Acessibilidade / Reportar erro

Fenologia de Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae) em Eichhornia azurea (Pontederiaceae) no norte do Pantanal de Mato Grosso

Phenology of Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae) in Eichhornia azurea (Pontederiaceae) in the northern region of Pantanal of Mato Grosso, Brazil

Resumo

Cornops aquaticum (Bruner) has Eichhornia crassipes, E. azurea, Pontederia cordata and P. lanceolata (Pontederiaceae) as the known host plants. This grasshopper species is cited as a possible agent of biological control for native aquatic macrophytes E. azurea and E. crassipes. This study, carried out from March, 2006 to February, 2007, aimed to evaluate the phenology and age structure of the population of C. aquaticum associated with E. azurea in Piuval bay, Pantanal of Poconé, MT, and to identify possible relationships of its life cycle to abiotic factors such as insolation, temperature and precipitation. Monthly collections of 50 individuals were carried out according to the protocol defined by the "Host - Insect Coevolution on Waterhyacinth" project. Adults and nymphs were separated and the females dissected in order to evaluate ovary maturation. The population presented adults and nymphs during the whole year, suggesting the occurrence of more than one reproductive period. The nymphs from the first stage predominated in August 2006 and the adults in September and October 2006, synchronized with the dry period and beginning of the flooding period, respectively. The highest relative abundance of the females with mature ovaries occurred in July 2006 (50%), indicating that this may be a more propitious period for reproduction. The data suggest that C. aquaticum is a species in continual reproduction in Piuval bay and its cycle is associated with the environmental conditions guided by the flood pulse in the Pantanal of Mato Grosso.

Abiotic factor; age structure; aquatic macrophyte; grasshopper


Abiotic factor; age structure; aquatic macrophyte; grasshopper

ECOLOGY, BEHAVIOR AND BIONOMICS

Fenologia de Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae) em Eichhornia azurea (Pontederiaceae) no norte do Pantanal de Mato Grosso

Phenology of Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae) in Eichhornia azurea (Pontederiaceae) in the northern region of Pantanal of Mato Grosso, Brazil

Fatima R J da SilvaI; Marinêz I MarquesI; Leandro D BattirolaII; Marcos G LhanoIII

IPPG em Ecologia e Conservação da Biodiversidade, Univ Federal de Mato Grosso, Av Fernando Corrêa da Costa s/n, Coxipó, 78060-900 Cuiabá, MT, Brasil; fateca@gmail.com.br; marinez@ufmt.br

IIInstituto de Ciências Naturais, Humanas e Sociais, Univ Federal de Mato Grosso, Campus Universitário de Sinop, 75550-000 Sinop, MT, Brasil; ldbattirola@uol.com.br

IIICentro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas, Univ Federal do Recôncavo da Bahia, 44380-000 Cruz das Almas, BA, Brasil; marcos@ufrb.edu.br

ABSTRACT

Cornops aquaticum (Bruner) has Eichhornia crassipes, E. azurea, Pontederia cordata and P. lanceolata (Pontederiaceae) as the known host plants. This grasshopper species is cited as a possible agent of biological control for native aquatic macrophytes E. azurea and E. crassipes. This study, carried out from March, 2006 to February, 2007, aimed to evaluate the phenology and age structure of the population of C. aquaticum associated with E. azurea in Piuval bay, Pantanal of Poconé, MT, and to identify possible relationships of its life cycle to abiotic factors such as insolation, temperature and precipitation. Monthly collections of 50 individuals were carried out according to the protocol defined by the "Host - Insect Coevolution on Waterhyacinth" project. Adults and nymphs were separated and the females dissected in order to evaluate ovary maturation. The population presented adults and nymphs during the whole year, suggesting the occurrence of more than one reproductive period. The nymphs from the first stage predominated in August 2006 and the adults in September and October 2006, synchronized with the dry period and beginning of the flooding period, respectively. The highest relative abundance of the females with mature ovaries occurred in July 2006 (50%), indicating that this may be a more propitious period for reproduction. The data suggest that C. aquaticum is a species in continual reproduction in Piuval bay and its cycle is associated with the environmental conditions guided by the flood pulse in the Pantanal of Mato Grosso.

Key words: Abiotic factor, age structure, aquatic macrophyte, grasshopper

Os ortópteros, herbívoros em sua maioria, são componentes essenciais da fauna em muitos ecossistemas, o que torna o estudo de suas populações fundamental, tanto pelos prejuízos que podem causar nos sistemas agrícolas, quanto pelo seu uso como controladores de pragas e de plantas daninhas. Fatores bióticos e/ou abióticos são forças seletivas que influenciam a evolução de características, morfológicas e comportamentais para que os insetos se adaptem às mudanças ambientais (Karpakakunjaram et al 2002). Assim, condições climáticas como temperatura, precipitação e insolação podem atuar na dinâmica das populações, modificando a intensidade, duração e periodicidade de sua reprodução e ciclo de vida.

Cornops aquaticum (Bruner) é um gafanhoto semi-aquático originário da bacia Amazônica, que tem como plantas hospedeiras Eichhornia crassipess, E. azurea, Pontederia cordata e P. lanceolata (Pontederiaceae) (Zolessi 1956, Guido & Perkins 1975, Adis & Victoria 2001, Ferreira & Vasconcelos-Neto 2001, Lhano et al 2005, Adis et al 2007). Segundo Oberholzer & Hill (2001), esse gafanhoto é considerado um possível agente de controle biológico para as macrófitas aquáticas do gênero Eichhornia, plantas nativas na América do Sul, mais especificamente da bacia Amazônica (Barrett & Forno 1982, Gopal 1987), que foram introduzidas em muitas áreas tropicais e subtropicais do mundo, tendo se tornado prejudiciais, principalmente, em consequência da ação humana.

Cornops aquaticum encontra-se distribuída desde o México até a Argentina e o Uruguai, locais cujos fatores climáticos variam consideravelmente entre si (Adis et al 2007), indicando alto grau de tolerância, tanto morfológica, quanto comportamental, para lidar com circunstâncias climáticas diferentes. Estudos têm sido realizados com a finalidade de conhecer as estratégias utilizadas para sobrevivência nesses ambientes heterogêneos, integrando o projeto "Host-Insect Coevolution on Waterhyacinth", que avalia a possível coevolução de C. aquaticum com suas plantas hospedeiras (Adis et al 2008).

Dados da história de vida de C. aquaticum, em sua possível região de origem, a bacia Amazônica, sugerem uma adaptação ao pulso de inundação, com cinco ínstares juvenis no período de enchente e seis na vazante (Adis et al 2004, 2008). Em Pretória (África do Sul), as ninfas apresentam seis ou sete ínstares em ambos os sexos; no Uruguai as ninfas em E. azurea aparentemente têm seis ínstares; em Curitiba (Brasil) seis ínstares em fêmeas e cinco em machos (Adis & Junk 2003, Adis et al 2004, Brede et al 2007). Na América do Sul, variações no voltinismo também foram registradas em condições controladas, sendo as populações bivoltinas encontradas no norte e univoltinas no sul (Brede et al 2007). Não são conhecidos os fatores responsáveis pela definição do número de ínstares (Adis et al 2004), que pode estar associado aos efeitos do clima local sobre o fenótipo, ou possivelmente, um traço adaptativo, envolvendo um balanço de custo-benefício (Brede et al 2007).

O Pantanal é uma planície inundável onde o pulso de inundação é relativamente previsível e corresponde a um ciclo hidrológico anual, distinguindo-se duas fases: seca (terrestre) e cheia (aquática) (Junk et al 2006), que se distribuem ao longo do ano em quatro períodos; enchente (fase terrestre com chuvas), cheia (fase aquática, inundação), vazante (fase aquática, com baixa das águas) e seca (fase terrestre, sem chuva) (Battirola 2007). A história de vida da população de C. aquaticum que habita essa região geográfica está ligada ao regime hidrológico, refletindo-o na sua estrutura populacional, o que torna o conhecimento de sua fenologia fundamental para o entendimento de sua ecologia, e de uma possível coevolução com suas plantas hospedeiras (Adis et al 2004).

Além do aspecto que envolve C. aquaticum como agente de controle biológico de Eichhornia spp., estudos ecológicos relacionados às macrófitas aquáticas, principalmente em locais onde o pulso de inundação influencia a dinâmica dos organismos como o Pantanal (Junk et al 1989), tornam-se essenciais, pois essas plantas são fundamentais para a cadeia trófica de ecossistemas aquáticos (Pott & Pott 2000). Essas macrófitas participam do processo de decomposição, atuando no ciclo de nutrientes, alterando as propriedades químicas e físicas dos corpos d'água e, consequentemente, as comunidades de plantas, vertebrados e invertebrados associados (Bini 1996, Moretti et al 2003, Padial & Tomaz 2006). Por outro lado, insetos herbívoros também contribuem com o ciclo de nutrientes através da deposição de excrementos e da utilização de elementos químicos liberados (Belovsky & Slade 2000).

Considerando a necessidade de aprofundar os conhecimentos da ecologia de C. aquaticum sobre suas plantas hospedeiras, este estudo teve por objetivo fornecer informações relevantes sobre a fenologia e a estrutura etária de uma população de C. aquaticum associada a Eichhornia azurea, na baía Piuval, Pantanal de Poconé, Mato Grosso, visando caracterizar essa população com relação à reprodução e distribuição, como também contribuir para utilização da espécie em programas de controle biológico.

Material e Métodos

Área de estudo. As coletas foram realizadas na baía Piuval, localizada na fazenda Ipiranga, no km 10 da Rodovia Transpantaneira, Pantanal de Poconé, MT, no período de março/2006 a fevereiro/2007. Essa baía é um alargamento do rio Bento Gomes no norte do Pantanal, próximo ao município de Poconé, onde a inundação ocorre normalmente durante o período chuvoso, com níveis de água na vazante, inundando permanentemente baías e lagos até meados de julho (Fortney et al 2004).

A vegetação aquática predominante na baía, em todo o período de coleta foi E. azurea, com associação de outras macrófitas que se alternavam ao longo do ano. Durante a cheia e vazante, plantas da família Nymphaeaceae encontravam-se distribuídas por toda extensão central da baía. Outras plantas, presentes em todo período de coleta, foram Salvinia spp. (Salviniaceae), E. crassipes, Pontederia subovata, P. parviflora (Pontederiaceae), Ludwigia spp. (Onagraceae), Cyperus giganteus (Cyperaceae) e Pistia stratiotes (Araceae).

Durante o período de coleta a temperatura máxima registrada foi de 28,4°C em novembro/2006 e a mínima de 19,5°C em julho/2006, sem registro de grandes variações. O mês com maior precipitação foi fevereiro/2007, 315,7mm, e o de maior insolação foi junho/2006 com 251,3 h/s. Dados da temperatura, insolação e precipitação do período foram obtidos no Instituto Nacional de Meteorologia de Várzea Grande, MT. Não foi possível a obtenção de dados exatos de insolação referente ao mês de julho/2006 por problemas técnicos no heliógrafo da estação meteorológica, considerando-se apenas os dias em que foram aferidos.

Protocolo. O método utilizado nesse estudo foi definido pelo projeto "Host-Insect Coevolution on Waterhyacinth", no qual esta pesquisa se insere. Foram coletados mensalmente 50 gafanhotos, utilizando-se rede entomológica de 70 cm de diâmetro e fundo de 1 m de filó, com o barco em movimento. Os animais coletados foram colocados em sacos de plástico com folhas de E. azurea e transportados vivos, em caixa de isopor, para o Laboratório de Ecologia e Taxonomia de Artrópodes (LETA) do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Mato Grosso, para posterior armazenamento em freezer e separação dos mesmos em machos, fêmeas e ninfas. Como proposto no protocolo do HICWA, as ninfas foram categorizadas em ninfas "A" com até 12,0 mm de comprimento (indivíduos nos primeiros estádios de desenvolvimento) e "B" a partir de 12,5 mm (indivíduos nos últimos estádios de desenvolvimento), utilizando-se arredondamento matemático no intervalo de 12,0 a 12,5 mm.

Registrou-se o tempo gasto na coleta de 50 indivíduos como um parâmetro para calcular a quantidade de indivíduos coletados por minuto, ou seja, a abundância relativa. Para a determinação do estádio ninfal utilizou-se a medida do fêmur posterior, conforme sugerido por Franceschini et al (2005), e para a identificação do sexo das ninfas, as pranchas ilustrativas das genitálias de machos e fêmeas confeccionadas por Lhano (2002).

As fêmeas adultas foram dissecadas com corte efetuado na face dorsal (Youdeowei 1974), para análise de seu ovário utilizando-se placa de Petri e microscópio estereoscópico binocular, para determinar o grau de maturação, de acordo com o protocolo do projeto "Host-Insect Coevolution on Waterhyacinth": I imaturos: ovaríolos brancos, pequenos, com aparência de fios e sem conteúdo; II em maturação: presença de ovos nos ovaríolos, porém, pequenos e sem coloração amarela, e III maduros: presença de ovos grandes e amarelos nos ovaríolos.

Os resultados obtidos foram analisados tendo como base a análise de variância (ANOVA) (α = 0,05), considerando como dados fixos os períodos sazonais e a frequência de indivíduos em cada categoria (adultos/ninfas) avaliada. A correlação de Pearson foi utilizada para determinar a relação entre a maturação dos ovários e a incidência de valvas abertas.

Resultados e Discussão

Os 600 indivíduos coletados correspondem a 261 adultos e 339 ninfas, sendo 60% dos adultos indivíduos machos e 40% fêmeas. Dentre as ninfas, 51% estão classificadas na categoria A (até 12 mm de comprimento), e 49% na categoria B (acima de 12,5 mm de comprimento). Dentre as ninfas A, 102 eram fêmeas (59,3%), 70 representaram indivíduos machos (40,7%), e dentre as ninfas B, coletaram-se 73 indivíduos machos (43,7%), e 94 fêmeas (56,3%).

Adultos e ninfas ocorreram em todo o período amostral, e os maiores percentuais de adultos em relação às ninfas foram registrados nos meses de setembro/2006 (78%) e outubro/2006 (74%), que correspondem ao final da seca e início da enchente, respectivamente. Os menores percentuais de adultos ocorreram nos meses de março/2006 (26%), abril/2006 (24%) e maio/2006 (24%), final da cheia e início da vazante, respectivamente (Fig 1). As quantidades máximas de adultos foram registradas nos meses de setembro e outubro/2006, época de transição da seca para o período de enchente, quando se observa um aumento gradual no índice de precipitação mensal (Fig 2a).




Diferença significativa foi encontrada na proporção de machos e fêmeas ao longo do período amostral (f (2; 22) = 5,34; P = 0,03), com maior número de indivíduos machos em todo ano (1,5:1) (Tabela 1). Esse resultado difere das populações estudadas por Lhano (2002) no Pantanal de Poconé, e por Franceschini et al (2007) no Lago Pampín, na Argentina, que obtiveram relação 1:1.

Vários fatores podem ter contribuído para esse resultado como, por exemplo, a capacidade de sobrevivência de cada sexo, pois, em ninfas A e B, a proporção de machos foi inferior à de fêmeas, indicando, provavelmente, que a taxa de mortalidade das ninfas fêmeas seja maior, resultando em mais indivíduos machos na fase adulta. Por outro lado, do ponto de vista da ecologia comportamental, ao discutir o sucesso reprodutivo em populações em que a razão sexual é diferente de 1:1, Krebs & Davies (1966) concluíram que o sexo em menor proporção sempre tem vantagens, e a geração que concentra a produção da prole nesse sexo é favorecida pela seleção. Assim, pode-se inferir que o comportamento seletivo também pode influenciar no resultado obtido por este estudo.

O maior percentual dos primeiros estádios das ninfas A ocorreu em agosto/2006 com 86% do total coletado, correspondente ao período de seca no Pantanal. As ninfas B, que correspondem às de estádio de desenvolvimento mais avançados (III, IV, V e VI), ocorreram em maior proporção em dezembro/2006 (74%), sincronizado ao final da enchente. Em todo o período amostral foram coletadas ninfas de todos os estádios de desenvolvimento. Durante o mês de maior proporção de ninfas A predominaram ninfas do estádio II, e dentre as ninfas B, a maior representatividade ocorreu para o estádio IV (Tabela 2).

A abundância relativa de indivíduos durante o período de coleta, calculada pelo número de indivíduos coletados por minuto, apresentou a maior frequência de ninfas (12,6 ind./min) e adultos (6,3 ind./min) no mês de agosto/2006, durante o período de seca, quando o nível de água é baixo e ocorre acúmulo de detritos na baía (Bini 1996), favorecendo a proliferação das plantas enraizadas como E. azurea, e consequentemente, dos organismos a ela associados. As ninfas mais encontradas durante este mês foram da categoria A, especificamente do estádio II (Fig 3).


A maturação dos ovários pode indicar o início e a duração do período reprodutivo da população. Nas fêmeas, desta população, os ovários maduros (tipo III) ocorreram em maior proporção em julho/2006 (50%), indicando um possível período reprodutivo, já que a fase da seca é uma época em que, no local de coleta, existe uma maior abundância de E. azurea, garantindo, assim, a sobrevivência da prole. O maior índice para ovários imaturos (I) e em maturação (II) foi registrado durante o período de cheia, observando-se sincronia entre o percentual de ovários imaturos nos meses de março, abril e maio/2006, ovários em maturação em junho/2006, e ovários maduros em julho/2006, com a abundância de ninfas A no mês de agosto/2006 (Figs 3 e 4).


A quantidade de fêmeas com ovários maduros esteve correlacionada positivamente com as fêmeas com ovipositores de valvas abertas (r = 0, 582, P = 0, 0007, n = 23), porém, durante o período de coleta, havia fêmeas com ovários imaturos e valvas abertas (Fig 4).

A presença de ninfas A durante todo o período, aliada à situação de maturação dos ovários, permite inferir que a população de C. aquaticum possui reprodução contínua. Estudos desenvolvidos em locais também sujeitos ao pulso de inundação, e com a mesma planta hospedeira, E. azurea, registraram diferentes períodos de reprodução (Lhano 2002, Franceschini et al 2007), enquanto populações de C. aquaticum em Curitiba, PR e Manaus, AM demonstraram ser bivoltinas (Adis & Junk 2003, Adis et al 2004). Brede et al (2007), descreveram um padrão de variação para o voltinismo desta espécie na América do Sul, com populações bivoltinas no norte e univoltinas no sul. Assim, os resultados aqui encontrados não corroboram com essa descrição. A presença de ninfas A, do estádio I, em todo período de coleta, indica a ocorrência de várias gerações ao longo do ano. Vários fatores como a genética e estrutura dessas populações podem influenciar a divergência obtida entre os resultados. Entretanto, acredita-se que a complexidade ecológica do Pantanal de Mato Grosso, associada à ocorrência da planta hospedeira durante todos os períodos sazonais, decorrente de variações nas condições abióticas diferenciadas das demais áreas estudadas, determina maior plasticidade fenotípica no ciclo reprodutivo desse inseto (Adis et al 2004).

Squitier & Capinera (2002) estudaram a fenologia de gafanhotos na Flórida, sendo observadas duas espécies de Leptysminae também associadas à vegetação semi-aquática, Leptysma marginicollis (Serville), cuja fenologia não foi descrita. Essa espécie sobreviveu ao inverno como adulto e Stenacris vitreipennis (Marschall) apresentou ninfas durante o verão, sendo, provavelmente, univoltina.

A baía Piuval, local de coleta deste estudo, sofre alterações anuais no nível d´água devido ao alagamento do rio Bento Gomes, de seus pequenos afluentes e das chuvas locais. Durante a fase aquática essa baía apresenta escoamento lento, não chegando a secar, mesmo na fase de seca máxima. Durante o período de coleta a variável climática que teve maior oscilação foi a precipitação, com registro máximo de 315,7 mm em fevereiro/2006 (cheia) e mínimo de 4,1 mm em junho/2006, final da vazante. No norte do Pantanal de Mato Grosso a inundação ocorre entre janeiro e abril, concomitantemente à estação chuvosa (Rebelatto & Cunha 2005), tornando a precipitação um indicador do pulso de inundação no local. A insolação máxima ocorreu em junho/2006, a temperatura média manteve-se estável durante o período, com mínima de 19,5°C em julho/2006 e máxima em novembro de 28,4°C. A população de C. aquaticum apresentou variação na distribuição de adultos e ninfas, e no período referente ao final da seca, aumentou o número de adultos. Não se evidenciou uma relação da insolação e temperatura com a estrutura populacional (Fig 2b, c).

Variações observadas na estrutura da população indicam a influência do pulso de inundação e da sazonalidade hídrica sobre a dinâmica populacional de C. aquaticum na baía Piuval, resultando em maior número de indivíduos adultos no final da fase seca e início da fase aquática. Entretanto, não se evidenciou uma relação entre fatores como a insolação e temperatura com a estrutura populacional do gafanhoto. Além disso, a presença de ninfas de estádio I em todo o período de coleta, a frequência de fêmeas com ovários maduros, e a ocorrência de ovipositores com valvas abertas, sugerem que a população possui reprodução contínua.

Agradecimentos

Os autores dedicam este estudo ao Prof Dr Joachim Adis (in memorian) pelo incentivo e grande dedicação aos estudos com C. aquaticum e pela constante atenção dispensada ao nosso grupo de pesquisas. Agradecemos também ao Sr João Louzano (fazenda Ipiranga), ao técnico Francisco A. G. Rondon, aos colegas do Lab de Ecologia e Taxonomia de Artrópodes do Instituto de Biociências, Univ Federal de Mato Grosso UFMT, e ao Instituto Max-Planck para Limnologia, Plön, Alemanha, pelo apoio logístico concedido para a realização deste estudo.

Received 14/XI/08.

Accepted 13/III/10.

Edited by Carlos Sperber UFV

  • Adis J, Bustorf E, Lhano M G, Amedegnato C, Nunes A L (2007) Distribution of Cornops grasshoppers (Leptysminae: Acrididae: Orthoptera) in Latin America and the Caribbean Islands. Stud Neotrop Fauna Environ 42: 11-24.
  • Adis J, Junk W J (2003) Feeding impact and bionomics of grasshopper Cornops aquaticum on the water hyacinth Eichhornia crassipes in the Central Amazonian foodplains. Stud Neotrop Fauna Environ 38: 245-249.
  • Adis J, Lhano M G, Hill M, Junk W J, Marques M I, Oberholzer H. (2004) What determines the number of juvenile instars in the tropical grasshopper Cornops aquaticum (Leptysminae: Acrididae: Orthoptera)? Stud Neotrop Fauna Environ 39: 127-132.
  • Adis J, Sperber C F, Brede E G, Capello S, Franceschini M C, Hill M, Lhano M G, Marques M I, Nunes A L, Polar P (2008). Morphometric differences in the grasshopper Cornops aquaticum (Bruner, 1906) from South America and South Africa. J Orthoptera Res 17: 141-147.
  • Adis J, Victoria R L (2001) C3 or C4 macrophytes: a specific carbon source for the development of semi-aquatic and terrestrial arthropods in Central Amazonian river-floodplains to ó13 values. Isot Environ Health Stud 37: 193-198.
  • Barret S C H, Forno I W (1982) Style morph distribution in new world populations of Eichhornia crassipes (Mart.) Solms-Laubach (water hyacinth). Aquat Bot 13: 299-306.
  • Battirola L D (2007) Estratificação vertical e distribuição temporal da comunidade de artrópodes terrestres em uma floresta monodominante, sazonalmente inundável, na região norte do Pantanal de Mato Grosso, Brasil. Tese de doutorado, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 565p.
  • Belovsky G E, Slade J B (2000) Insect herbivory accelerates nutrient cycling and increases plant production. Proc Natl Acad Sci U S A 97: 14412-14417.
  • Bini L M (1996) Influência do pulso de inundação nos valores de fitomassa de três espécies de macrófitas aquáticas na planície de inundação do alto rio Paraná. Arq Biol Tecnol 39: 715-721.
  • Brede E G, Adis J, Schneider P (2007). What is responsible for the variance in life history traits of South American semi-aquatic grasshopper (Cornops aquaticum)? A test of three possible hypotheses. Stud Neotrop Fauna Environ 42: 225-233.
  • Ferreira A S, Vasconcelos-Neto J (2001) Host plants of the grasshopper Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae) in the wetland of Poconé, MT, Brazil. Neotrop Entomol 30: 523-533.
  • Fortney R H, Benedict M, Gottgens J F, Walters T L, Leady B S, Rentch J (2004) Aquatic plant community and distribution along an inundation gradient at two ecologically-distinct sites in the Pantanal region of Brazil. Wetl Ecol Manag 12: 575-585.
  • Franceschini M C, Adis J, Neiff A P, Wysiecki M L (2007) Fenologia de Cornops aquaticum (Orthoptera: Acrididae) em um camalotal de Eichhornia azurea (Pontederiaceae) en Argentina. Amazoniana XIX: 149-158.
  • Franceschini M C, Capello S, Lhano M G, Adis J, Wysiecki M L (2005). Morfometria de los estádios ninfales de Cornops aquaticum BRUNER (1906) (Acrididae: Leptysminae) en Argentina. Amazoniana XVIII: 373-386.
  • Gopal B (1987) Water hyacinth. New York, Elsevier Science Publishing Co., 471p.
  • Guido A S, Perkins B D (1975) Biology and host specifity Cornops aquaticum (Bruner) (Orthoptera: Acrididae), a potencial biological control agent for waterhyacinth. Environ Entomol 4: 400-404.
  • Junk W J, Bavley P B, Sparks R E (1989) The flood pulse concept in river-foodplain systems. Can J Fish Aquat Sci 106: 110-127.
  • Junk W J, Cunha C N, Wantzen K M, Petermann P, Strussmann C, Marques M I, Adis J (2006) Biodiversity and its conservation in the Pantanal of Mato Grosso, Brazil. Aquatic Sciences 68: 278309.
  • Karpakakunjaram M, Kolatkar M D, Muralirangan M C (2002) Effects of abiotic factors on the population of acridid grasshopper, Diabolocatantops pinguis (Orthoptera: Acrididae) at two sites in southern India: a three-year study. J Orthoptera Res 11: 55-62.
  • Krebs J R, Davies N B (1966) Introdução à ecologia comportamental. São Paulo, Atheneu Editora, 420p.
  • Lhano M G (2002) Aspectos biológicos e ecológicos de Cornops aquaticum (Bruner, 1906) (Orthoptera: Acrididae) em Eichhornia azurea (Swartz) Kunth (Pontederiaceae) no Pantanal de Poconé, Mato Grosso. Dissertação de mestrado, Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 123p.
  • Lhano M G, Adis J, Marques M I, Battirola L D (2005) Cornops aquaticum (Orthoptera, Acrididae, Leptysminae): aceitação de plantas alimentares por ninfas vivendo em Eichhornia azurea (Pontederiaceae) no Pantanal Norte, Brasil. Amazoniana XVIII: 397-404.
  • Moretti M S, Goulart M D C, Callisto M (2003) Avaliação rápida da macrofauna associada à Eichhornia azurea (Swartz) Kunth, 1843 e Pontederia lanceolata Nutt., 1818 (Pontederiaceae) na Baía do Coqueiro, Pantanal de Poconé (MT/Brasil) Rev Bras Zooc 5: 7-21.
  • Oberholzer I G, Hill M P (2001) How safe is the grasshopper Cornops aquaticum for release on water hyacinth in South Africa? In Julien M H, Hill M P, Center T D, Jianqing D, (ed) Biological and integrated control of water hyacinth, Eichhornia crassipes ACIAR Proc 102: 82-88.
  • Padial A A, Tomaz S M (2006) Effects of flooding regime upon the decomposition of Eichhornia azurea (Sw.) Kunth measured on a tropical, flow-regulated floodplain (Paraná River, Brazil). River Res and Appl 22: 791-801.
  • Pott V J, Pott A (2000) Plantas aquáticas do Pantanal. Brasília, Embrapa, 404p.
  • Rebelatto L, Cunha C N (2005) Efeito do "fluxo sazonal mínimo da inundação" sobre a composição e estrutura de um campo inundável no Pantanal de Poconé, MT, Brasil. Acta Bot Bras 19: 789-799.
  • Squitier J M, Capinera J L (2002) Observations on the phenology of common Florida grasshoppers (Orthoptera: Acrididae). Fla Entomol 85: 227-234.
  • Youdeowei A (1974) The dissection of the variegated grasshopper Zonocerus variegates (L.) Ibadan, Oxford University Press, 101p.
  • Zolessi L C (1956) Observaciones sobre Cornops aquaticum Br (Acridoidea, Cyrtacanthacr.) en el Uruguay. Rev Soc Uruguaya Ent 1: 3-28.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2008
  • Aceito
    13 Mar 2010
Sociedade Entomológica do Brasil Sociedade Entomológica do Brasil, R. Harry Prochet, 55, 86047-040 Londrina PR Brasil, Tel.: (55 43) 3342 3987 - Londrina - PR - Brazil
E-mail: editor@seb.org.br