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Transnacionalismo, paradiplomacia e integração regional: O caso do Brasil e Uruguai* * Versão atualizada do trabalho Integração regional e paradiplomacia: reflexões teóricoconceituais apresentado no 5º Encontro Nacional da Abri, Belo Horizonte (Brasil) 29-31 de julho de 2015. As autoras agradecem o apoio do programa Capes/Udelar para o projeto 040/2011 cujo resultado parcial é apresentado neste artigo.

Transnationalism, paradiplomacy and regional integration: The case of Brazil and Uruguay

Resumo

A atuação internacional de agentes subnacionais no que é entendido como paradiplomacia tem sido recorrente desde a década de 1990. Isso ressalta a projeção internacional de interesses até então contidos no âmbito das agendas nacionais e repercute na dinâmica dos processos de cooperação regional entre países. Essa realidade merece ser repensada em termos teóricos e conceituais. Tratam-se, neste artigo, das possíveis mudanças na dinâmica de integração regional em função das transformações que têm possibilitado a ascensão do exercício paradiplomático e a proeminência de agentes subnacionais no cenário internacional. Inicialmente, discutem-se os conceitos de integração regional e de paradiplomacia e levantam-se questões pertinentes à necessidade de contemplar o exercício paradiplomático na dinâmica integracionista de uma região. Em seguida, analisam-se as possibilidades de compreensão dos processos de integração incorporando exercício paradiplomático como uma de suas vias constitutivas.

Palavras-chave:
Paradiplomacia; Integração regional; Teoria

Abstract

The international activity of subnational actors in what is understood as paradiplomacy has been a recurrent phenomenon since the 1990s. This underscores the international projection of interests hitherto contained in the scope of national agendas and reverberates in the dynamics of co-operation projects among countries. Such processes deserve therefore to be rethought in theoretical and conceptual terms. This paper deals with possible changes in the dynamics of regional integration in the light of the transformations that have made possible the growth of paradiplomacy and the prominence of subnational actors in the international sphere. First there is a discussion about the concepts of paradiplomacy and regional integration, and questions are raised related to the need for observing paradiplomacy from the perspective of the integrationist dynamics of a region. Subsequently, there is an analysis of the possibilities for understanding the processes of integration incorporating paradiplomacy as one of their constitutive resources.

Keywords:
Paradiplomacy; Regional integration; Theory

Introdução

Em um sistema marcado pela crescente interdependência global, duas tendências de sentido aparentemente contraditório geram novas dinâmicas, mudanças no papel dos atores e surgimento de novos problemas na agenda: por um lado, o transnacionalismo se expande com a ação de agentes em rede cujas ações superam os limites do estado; por outro lado, os processos de descentralização nos estados nacionais originam o compartilhamento de funções com unidades subnacionais as quais desenvolvem, em graus diversos, relações de alcance internacional. A intervenção de atores não estatais com capacidade de iniciativa em múltiplos níveis e com graus diferentes de organização é sinal da transformação das sociedades e se manifesta na diversificação entre atores condicionados pela soberania (fundamentalmente os estados) e atores livres dela.

Esta situação abre espaço para práticas paradiplomáticas e proporciona um novo olhar sobre os processos de integração regional até recentemente vistos como modalidade de atuação internacional altamente dependente da ação dos estados centrais. Embora os estados soberanos mantenham a prerrogativa da última palavra no que concerne à regulação compartida dos fluxos transnacionais, é inegável que a atuação de agentes subnacionais, particularmente as ações de governos subnacionais, impõem, pelo menos, ritmo e ênfase diferenciados aos processos subjacentes à integração regional.

A partir das formulações clássicas sobre o tema, a integração regional tem sido definida como um processo tendente à supressão das diferenças em benefício do surgimento de um todo integrado. Isto envolve ações que comprometem as partes com a criação de instituições supranacionais. Da perspectiva econômica, esse processo é passível de aprofundamento gradual passando por arranjos institucionais que vão desde uma zona de livre comércio até uma união econômica. Tais arranjos envolvem graus diferenciados de comprometimento mútuo que exigem compatibilização de políticas e instituições correspondentes envolvendo e transformando as relações econômicas, sociais e políticas (Balassa, 1972BALASSA, Bela. Teoria da integração econômica. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1972.). Nesta perspectiva, do ponto de vista político, a integração induz à fragilização dos estados na medida em que tende a transferir suas atribuições para instituições supranacionais. Coerentemente com esta perspectiva, muitas análises sobre integração regional colocam em evidência a progressão institucional e formal dos arranjos integracionistas dependentes da ação dos estados centrais.

Embora esses estudos tenham amplo respaldo nas teorias clássicas da integração, faz-se necessário reconhecer que eles deixam invisíveis certas dinâmicas menos formais, como as geradas pelas ações de agentes econômicos e sociais que embasam os processos integracionistas. Estas dinâmicas envolvem agentes variados e dependem da iniciativa daqueles situados em posições econômicas e políticas relevantes como, ademais, Ernest Haas (1964)HAAS, Ernest B. Beyond the nation state. Stanford: Stanford University Press, 1964. percebera quando revisou os princípios funcionalistas da integração, na década de 1950. Desde então, muito se produziu sobre integração regional. Teóricos da interdependência (Keohane e Nye, 1989KEOHANE, Robert O.; NYE, Joseph S. Power and interdependence. Boston: Scott, Foresman and Company, 1989.) introduziram a necessidade de se considerar, além dos estados, uma multiplicidade de outros atores internacionais. Mais recentemente, abordagens construtivistas ajudam a perceber a integração como uma construção social e histórica com dinâmicas e possíveis desdobramentos inusitados (Dabène, 2009DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009.).

O contexto de interdependência oportunizado pela globalização favorece conexões globais passíveis de serem pertinentemente entendidas como processos históricos de interação entre entes políticos subnacionais, nacionais, ou transnacionais que envolvem grande diversidade de atores, níveis e agendas, em ações deliberadas e institucionalizadas ou não (Dabène, 2009DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009.). Nessas circunstâncias, sobressaem-se agentes de escopo subnacional, cujas atuações imprimem novos ritmos e qualidade às relações externas dos estados nacionais.

Ademais, os processos de globalização e de integração regional têm consequências sobre a definição das funções do estado e o desenho das políticas públicas. O exercício da política externa, atividade tradicionalmente exclusiva da diplomacia central, passa a ser realizado também por outros atores em atuações que configuram as chamadas práticas paradiplomáticas. Destacam-se, entre eles, os governos subnacionais que responderiam à necessidade de mobilização dos governos regionais ou municipais para enfrentar os efeitos dos processos de globalização nos territórios (Ribeiro, 2009RIBEIRO, María Clotilde Meirelles. Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras. Salvador: Edufba, 2009.). Segundo Vigevani (2006)VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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, a paradiplomacia atenderia às necessidades políticas dos governos e das elites locais, dos grupos dirigentes e da sociedade em geral perante problemas de difícil solução pelos organismos do governo central.

Quando exercida em âmbito regional, articulando territórios contíguos, a atuação paradiplomática pode introduzir elementos favoráveis à integração uma vez que, em princípio, buscaria atingir objetivos mutuamente vantajosos para os diretamente envolvidos, minimizando o desgaste da imposição de agendas nacionais frequentemente apontadas como pouco sintonizadas com as necessidades locais. Além disso, tais práticas tendem a produzir sinergias transfronteiriças e regionais que podem ensejar o desenvolvimento de condições favoráveis à integração tais como aumento das transações, a compatibilidade de valores e interesses compartilhados.

Neste artigo, dedicamo-nos à análise de efeitos potenciais que ações paradiplomáticas transfronteiriças teriam sobre os processos de integração. Primeiramente, argumentamos sob o prisma da integração regional, buscando um referencial que nos permita valorizar os processos subjacentes à integração formal que, dependentes da ação de agentes subnacionais, contribuam para a integração regional. Em seguida, abordamos a problemática sob o enfoque das práticas paradiplomáticas, definindo e ilustrando-as com exemplos históricos e arrolando seus possíveis efeitos sobre a integração. Finalmente, refletimos sobre a complementaridade entre ações paradiplomáticas e processos de integração regional, apontamos obstáculos, e ilustramos nossos argumentos com exemplos tomados da experiência latino-americana recente, particularmente o das relações entre Brasil e Uruguai. Consideramos que, na fronteira de Brasil e Uruguai, produzem-se efeitos positivos sobre a integração regional decorrentes das atividades paradiplomáticas ali desenvolvidas. Pensamos que a proximidade político-ideológica dos governos contribui de forma significativa para tanto.

Integração regional: abordagens construtivistas e neofuncionalistas - novos atores e agendas

Com o objetivo de encaminharmos a discussão sobre relevância dos agentes subnacionais e das atividades paradiplomáticas nos processos de integração regional, partimos da compreensão da integração como um processo histórico de construção social tal como formulado por Olivier Dabène (2009)DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009.. Além desta referência, dialogamos também com elementos das abordagens neofuncionalistas no que se referem à dimensão política do start da integração e às chamadas condições necessárias para a integração listadas por Joseph Nye (1971)NYE, Joseph. Peace in parts: integration and conflict in regional organization. Boston: Little, Brown, 1971..

Olivier Dabène (2009)DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009. define a integração regional como um processo de construção histórica de uma região através de crescentes níveis de interação proporcionados por atores que compartem ideias e objetivos e definem métodos para atingi-los nos níveis nacional, subnacional ou transnacional. Ademais, o autor ressalta que a integração não se refere somente a interações formais entre instituições e governos em torno de temas comerciais. Segundo ele, a integração “é também sobre comunidades ou sociedade civil interagindo em base transnacional frequentemente informal” (Dabène, 2009DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009., p. 7). Isto é importante justamente porque as iniciativas paradiplomáticas de agentes políticos subnacionais normalmente ocorrem sob pressão e para atender a interesses locais menos contemplados nas agendas dos governos centrais.

Para o autor, um conjunto de elos históricos, culturais, políticos e econômicos que geram interdependência estariam na base da construção de uma região que tais níveis de interação propiciariam. Segundo ele, influências políticas mútuas e trajetórias históricas semelhantes favorecem a adequação das partes às modificações do contexto internacional ensejando práticas tendentes a consolidar uma região através de processos de integração regional. Nas palavras do autor:

Integração regional é definida como um processo histórico de crescentes níveis de interação entre unidades políticas (subnacional, nacional, ou transnacional), realizada por atores compartindo ideias comuns, um conjunto de objetivos e definindo métodos para atingilos. Assim contribuindo para a construção de uma região (Dabène, 2009DABÈNE, Olivier. The politics of regional integration in Latin America: theoretical and comparative explorations. New York: Palgrave Macmillan, 2009., p. 11).

Dois dos corolários apontados pelo autor à definição acima nos interessam particularmente. O primeiro é que o processo de integração pode ser conduzido por vários atores, em diversos níveis e possuir agendas variadas. O segundo é que ele pode resultar de estratégias deliberadas ou de interações sociais aleatórias. Esta perspectiva favorece a atenção sobre o desempenho de atores subnacionais como elementos que podem (ou não) contribuir para o aumento da interdependência e, por conseguinte, para o fomento da integração regional.

Neste trabalho, interessam-nos particularmente os atores políticos cuja relevância Ernst Haas percebera há décadas ao analisar as limitações da tese funcionalista acerca da centralidade da cooperação técnica setorial para integração regional. Conforme lembra Mariano, segundo Haas, o start da integração deveria partir de um núcleo central, composto por elites políticas e governos, capaz de assegurar o cumprimento dos acordos. A partir do impulso político inicial, a dinâmica integracionista se propagaria na sociedade através do efeito spillover “criando uma dinâmica de reações, demandas e respostas” (Mariano, 2004MARIANO, Karina Lilia Pasquariello. Nova visão das teorias de integração regional: um modelo para a América Latina. Marília: Unesp, 2004., p. 70).

Neste aspecto, é digno de nota o alerta de Walter Mattli (1999)MATTLI, Walter. The logic of regional integration: Europe and beyond. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. acerca da dependência dos atores políticos em relação a seus eleitorados, o que pode servir de freio a eventuais intenções integracionistas. O autor argumenta que, por ter em vista em última instância a renovação de seu mandato, o agente político age cativo da dinâmica política doméstica. Com isto, Mattli identifica uma necessária relação entre a oferta de integração por parte dos governos e a existência de uma efetiva demanda por parte de setores da sociedade. Ou seja, se, por um lado, a integração depende de garantias políticas, por outro, ela não progride se não houver promessa de ganhos privados capazes de mobilizar agentes variados.

Com efeito, essas ideias relativas à dimensão política dos processos de integração chamam a atenção para a articulação entre as dimensões interna e externa da política. E, quanto a este aspecto, as chances de uma feliz articulação entre elas, dependem da existência de algumas condições prévias ou em construção. Entre as arroladas por Joseph Nye (1971)NYE, Joseph. Peace in parts: integration and conflict in regional organization. Boston: Little, Brown, 1971., chamam-nos atenção particularmente duas: a simetria entre as economias e a complementaridade de suas elites. Quanto à primeira, economias muito díspares tendem a gerar interesses divergentes de difícil conciliação sobretudo quanto à distribuição de benefícios. No que diz respeito à segunda, faz-se necessário que sobretudo as elites econômicas compartilhem visões de mundo e perspectivas de desenvolvimento compatíveis, o que as disporia melhor a eventuais perdas imediatas em vista de ganhos futuros. Além dessas, outra condição relevante é que os Estados demonstrem capacidade para produzir respostas coordenadas a desafios comuns. Segundo Nye, tais condições seriam geradas a partir de algumas dinâmicas entre as quais interessa-nos destacar, o acréscimo das transações que tenderia a produzir ganhos compartidos os quais incentivariam os efeitos de propagação das práticas integracionistas (spillover) e a socialização das elites em grande medida responsáveis pela sustentação das decisões políticas. Para tudo isso, a proximidade ideológica e identitária é fundamental, pois orientações conflitantes quanto a estratégias de desenvolvimento e projetos de sociedade, por exemplo, inviabilizariam as articulações necessárias para dar curso a projetos comuns.

Em maior ou menor grau, todos esses aspectos variam ao longo do tempo e, devido a isto, o processo de integração está sujeito a muitas oscilações, o que lhe empresta seu teor histórico e processual. É precisamente esta dimensão que nos propomos a evidenciar quando negligenciamos o estudo da integração como uma situação dada a favor de sua abordagem como um processo histórico. Por vê-la sob esse prisma, consideramos que ela necessita de garantias políticas para sua continuidade, o que realça a importância da performance das autoridades políticas em seus diversos níveis, inclusive no local, abordado aqui.

Paradiplomacia: conceito, escalas espaciais e condições de atuação

A crescente autonomia do local e os avanços nos processos de descentralização que se afirmam contemporaneamente à integração regional (Arocena, 2002AROCENA, José. El desarrollo local: un desafío contemporáneo. Montevideo: Taurus-Universidad Católica del Uruguay, 2002.) geram condições favoráveis à emergência de novos atores dotados de poder cuja atuação internacional constitui o que se entende por paradiplomacia.

Os estudos sobre este assunto constituem um campo novo de pesquisa em relações internacionais. Os trabalhos de Soldatos e Duchacek, ambos de 1990, foram sucedidos por uma crescente produção acadêmica e debates conceituais sobre a essência do fenômeno paradiplomático, sua influência sobre a política internacional e ainda sobre os usos e sentidos da palavra paradiplomacia. Para fins deste trabalho, ainda que a paradiplomacia envolva muito mais do que relações entre governos subnacionais, delimitamos as práticas paradiplomáticas como a ação externa de governos não centrais mediante contatos permanentes ou ad hoc com entidades públicas ou privadas estrangeiras (Ribeiro, 2009RIBEIRO, María Clotilde Meirelles. Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras. Salvador: Edufba, 2009.; Vigevani, 2006VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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; Cornago, 2000CORNAGO PRIETO, Noé. Diplomacia, paradiplomacia y redefinición de la seguridad mundial: dimensiones de conflicto y cooperación. In: Francisco Aldecoa; Michael Keating (orgs.). Paradiplomacia: las relaciones internacionales de las regiones. Madrid: Ediciones Jurídicas y Sociales, 2000. p. 55-77.).

As atividades paradiplomáticas dos agentes públicos subnacionais podem ser classificadas em quatro níveis conforme diferentes escalas espaciais: o transnacional, o inter-regional, o intra-bloco e o transfronteiriço (Duchacek, 1990DUCHACEK, Ivo D. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 1-33.). O nível transnacional é o mais disperso em termos espaciais, ocorre entre agentes públicos subnacionais de diferentes países, não necessariamente contíguos. Exemplo disso é a paradiplomacia da província de Quebec que, iniciada nos anos 1960, tem objetivos de cooperação cultural no marco da francofonia e promoção do desenvolvimento. Os acordos assinados pelo governo do Quebec com unidades subnacionais de países latino-americanos abrangem um amplo conjunto de ações e intercâmbios. Outro exemplo é o das províncias argentinas de Córdoba, Misiones, Salta e Río Negro que iniciaram gestões em vários países com os objetivos de atrair investimentos, promover as exportações e o turismo local (Miranda, 2005MIRANDA, Roberto. Paradiplomacia y gobierno local: indicios de un modo diferente de hacer relaciones internacionales. Anuario 2005. La Plata, Instituto de Relaciones Internacionales, 2005.). Com os mesmos objetivos, o estado do Rio Grande do Sul, assim como outros estados brasileiros, desenvolve intensa atividade paradiplomática em várias regiões do mundo desde, pelo menos, 1987, quando foi criada a secretaria especial para assuntos internacionais (Nunes, 2005NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.).

Nunes (2005)NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais. ressalta que há uma interessante produção de vantagens mútuas tanto para os agentes subnacionais quanto para a região na qual estão inseridos. A atuação paradiplomática, além de produzir resultados para os diretamente envolvidos, também beneficia a região ao aumentar sua visibilidade e potencializar seu desenvolvimento. Da mesma forma, o agente subnacional melhora sua posição negociadora externa ao figurar como parte de uma região em processo de integração. Outro fator importante para a reconfiguração do poder político subnacional é o pertencimento a redes transnacionais, como Eurocidades (estabelecida em 1989), Mercocidades (criada em 1995) e a rede CGLU (Cidades e Governos Locais Unidos), surgidas em reação à reduzida capacidade dos estados na gestão dos desafios produzidos pela globalização (Tessari e Mariano, 2011TESSARI, Gustavo Rosolen; MARIANO, Karina L. Pasquariello. Os governos não centrais como novos atores no cenário internacional. In: Gisálio Cerqueira Filho. Sulamérica comunidade imaginada. Emancipação e integração. Niteroi: Editora UFF, 2011. p. 161-175.). A rede Mercocidades representou uma mudança qualitativa no fortalecimento das relações regionais mediante o protagonismo dos atores sociais na formulação de propostas e na articulação de diferentes níveis da gestão pública (Gomes et al., 2015GOMES, Joséli Fiorin; MILANO; Ana Carolina Zucheto; BAUM, Larissa Roxane; KILPP, Gabriela Fernanda. A Rede Mercocidades na integração regional sul-americana: sua relação com o Mercosul e a perspectiva de interação com a Unasul. In: Josiéli Fiorin Gomes; Rodrigo de Souza Corradi (orgs.). Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades. Porto Alegre: Editora Uniritter, 2015. p. 57-71.; Clemente e Mallmann, 2015CLEMENTE, Isabel; MALLMANN, Maria Izabel. Mercocidades e integração regional. In: Josiéli Fiorin Gomes; Rodrigo de Souza Corradi (orgs.). Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades. Porto Alegre: Editora Uniritter, 2015. p. 123-133.). Da mesma forma, a criação do foro consultivo de Municípios, estados federados, províncias e Departamentos do Mercosul, em 2007, permitiu a participação direita das unidades subnacionais nas discussões sobre políticas e propostas de cooperação (Paikin e Vazquez, 2009PAIKIN, Damián; VAZQUEZ, Mariana. ¿Paradiplomacia en el Mercosur? Incentivos y barreras a la participación de los actores subnacionales en el acuerdo regional. Anuario de la Integración Regional de América Latina y el Gran Caribe, n. 7, p. 213-231, 2008-2009.).

Segundo Fronzaglia (2015FRONZAGLIA, Mauricio Loboda. Políticas de inserção internacional das ciudades: o caso de São Paulo e a Rede Mercodidades (2001-2004). In: Josiéli Fiorin Gomes; Rodrigo de Souza Corradi (orgs.). Paradiplomacia em movimento: perspectivas em homenagem aos 20 anos de atuação da Rede Mercocidades. Porto Alegre: Editora Uniritter, 2015. p. 37-56., p. 45), as redes internacionais de cidades são “um meio para realizar a inserção internacional dos governos locais, para o incremento da cooperação internacional descentralizada”, entendida por Oliveira e Luvizotto (2011)OLIVEIRA, Marcelo Fernández; LUVIZOTTO, Caroline Klaus. Cooperação técnica internacional: aportes teóricos. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 54, n. 2, p. 5-21, 2011 <10.1590/S0034-73292011000200001>.
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como um processo gradual de formação de parcerias e redes de trabalho, criação de solidariedades estratégicas, e troca de informação entre cidades e municípios e as organizações políticas, econômicas e sociais. Essas atividades têm grande potencial para gerar condições propícias ao avanço dos processos de integração embora não precisem estar necessariamente comprometidas com eles. Outra forma de as atuações dos governos não centrais gerarem dinâmicas que propiciem o aprofundamento da integração é, conforme Tessari e Mariano (2011)TESSARI, Gustavo Rosolen; MARIANO, Karina L. Pasquariello. Os governos não centrais como novos atores no cenário internacional. In: Gisálio Cerqueira Filho. Sulamérica comunidade imaginada. Emancipação e integração. Niteroi: Editora UFF, 2011. p. 161-175., a busca de soluções para problemas locais que os leve a criar mecanismos de cooperação e a pressionarem pela criação de espaços institucionalizados nas negociações regionais.

No nível inter-regional, encontram-se as ações paradiplomáticas levadas a termo por agentes de países que fazem parte de diferentes blocos econômicos, os quais se servem dos benefícios daí decorrentes e contribuem para conectá-los. Heiner Hӓnggi (2000)HӒNGGI, Heiner. Interregionalism: empirical and theoretical perspectives. Anais do evento: Dollars, democracy and trade: external influence on economic integration in the Americas. Los Angeles, 2000 <www.cap.lmu.de/transatlantic/download/Haenggi.PDF>.
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evoca os casos de unidades subnacionais de diferentes regiões, como América Latina e União Europeia, que articulam os blocos de integração aos quais pertencem. Estas atividades beneficiam-se dos acordos entre o bloco europeu e vários países e grupos regionais. O autor nota que as diferenças entre modelos de integração (supranacional e institucionalizado na União Europeia, e intergovernamental e de institucionalização mínima na América Latina) não têm sido obstáculos para a cooperação entre unidades subnacionais de ambas as regiões que conta com uma linha de financiamento específica - programa de cooperação territorial europeia (Interreg) – para tais fins. Muitas unidades subnacionais europeias têm programas de cooperação com unidades subnacionais latino-americanas. Este é o caso, por exemplo, da Xunta de Galicia (Espanha), e do governo das Ilhas Canárias no Uruguai. Há também o caso da região italiana de Umbria com a província chilena de Atacama. O estudo de Rhi-Sausi (2008)RHI-SAUSI, José Luis. La cooperación internacional en los procesos de descentralización y regionalización de los países latinoamericanos: la experiencia Italia-región de Atacama. Roma: Cespi, 2008. sobre este último caso destaca os objetivos de desenvolvimento social do projeto e sua estrutura que permite o envolvimento de atores sociais e políticos locais assim como de entidades do setor privado. Outro exemplo, é o caso do governo de Extremadura, Espanha, cuja Agência Extremeña de Cooperación Internacional para el Desarrollo incluiu, no plano do período 2010-2013, três países sul-americanos (Equador, Bolívia e Paraguai) entre as áreas prioritárias (Aexcid, 2011AEXCID. Plan Anual de la Cooperación Extremeña de 2011 </2011/2300o/11062148.pdf>.
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).

Em nível ainda mais restrito do que o inter-regional, encontram-se as ações paradiplomáticas intra-bloco que ocorrem entre agentes de um mesmo bloco regional. A paradiplomacia em contextos de integração regional pode produzir sinergias que favoreçam a evolução da integração nesse âmbito, de forma tanto mais favorável quanto mais houver simetrias institucionais. Segundo Vigevani (2006)VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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o caráter federativo ou centralizado dos estados é um fator importante. Em sistemas federados, as unidades subnacionais dispõem de maior autonomia relativa do que no caso de sistemas centralizados, nos quais suas propostas e gestões têm que ser submetidas à aprovação de organismos do governo central. Porém, ainda que as atividades paradiplomáticas sejam favorecidas por contextos de soberanias “porosas”, Duchacek (1990)DUCHACEK, Ivo D. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 1-33. chama a atenção para o fato de que elas também acontecem em sistemas unitários como forma de gestão territorial descentralizada. Outro aspecto a ser considerado, como lembra Vigevani (2006)VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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é que, como consequência da grande diversidade de modelos federais, os graus de autonomia das unidades federadas também são muito variados o que, por ser uma condição importante para a prática das atividades paradiplomáticas, incide sobre o perfil das mesmas.

Os blocos de integração na América Latina incluem unidades subnacionais de estados federais e centralizados, como também ocorre na União Europeia no caso das relações entre unidades subnacionais de Portugal, França e a Espanha. No Mercosul, os casos do Uruguai e do Paraguai (estados centralizados) contrastam com os casos da Argentina e do Brasil (estados federais). Mesmo assim, há, por exemplo, intensa atividade paradiplomática entre agentes subnacionais de Brasil e Uruguai. Certamente fatores históricos e políticos contribuem para tanto. Do lado brasileiro, o estado do Rio Grande do Sul, situado no extremo sul do país, fora do principal eixo de desenvolvimento do país, comparte com o Uruguai desafios muito semelhantes quanto ao desenvolvimento econômico e social e goza de relativa autonomia para conduzir uma agenda externa. De parte do Uruguai, tem havido nos últimos anos significativa disposição para cooperar bilateralmente com especial atenção à agenda regional e fronteiriça (Alvariza Allende, 2013ALVARIZA ALLENDE, Rafael. Uruguai-Brasil: cooperação e integração nos governos de Mujica e Rousseff Mundorama, n. 69, p. 1, 2013.; Clemente, 2015CLEMENTE, Isabel. Cambio y continuidade em la relación binacional Brasil-Uruguay. In: Maria Izabel Malmann; Teresa Marques (orgs.). Fronteiras e relações: Brasil-Uruguai. Porto Alegre: Edipucrs, 2015. p. 71-84.).

Além dos níveis acima citados, há o de menor escala espacial, o transfronteiriço, o qual, juntamente com o intra-bloco, nos concerne particularmente neste estudo devido à delimitação geográfica da pesquisa: fronteira de Uruguai e Brasil, ambos países-membro do Mercosul. O nível transfronteiriço é condicionado basicamente por fatores decorrentes da proximidade geográfica, mas não apenas. Esta condição proporcionaria, segundo Duchacek (1990)DUCHACEK, Ivo D. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 1-33., o surgimento de problemas comuns com importantes consequências mútuas que podem, em princípio, ser solucionados de forma cooperativa. Nestas circunstâncias, é possível esperar relações paradiplomáticas mais intensas. Sabe-se, no entanto, que a proximidade e a decorrente interdependência não conduzem necessariamente à cooperação, o que depende também de outros fatores. Para que a cooperação ocorra, é necessária a existência de elementos como os decorrentes da relação política e histórica entre os países, juntamente com os demais fatores mencionados acima como relevantes para o sucesso da integração econômica. Ademais, é útil lembrar, como afirma Duchacek (1990)DUCHACEK, Ivo D. Perforated sovereignties: towards a typology of new actors in international relations. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 1-33., que os efeitos das ações paradiplomáticas transfronteiriças não necessariamente se restringem à região de fronteira palco das mesmas, uma vez que envolvem, direta ou indiretamente, diferentes níveis de governo (municipal e estadual ou distrital, por exemplo) e atores públicos e privados, além de pessoas.

As práticas paradiplomáticas transfronteiriças que conectam, como dissemos, unidades subnacionais, podem potencialmente impulsionar os processos de integração regional a partir da mobilização em torno de agendas que concernem prioritariamente as regiões de fronteira. As dinâmicas da integração regional tiveram efeitos transformadores no papel das regiões fronteiriças na Europa, onde as regiões fronteiriças participaram desde o início na construção do bloco regional. Os ideais do federalismo influíram tanto como as necessidades de corrigir os desequilíbrios no desenvolvimento econômico em territórios diferentes. A criação, em janeiro de 1985, do Centro Europeu para o Desenvolvimento Regional como fórum para os intercâmbios entre regiões, e a posterior criação, em junho, do conselho de regiões europeias fortaleceram o ativismo regional: nesse âmbito, ainda que as regiões europeias compitam entre si, também cooperam para “influenciar o máximo possível o poder supranacional” (Medeiros, 2004MEDEIROS, Marcelo de A. Unidades subnacionais e integração europeia: o caso do Comité das Regiões. In: Tullo Vigevani; Luiz Eduardo Wanderley; María Inés Barreto; Marcelo Passini Mariano (orgs.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: Editora da PUC, 2004. p. 159-177., p. 164).

Em qualquer dos níveis acima citados, a paradiplomacia subnacional teria a função de viabilizar interesses locais ou regionais específicos, eventualmente não atendidos no plano da diplomacia nacional. Segundo Soldatos (1990)SOLDATOS, Panayotis. An explanatory framework for the study of federated states as foreign-policy actors. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos. (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 34-53., o desalento para com a política externa do governo central muitas vezes leva as unidades políticas subnacionais a desenvolver diretamente atividades internacionais com o objetivo de defender interesses subnacionais que consideram não defendidos adequadamente pelo estado. Para o autor, as práticas paradiplomáticas são determinadas por uma sequência de dinâmicas interconectadas que dizem respeito à realidade objetiva, às percepções sobre ela, aos posicionamentos de política externa, e, finalmente, às ações paradiplomáticas. Estas, como dito acima, contemplariam os interesses ausentes na política externa do país. Para tanto, empregam cooperação intermunicipal, cooperação em rede e cooperação no quadro de organismos regionais ou internacionais através de canais, normalmente, simples e sem necessariamente possuir ligações formais com a estrutura da política externa dos governos centrais (Ribeiro, 2009RIBEIRO, María Clotilde Meirelles. Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras. Salvador: Edufba, 2009.; Oliveira e Luvizotto, 2011OLIVEIRA, Marcelo Fernández; LUVIZOTTO, Caroline Klaus. Cooperação técnica internacional: aportes teóricos. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 54, n. 2, p. 5-21, 2011 <10.1590/S0034-73292011000200001>.
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), o que não significa dizer que não produza efeitos sobre ela e que, por isto, não deva ser coerente com ela.

Tais atividades têm suscitado discussão sobre a compatibilidade entre o monopólio da condução da política externa pelo estado nacional e o novo dinamismo internacional das unidades subnacionais, entidades não soberanas. Soldatos (1990)SOLDATOS, Panayotis. An explanatory framework for the study of federated states as foreign-policy actors. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos. (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 34-53. aponta, como reação do estado à performance internacional de suas unidades federadas, a busca de coordenação ou supervisão estratégica com vistas a harmonizar as funções. Também Hocking (2000)HOCKING, Brian. Vigilando la “frontera”: globalización, localización y capacidad de actuación de los gobiernos no centrales. In: Francisco Aldecoa; Michael Keating (orgs.). Paradiplomacia: las relaciones internacionales de las regiones. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales, 2000. p. 29-54. indica que os governos nacionais veem uma eventual incoerência com preocupação e buscam assegurar a coordenação entre níveis centrais e não centrais de governo a fim de evitar problemas de coerência com os objetivos da política externa. A análise da agenda das relações entre unidades subnacionais parceiras nas regiões fronteiriças demonstra, segundo Vigevani (2006)VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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, que predominam os objetivos de natureza prática e que as preocupações por um suposto desafio ao monopólio do estado nacional em política externa não têm evidência. Ou seja, a concentração da agenda paradiplomática nos temas da low politics não interfere necessariamente na agenda estratégica ou de segurança. Ademais, como argumenta Ribeiro (2009)RIBEIRO, María Clotilde Meirelles. Globalização e novos atores: a paradiplomacia das cidades brasileiras. Salvador: Edufba, 2009., a condição de atores livres de soberania permite às unidades subnacionais desfrutar de maior grau de liberdade para estabelecer uma agenda mais pragmática, porque focada sobre as prioridades da comunidade regional ou local. Esta pró-atividade externa subnacional teria potencial para colocar temas locais na agenda nacional uma vez que induziria o estado central a assimilar a agenda local, de forma a coordenar e supervisionar a ação internacional dos entes subnacionais. Com a criação de mecanismos de coordenação e monitoramento para harmonizar as diferentes “atividades transgovernamentais”, a segmentação na condução da política exterior poderia ser reduzida (Soldatos, 1990SOLDATOS, Panayotis. An explanatory framework for the study of federated states as foreign-policy actors. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos. (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 34-53., p. 41-42).

Outra possibilidade também apontada por Soldatos (1990)SOLDATOS, Panayotis. An explanatory framework for the study of federated states as foreign-policy actors. In: Hans J. Michelmann; Panayotis Soldatos. (orgs.). Federalism and international relations: the role of subnational units. New York: Oxford University Press, 1990. p. 34-53. é que a atuação de controle e supervisão por parte do estado poderia gerar burocratização excessiva ou aumento de conflitos. A tradição centralizadora dos ministérios de relações exteriores que se manifesta frequentemente em expressões de desconforto com as atividades internacionais das unidades subnacionais e se traduz na criação de mecanismos de coordenação e controle, pode gerar, intencionalmente ou não, obstáculos para o sucesso de iniciativas paradiplomáticas. Quanto a isto, seria de inestimável relevância a realização de estudos que investigassem pontualmente os efeitos destes mecanismos, sobre tais atividades. Contudo, apesar dessas possibilidades, é necessário reconhecer os avanços ocorridos a partir das reformas do estado dos anos 1980 e 1990 na América Latina. Tais reformas favoreceram as atividades paradiplomáticas uma vez que a descentralização então promovida envolveu a delegação de funções do estado nacional para autoridades dos níveis regional e municipal (Medellín Torres, 1989MEDELLIN TORRES, Pedro. La reforma del estado en América Latina. Bogotá: Fescol, 1989.; Dugas, 1992DUGAS, John. Los caminos de la descentralización. Bogotá: Universidad de los Andes, Departamento de Ciencia Política, 1992.; Cardarello et al., 2010CARDARELLO, Salvador Antonio; ABRAHAN, Manuela; FREIGEDO, Martín, VAIRO, Daniela. Los vaivenes de la descentralización en la administración Vázquez (2005-2010). In: María Ester Mancebo; Pedro Narbondo (orgs.). Reforma del estado y políticas públicas de la administración Vázquez: acumulaciones, conflictos y desafíos. Montevideo: Clacso-Fin de Siglo, 2010. p. 54-74.).

Como veremos, em alguns casos, o novo marco institucional, criado com as reformas do estado nas duas últimas décadas do século passado, estabeleceu normas para permitir relações entre unidades subnacionais e atores do entorno externo. Um aspecto relevante que a descentralização veio a contemplar é que, malgrado os limites de autonomia que caracterizam as capacidades das unidades subnacionais como atores internacionais, é fato que a agenda do desenvolvimento local ou regional tem nas instituições municipais ou regionais seus atores principais.

Segundo Vigevani (2006)VIGEVANI, Tullo. Problemas para a atividade internacional das unidades subnacionais: estados e municípios brasileiros, Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 21, n. 62, p. 127-139, 2006 <10.1590/S0102-69092006000300010>.
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, a prioridade dada, neste nível, a projetos de desenvolvimento, tais como de ciência, tecnologia e inovação, infraestrutura de comunicações e transporte, e a atenção a problemas comuns como os relacionados com o meio ambiente, as bacias de rios e lagoas e os recursos naturais, pode ser explicada pela existência de muitos entrelaçamentos entre política local e organizações sociais de unidades subnacionais contíguas. A atuação dos agentes políticos subnacionais oferece as garantias necessárias para consecução de objetivos públicos e privados locais, assim como para a continuidade da cooperação, pelo menos enquanto durarem os interesses mútuos. Ademais, as análises sobre desenvolvimento local (Arocena, 2002AROCENA, José. El desarrollo local: un desafío contemporáneo. Montevideo: Taurus-Universidad Católica del Uruguay, 2002.; Magri et al., 2014MAGRI, Altair; ABRAHAM, Manuela; OGUES, Leticia. Nuevos desafíos y respuestas de los actores sobre el desarrollo local: La Paloma y Nueva Palmira frente a propuestas de inversión. Montevideo, Espacio Interdisciplinario, 2014.) destacam o papel determinante das articulações entre identidade e desenvolvimento. Os autores consideram que a capacidade de iniciativa da sociedade civil local é uma condição necessária para atingir os objetivos de desenvolvimento e governança democrática. A busca de tais objetivos feita de forma coordenada por agentes subnacionais de diferentes Estados nacionais que compartilhem realidades e metas semelhantes pode gerar efeitos positivos à integração regional na medida em que instaura procedimentos compartidos e reforça a confiança mútua.

Paradiplomacia e integração regional

A despeito dos inconvenientes que eventuais assimetrias institucionais possam produzir, observamos na América Latina, que algumas reformas constitucionais, como nos casos do Brasil (1988) e da Colômbia (1991), incluíram normas que reconhecem aos governos regionais ou locais algumas capacidades para estabelecer relações com unidades de governo de nível semelhante nos países vizinhos. No caso do Brasil, isto foi favorecido possivelmente pelo fato de que alguns estados já haviam criado suas próprias secretarias especializadas: o Rio de Janeiro o fez em 1983 e o Rio Grande do Sul, em 1987 (Nunes, 2005NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.).

No caso da constituição colombiana de 1991, o artigo 287 instituiu a autonomia de governo e gestão de recursos das unidades subnacionais e autorizou que as regiões e municípios dos territórios fronteiriços pudessem acordar diretamente planos e ações de cooperação com objetivos de desenvolvimento comunitário, defesa do meio ambiente e eficiência na gestão dos serviços públicos destinados às comunidades transfronteiriças (Clemente, 1994CLEMENTE, Isabel. La integración de Colombia en la Cuenca del Caribe: Bases regionales en la definición de políticas. Espacio abierto, n. 4, p. 89-113, 1994.). Ainda quando a Venezuela era membros do pacto andino,1 1 O Pacto Andino, criado pelo acordo de Cartagena de 1969, foi reformulado na década de 1990 e originou a atual Comunidade Andina de Nações. O bloco é composto por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Chile e Venezuela deixaram o bloco em 1977 e 2006, respectivamente. e apesar do prolongado conflito de definição de limites com a Colômbia, os dois países, ao mesmo tempo em que encaminhavam sua relação bilateral no sentido da aproximação ao México para a formação do Grupo dos Três, iniciaram um programa de ação para o desenvolvimento da região fronteiriça, com projetos de cooperação técnica e econômica. As demandas locais dos dois lados da fronteira tiveram parte importante na criação das comissões binacionais de vizinhança para a gestão da agenda trans-fronteiriça (Clemente, 1994CLEMENTE, Isabel. La integración de Colombia en la Cuenca del Caribe: Bases regionales en la definición de políticas. Espacio abierto, n. 4, p. 89-113, 1994.; Barrera, 1989BARRERA, Cristina (org.). Crisis y fronteras. Bogotá: Ediciones Uniandes, 1989.). Contudo, lamentavelmente, tais experiências não são imunes às mudanças políticas que muitas vezes, como neste caso, significaram a deterioração da cooperação. Hoje, a fronteira entre ambos é mais uma zona de conflito, ainda que, em princípio, persistam suas potencialidades de cooperação.

Na Argentina, os avanços da atividade internacional das províncias começaram após o restabelecimento da democracia em 1983. Durante os governos de Raúl Alfonsín (1983-1989) e Carlos Menem (1989-1999), o início da paradiplomacia esteve associado às iniciativas dos representantes das províncias no poder Legislativo em reação às medidas aprovadas no âmbito do Mercosul. Miranda (2005)MIRANDA, Roberto. Paradiplomacia y gobierno local: indicios de un modo diferente de hacer relaciones internacionales. Anuario 2005. La Plata, Instituto de Relaciones Internacionales, 2005. destaca a ação das províncias produtoras de açúcar contra as medidas aprovadas pelo Mercosul e a atuação dos congressistas para obter termos mais favoráveis aos interesses dessas províncias. O autor argumenta que as cidades adquiriram maior relevância que as províncias na dinâmica paradiplomática porque assumiram a liderança das reivindicações sociais, econômicas e identitárias. Em 1992, o governo argentino criou a direção de assuntos federais para acompanhar as atividades paradiplomáticas provinciais.2 2 É importante registrar que, apesar da existência da Direção de Assuntos Federais na Argentina, e sem que os Comitês de Fronteira tenham encontrado uma solução, o conflito entre a província argentina de Entre Rios e o Uruguai em função do estabelecimento de uma planta produtora de celulose (Viola, Franchini, Ribeiro, 2013) teve consequências negativas sobre a continuidade das relações transfronteiriças de ambos os países. A questão local-municipal adquiriu relevância na medida em que os municípios começaram a se ocupar de políticas antes de domínio exclusivo do governo central como as relativas ao meio ambiente e à política social. Como consequência, adquiriram autonomia “de fato”, maior que a que lhes autorizava a reforma constitucional de 1994, passando a desenhar políticas públicas e a participar em ações de política externa (Miranda, 2005MIRANDA, Roberto. Paradiplomacia y gobierno local: indicios de un modo diferente de hacer relaciones internacionales. Anuario 2005. La Plata, Instituto de Relaciones Internacionales, 2005.). No entanto, não foram ações de cooperação com seus pares externos que originaram a mobilização paradiplomática dos agentes subnacionais argentinos, mas sim ações reativas às políticas de integração regional. O mesmo não se passa nos casos de Uruguai e Brasil; pelo menos, não de forma determinante como no da Argentina.

Em 2014, o Uruguai criou a coordenação de apoio à ação exterior dos governos departamentais e municipais. Este organismo do ministério de relações exteriores tem o objetivo de fortalecer a coordenação entre os níveis nacional e subnacional e prevenir inconsistências nas posições e propostas nos espaços de participação regionais e fronteiriços. No Brasil foi criada, em 1997, a assessoria de relações federativas ligada ao gabinete do ministro de relações exteriores, quando já havia muitas estruturas nos estados federados para cuidarem de suas relações internacionais. Em pesquisa de 2004, Nunes identifica a existência de secretarias específicas ou, pelo menos, de departamentos especializados em 11 estados brasileiros, além do Distrito Federal (Nunes, 2005NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.).

No caso de Brasil e Uruguai, ainda que o processo das relações transfronteiriças seja conduzido pelo mais alto nível diplomático e esteja inserido na agenda binacional de cooperação e desenvolvimento, o desenho das estruturas de negociação e a dinâmica dos intercâmbios incluíram, desde o início, a participação ativa dos governos regionais e locais e das organizações sociais da área fronteiriça. Houve, portanto, o cuidado de providenciar canais de comunicação entre governos centrais e não centrais, para o que também teria contribuído a descentralização institucional no Brasil (Nunes, 2005NUNES, Carmen Juçara da Silva. A paradiplomacia no Brasil: o caso do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2005. Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais.; Salomón, 2008SALOMÓN, Mónica. Los estados y municipios brasileños como actores de la cooperación internacional. Revista Española de Desarrollo y Cooperación, n. 22, p. 145-139, 2008.; Hocking, 2000HOCKING, Brian. Vigilando la “frontera”: globalización, localización y capacidad de actuación de los gobiernos no centrales. In: Francisco Aldecoa; Michael Keating (orgs.). Paradiplomacia: las relaciones internacionales de las regiones. Madrid: Marcial Pons Ediciones Jurídicas y Sociales, 2000. p. 29-54.).

O marco normativo da cooperação fronteiriça entre os dois países está constituído pelos tratados assinados pelos dois estados e por novas regulações aprovadas pela nova agenda, de 2002. Entre tais regulações é importante destacar a permissão de residência, estudo e trabalho para os nacionais fronteiriços do Brasil e do Uruguai, aprovada naquele ano. Originalmente, um documento especial certifica essa condição aos habitantes da região incluindo os seis pares de cidades gêmeas (Bella Unión-Barra do Quaraí, Artigas-Quaraí, Rivera-Santana do Livramento, Aceguá-Aceguá, Río Branco-Jaguarão, e Chui-Chuy). Posteriormente, essa condição foi estendida aos habitantes das “cidades vinculadas” de Santa Vitória do Palmar, Hermenegildo, Barra do Chui e La Coronilla (Alvariza Allende, 2012ALVARIZA ALLENDE, Rafael. Positivas repercusiones de la visita de Mujica a Brasil. CEIRI Newspaper. 7 maio 2012 <http://www.jornal.ceiri.com.br/positivas-repercusiones-de-la-visita-de-mujica-a-brasil/>.
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, 2013ALVARIZA ALLENDE, Rafael. Uruguai-Brasil: cooperação e integração nos governos de Mujica e Rousseff Mundorama, n. 69, p. 1, 2013.; Banzatto e Prado, 2014BANZATTO, Arthur; PRADO, Henrique. A paradiplomacia, a cooperação descentralizada e a integração fronteiriça no Mercosul. Boletim Meridiano 47, v. 15, n. 141, p. 18-24, 2014 <10.20889/9890>.
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).

As instituições transfronteiriças criadas por sucessivos tratados incluem duas comissões binacionais para o tratamento de problemas das bacias do rio Quaraí e da Lagoa Mirim. Recursos hídricos, problemas de poluição, desenvolvimento agrícola, comunicações e transportes dominam a agenda de discussões de ambos os organismos os quais estão formados por representantes dos governos locais, do setor privado e de organizações sociais. A organização de comitês de fronteira viabilizou a participação local em sessões convocadas de forma coordenada com os ministérios de relações exteriores dos dois países, os quais também se fazem representar. A partir do marco institucional formalizado, e como um resultado das dinâmicas iniciadas pelos comitês de fronteira, constituídos por representantes de organismos locais e organizações sociais dos municípios para ocuparem-se das relações entre províncias, estados e departamentos dos países vizinhos, um número crescente de intercâmbios tem sido observado. Eles envolvem governos locais, universidades, produtores rurais, organizações culturais e movimentos sociais.

Na perspectiva da paradiplomacia, as relações entre governos não centrais nesta região fronteiriça do Mercosul, podem constituir atualmente uma linha de ação em processo de afirmação. Para efeitos de registro, é curioso notar que agentes subnacionais de dois estados federados, Brasil e Argentina, não construíram uma trajetória cooperativa tão dinâmica como a existente entre agentes subnacionais de Brasil e Uruguai, o primeiro federal e o segundo centralizado. O peso disto que, em tese, dificultaria as iniciativas subnacionais na medida em que não haveria perfeita correspondência de atribuições por parte dos entes envolvidos, no caso de Brasil e Uruguai, em princípio, não se comprova. Apesar desta aparente fluidez, é útil ter presente as observações de Medeiros (2004) quanto ao fato de que, no Brasil, os entes subnacionais são prejudicados pelo “federalismo não cooperativo” na medida em que a política externa atende “aos interesses da matriz de desenvolvimento nacional, calcada em grande parte, nos interesses dos entes infra-estatais mais ricos – o centro – em detrimento dos menos favorecidos – a periferia” (Medeiros, 2004MEDEIROS, Marcelo de A. Unidades subnacionais e integração europeia: o caso do Comité das Regiões. In: Tullo Vigevani; Luiz Eduardo Wanderley; María Inés Barreto; Marcelo Passini Mariano (orgs.). A dimensão subnacional e as relações internacionais. São Paulo: Editora da PUC, 2004. p. 159-177., p. 64). Este poderia ser o ponto de partida para estudos que buscassem entender os empecilhos institucionais à implementação de políticas que atendem prioritariamente a interesses locais e fronteiriços.

Considerações finais

O objetivo central deste artigo foi discutir as articulações entre duas importantes tendências de configuração das relações internacionais: o transnacionalismo e a integração regional.

Quanto à primeira tendência – a de transnacionalismo – a ação internacional de unidades políticas subnacionais tais como a participação de cidades e governos não centrais em programas de cooperação descentralizada, os acordos de cooperação inter-regional, e a atuação de cidades e municípios em redes transnacionais, constituem exemplos do crescente transnacionalismo aos quais se poderiam acrescentar tantos outros, não incluídos neste estudo, protagonizados por indivíduos e organizações civis.

No que diz respeito à segunda tendência – a de integração regional – a inclusão de novos atores nas dinâmicas dos blocos regionais, a ampliação da agenda da integração e novas modalidades de cooperação constituem acréscimos na densidade da integração, ainda que os resultados mais relevantes devam aparecer no longo prazo.

O cruzamento destas tendências produz inúmeros efeitos; entre eles encontra-se o aumento das ações paradiplomáticas através das quais agentes subnacionais atuam no plano internacional em busca da realização de interesses locais ou regionais não contemplados pela agenda externa do estado central, sem que isto sobrecarregue demasiadamente a agenda externa dos estados nacionais ou ameace sua soberania.

Por serem operadas por agentes diretamente interessados, as atividades paradiplomáticas tendem a garantir a continuidade das transações e os benefícios daí decorrentes. Quando realizadas em âmbito de integração regional, tais ações podem contribuir para o processo, desde que haja razoável interlocução entre as autoridades e instâncias burocráticas locais e centrais.

De modo geral, consideramos que as ações paradiplomáticas têm grande potencial para contribuir para o incremento da integração, ao contrário do que seu caráter descentralizado poderia deixar supor. Isto porque tais ações tendem a potencializar as transações e a gerar interesses compartidos sempre que certas condições se façam presentes. Pensamos que algo nesse sentido se passa na região transfronteiriça de Brasil e Uruguai.

Para começar, alguma proximidade política e ideológica deve existir de modo a não situar as partes em campos antagônicos, permitindo o diálogo e a projeção de ações conjuntas, o que se observa entre Brasil e Uruguai nos últimos anos. Sem isto, como vimos no caso de Venezuela e Colômbia, o potencial de cooperação transfronteiriço é desperdiçado. Além disto, e entre tantas outras condições, a simetria institucional entre as partes, decorrente da organização administrativa dos estados, facilita as transações.

A análise apresentada neste artigo destaca a inter-relação integração regional e políticas de descentralização: a crescente autonomia do local é determinante para a emergência de novos atores e sinergias com efeito em maior dinamismo no processo de integração. Sempre que as ações paradiplomáticas articularem agentes de um mesmo nível administrativo que gozem de relativa autonomia em relação aos seus respectivos estados, poderão contar com os benefícios de negociações mais céleres e de atenção a demandas locais sem disputar espaço nas agendas externas nacionais.

Consideramos, contudo, que a inexistência desta simetria não inviabiliza necessariamente iniciativas descentralizadas, como se pode observar no caso de Brasil e Uruguai - um estado federado e outro centralizado - cujas relações contam com canais descentralizados. Embora, a reconfiguração do poder local e as atividades internacionais dos governos subnacionais confrontem o estado nacional com o desafio de compatibilizar o ativismo paradiplomático com o monopólio da política externa pelo governo central. Nos casos estudados neste artigo os estados membros do Mercosul parecem ter achado uma fórmula equilibrada para minimizar discordâncias entre diferentes níveis das relações exteriores, o que tem sido notório nas relações entre Brasil e Uruguai.

  • *
    Versão atualizada do trabalho Integração regional e paradiplomacia: reflexões teóricoconceituais apresentado no 5º Encontro Nacional da Abri, Belo Horizonte (Brasil) 29-31 de julho de 2015. As autoras agradecem o apoio do programa Capes/Udelar para o projeto 040/2011 cujo resultado parcial é apresentado neste artigo.
  • 1
    O Pacto Andino, criado pelo acordo de Cartagena de 1969, foi reformulado na década de 1990 e originou a atual Comunidade Andina de Nações. O bloco é composto por Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Chile e Venezuela deixaram o bloco em 1977 e 2006, respectivamente.
  • 2
    É importante registrar que, apesar da existência da Direção de Assuntos Federais na Argentina, e sem que os Comitês de Fronteira tenham encontrado uma solução, o conflito entre a província argentina de Entre Rios e o Uruguai em função do estabelecimento de uma planta produtora de celulose (Viola, Franchini, Ribeiro, 2013VIOLA, Eduardo; FRANCHINI, Matías; RIBEIRO, Thais Lemos. Sistema internacional de hegemonia conservadora. São Paulo: Annablume, 2013.) teve consequências negativas sobre a continuidade das relações transfronteiriças de ambos os países.

Referências

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    » /2011/2300o/11062148.pdf
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016

Histórico

  • Recebido
    01 Abr 2016
  • Aceito
    02 Set 2016
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