Introdução
Este artigo1 decorre da pesquisa2 que trata da compatibilidade dos valores dos vereadores de Curitiba – Brasil sobre direitos sociais com as concepções da Constituição Federal de 1988 – CF88 – que apontam para universalidade e provisão pública. Trata, também, da relação entre o perfil ideológico-partidário dos vereadores e os valores políticos.
A hipótese é que as noções sobre direitos sociais entre os parlamentares municipais em questão demonstrariam um distanciamento dos parâmetros constitucionais e, também, a orientação política de direita, centro e esquerda importa para compreender tais concepções. O pressuposto é que os valores dos vereadores de centro-direta e direita são menos compatíveis com os artigos constitucionais sobre direitos sociais.
Justifica-se a escolha em abordar valores políticos sobre direitos sociais (tais como; assistência social, saúde, educação, segurança alimentar e nutricional, moradia, previdência social e trabalho) porque, a despeito de estarem entre os direitos fundamentais, têm baixa validação subjetiva em relação a outros consagrados na CF88 como é o caso de direitos civis e políticos (de forma geral, liberdades e participação política, por exemplo). Cabe, portanto, uma investigação sobre valores políticos sobre direitos sociais que leve em conta que a sua efetivação não se esgota nas instituições, mas, passa por uma cultura de reconhecimento que se difere substancialmente da noção da dádiva, benesse e favor que tradicionalmente caracteriza a cultura política brasileira (Sales, 1994; Chauí, 1994; Telles, 2000).
A escolha dos parlamentares municipais é justificada pelo fato destes legisladores terem uma inserção diferenciada no campo dos direitos e políticas sociais. Por um lado, têm atribuições residuais na área – dado o sistema único da política social brasileira que parte da União e se descentraliza para todos os municípios. Por outro, não raro, os vereadores ampliam sua atuação com atendimentos sociais diretos à população com caráter de ajuda. Isto é, os pedidos da população para os vereadores incluem “remédios, marcação de consultas em hospitais, emprego, dinheiro para pagar contas, passagem de ônibus, material de construção, agilização de processos na administração, abrigos em ponto de ônibus e diversos outros exemplos”, demandas que, a rigor, nem deveriam chegar a um membro do legislativo e, sim, serem objeto de atendimento via políticas públicas de saúde, assistência social, habitação social, entre outras, configuradas como direitos de cidadania. Tais atendimentos sociais podem levar ao afastamento da noção de direitos, pois, por um lado, “respondem às expectativas dos eleitores, já que o político é a pessoa legitimamente encarregada de realizar a distribuição de benesses públicas…” e, por outro lado, responde ao objetivo de alguns vereadores em” ‘amarrar’ o eleitor e conseguir sua adesão” (Lopez, 2004, p. 162). Além disso, os vereadores são parte da elite política no legislativo, que supostamente, seria o setor da população com conhecimento e atenção privilegiada às normas legais, especialmente, à Constituição Federal.
Portanto, o fato de ser membro do legislativo e ter proximidade com a população, não raro, por meio de atendimento social em áreas que são das políticas sociais, justifica pesquisar valores de vereadores sobre política e direitos sociais quando o interesse é tratar, de forma mais geral, da validação subjetiva das normas legais sobre direitos sociais.
Por fim, a importância de focar na relação entre valores políticos e perfil ideológico-partidário se deve ao debate teórico sobre seu potencial explicativo. Autores como Carreirão (2006), Zucco Jr. (2009) e Power & Zucco Jr (2009), por exemplo, têm investigado “em que medida as diferenças ideológicas supostas entre os partidos se manifestam efetivamente em opiniões e ações (coligações eleitorais, coalizões de governo, políticas públicas etc.) dos membros dos diversos partidos” (Carreirão, 2006, p. 137).
Os itens do artigo estão divididos em dois blocos. No primeiro são retomados aspectos históricos e da legislação social, em seguida, são apresentados resultados de pesquisa focalizando as orientações políticas de vereadores de perfil ideológico-partidário de centro, direita e esquerda sobre os direitos, políticas e programas sociais.
Dimensão social dos direitos humanos e legislação brasileira
As “normas que declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem” 3 (Bobbio, 1992, p. 77) são fenômenos históricos que expressam e conformam uma época. Marshall (1967) elaborou uma caracterização e sequência temporal sobre direitos com base na sua incorporação na legislação especialmente da Inglaterra. Os primeiros direitos são os civis e políticos, com marco nos séculos 18 e 19, referidos às liberdades individuais e econômicas e à participação no exercício do poder político; seguidos dos sociais, no XX, que dizem respeito à participação na riqueza e nos padrões sociais de vida. Atualmente têm-se as últimas gerações de direitos relativos ao meio ambiente, à diversidade cultural e identitárias, por exemplo. (Bobbio, 1992; Arretche, 1995).
A cronologia geral dos direitos pode levar à ideia equivocada que estes ocorreriam num padrão cumulativo (sem regressões, interrupções ou desaparecimentos), sequencial e de maneira similar previsível e universal, o que contraria a observação histórica. Além disso, os valores e legislação sobre direitos não são universais, ao contrário, em algumas sociedades não são considerados ou considerados em desacordo com sua formação cultural.
Todavia, a sequência temporal e o regime político nos quais as normas legais são estabelecidas importam para a cultura política. Carvalho (2001) e Arretche (2010) sugerem que algumas características da cidadania no Brasil poderiam ser explicadas pelo fato das primeiras inclusões ou ampliações de direitos trabalhistas e sociais coincidirem com períodos de restrição de direitos civis e políticos, ou ainda que, alguns direitos sociais terem sido anteriores ou colocados no lugar dos civis e políticos. A população em geral e as elites brasileiras parecem partilhar mais de uma noção da dádiva e de outorga pelos “poderosos” e pelo Estado do que de uma cultura democrática (Sales, 1994; Reis, 2000; Lima e Cheibub, 1996; Moisés, 2005). Neste sentido, Ribeiro (2008, p. 67, 68) lembra que a “relação tutelar o senhor provedor e o súdito subserviente”, identificada nos estudos de Oliveira Viana, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda “tende a ser constantemente reeditada”.
Os artigos sobre direitos sociais da CF88 estabelecem uma descontinuidade e estão na direção oposta destas noções. Primeiro, porque se diferem do padrão anterior que produzia “status diferenciados entre categorias de cidadãos” via atribuição desigual de direitos “de acordo com a inserção no mercado formal de trabalho”, assim como, que vinculava o acesso aos benefícios sociais “às contribuições e aos rendimentos dos trabalhadores” (Arretche, 1995, p. 595). O padrão imposto pela CF88 é redistributivista, universalista e com provisão social público-estatal (Draibe, 1993a). Segundo, porque os direitos sociais foram incluídos no rol das garantias fundamentais, junto a outros direitos consagrados em constituições anteriores. A condição de cláusula pétrea e caráter inadiável para efetivação abrem a discussão sobre o aspecto contratual e de impessoalidade e sobre a judicialização dos direitos sociais (Piovesan; Vieira, 2006).
Os direitos sociais constam no Titulo II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) e no Título VIII da Ordem social da CF88 e em leis específicas de regulamentação (Quadro 1).
Quadro 1 Direitos Sociais, artigos da Constituição Federal de 1988 e leis referentes
Direitos sociais | CF 88 | Lei |
---|---|---|
Saúde | Art. 6º e 196 a 200 | Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei nº 8.080/1990) |
Previdência Social | Art. 6º e 201-202 | Lei nº 8213/1991 |
Assistência Social | Art. 6º e 203-204 | Lei Orgânica da Assistência Social – Loas (Lei nº 8.742/1993). |
Transferência de Renda: BPC | Art. 6º e 203 | Loas – Art 20 |
Transferência de Renda: Peti | Art. 3º e 6º | Portaria nº 2.917/2000 e Loas |
Transferência de Renda: Renda de Cidadania e Bolsa Família | Art 3º e 6º | Lei nº 10.835/2004 Lei nº 10.836/2004 Loas |
Educação | Art. 6º e 205 a 214 | Lei de Diretrizes e Bases – LDB (Lei nº 9.394/96) |
Habitação de Interesse Social | Art. 6º e 183, 187 e 191 | Lei sobre habitação de interesse social (Lei nº 11.124/2005 – SNHIS) |
Segurança Alimentar e Nutricional | Art. 6º e 200, 208 e 227 | Lei do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Losan (Lei nº 11.346/2006) |
Da Família, da Criança, do Adolescente e do Idoso | Art. 6º e 226 a 230 | Loas Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei nº 8.069/1990.) Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003) |
Fonte: Constituição Federal de 1988 e Legislação Social.
Tais artigos e leis são importantes “no mínimo, em função dos novos parâmetros” que podem orientar “a ação prática dos atores políticos” (Perissinotto, 2010, p. 13), por isso, cabe questionar em que medida isto ocorre, ou seja, questionar para o caso dos vereadores sobre “a probabilidade de que os homens […] considerem subjetivamente válida uma determinada ordem e orientem por ela a sua conduta prática (Weber, 1984, p. 251).
A ênfase nas orientações subjetivas sobre um objeto é a base teórico-metodológica do campo da cultura política.
Quando falamos da cultura política de uma sociedade, nos referimos ao sistema político cognitivamente, avaliativamente e afetivamente internalizado pela população. […] A cultura política de uma nação é a particular distribuição de padrões de orientação sobre objetos políticos entre seus membros. […] “Orientação” refere-se aos aspectos internalizados dos objetos… (Almond; Verba, 1989, p. 13) (tradução da autora).
Neste artigo incorporamos a posição de autores deste campo como Almond e Verba (1989), Putnam (2000), Inglehart (1988), Moisés (2008) e Fuks, Perissinotto e Ribeiro (2003) sobre a relação cruzada entre valores e instituições (como as regras, normas legais, por exemplo), isto é, os valores afetam o formato, desempenho e funcionamento das instituições e as instituições são fatores relevantes na formação de valores políticos. Especificamente, o artigo trata de orientações subjetivas de parlamentares municipais sobre direitos sociais tendo como parâmetro a CF88.
Aspectos metodológicos
A pesquisa foi realizada em Curitiba onde foram entrevistados 35 dos 38 vereadores da gestão 2009-2012.4 O roteiro da entrevista semiestruturada foi organizado com blocos de questões sobre vinculação partidária e associativismo, conhecimento da legislação social e sobre valores políticos e a respeito dos direitos sociais, havendo ainda questões de controle ligadas ao perfil educacional, religião e renda.
Para este artigo serão apresentados alguns resultados a partir de testes independência Q de Yule e de correlação Q de Yule, indicados para a análise de dados categóricos. Estes testes exigem o agrupamento de casos em tabelas quádruplas que se mostraram mais adequadas para a pesquisa já que as respostas das entrevistas apresentaram alto grau de dispersão entre as alternativas.
A discussão é norteada pelos parâmetros redistributivista dos artigos constitucionais sobre direitos sociais que apontam para a universalidade e provisão pública.
Perfil social, partidário e ideológico dos vereadores em Curitiba
Mais de 70% dos parlamentares municipais têm entre 30 e 64 anos e desses a maioria (48,6%) tem entre 40 e 54 anos. Mais da metade (62,9%) dos parlamentares entrevistados tem ensino superior completo ou pós-graduação, apenas um deles cursou o ensino médio incompleto e o restante possui ensino médio ou superior incompleto. Antes de ocuparem os cargos a renda familiar dos parlamentares era média e alta: 28,6% com renda familiar de mais de 10 a 20 salários mínimos (SM); 20,0% de 05 a 10 SM; 14,3% de 20 a 30 SM; e 5,8 mais de 30 SM, o que totaliza 68,7% com renda alta ou próxima a alta. Estes dados demonstram o pertencimento da maioria dos vereadores aos estratos superiores de renda e escolaridade (Tabela 1).
Tabela 1 Renda familiar de vereadores de Curitiba (gestão 2009-12) antes do cargo
Renda familiar antes do cargo | N | % |
---|---|---|
Baixa (até 02 salários mínimos) | 1 | 2,8 |
Média (mais de 02 a 10 salários mínimos) | 15 | 42,9 |
Alta (mais de 10 salários mínimos) | 15 | 42,9 |
Não respondeu | 4 | 11,4 |
Total | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Obs.: Faixa de renda baseada no Banco de Dados Agregados do IBGE. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br/>.
A religião dos vereadores é distribuída da seguinte forma: 74,3% alegam ser católicos; 11,4% evangélicos; 8,6% distribuídos entre outras denominações e 5,7% dizem não ter religião. Portanto, a quase totalidade é cristã, cujo traço histórico permanente é o sentido da caridade humanitária. Entretanto, existem diferenças de significado individual e político no interior de diversas Igrejas que necessitam de aprofundamento e mediações para análise que não é o objetivo no momento. Entre os vereadores, 65,7% participam de alguma organização não governamental, conselho de políticas públicas, movimento social, associação de bairros ou outras formas de associativismo. É provável que, para mais da metade dos vereadores, o associativismo é parte de sua trajetória em organizações políticas e também de seu vínculo com a base de eleitores.
O maior número de vereadores é filiado ao PSDB (40,0%); em segundo lugar estão o PT, PDT, PSB e DEM (8,6%); e, em terceiro lugar, o PMDB e o PPS (5,7%) (Tabela 2).
Tabela 2 Partidos políticos de vereadores de Curitiba gestão 2009-2012
Partidos políticos | N | % |
---|---|---|
DEM – Democratas | 3 | 8,6 |
PDT – Partido Democrático Trabalhista | 3 | 8,6 |
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro | 2 | 5,7 |
PP – Partido Progressista | 1 | 2,9 |
PPS – Partido Popular Socialista | 2 | 5,7 |
PRP – Partido Republicano Progressista | 1 | 2,9 |
PSB – Partido Socialista Brasileiro | 3 | 8,6 |
PSC – Partido Social Cristão | 1 | 2,9 |
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira | 14 | 40,0 |
PSL – Partido Social Liberal | 1 | 2,9 |
PT – Partido Trabalhista | 3 | 8,6 |
PV – Partido Verde | 1 | 2,9 |
Total | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
O perfil ideológico-partidário dos parlamentares municipais de Curitiba fica evidenciado pela sua caracterização como de esquerda, centro e direita.5 Zucco Jr. (2009) representa este posicionamento conforme extrato da Tabela 3, a seguir.
Tabela 3 Partidos de Esquerda para Direita: 2009
Year | R2 | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2009 | PSOL | PC do B | PSB | PDT | PV | PPS | PMDB | PTB | PR | PP | DEM | 0.8 |
PT | PSDB |
Fonte: ZUCCO JR (2009, p. 5)
Nota: “Partidos empilhados indicam que as diferenças entre suas posições estimadas não são significativas ao nível de 0.05.”
Na Câmara Municipal de Curitiba encontram-se os seguintes partidos considerados pela literatura como de esquerda: PT, PSB, PDT, PV, PPS; de direita: DEM, PP, PRP PSC, PSL; e, de centro: PMDB e PSDB.
Os testes estatísticos escolhidos para trabalhar os dados são os de independência e de correspondência Q de Yule, os quais requerem tabelas quádruplas, por isso, os partidos da Câmara dos Vereadores de Curitiba foram agrupados em 21 (60%) de direita e centro-direita e 14 (40%) de esquerda e centro-esquerda6 (destacados em cinza na Tabela 2).
Um critério possível para a classificação de direita e esquerda é a preocupação com a liberdade e igualdade, respectivamente (Bobbio, 1995; Singer, 2000). A partir disso os parlamentares foram interrogados sobre hierarquias sociais e desigualdade social (Tabelas 4 e 5). A maioria dos vereadores (65,7%) concorda com a afirmação de que sem hierarquias bem definidas nenhuma ordem social se sustenta e 28,6% discordam. Os que não sabem ou não responderam são de partidos posicionados à esquerda (Tabelas 4 e 5).
Tabela 4 Valores dos vereadores de Curitiba – gestão 2009-2012 – (por filiação partidária) sobre hierarquias social, econômica e política
Partidos | Sem hierarquias sociais bem definidas nenhuma ordem se sustenta | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Discorda totalmente ou em parte | Concorda totalmente ou em parte | Não sabe ou não respondeu | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |
DEM | 0 | 0 | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PDT | 0 | 0 | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PMDB | 1 | 50,0 | 1 | 50,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PP | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PPS | 0 | 0 | 2 | 100,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PRP | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSB | 0 | 0 | 2 | 66,6 | 1 | 33,0 | 3 | 100,0 |
PSC | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSDB | 5 | 35,7 | 9 | 64,3 | 0 | 0 | 14 | 100,0 |
PSL | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PT | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PV | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 1 | 100,0 |
Total | 10 | 28,6 | 23 | 65,7 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Tabela 5 Valores dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) dos partidos de direita/centro-direita ou esquerda/centro-esquerda sobre hierarquias social, econômica e política
Sem hierarquias sociais bem definidas nenhuma ordem se sustenta | Partido | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Direita e centro-direita | Esquerda e centro-esquerda | Total | ||||
N | % | N | % | N | % | |
Concorda totalmente ou em parte | 15 | 71,4 | 8 | 57,1 | 23 | 65,7 |
Discorda totalmente ou em parte | 6 | 28,6 | 4 | 28,6 | 10 | 28,6 |
Não sabe ou não respondeu | 0 | 0 | 2 | 14,3 | 2 | 5,7 |
Total | 21 | 100,0 | 14 | 100,0 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
A porcentagem de vereadores que manifesta valores com baixa congruência em relação ao critério da igualdade ultrapassa o número daqueles filiados aos partidos de direita/centro-direita, demonstrando que esta noção é partilhada por alguns de partidos de esquerda/centro-esquerda (Tabela 5).
Verificou-se que há dependência estatística7 entre as variáveis no seguinte sentido: vereadores dos partidos de direita/centro-direita tendem a concordar com as hierarquias (delta 0,012) e há um menor número (do que o esperado, caso as variáveis fossem independentes) de vereadores dos partidos de esquerda/centro-esquerda que concordam (tabela 4). Este resultado e o teste de correlação Q de Yule (0,11) indicam, entretanto, baixa correlação8 entre as variáveis, ou seja, há 11,0% de chance a mais de encontrar vereadores de direita e centro-direita que concordam com a importância das hierarquias sociais.9
Quando se trata dos valores sobre a manutenção da desigualdade de posições sociais a força da correlação é maior. Vereadores dos partidos de direita/centro-direita tendem com concordar com uma concepção de desigualdade de posição social (Delta 0,052). O resultado do teste de correlação Q de Yule (0,43) indica correlação de força média entre as variáveis, pois, há 43,0% de chance a mais de encontrar vereadores de direita e centro-direita que concordam que uma sociedade é melhor quando cada uma sabe seu lugar. Entretanto, é possível verificar que a posição de “igualdade” não é majoritária no grupo de esquerda, que se dividiu neste item (7 concordam e 7 discordam). (Tabela 6)
Tabela 6 Valores dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) dos partidos de direita/centro-direita ou esquerda/centro-esquerda sobre manter desigualdade de posições sociais
Melhor sociedade é a que cada um sabe seu devido lugar | Esquerda e centro-esquerda | Direita e centro-direita | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Concorda totalmente ou em parte | 7 | 31,8 | 15 | 68,1 | 22 | 100 |
Discorda totalmente ou em parte | 7 | 53,8 | 6 | 46,1 | 13 | 100 |
Total | 14 | 40 | 21 | 60 | 35 | 100 |
Fonte: a autora.
Outro modo de aferir o perfil ideológico dos parlamentares municipais leva em conta as posições em relação à ingerência estatal na economia. Zucco (2009), por exemplo, utilizou esta variável para verificar o perfil dos parlamentares baseando-se em pesquisas com dados a partir de clivagens como intervenção do Estado na economia. A entrevista tratou este critério de forma indireta ao questionar sobre responsabilidade principal do Estado e tendências conservadoras, liberais ou próximas à social-democracia e socialismo. As frequências e ambiguidades seguem o padrão anterior: alguns partidos situados à esquerda priorizam a manutenção da ordem ou as liberdades individuais e alguns à direita escolhem o bem estar social como responsabilidade estatal prioritária (Tabela 7)
Tabela 7 Escolha dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) – por filiação partidária – sobre responsabilidade principal do Estado
Partidos | Responsabilidade principal do Estado | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Manter a ordem | Respeitar liberdades individuais | Garantir bem estar social | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |
DEM | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PDT | 2 | 66,7 | 1 | 33,3 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PMDB | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 | 2 | 100,0 |
PP | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 1 | 100,0 |
PPS | 1 | 50,0 | 1 | 50,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PRP | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 1 | 100,0 |
PSB | 2 | 66,7 | 0 | 0 | 0 | 0 | 3* | 100,0 |
PSC | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSDB | 4 | 28,6 | 5 | 35,7 | 4 | 28,6 | 14* | 100,0 |
PSL | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 1 | 100,0 |
PT | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 | 3 | 100,0 |
PV | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
Total | 12 | 34,3 | 09 | 25,7 | 12 | 34,3 | 35* | 100,0 |
Fonte: a autora.
*Resposta anulada: PSB-01; PSDB-01.
Para aprofundar este ponto, as alternativas “manter a ordem” e “respeitar liberdades individuais” foram conjugadas. Isto, por um lado, porque é mais comum que a posição dividida de partidos seja entre estas alternativas (exceto para o caso do PSDB), e por outro, para isolar a opção “garantir bem estar social” afeita aos direitos sociais. Desta forma, 60% escolheram manter a ordem ou respeitar a liberdade individual e 34,3% garantir bem estar social (Tabela 8).
Tabela 8 Valores dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) dos partidos de direita/centro-direita ou esquerda/centro-esquerda sobre principal responsabilidade do Estado
Principal responsabilidade do Estado | Partido | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Direita e centro-direita | Esquerda e centro-esquerda | Total | ||||
N. | % | N | % | N | % | |
Manter a ordem ou respeitar liberdades individuais | 13 | 61,9 | 8 | 57,1 | 21 | 60,0 |
Garantir bem estar social | 7 | 33,3 | 5 | 35,7 | 12 | 34,3 |
Não sabe ou não respondeu | 1 | 4,8 | 1 | 7,2 | 2 | 5,7 |
Total | 21 | 100,0 | 14 | 100,0 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Os testes indicaram que há 7,4% de chance a mais de encontrar vereadores de direita/centro-direita com preferência pela alternativa manter a ordem ou respeitar a liberdade individual (teste de correlação (0,074).10 Quer dizer, as variáveis partido e responsabilidade do Estado têm baixíssima dependência.11 De todo modo, os testes com as variáveis hierarquia social e desigualdade de posição social apontam para um perfil ideológico liberal e conservador12 entre os parlamentares da Câmara dos Vereadores.
Valores políticos sobre direitos sociais
Os vereadores de Curitiba foram estimulados a optar entre itens arrolados quais consideram como direitos sociais. Saúde, educação e previdência social foram os mais escolhidos; segurança alimentar e nutricional, assistência social e transferência de renda apresentaram as menores porcentagens (Tabela 9).
Tabela 9 Áreas reconhecidas como direitos sociais pelos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012)
Direitos | Sim | Não | NR | RN | Total | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Saúde | 33 | 94,3 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Educação | 32 | 91,4 | 1 | 2,9 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Previdência social | 32 | 91,4 | 1 | 2,9 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Trabalho | 31 | 88,8 | 2 | 5,7 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Habitação | 30 | 85,7 | 3 | 8,6 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Segurança alimentar | 28 | 80,0 | 5 | 14,3 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Assistência social | 27 | 77,1 | 6 | 17,1 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Transferência de renda | 16 | 45,7 | 17 | 48,6 | 0 | 0 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
NR – Não respondeu; RN – Resposta nula
A resposta dos vereadores é coerente com a história dos direitos sociais e a cultura política brasileira caracterizada mais por noções de favor e dádiva do que de direitos, conforme discutem Telles (2000) e Sales (1994), por exemplo.
No final do século 19 e primeira metade do século 20 o núcleo da legislação social era a saúde, previdência social, educação, leis trabalhistas (regulando salários, relações e condições de trabalho) e assistência entendida como ajuda aos empobrecidos e incapacitados para o trabalho. Durante o século 20 e no 21 foram inseridos no rol dos direitos sociais ou, ao menos, na agenda pública, o lazer, a transferência de renda (nas variações renda de cidadania universal e renda mínima focalizada em pessoas de baixa renda13), assistência social, trabalho como um bem social e segurança alimentar e nutricional, por exemplo Draibe (1989) e Castro et al. (2009). A inserção destas temáticas na legislação e na política social14 brasileira significou uma inflexão no padrão institucional do modelo conservador15 de Estado Social brasileiro de até meados de 1980. Atualmente, a legislação e política social apontam numa direção mais universalista combinada, porém, com elementos daquele padrão tradicional (Draibe, 1993a; Fiori, 1997). O alcance e impacto dessa inflexão na tecitura social, em particular nos aspectos econômicos e da cultura política são discutidos por autores como Oliveira (2003), Neri (2007, 2011), Medeiros et al. (2007) e Castro et al. (2009).
Há uma relação estatística entre perfil ideológico-partidário e a identificação dos direitos de acordo com os artigos constitucionais e legislação social (Delta, 0,21), sendo que a força baixa da correlação mostra 17% de chance a mais de encontrar um vereador de direita/centro-direita que não reconhece um ou mais direitos sociais (Tabela 10).
Tabela 10 Áreas sociais identificadas pelos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) – de esquerda/centro-esquerda e de direita/centro-direita) como direitos sociais
É direito social (lista apresentada) | Esquerda e centro-esquerda | Direita e centro-direita | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Não (exclui uma ou mais áreas dos direitos) | 6 | 35,3 | 11 | 64,7 | 17 | 100 |
Sim – todos direitos | 7 | 43,8 | 9 | 56,2 | 16 | 100 |
Total | 13 | 40,0 | 20 | 60,0 | 33 | 100 |
Fonte: a autora.
Quase metade deles (48,6%) não considera que transferência de renda seja um direito social; 17,1% excluem a assistência social e 14,3% a segurança alimentar e nutricional (Tabela 9). Estes são direitos sociais incluídos mais recentemente nas normas legais brasileiras e, também, com menor validação subjetiva. Neste quesito a porcentagem maior é da transferência de renda, cabendo, portanto, um detalhamento.
Valores sobre programa de transferência de renda e perfil ideológico-partidário
Os parlamentares municipais de Curitiba validam menos a transferência de renda como um direito. Esta área, também, apresenta forte rejeição ao longo da história da cidadania social desde suas protoformas no século 16 e das medidas assistenciais que primavam pelo caráter provisório e reduzido a fim de não competir com a aceitação de trabalho pelas camadas empobrecidas (Castel, 2001; Polanyi, 2000). Todavia, em aparente contradição com a baixa validação subjetiva, 88,5% dos vereadores são favoráveis aos programas de transferência de renda mesmo quando isto compromete a eficiência do Estado. A justificativa do atendimento às carências sociais ou da ativação da economia são aceitas por 71,4% e 17,1% dos vereadores, respectivamente (Tabela 11)
Tabela 11 Opinião de vereadores de Curitiba (2009-2012) sobre políticas e programas de transferência de renda
Políticas e programas de transferência de renda | N | % |
---|---|---|
Em geral provocam a ineficiência econômica do Estado e devem ser evitadas | 4 | 11,4 |
São necessárias para atender carências sociais, mesmo que provoquem ineficiência econômica do Estado | 25 | 71,4 |
São necessárias porque ativam a economia local, mesmo que provoquem a ineficiência econômica do Estado | 6 | 17,1 |
Total | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Por outro lado, 65,8% discordaram da incorporação de programas de transferência de renda na legislação – como um dos direitos sociais. Este aspecto é coerente com os resultados de não reconhecimento da área como um direito (tabela 9) e da tendência em caracterizar tais programas como doação conforme argumentos de Reis (1995) sobre a cultura de responsabilidade benevolente das elites brasileiras e da cultura da dádiva mencionadas em Telles (2000) e Sales (1994) (Tabela 12).
Tabela 12 Noção de vereadores de Curitiba (gestão 2009-1202) sobre programas de transferência de renda e legislação
Inscrição de programas de transferência de renda na legislação como direito de cidadania | N | % |
---|---|---|
Discorda totalmente | 15 | 42,9 |
Discorda em parte | 8 | 22,9 |
Concorda em parte | 5 | 14,2 |
Concorda totalmente | 7 | 20,0 |
Total | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Vereadores de partidos de direita/centro–direita tendem a discordar que programas de transferência de renda estejam incluídos como direitos de cidadania (delta 0,035). O teste indica uma correlação moderada: há 30% de chance a mais de encontrar parlamentares de direita/centro-direta que discordam total ou parcialmente desta inclusão (Tabela 13).
Tabela 13 Valores dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) (perfil partidário) sobre inscrição de Programas de Transferência de Renda na legislação, como direito de cidadania
Inscrição de Programas de Transferência de Renda na legislação, como direito de cidadania | Esquerda e centro-esquerda | Direita e centro-direita | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Discorda totalmente ou em parte | 8 | 34,8 | 15 | 65,2 | 23 | 100 |
Concorda totalmente ou em parte | 6 | 50 | 6 | 50 | 12 | 100 |
Total | 14 | 40 | 21 | 60 | 35 | 100 |
Fonte: a autora.
Para compreender estes valores a variável dependente programas sociais-tendência a não querer trabalhar foi relacionada com as variáveis independentes partidos políticos e responsabilidade do Estado.
Valores políticos sobre programas sociais e perfil ideológico-partidário
A não aceitação, por parte dos parlamentares, da transferência de renda como direito pode estar relacionada ao fato de que 65,7% deles consideram que programas sociais (no geral) desestimulam o trabalho.16 (Tabela 14).
Tabela 14 Valores de vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) (por filiação partidária) sobre programas sociais e trabalho
Partidos | Beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar (“encostam no Estado”) | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Discorda totalmente ou em parte | Concorda totalmente ou em parte | Não sabe ou não respondeu | Total | |||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |
DEM | 1 | 33,3 | 2 | 67,7 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PDT | 1 | 33,3 | 2 | 66,7 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PMDB | 2 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PP | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PPS | 0 | 0 | 2 | 100,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PRP | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSB | 1 | 33,3 | 2 | 66,7 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PSC | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSDB | 4 | 28,6 | 10 | 71,4 | 0 | 0 | 14 | 100,0 |
PSL | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PT | 2 | 66,7 | 1 | 33,3 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PV | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 1 | 100,0 |
Total | 11 | 31,43 | 23 | 65,7 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Metade dos vereadores dos partidos de esquerda/centro-esquerda e 76,1% dos de direita/centro direita concordam que beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar. Portanto, estes últimos apresentam maior coerência entre o perfil ideológico-partidário esperado e valores (Tabela 15).
Tabela 15 Valores dos vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) dos partidos de direita/centro-direita ou esquerda/centro-esquerda sobre programas sociais e trabalho
Beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar (“encostam no Estado”) | Partido | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Direita e centro-direita | Esquerda e centro-esquerda | Total | ||||
N | % | N | % | N | % | |
Concorda totalmente ou em parte | 16 | 76,2 | 7 | 50,0 | 23 | 65,7 |
Discorda totalmente ou em parte | 5 | 23,8 | 6 | 42,9 | 11 | 31,4 |
Não sabe ou não respondeu | 0 | 0 | 1 | 7,1 | 1 | 2,9 |
Total | 21 | 100,0 | 14 | 100,0 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Vereadores dos partidos de direita/centro-direita tendem a concordar com a afirmação que programas sociais podem desestimular o trabalho (delta 0,053). A força da correlação moderada aponta 46,6% de chance a mais de encontrar vereadores de direita/centro-direita que concordam com aquela afirmação.17
Quando a variável independente é a responsabilidade do Estado nota-se que metade dos vereadores que opta pela alternativa garantir o bem estar concorda que programas sociais podem desestimular o trabalho e 76,2% que escolhem manter a ordem e respeitar as liberdades individuais partilham desta opinião (Tabela 16). Os valores do conjunto dos vereadores mais conservadores e liberais têm menor ambiguidade.
Tabela 16 Concepções de vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) sobre responsabilidade do Estado e sobre programas sociais
Beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar (“encostam no Estado”) | Principal responsabilidade do Estado | |||||
---|---|---|---|---|---|---|
Garantir bem estar social | Manter a ordem ou respeitar as liberdades individuais | Total | ||||
N | % | N | % | N | % | |
Concorda totalmente ou em parte | 6 | 50,0 | 16 | 76,2 | 22 | 66,7 |
Discorda totalmente ou em parte | 6 | 50,0 | 4 | 19,0 | 10 | 30,3 |
Não sabe ou não respondeu | 0 | 0 | 1 | 4,8 | 1 | 3,0 |
Total | 12 | 100,0 | 21 | 100,0 | 33* | 100,0 |
Fonte: a autora.
*Respostas anuladas: 2
Vereadores que consideram que escolheram manter a ordem ou respeitar as liberdades individuais tendem a concordar que programas sociais desestimulam para o trabalho (delta 0,07). A força da correlação é substancial: há 66,7% de chance a mais de encontrar vereadores de concepções mais conservadores e liberais sobre o Estado que concordam que beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar.18
Em síntese, a maioria dos vereadores desconsiderou programas de transferência de renda como um direito social, discordou de sua inserção na legislação, mas, consentiu serem necessários para atender carências sociais. A maioria também concordou que beneficiários de programas sociais tendem a não querer trabalhar. Há uma relação de dependência estatística entre estes valores e a filiação partidária dos vereadores e, também, entre valores e as concepções sobre o Estado, no sentido que vereadores de direita/centro-direita e com concepções conservadora e liberal sobre o Estado tendem a manifestar estes valores, não obstante eles estejam presentes, também, entre os demais. O teste de correlação demonstrou que para explicar os valores sobre programas sociais, a correlação com a variável perfil ideológico-partidário é menos forte (correlação com força mediana) comparada com a variável responsabilidade do Estado, interpretadas como liberal e conservadora ou social-democrata e socialista (correlação substancial).
Valores e artigos constitucionais sobre direitos sociais
A compatibilidade ou a incompatibilidade entre a legislação social e os valores dos parlamentares municipais sobre universalidade e dever do Estado foi verificada a partir de questões sobre público-alvo e responsabilidade na implementação de políticas sociais.
Em conformidade com a legislação 97,1% dos vereadores consideram como universais a política de educação; 85,7% a política de saúde; 68,6% de segurança alimentar e nutricional e 51,4% de assistência social. A transferência de renda focalizada em grupos específicos foi a alternativa escolhida por 57,1% e a universal foi opção de 40,0%. Em grandes linhas, os valores da maioria dos vereadores seguem o padrão histórico da cultura política e da das garantias legais no Brasil (Tabela 17).
Tabela 17 Público-alvo das políticas sociais segundo os vereadores de Curitiba – gestão 2009-2012
Público-alvo e setores da política social | Toda população | Grupos sociais específicos | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Saúde | 30 | 85,7 | 5 | 14,3 | 35 | 100,0 |
Educação | 34 | 97,1 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Assistência social | 18 | 51,4 | 17 | 48,6 | 35 | 100,0 |
Previdência social | 27 | 77,1 | 8 | 22,9 | 35 | 100,0 |
Habitação | 24 | 68,6 | 11 | 31,4 | 35 | 100,0 |
Trabalho | 30 | 85,7 | 5 | 14,3 | 35 | 100,0 |
Segurança alim e nut | 24 | 68,6 | 11 | 31,4 | 35 | 100,0 |
Transferência de renda | 14 | 40,0 | 20 | 57,1 | 34* | 97,1 |
Fonte: a autora.
*NS
Para todas as áreas dos direitos a maioria dos vereadores considerou que a responsabilidade por implementar políticas e programas sociais é principalmente, embora não exclusivamente, do Estado (Tabela 18). As áreas da previdência social, segurança alimentar e nutricional e transferência de renda têm o maior número de opções pela alternativa que atribui responsabilidade exclusiva ao Estado.
Tabela 18 Responsabilidade por implementar políticas e programas sociais segundo os vereadores de Curitiba – gestão 2009-2012
Áreas | Responsabilidade em implementar políticas e programas sociais | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Só Estado | Só soc. civil | Ambos principalmente Estado | Ambos principalmente soc. civil | NR | Total | |||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
Saúde | 10 | 28,6 | 0 | 0 | 23 | 65,6 | 1 | 2,9 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Educação | 8 | 22,9 | 0 | 0 | 22 | 62,8 | 4 | 11,4 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Assist. social | 7 | 20,0 | 0 | 0 | 22 | 62,9 | 4 | 11,4 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Previd. social | 12 | 34,3 | 0 | 0 | 20 | 57,1 | 2 | 5,7 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Habitação | 10 | 28,6 | 0 | 0 | 23 | 65,6 | 1 | 2,9 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Trabalho | 5 | 14,3 | 0 | 0 | 20 | 57,1 | 9 | 25,7 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Segurança alimentar | 11 | 31,4 | 0 | 0 | 19 | 54,3 | 4 | 11,4 | 1 | 2,9 | 35 | 100,0 |
Transf. de renda | 11 | 31,4 | 1 | 2,9 | 17 | 48,6 | 4 | 11,4 | 2 | 5,7 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Observa-se que apesar de 17 vereadores não identificarem transferência de renda como direito social e 23 deles não aceitarem sua inscrição na legislação, apenas 05 consideram que principalmente ou exclusivamente a sociedade civil seria responsável por políticas e programas sociais nesta área. É possível que este dado confirme a maior aceitação de políticas públicas nesta área com caráter provisório e de ajuda sem exigência legal de cumprimento pelos governos.
A CF88 e legislação social sobre política social (Quadro 1) estabelecem a competência do Estado, provisão pública e complementaridade do setor privado. Colocadas todas as áreas em conjunto, 80,0% dos vereadores mostram coerência com este princípio (Tabela 19).
Tabela 19 Valores de vereadores de Curitiba (gestão 2009-2012) (por filiação partidária) sobre responsabilidade em implementar políticas e programas sociais
Partidos | Responsabilidade para implementar políticas e programas sociais | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Só Estado | Só soc. civil | Ambos principalmente Estado | Ambos principalmente soc. civil | Total | ||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
DEM | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PDT | 1 | 33,3 | 0 | 0 | 2 | 66,7 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PMDB | 0 | 0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PP | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PPS | 1 | 50,0 | 0 | 0 | 1 | 50,0 | 0 | 0 | 2 | 100,0 |
PRP | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSB | 0 | 0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PSC | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PSDB | 0 | 0 | 0 | 0 | 11 | 78,6 | 3 | 21,4 | 14 | 100,0 |
PSL | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
PT | 1 | 33,3 | 0 | 0 | 2 | 66,7 | 0 | 0 | 3 | 100,0 |
PV | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 | 0 | 0 | 1 | 100,0 |
Total | 2 | 11,4 | 0 | 0 | 28 | 80,0 | 3 | 8,6 | 35 | 100,0 |
Fonte: a autora.
Não é necessário fazer o teste de independência, pois, os 80,0% dos casos em uma categoria indicam a independência entre as variáveis, ou seja, no que diz respeito às orientações políticas sobre responsabilidade em implementar políticas sociais, a filiação partidária agrupada em direita/centro-direita ou esquerda/centro-esquerda tem pouca relevância.
Os resultados demonstram que a compatibilidade entre valores dos parlamentares municipais sobre universalidade ou não depende da área do direito social, sendo mais compatível para educação e saúde e menos para assistência social e segurança alimentar e nutricional. A maioria dos vereadores expressou valores políticos sobre responsabilidade do Estado em relação à política social compatíveis com os artigos constitucionais e legislação social.
Considerações finais
Na Câmara Municipal de Curitiba a maioria dos vereadores da gestão 2009-2012 tem perfil ideológico liberal e conservador. Isto foi aferido pela filiação partidária, mas principalmente por valores sobre hierarquia social, desigualdade de posições sociais, responsabilidade do Estado, bem como, sobre a área dos direitos sociais destacada – a transferência de renda.
Os resultados indicam que os valores políticos dos parlamentares municipais enfatizam o direito ou a ajuda e dádiva a depender das áreas específicas dos direitos sociais. A compatibilidade entre valores e os princípios da CF88 é mais clara quando se trata das áreas da saúde e da educação. Portanto, no que se refere às áreas dos direitos sociais, a hipótese do artigo sobre a não compatibilidade entre valores e a CF88 é refutada. Mas, quando se trata de assistência social, segurança alimentar e nutricional e, especialmente, de programas sociais em conjunto e transferência de renda, os valores são mais distantes dos princípios de cidadania social da CF88 e mais próximos de concepções da dádiva. Nestas áreas dos direitos sociais, a hipótese foi confirmada.
Isto pode ser interpretado pela inserção e socialização dos parlamentares municipais nas instituições políticas e sociais. Valores coerentes com a legislação possivelmente podem estar relacionados à inserção nas instituições políticas que proporciona a cognição sobre matérias sociais. Valores incompatíveis ou distantes das normas legais são coerentes com o fato dos parlamentares partilharem da cultura da dádiva que tem um forte reforço nas relações políticas e sociais municipais onde os vereadores são um dos atores centrais, como a literatura atesta (Leal, 1997; Diniz, 1982; Lopez, 2004).
Ficou demonstrado que para o caso da questão sobre programas sociais e tendência a não trabalhar a correlação entre esta variável e a variável responsabilidade do Estado é mais forte se comparada com a variável filiação partidária. Constatação que poderia fornecer um indicativo de resposta para interrogações como de Carreirão (2006, p. 159) sobre se o “continuum esquerda-direita como referencial para a análise” perdeu “parte de seu poder preditivo do comportamento dos partidos e seus membros”. Todavia, o conjunto dos resultados apresentados sugere uma resposta mais de acordo com Power e Zucco (2009), ou seja, que considerações sobre posições ideológicas (que esquerda e direita) ainda é um referencial importante e apresenta um potencial preditivo.
Os dados e testes sugeriram que o perfil ideológico-partidário importa para compreender valores dos parlamentares municipais sobre direitos sociais.