos necessários ao desenvolvimento desses insetos torna difícil qualquer programa de controle de formigas que invadem edificações habitadas pelo homem. Além disso, algumas espécies apresentam um conjunto de características, entre elas a poliginia e a fragmentação de colônias, que favorece sua dispersão e adaptação nesses ambientes (Bueno & Campos-Farinha 1998, 1999a).

Algumas formigas adaptadas ao ambiente urbano podem provocar incômodo desde uma simples picada até serem consideradas um grave problema de saúde pública. A presença de formigas na área externa de hospitais e a invasão do interior desses ambientes constituem um problema para a saúde humana, pelo risco potencial de algumas espécies servirem de vetores de microrganismos patogênicos encontrados em seu corpo, como as bactérias Staphylococcus, Klebsiella, Acinetobacter, Streptococcus, Enterobacter e Enterococcus (Fowler et al 1993, Moreira et al 2005, Rodovalho et al 2007, Pesquero et al 2008).

A fauna de formigas em hospitais brasileiros é rica e composta por espécies exóticas, como Tapinoma melanocephalum (Fabricius), Paratrechina longicornis (Latreille) e Monomorium pharaonis (L.), e nativas, como Wasmannia auropunctata (Roger) e espécies de Solenopsis e Camponotus (Bueno & Fowler 1994, Bueno & Campos-Farinha 1999a, Soares et al 2006). Tapinoma melanocephalum e P.longicornis são coletadas geralmente em maior quantidade em hospitais (Fowler et al 1993, Bueno & Fowler 1994, Moreira et al 2005). O número de espécies de formigas pode ser elevado em hospitais grandes (Bueno & Fowler 1994) e a frequência de P.longicornis pode ser maior em construções antigas e mal conservadas (Soares et al 2006).

Os berçários e UTIs destacam-se entre as alas hospitalares com maior infestação por formigas (Bueno & Campos-Farinha 1999a), mas a ocorrência de formigas transportando bactérias patogênicas associadas também é comum em alas críticas, como a de doenças infecciosas, pacientes queimados e de emergência (Rodovalho et al 2007). Essas alas hospitalares são consideradas críticas por hospedarem pacientes debilitados fisicamente e com imunidade comprometida, tornando-os mais suscetíveis à contaminação por microrganismos do corpo de formigas, o que poderia prolongar a internação de enfermos ou causar a sua morte. Em geral, espera-se que as alas hospitalares de acesso mais restrito, como centro cirúrgico, berçário, laboratório e UTI, estejam entre aquelas com menor índice de infestação por formigas. Essas alas são, normalmente, aquelas com a menor circulação de pessoas e materiais e com a maior frequência de limpeza.

Não foram encontradas informações na literatura sobre a influência sazonal e do período do dia sobre a composição, abundância e índice de infestação de formigas em hospitais, especialmente em região de Cerrado. Contudo, pesquisas realizadas em vegetação desse domínio mostraram não haver diferenças sazonais na ocorrência de gêneros de formigas, e a composição de espécies pode variar de acordo com o período do dia, mas com maior diversidade durante o dia (Marques & Del-Claro 2006, Andrade et al 2007).

No Norte do Brasil, especialmente em Tocantins, ainda não foram realizados levantamentos das espécies de formigas que habitam o interior de hospitais; informação esta que seria pré-requisito para a elaboração de um programa de controle, visando diminuir os incômodos e os possíveis danos como vetores de microrganismos patogênicos. Neste estudo, foi feita a identificação da mirmecofauna em um hospital público materno-infantil de Palmas, comparando-se a composição das espécies de formigas, sua abundância e o índice de infestação entre as estações do ano (chuvosa e seca), entre os períodos do dia (diurno e noturno) e entre alas hospitalares.

Material e Métodos

O estudo foi realizado no Hospital de Referência Dona Regina (HRDR), em Palmas, TO, com área construída de 742 m2 e inaugurado em 28 de maio de 1999. A capacidade do HRDR é de 102 leitos em 25 especialidades na área de materno-infantil; possui UTI Neonatal com capacidade para 10 leitos e Berçário (semi-UTI) com 12 leitos. Na época do estudo, o hospital possuía corpo clínico formado por 76 profissionais, além do quadro de pessoal de enfermagem e apoio, no total de 530 funcionários. Nesse hospital são atendidas em média 60 pessoas por dia, efetuando a cada ano cerca de 21.500 consultas, 5.500 internações, 2.900 cirurgias e 2.100 exames (informações da Assessoria de Comunicação do HRDR).

O clima em grande parte do estado, especialmente na região de Palmas, possui duas estações bem definidas, uma quente e chuvosa (de outubro a abril), com temperatura média entre 24°C e 28°C e umidade relativa alta, entre 80% e 85%, e outra estação quente e seca (de maio a setembro), quando são frequentes temperaturas máximas diárias de 34ºC a 39ºC e a ausência quase completa de chuvas (informações do Laboratório de Meteorologia e Climatologia da Universidade Federal de Tocantins).

Foram realizadas 24 coletas de formigas de novembro de 2005 a janeiro de 2006 (estação chuvosa) e outras 24 coletas de junho a agosto de 2006 (estação seca). Em um mesmo dia, foram realizadas duas coletas, sendo uma no período diurno e outra no período noturno, totalizando 12 coletas em cada período, com intervalos de aproximadamente três dias em cada estação. As coletas diurnas foram realizadas das 8:00h às 11:00h e as noturnas das 20:00h às 23:00h. Cada coleta consistiu da amostragem de formigas em 15 alas hospitalares, selecionadas como representativas de locais quentes e úmidos e que ofereciam algum tipo de alimento para a formação de ninhos, além de áreas com maior risco de infecção de pacientes. As alas selecionadas foram: Pronto Socorro (A), Centro Cirúrgico (B), Pré-Parto (C), Rampa de Acesso à Enfermaria da Obstetrícia (D), Rampa de Acesso à Enfermaria da Pediatria (E), Enfermaria da obstetrícia (F), Sala de Banho do Recém-nascido (G), Laboratório de Análise Clínica (H), Laboratório de Bacteriologia (I), Enfermaria da Ginecologia (J), Lactário (K), Enfermaria da Pediatria (L), Sala de Procedimento da Pediatria (M), Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal/UTI (N) e Berçário (O).

Foram considerados cinco pontos fixos de amostragem nos cantos das paredes por ala do hospital, um para cada 20 m2, aproximadamente, onde foram distribuídos cinco tubos plásticos (30 mm x 5 mm) recortados de canudos de refrigerante. No meio do tubo era colocada isca atrativa não-tóxica à base de fígado bovino desidratado, bolo e mel na proporção 1:1:1 e 1% de óleo de amendoim (Bueno & Campos-Farinha 1999b). Após 3h, cada tubo era recolhido, fechando-se as extremidades para prender as formigas em seu interior, e colocado em um pequeno saco plástico contendo etanol 80%. As formigas maiores que estivessem perto do tubo eram recolhidas com auxílio de pinça de ponta fina e também colocadas no saco plástico.

As formigas foram identificadas ao nível de espécie pelas chaves de Bueno & Campos-Farinha (1999a) e Bolton (1994) e depositadas nas coleções entomológicas do Laboratório de Entomologia do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Tocantins, em Porto Nacional, TO, e do Centro de Estudo de Insetos Sociais (CEIS), do Instituto de Biociência da Universidade Estadual Paulista (UNESP), em Rio Claro, SP.

Foi registrado o número de indivíduos por espécie de formiga por tubo e calculado o índice de infestação, ou seja, a percentagem de tubos com pelo menos uma formiga. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para a comparação do índice de infestação entre as estações e entre os períodos diurno e noturno. Em seguida, para a análise de relação do índice de infestação entre estações e entre períodos foi utilizado o coeficiente de Spearman. No teste de Spearman substituíramse os valores das observações pela ordem de classificação das espécies de formigas (Campos 1983). As hipóteses foram testadas a 5% de probabilidade.

Resultados

Foram coletadas 34.309 formigas, distribuídas em 12 espécies pertencentes a nove gêneros (Tabela 1). Em geral, não houve diferença na composição de espécies entre estações e entre períodos. As exceções foram Tetramorium sp., que ocorreu somente na estação chuvosa, e Acromyrmex sp., que foi encontrada somente no período diurno (Tabela 1). As espécies comuns nas coletas foram T.melanocephalum, com 70,6% do total de indivíduos, seguida por Solenopsis saevissima Smith (12,1%), Brachymyrmex sp. (6,2%) e P.longicornis (5,4%) (Tabela 1). O maior número de formigas foi coletado no período noturno, ou seja, 18.901 indivíduos (55,1%). Quase não houve diferença quanto ao número de indivíduos entre as estações, sendo coletado aproximadamente 50% em cada uma. Os 22 indivíduos de Acromyrmex sp. foram encontrados na ala Rampa de Acesso à Enfermaria da Obstetrícia, próximo a área de jardim.

O índice de infestação predial do hospital HRDR foi de 40,3%, e as duas espécies com maior índice de infestação foram T.melanocephalum (15,8%) e P.longicornis (3,8%). O índice de infestação foi maior (30%) na estação seca do que na chuvosa (24%). Em relação aos períodos, este índice foi de 58,7% para o noturno e de 41,3% para o diurno nas duas estações juntas. Não houve diferença significativa na infestação entre as estações separadamente (H = 0,05; P = 0,99). Porém, pela análise do índice de infestação por espécie de formiga entre períodos e entre estações, utilizando a ordem de classificação das espécies (correlação de Spearman), foi detectada diferença significativa (rs = 0,86; P = 0,006) entre as infestações dos períodos noturno (33,3%) e diurno (28,3%) na estação seca. Isso ocorreu porque, nesta estação, a ordem de classificação das espécies de formigas, de acordo com seu índice de infestação, foi alterada entre os períodos, ou seja, as espécies com maior abundância no período noturno foram T.melanocephalum e S.globularia, enquanto que no período diurno foram P. longipalpis e S. saevissima (Fig 1).


Em relação às alas hospitalares, a maior infestação, considerando as duas estações juntas, ocorreu na Enfermaria Ginecológica (J), Lactário (K), Rampa de Acesso à Enfermaria da Pediatria (E) e Centro Cirúrgico (B), enquanto UTI (N) e Berçário (O) apresentaram a menor infestação (Fig 2). Nas alas Enfermaria Ginecológica e Lactário, a infestação na estação seca correspondeu à quase totalidade da infestação total observada. Na ala Rampa de Acesso à Enfermaria da Pediatria (E) e no Centro Cirúrgico (B), a infestação na estação chuvosa foi sempre maior do que na estação seca (Fig 2).


Na estação chuvosa, as alas Centro Cirúrgico (B), Rampa de Acesso à Enfermaria de Pediatria (E) e Rampa de Acesso à Enfermaria de Obstetrícia (D) foram as mais infestadas, com cerca de 56%, 44% e 39% de infestação, respectivamente (Fig 2), sendo T.melanocephalum e P.longicornis as mais comuns a todas as alas (Fig 3). Para a estação seca, as alas mais infestadas foram Lactário (K), Enfermaria da Ginecologia (J) e Enfermaria da Pediatria (L), com índices de 68%, 55% e 47%, respectivamente (Fig 2), sendo T.melanocephalum, P.longicornis e S.saevissima as mais comuns (Fig 3). As alas com as mais baixas infestações na estação chuvosa foram Laboratório de Análise Clínica (H), Berçário (O) e Lactário (K), enquanto na estação seca foram as alas Pré-parto (C), Centro Cirúrgico (B) e Pronto Socorro (A) (Fig 2).


Entre as 15 alas, aquela com maior número de espécies na estação chuvosa foi o Pré-parto (C), com sete espécies (Fig 3), e na estação seca foi a Rampa de Acesso à Enfermaria de Obstetrícia (D), com seis espécies (Fig 3). Em ambas as estações, ocorreram pelo menos duas espécies em todas as alas.

Entre as alas consideradas de acesso restrito, com maior risco de contaminação aos pacientes, Laboratório (H) e Centro Cirúrgico (C) tiveram índice médio de infestação, ou seja, 42% e 47%, respectivamente, enquanto que a UTI (N) e Berçário (O) tiveram índice mais baixo, em torno de 4% e 27%, respectivamente. A infestação na estação chuvosa foi maior do que na seca para as alas C e O, enquanto que as alas H e N tiveram infestação muito maior na estação seca do que na chuvosa (Fig 2). Paratrechina longicornis foi a espécie com maior infestação nas alas de acesso restrito, com exceção do Berçário.

Discussão

O número de espécies de formigas (12) encontrado no HRDR pode ser considerado médio, quando comparado a alguns estudos semelhantes realizados em outras regiões do Brasil. Esse número tem variado de quatro, em hospital de Campos dos Goytacazes, RJ, a 23 espécies em hospitais do estado de São Paulo (Bueno & Fowler 1994, Delabie et al 1995, Bueno & Campos-Farinha 1999a, Moreira et al 2005, Lise et al 2006, Pesquero et al 2008).. É importante destacar que a riqueza de espécies em hospitais brasileiros é relativamente alta quando comparada à de hospitais em países de clima temperado, como Estados Unidos e países da Europa, e no Chile (Beatson 1972, Edwards & Baker 1981, Eichler 1990).

As principais espécies de formigas exóticas encontradas em hospitais brasileiros são T.melanocephalum, P.longicornis, Monomorium floricola (Jerdon), Monomorium pharaonis (L.), Pheidole megacephala (Fabricius), além das espécies nativas Wasmannia auropunctata (Roger), Linepithema humile (Mayr), Camponotus spp. e Solenopsis spp. (Bueno & Fowler 1994). Destas, somente T. melanocephalum, P.longicornis e S.saevissima foram encontradas neste estudo, mas em grande abundância. As duas primeiras espécies também foram as mais frequentes em estudos realizados em hospitais da Região Sudeste (Fowler et al 1993, Bueno & Fowler 1994, Bueno & Campos-Farinha 1999a, Moreira et al 2005).

O registro de Brachymyrmex sp. em hospital de Palmas amplia sua área de distribuição à Região Norte do Brasil. Estudos anteriores limitavam a distribuição desse gênero a hospitais do Sul (Lise et al 2006, Bicho et al 2007), Sudeste (Bueno & Campos-Farinha 1999a) e Centro-Oeste (Pesquero et al 2008).

Estudos realizados em hospitais do Sudeste revelaram pequena participação de espécies do gênero Solenopsis, em torno de 5% dos indivíduos coletados (Bueno & Campos-Farinha 1999a, Moreira et al. 2005). Porém, espécies desse gênero representaram mais de 15% dos indivíduos coletados neste estudo. A presença de espécies desse gênero em hospitais é relevante pois elas possuem venenos que contêm fatores e toxinas, como histaminas, enzimas e alcalóides, que frequentemente podem causar reações alergênicas ou imunogênicas (Haddad et al 1996).

Paratrechina longicornis, que esteve presente na maioria das alas, possui ninhos pouco estruturados e ao menor sinal de perturbação pode ter suas colônias fragmentadas e migrar para outros locais (Bueno & Campos-Farinha 1998). O hospital HRDR estava sendo ampliado na época deste estudo, e a intensa movimentação de pessoas e de materiais e as vibrações da reforma podem ser a causa da distribuição de P.longicornis pelas alas, pois foi observado o transporte de ovos e formas imaturas entre alas pelas operárias. Segundo Soares et al (2006), P.longicornis foi a mais frequente (60%) em construções mal conservadas ou precárias na cidade de Uberlândia, MG, o que é justificado devido à presença de fendas nessas construções, as quais proporcionam ambiente aquecido e adequado para o desenvolvimento de ovos, larvas e pupas (Bueno & Campos-Farinha 1998).

A presença de formigas no interior de hospitais não necessariamente indica a falta de higiene, pois algumas espécies apresentam atratividade por material esterilizado (Bueno & Campos-Farinha 1999a). A espécie de Tetramorium presente no HRDR somente ocorreu na ala Centro Cirúrgico (B), um local com a maior frequência de limpeza e de uso obrigatório de paramentos como roupa, gorro, máscara e propés, com limitações de trânsito de pessoas, roupas e pacotes estranhos.

O índice de infestação predial de 40,3% encontrado no HRDR pode ser considerado médio, quando comparado àqueles de estudos semelhantes realizados no Sudeste. Em hospitais de Botucatu, SP, o índice de infestação variou de 16% (10 espécies) em 1989 a 73% (três espécies) em 1994 (Bueno & Campos-Farinha 1999a). Em Sorocaba, SP, o índice de infestação foi de 35,5% (dez espécies) (Zarzuela et al 2002). Porém, no Sul, em dois hospitais de Chapecó, SC, a infestação alcançou 71,5% e 57%, com sete espécies de formigas (Lise et al 2006).

Estudos bacteriológicos com a mirmecofauna hospitalar indicam a capacidade de algumas espécies atuarem como vetores mecânicos de patógenos, o que é potencializado por características das formigas que facilitam sua infestação e dispersão em hospitais, como o pequeno tamanho, grande mobilidade e a alta capacidade reprodutiva (Moreira et al 2005, Pesquero et al 2008). Esse é o caso das duas espécies com maior índice de infestação encontrado neste estudo, ou seja, T.melanocephalum e P.longicornis, que são pequenas e muitas vezes passam despercebidas pelos membros de equipes de saúde e higienização. Além disso, a presença abundante de pilosidade na superfície externa do corpo de P.longicornis pode facilitar o transporte de microrganismos (Peçanha 2000), o que é especialmente importante nas alas de acesso restrito do HRDR, onde a espécie teve geralmente a maior infestação em relação às demais.

Os resultados indicaram que as espécies de formigas encontradas no hospital HRDR de Palmas também são comuns ao ambiente hospitalar de outras regiões. Houve tendência de aumento da infestação por formigas no período noturno na estação seca, principalmente pelo maior índice de infestação por T.melanocephalum e Solenopsis globularia (Creighton). As alas hospitalares com maior infestação foram a enfermaria da ginecologia, o lactário, o preparto e a rampa de acesso à enfermaria da pediatria, sendo T.melanocephalum, P.longicornis e S.saevissima as mais abundantes. Considerando o potencial dessas espécies como carreadoras de patógenos em hospitais brasileiros (Fowler et al 1993, Moreira et al 2005, Rodovalho et al 2007), é necessário entender melhor por que algumas alas hospitalares são mais atrativas que outras e adotar medidas de controle para diminuir o índice de infestação como forma de evitar possível contaminação dos recém-nascidos e puérperas.

Agradecimentos

À Direção do Hospital de Referência Dona Regina (HRDR), que gentilmente forneceu autorização e suporte logístico para a coleta de formigas. Ao grupo de pesquisadores do Centro de Estudos de Insetos Sociais (CEIS), Instituto de Biociência da Universidade Estadual Paulista (UNESP) em Rio Claro (SP), pela gentileza de auxiliar na identificação das formigas.

Received 15/XI/08

Accepted 26/VIII/09

Edited by Eunice A B Galati - FSP/USP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2010
  • Data do Fascículo
    Fev 2010

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2008
  • Aceito
    26 Ago 2009
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