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Efeito da qualidade da água no ciclo de vida e na atração para oviposição de Aedes aegypti (L.) (Diptera: Culicidae)

The effect of water quality in the life cycle and in the attraction for the egg oviposition of Aedes aegypti (L.) (Diptera: Culicidae)

Resumo

The present research aimed at evaluating the influence of the water quality in the life cycle and attraction of Aedes aegypti (L.) females to oviposit using different sources of water (raw sewage, effluent of UASB reactor, effluent of polishing lagoon, effluent of anaerobic filter, rain water and de-chlorinated water). The immature development time and survivorship were evaluated on a daily basis in two distinct feeding systems (with and without food). The quality of the water was shown to affect the egg and larval stages, but not the pupal or the adult. In the absence of food, no development was observed in rain water and de-chlorinated water. Immature development was faster in water sources from raw sewage, although with the lowest survivorship (37.3%). Free-choice tests indicated that females preferred to lay most of their eggs on water collected from the effluent of a UASB reactor, achieving the highest oviposition activity index (OAI) of 0.57. In non-choice tests, females laid larger batches of eggs in water collected from anaerobic filters (204.8 eggs), with the lowest number of eggs being laid on de-chlorinated water (37.3 eggs). It can be concluded that A. aegypti does not demonstrate any particular preference to lay eggs on clean water. This has serious implications for developing strategies to manage populations of this important vector in urban areas as it was shown to lay eggs and successfully develop on several different sources of water.

Vector; dengue; aquatic development; biology


Vector; dengue; aquatic development; biology

PUBLIC HEALTH

Efeito da qualidade da água no ciclo de vida e na atração para oviposição de Aedes aegypti (L.) (Diptera: Culicidae)

The effect of water quality in the life cycle and in the attraction for the egg oviposition of Aedes aegypti (L.) (Diptera: Culicidae)

Eduardo B BeserraI; Carlos R M FernandesI; José T de SousaII; Eraldo M de FreitasIII; Keliana D SantosI

IDepto de Biologia. Univ Estadual da Paraíba, Rua Juvêncio Arruda s/n, 58109-753 Campina Grande, PB, Brasil; ebarbosa@uepb.edu.br; carivebio@yahoo.com.br; kelianads@yahoo.com.br

IIDepto de Química. Univ Estadual da Paraíba, Rua Juvêncio Arruda s/n, 58109-753 Campina Grande, PB, Brasil; macta@uepb.edu.br

ABSTRACT

The present research aimed at evaluating the influence of the water quality in the life cycle and attraction of Aedes aegypti (L.) females to oviposit using different sources of water (raw sewage, effluent of UASB reactor, effluent of polishing lagoon, effluent of anaerobic filter, rain water and de-chlorinated water). The immature development time and survivorship were evaluated on a daily basis in two distinct feeding systems (with and without food). The quality of the water was shown to affect the egg and larval stages, but not the pupal or the adult. In the absence of food, no development was observed in rain water and de-chlorinated water. Immature development was faster in water sources from raw sewage, although with the lowest survivorship (37.3%). Free-choice tests indicated that females preferred to lay most of their eggs on water collected from the effluent of a UASB reactor, achieving the highest oviposition activity index (OAI) of 0.57. In non-choice tests, females laid larger batches of eggs in water collected from anaerobic filters (204.8 eggs), with the lowest number of eggs being laid on de-chlorinated water (37.3 eggs). It can be concluded that A. aegypti does not demonstrate any particular preference to lay eggs on clean water. This has serious implications for developing strategies to manage populations of this important vector in urban areas as it was shown to lay eggs and successfully develop on several different sources of water.

Key words: Vector, dengue, aquatic development, biology

Aedes aegypti (L.) é o mosquito mais importante nos registros epidemiológicos da febre amarela e dos quatro sorotipos do vírus da dengue (VDen - 1. VDen - 2, VDen - 3 e VDen - 4) (Silva et al 1998, Lozovei 2001, Forattini 2002). Está amplamente distribuído, desenvolvendo suas atividades nos mesmos ambientes e horários das populações humanas (Natal 2002), especialmente aquelas que habitam regiões com condições de infra-estrutura deficiente, o que favorece o desenvolvimento e o estabelecimento do vetor e, consequentemente, os sorotipos virais por ele veiculados.

A compreensão da bioecologia das populações de A. aegypti é imprescindível para a elaboração de estratégias de controle. Tais estudos, ao avaliarem os padrões de desenvolvimentos das diferentes fases do ciclo de vida dos insetos, contribuem para a compreensão de sua dinâmica populacional e auxiliam na determinação das estratégias de controle. No caso de A. aegypti, pode-se ainda fazer previsão dos riscos de ocorrência de epidemias de dengue com base no monitoramento de sua distribuição e abundância (Tilak et al 2005).

Fatores ambientais associados ao ciclo de vida do inseto podem indicar os ambientes adequados para oviposição e desenvolvimento. O desenvolvimento imaturo de A. aegypti pode ser influenciado pelo tipo e qualidade dos reservatórios de água, o que torna imprescindível a realização de estudos de atratividade para oviposição e de avaliação das características biológicas com o objetivo de se compreender os fatores relacionados com o reconhecimento das coleções de água apropriadas para o seu desenvolvimento e reprodução. Segundo Varejão et al (2005), esse vetor reproduz-se em reservatórios de águas limpas, embora possa se adaptar às novas situações impostas pelo homem, adaptando-se a criadouros. Tem sido demonstrado que a salinidade da água e a presença de coliformes fecais e bactérias são fatores que afetam a oviposição por esse inseto, diminuindo ou aumentando a mesma, respectivamente (Navarro et al 2003).

O controle da dengue constitui um grande desafio, pois A. aegypti está adaptada ao ambiente urbano, de forma que para se conhecer a sua biologia é preciso estudar a relação do inseto com o homem e com as variáveis do meio em que a espécies está inserida. Assim, este trabalho teve como objetivo avaliar a influência da qualidade da água no ciclo de vida e na atração para oviposição de A. aegypti

Material e Métodos

A pesquisa foi conduzida utilizando-se amostras de populações de A. aegypti coletadas no Bairro de Nova Brasília, município de Campina Grande, PB (07º13'32"S, 35º54'15"W). As coletas do mosquito e o estabelecimento de linhagens em laboratório ocorreram entre os meses de novembro de 2005 e julho de 2006. A linhagem do mosquito foi obtida a partir de ovos coletados em 50 ovitrampas instaladas no intra e peridomicílio de residências escolhidas aleatoriamente em dez quarteirões, onde foram instaladas cinco armadilhas por quarteirão.

Técnica de manutenção de Aedes aegypti em laboratório. A manutenção de A. aegypti e os bioensaios de laboratório foram conduzidos em sala climatizada (26 ± 2ºC e fotofase de 12h). As palhetas de eucatex contendo ovos de A. aegypti provenientes do campo foram colocadas para secar por 48h e, em seguida, acondicionadas em bandejas plásticas de cor branca (40 x 27 x 7,5 cm) com um terço de sua capacidade preenchida com água desclorada. Após a eclosão, ração para peixe ornamental (Alcon/Goldfish crescimento) foi oferecida na proporção de 100 mg/bandeja, sendo as mesmas cobertas por tela de malha fina. As pupas, após sexadas, foram mantidas em copos descartáveis de 250 ml em gaiolas de manutenção dos adultos (40 cm x 40 cm x 30 cm), e mantidas na densidade de 200 indivíduos (100 machos e 100 fêmeas).

Os adultos foram alimentados com solução de mel a 20%; às fêmeas foi permitido repasto sanguíneo em codornas, Coturnix japonica, durante 30 min, três vezes por semana. Após o repasto, um copo descartável de 250 ml com água desclorada, com um funil plástico revestido por um papel filtro para servir como substrato de oviposição, foi introduzido no interior de cada gaiola.

Obtenção de amostras de águas para os testes. Amostras de água foram coletadas na Estação Experimental de Tratamento Biológico de Esgotos (EXTRABES),Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (CAGEPA), situada no bairro do Tambor, em Campina Grande, PB. O material foi obtido em um sistema que compreende uma sequência de tratamento de esgoto constituído de: a) um tanque de equalização, que recebia esgoto bruto originário da rede coletora da zona urbana de Campina Grande; b) um reator UASB (Upflow Anaerobic Sludge Blanket) como unidade de tratamento anaeróbio, construído de fibra de vidro com capacidade de 5 m3; c) um filtro anaeróbio de chicanas, também de fibra de vidro e capacidade de 1 m3 (Silva et al 2005); e d) uma lagoa de polimento constituída de cinco raias de 10 m x 1 m x 65 cm em alvenaria. Além desses pontos de coleta, também foram utilizadas amostras de e) água de chuva armazenada em cisternas residenciais e, finalmente, como controle, f) água tratada e desclorada, em filtro desclorador de carvão ativado (grau de filtração de 5 µ), acoplado à torneira d'água.

Desenvolvimento de A. aegypti em seis condições de água. O desenvolvimento do mosquito nos seis tipos de água foi avaliado na presença e ausência de alimento. Cada tratamento contou com cinco repetições, sendo cada uma delas constituída de bandeja plástica de cor branca (40 cm x 27 cm x 7 cm ), cobertas com uma tela de malha fina, contendo 1 L de água e 200 larvas neonatas de A. aegypti. Para o bioensaio com alimento, foram oferecidos 100 mg de ração para peixe ornamental (Alcon/Goldfísh crescimento) por bandeja. Para a fase de ovo, foram avaliadas 10 posturas por tratamento, acondicionadas em placas de Petri (10 cm x 2 cm), sendo considerados inviáveis os ovos que não deram origem a larvas após 10 dias. Os adultos foram mantidos em gaiolas para acasalamento (20 cm3), contendo, cada uma, dez casais e repetidas cinco vezes. Foram avaliados, diariamente, o período de desenvolvimento, a viabilidade e duração das fases de ovo, larva e pupa, e a longevidade e a fecundidade dos adultos.

Caracterização físico-química das diferentes fontes de água. Durante os bioensaios foram separadas três amostras de água em diferentes condições, em três momentos: 1º) antes do início do bioensaio; 2º) no terceiro dia do período larval; e 3º) ao final do período larval, as quais foram enviadas para análise físico-química, pelo Grupo de Pesquisa do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico, PROSAB, na Estação de Tratamento Biológico de Esgotos (EXTRABES/CAGEPA). Analisaram-se as seis condições de água tendo como referencial os índices físicos e químicos, conforme método do Standard Methods for the Examination of Wastewater (Apha 1998) (Tabela 1). Também foram realizadas leituras diárias de temperatura mediante o uso de termômetro químico com aferição de 0ºC a 60ºC e de pH, por meio de PHmetro digital.

Atração para oviposição das diferenets fontes de água. A atratividade das diferentes amostras de água para oviposição do mosquito foi avaliada considerando-se duas situações: 1) múltipla escolha e 2) sem chance de escolha.

Teste de múltipla escolha. Neste teste foi avaliada a atração para oviposição, considerando-se o delineamento experimental em blocos ao acaso, com seis tratamentos e seis repetições, adotando-se como o controle a água desclorada. Cada repetição foi constituída por uma gaiola para acasalamento contendo as seis amostras de água e dez casais de A. aegypti. Aos casais foi ofertada uma solução de mel a 20% e permitido o repasto sanguíneo em codornas por um período de 15 min por três dias intercalados. Após o terceiro dia de repasto, foram distribuídos no interior das gaiolas as seis diferentes amostras de água contidas em copos descartáveis de 250 ml. Em cada copo foi colocado um funil plástico revestido por um papel filtro para servir como substrato de oviposição. Após o terceiro dia de repasto sanguíneo, realizaram-se avaliações diárias, durante um período de 72h, sendo, a cada 24h, retirados os papéis e contados o número de ovos com o auxílio de um microscópio estereoscópico.

Teste sem chance de escolha. Neste teste foi avaliada a atração para oviposição seguindo delineamento experimental inteiramente casualizado com seis tratamentos e seis repetições, constituídos de uma gaiola de madeira telada (20 cm3), contendo dez casais de A. aegypti e apenas um substrato para oviposição com uma condição de água. As avaliações foram diárias, seguindo-se os procedimentos do teste de múltipla escolha.

Análise estatística. Os dados biológicos referentes às fases de larva e pupa foram analisados em esquema fatorial 2 x 6, sendo dois regimes de alimentação e seis condições de água. Para as fases de ovo e adulta, seguiu-se o delineamento experimental inteiramente casualizado. Para avaliar a preferência para oviposição, o delineamento experimental foi em blocos ao acaso para o teste de múltipla escolha, enquanto inteiramente casualizado para o teste sem chance de escolha. Os resultados experimentais foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey (P> 0,05). Para se avaliar a atratividade das coleções de água para oviposição de A. aegypti foi determinado o índice de oviposição ativa (IOA), dado pela fórmula de Kramer & Mulla (1979):

Onde Nt = número de ovos na solução teste e Nc = número de ovos na solução controle. Segundo esses autores o IOA > +0,3 indica atratividade, enquanto que IOA < -0,3 indica que a solução teste é repelente para a oviposição.

Resultados

Caracterização físico-química das diferentes fontes de água. As temperaturas médias das diferentes fontes de água em que ocorreu o desenvolvimento das fases de larva e pupa de A. aegypti variaram de 25,7ºC a 26,1ºC, com pouca diferença entre os tratamentos, enquanto o pH apresentou variação de neutro a ligeiramente básico (Tabelas 2 a 4). A análise físico-química das diferentes fontes de água testadas (Tabelas 3 e 4) mostrou redução gradativa da disponibilidade de oxigênio dissolvido à medida em que ocorria o desenvolvimento larval, indicando maior consumo de oxigênio ocasionado pela digestão biológica da matéria orgânica, provavelmente exercida pelas larvas de A. aegypti e por microrganismos ali existentes. A Demanda Química de Oxigênio (DQO) sofreu acréscimo em todos os tratamentos, justificando a maior produção de biomassa em relação ao seu consumo; a turbidez foi mais elevada nos tratamentos que receberam ração, provavelmente como conseqüência da maior quantidade de substâncias dissolvidas no meio.

 

A condutividade elétrica apresentou-se mais elevada naqueles substratos com maior grau de poluição, demonstrando maior concentração de íons dissolvidos. O decréscimo dos valores de ortofosfato revela que houve maior consumo de nutrientes e presença de organismos alimentando-se e consumindo oxigênio do meio, principalmente em fontes de águas acrescidas de ração para as larvas (Tabelas 3 e 4).

Desenvolvimento do mosquito em seis diferentes fontes de agua. Foram observadas diferenças significativas quanto ao período de desenvolvimento embrionário e a viabilidade entre os seis meios estudados. A água desclorada mostrou-se mais favorável ao desenvolvimento embrionário de A. aegypti, proporcionando o menor tempo de desenvolvimento e a maior viabilidade (Tabela 5).

Houve interação significativa entre as fontes de água e o regime alimentar com relação à duração e sobrevivência larval (Tabela 5), mas não para a duração e sobrevivência de pupas. As larvas apresentaram menores períodos de desenvolvimento quando alimentadas com ração para peixe, levando de 6,3 a 9,7 dias para completar seu desenvolvimento, comparados aos 7,4 a 10,4 dias para as larvas mantidas sem alimentação. A sobrevivência larval também diminuiu significativamente em função do meio aquático e regime alimentar. Não houve desenvolvimento completo quando as larvas foram mantidas sem alimento em água de chuva e água desclorada. Esse regime alimentar também diminuiu significativamente a sobrevivência quando as larvas foram mantidas em água do efluente do reator UASB e em água do efluente do filtro anaeróbio, com valores de 48,3% e 44,2%, contra 83,5% e 63,0% quando na presença de alimento nessas mesmas fontes de água. Em esgoto bruto e efluente de lagoa de polimento, a sobrevivência larval foi menor quando ofertada ração para as larvas (Tabela 5).

Comparando-se o desenvolvimento larval entre as coleções de água, constatou-se um aumento no período de desenvolvimento com o aumento no grau de pureza da água, independentemente do fornecimento ou não de alimento, sendo observado em efluente de filtro anaeróbio, água de chuva e água desclorada maior tempo para o completo desenvolvimento. A sobrevivência larval foi menor no esgoto bruto quando adicionada ração à água, e maior quando as larvas foram mantidas em água da lagoa de polimento sem oferta de alimento. Contudo, apesar da baixa sobrevivência larval na ausência de alimento em água de esgoto bruto, efluente de reator UASB e filtro anaeróbio, foi possível o desenvolvimento larval completo, o que não ocorreu em água de chuva e água desclorada, onde houve 100% de mortalidade logo nos estágios iniciais de desenvolvimento (Tabela 5).

A fase de pupa não sofreu efeitos significativos com relação à duração e sobrevivência, independente do regime alimentar larval. A duração média foi de dois dias, enquanto a sobrevivência foi alta em todas as condições de tratamento, de 98,9% a 100 % para as pupas provenientes de larvas alimentadas com ração, e de 98,4% a 99,8% para aquelas originadas de larvas não alimentadas.

Foi observada diferença significativa com relação à longevidade dos machos cujas larvas se desenvolveram em água desclorada, quando comparados àqueles criados em água da lagoa de polimento. No entanto, não foram observadas diferenças quanto à longevidade e fecundidade das fêmeas de A. aegypti (Tabela 6).

Atração para oviposição nas diferentes fontes de água. Foram encontradas diferenças significativas com relação ao número médio de ovos colocados nos diferentes meios quando às fêmeas foi dada a chance de escolha entre os seis meios, entre água do efluente de reator UASB e água desclorada. O cálculo do índice de oviposição ativa (IAO) mostrou que com exceção de água de filtro anaeróbio (IAO = 0,09), as demais coleções de água foram atrativas para oviposição de A. aegypti, com destaque para a água coletada de reator UASB, onde o IAO foi de 0,57. Quando as fêmeas foram confinadas em gaiolas com apenas uma das amostras de água, detectou-se diferença significativa entre os tratamentos, com maior número de ovos em filtro anaeróbio em relação à água desclorada (Tabela 6).

Discussão

A análise do desenvolvimento de A. aegypti em coleções de água com diferentes graus de poluição mostrou que o vetor é capaz de se desenvolver em água com elevados níveis de poluição, como aconteceu em esgoto bruto, efluente de reator UASB, lagoa de polimento e filtro anaeróbio, confirmando a tolerância a poluentes relatada para espécies de mosquitos, principalmente para as sinantrópicas e antropogênicas (Consoli & Oliveira 1994).

O efeito conjunto da qualidade da água e da adição de alimento na fase larval de A. aegypti resultou no alongamento do período de desenvolvimento (Tabela 4), à medida que a qualidade da água, com ou sem alimento foi melhorando e diminuindo a sua turbidez (Tabelas 2 e 3). A turbidez é um parâmetro que, dentre outros, indica a pouca penetrabilidade da luz no corpo aquático. Como as larvas de A. aegypti são fotofóbicas, elas se desenvolveram mais rapidamente nas coleções de água que apresentaram maior turbidez. Segundo Consoli & Oliveira (1994), esse fato pode ter relevância no caso de vetores urbanos como o Culex quinquefasciatus Say e A. aegypti, que podem, desta forma, se desenvolver em água de esgoto com pouca ou nenhuma luz.

Outro fator que pode ter contribuído para a diminuição do período de desenvolvimento larval registrado para as larvas mantidas em água do esgoto bruto e efluente de reator UASB, com ou sem adição de alimento, foi a maior concentração de nutrientes, principalmente matéria orgânica como proteínas, carboidratos e lipídios, corroborando a afirmação de Kruguer et al (2002) de que a duração do ciclo de desenvolvimento, bem como a viabilidade dos imaturos, pode ser avaliada pela alimentação disponível no meio, o que pode ser confirmado pelos 100% de mortalidade ocorrida nas larvas mantidas em água de chuva e água desclorada sem alimento.

A baixa sobrevivência das larvas mantidas em esgoto bruto pode estar associada à menor tensão superficial e viscosidade da água. Segundo Esteves (1998), a tensão superficial da água decresce com o aumento da temperatura e quantidade de substâncias orgânicas e, quando reduzida a níveis muito baixos, pode prejudicar as comunidades que vivem na superfície da água. Por outro lado, a viscosidade, capacidade da água em oferecer resistência ao movimento dos organismos, aumenta com o teor de substâncias dissolvidas. Essa condição pode ter ocorrido nos bioensaios presentes, pois foram desenvolvidos em condições de temperatura elevada, aproximadamente 25ºC a 26ºC na água e 26ºC no ambiente, e os elevados níveis de matéria orgânica, condutividade elétrica e nitrogênio total do esgoto bruto (Tabelas 3 e 4) podem ter dificultado a manutenção das larvas junto à superfície da água, limitando as trocas gasosas das mesmas, ao mesmo tempo em que aumentava o gasto energético para obtenção de alimento, o que pode ter contribuído para a mortalidade larval.

Segundo Lopes et al (1993), fêmeas de A. aegypti são atraídas para recipientes onde a água não contém altos índices de poluição. Porém, os resultados presentes mostram que quanto maior o grau de poluição da água, maior a atratividade da mesma às fêmeas, como, por exemplo, a água do reator UASB, onde o IAO foi de 0,57. Mostram, ainda, que as fêmeas colocaram, em média, maior quantidade de ovos (415,0 ovos) em comparação com a água desclorada (113,2 ovos), em teste de múltipla escolha (Tabela 5). Assim, para A. aegypti, a qualidade da água não esta associada ao grau de poluição, mas sim às condições que o meio apresenta para o desenvolvimento e sobrevivência dos imaturos.

Fatores físicos, químicos e biológicos, como luminosidade, temperatura, salinidade, matéria orgânica, microrganismos e outras substâncias, que favorecem o desenvolvimento dos imaturos servem como estímulos à fêmea na seleção de local para oviposição (Consoli & Oliveira 1994). Deve-se ressaltar que a pouca penetração da luz causada pela alta turbidez e maior presença de substâncias dissolvidas (Tabela 3) foram condições encontradas em esgoto bruto, efluente de reator UASB, efluente de lagoa de polimento e efluente de filtro anaeróbio, o que não ocorreu em água desclorada. Isso pode ter contribuído para a menor quantidade de ovos depositados e, consequentemente, para a menor atratividade por essa condição da água, como observado quando as fêmeas foram submetidas aos testes de múltipla escolha e sem chance de escolha (Tabela 6).

A seleção de local adequado para oviposição é fundamental para a distribuição e o estabelecimento das populações de A. aegypti, e tem significado epidemiológico na veiculação dos vírus da febre amarela e da dengue. Ao contrário do conhecimento estabelecido, as fêmeas de A. aegypti não foram atraídas apenas por fontes de água limpa, indicando que o inseto apresenta certa flexibilidade na aceitação de substratos de postura que apresentam variação em sua qualidade. Essa característica confere ao vetor grande capacidade de adaptação às diferentes situações ambientais (Tauil 2002), inclusive aquelas consideradas desfavoráveis, como fontes de água poluídas, p.ex. as águas de esgoto bruto e de reator UASB utilizadas na presente pesquisa.

Essa informação é importante para a orientação de ações de controle, pois aponta para a necessidade de inspeção de todos os tipos de coleções de água durante levantamentos de criadouros de larvas, principalmente naquelas áreas dotadas de menor infra-estrutura, onde os esgotos correm a céu aberto próximos aos domicílios, podendo contaminar recipientes que funcionem como locais usuais de oviposição.

Agradecimentos

A Secretaria de Saúde do município de Campina Grande e ao 3º Núcleo Regional de Saúde e à Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) pelo apoio oferecido durante as instalações das armadilhas para a coleta dos ovos de A. aegypti. Ao PROSAB/EXTRABES pela colaboração na análise dos parâmetros físicos e químicos dos diferentes tipos de águas utilizados na pesquisa. A Organização Pan-Americana de Saúde/OPAS e Secretaria de Vigilância em Saúde/SUS/MS pelos recursos que viabilizaram esta pesquisa.

Received 11/VII/08.

Accepted 10/V/10.

Edited by Eunice Galati - FSP/USP

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jan 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2008
  • Aceito
    10 Maio 2010
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