Acessibilidade / Reportar erro

Segregação, vulnerabilidade e desigualdades sociais e urbanas

Segregation, vulnerability and social and urban inequalities

Segregación, vulnerabilidad y desigualdades sociales y urbanas

Resumo:

Com o avanço dos estudos sobre a segregação residencial, diversos autores têm discutido sobre os benefícios ou prejuízos que afetam diferentes grupos sociais em decorrência de sua localização no território das cidades. Inserindo-se nessa discussão, o presente artigo apresenta um estudo sobre esses fenômenos em Salvador, primeira capital e atualmente a terceira maior cidade brasileira, com base em dados dos Censos Demográficos de 2000 e 2010 e de outras fontes oficiais. Evidenciando como a apropriação diferenciada do território urbano interfere sobre o acesso a bens e serviços e sobre as oportunidades de vida, suas análises deixam patente como essa apropriação contribui para acentuar e reproduzir a vulnerabilidade e as desigualdades sociais.

Palavras-chave:
Segregação; Vulnerabilidade social; Desigualdades sociais; Salvador

Abstract:

Related with the urban segregation processes, several studies have discussed the benefits or losses that affect different social groups as a result of their location in space. In this discussion, this article presents a study about these phenomena in Salvador, first capital and currently the third largest Brazilian city on data from the 2000 and 2010 demographic censuses and other official sources. Showing how differentiated appropriation of the urban territory interferes on access to goods and services and on life opportunities, these analyses highlight the relevance of mentioned phenomena for the production and reproduction of social inequalities and vulnerability.

Keywords:
Segregation; Vulnerability; Social inequalities; Salvador

Resumen:

Con el avance de los estudios sobre segregación residencial, varios autores han discutido sobre los beneficios o daños que afectan a los diferentes grupos sociales debido a su ubicación en el territorio de las ciudades. Como parte de esta discusión, este documento presenta un estudio de estos fenómenos en Salvador, la primera capital y actualmente la tercera ciudad más grande de Brasil, basado en datos del Censo Demográfico 2000 y 2010 y otras fuentes oficiales. Al evidenciar cómo la apropiación diferenciada del territorio urbano interfiere con el acceso a bienes y servicios y las oportunidades de vida, sus análisis muestran cómo esta apropiación contribuye a acentuar y reproducir la vulnerabilidad y las desigualdades sociales.

Palabras clave:
Segregación; Vulnerabilidad social; Desigualdades sociales; Salvador

Introdução

Tanto a necessidade de certa concentração espacial de infraestrutura e serviços como a trajetória, os padrões de desenvolvimento do Brasil e de outros países da América Latina levaram à constituição de complexos sistemas urbanos, onde alguns grandes centros assumiram uma configuração metropolitana. Concentrando a população, a produção e a riqueza, esses centros também são marcados, paralelamente, pelo seu caráter desigual, segregado e excludente, transformando-se, atualmente, no epicentro da crise social que afeta essas cidades e assumindo um significativo destaque na agenda dos estudos urbanos.

Como parte de um amplo conjunto de investigações desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) e o Observatório das Metrópoles sobre as condições e as transformações dos referidos centros na fase contemporânea, este artigo tem como objetivo analisar em que medida os processos de segmentação, diferenciação e apropriação do território urbano interferem sobre a realidade social. Mais precisamente, ele se propõe a estudar como os padrões de segregação que prevalecem nas metrópoles brasileiras contribuem para reproduzir e acentuar as desigualdades sociais e a vulnerabilidade de amplos segmentos da população em decorrência da sua localização no espaço urbano, com base no caso de Salvador, primeira capital do País e, atualmente, a sua terceira maior cidade. Para atender a esses objetivos, será utilizada uma tipologia socioespacial elaborada através de tabulações especiais dos Censos de 2000 e de 2010 com a metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles, assim como informações de outros órgãos oficiais e de pesquisas desenvolvidas anteriormente pela autora e por outros investigadores sobre a metrópole baiana.

Além desta Introdução, o presente artigo abrange mais três secções; aquela que se segue aborda teoricamente os fenômenos da segregação e do “efeito território”. A próxima discute as especificidades e os impactos desses fenômenos no que se refere à vulnerabilidade e às desigualdades na capital baiana. Na última secção são apresentadas algumas observações finais.

Segregação e efeito território

Ainda que as cidades sejam desiguais e segregadas de longa data, a discussão mais sistemática desses fenômenos está associada à emergência da Escola de Chicago, (considerada como o marco de nascimento da Sociologia Urbana) nas primeiras décadas do século 20.

Privilegiando a separação étnico-racial e a realidade dos guetos negros, esses estudos se multiplicaram nos Estados Unidos, chegando posteriormente aos países europeus e latino-americanos (onde a segregação tem um caráter predominantemente sócio-ocupacional) com a realização de diversas pesquisas sobre os seus grandes centros. Além disso, a reestruturação produtiva, a precarização do mercado de trabalho, o aumento do desemprego e das desigualdades e o avanço e a concentração espacial de pobreza renovaram o interesse sobre os fenômenos em discussão. Multiplicaram-se os estudos sobre a segregação e sobre os seus impactos, com uma significativa diversidade de perspectivas e conclusões.

No debate americano, onde essa questão recebeu mais destaque, até meados da década de 1980 as condições problemáticas das áreas segregadas eram associadas a supostos valores, normas culturais e comportamentos dos seus moradores, que se caracterizariam pela carência de uma ética de trabalho e de respeito às leis, pela desorganização familiar e pela dependência da assistência pública. Mas essas explicações passaram a ser questionadas a partir da publicação do hoje clássico estudo de Wilson (1987)Wilson, William J. 1987. The truly disavantaged: the inner city, the underclass and public policy. Chicago: The University of Chicago Press., The truly disavantaged, para quem a abordagem culturalista não possuía uma fundamentação empírica e criminalizava os verdadeiros desfavorecidos.

Para esse autor, o recrudescimento da pobreza nas áreas centrais das cidades americanas constituía um produto combinado de transformações econômicas que levaram ao crescimento do desemprego e a uma queda das remunerações, com o aumento da concentração da pobreza e da homogeneidade social, associadas à debandada dos negros das classes médias e trabalhadora para vizinhanças de maior renda após a conquista dos direitos civis. Evidenciando como aquelas áreas se transformaram em depósitos de desvantagens, reproduzindo condições de vida, relações sociais e experiências pouco enriquecedoras para o desenvolvimento de crianças e jovens expostos a uma situação de isolamento e pobreza especialmente concentradas, Wilson chamou atenção para os impactos adversos da segregação e para o que alguns autores têm denominado como “efeito território”, “efeito vizinhança” ou “efeitos do lugar” (Bourdieu 1997Bourdieu, Pierre. 1997. Efeitos de lugar. In A miséria do mundo, organizado por Pierre Bourdieu, 159-214. 3 ed. Petrópolis, Vozes.; Sabatini et al. 2003; Andrade et al. 2013Andrade, Luciana T. e Leonardo S. Silveira. 2013. Efeito território: explorações em torno de um conceito sociológico. Civitas 13 (2): 381-402. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.14295.
https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013....
).

Partindo da premissa de que o espaço importa, multiplicaram-se estudos como os de Galster et al. (1995)Galster, C. and S. Killen, 1995. The geography of metropolitan opportunity: a reconnaissance and conceptual framework. Housing Policy Debate 6 (1): 7-43. https://doi.org/10.1080/10511482.1995.9521180.
https://doi.org/10.1080/10511482.1995.95...
, Jargowsky (1996)Jargowsky, R. A. 1996. Take the money and run: economic segregation in U. S. metropolitan areas. American Sociological Rewiew 61 (6): 984-998. https://doi.org/10.2307/2096304.
https://doi.org/10.2307/2096304...
, Ellen et al. (2001)Ellen, Ingrid G. e Margery A. Turner. 2001. Does neighborhood matter? Assessing recent evidence. Housing Policy Debate 8 (4): 833-866. https://doi.org/10.1080/10511482.1997.9521280.
https://doi.org/10.1080/10511482.1997.95...
, Bourdieu (1997)Bourdieu, Pierre. 1997. Efeitos de lugar. In A miséria do mundo, organizado por Pierre Bourdieu, 159-214. 3 ed. Petrópolis, Vozes., Small et al. (2001)Small, Mario L. e Katherine Newman. 2001. Urban poverty after the truly desavantaged: the rediscovery of the family, the neighborhood and culture. Annual Rewiew of Sociology 27: 23-45. https://doi.org/10.1146/annurev.soc.27.1.23.
https://doi.org/10.1146/annurev.soc.27.1...
, Kearns et al. (2001)Kearns, Ade e Parkinson, Michael. 2001. The significance of neighbourhood. Urban Studies 38 (12): 2013-2110. https://doi.org/10.1080/00420980120087063.
https://doi.org/10.1080/0042098012008706...
, Ainsworth (2002)Ainsworth, Jame W. 2002. Why does it take a village: mediation of neighborhood effects on educational achievemnt. Social Forces 8 n. 1: 117-152. https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038.
https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038...
, Bauder (2002)Bauder, Harald. Neighbourhood: effects and cultural exclusion. 2002. Urban Studies 39 (1): 85-93. https://doi.org/10.1080/00420980220099087.
https://doi.org/10.1080/0042098022009908...
, Katzman et al. (2005)Katzman, Fubem e Alejandro Retamoso. 2005. Segregacion espacial, empleo y pobreza em Montevideo. Revista Cepal 85 (9): 131-148. https://doi.org/10.18356/93a498f9-es.
https://doi.org/10.18356/93a498f9-es...
, Ribeiro et al. (2008)Ribeiro, Luiz Cesar Q. e Fuben Kaztman. 2008. A cidade contra a escola. Segregação urbana e desigualdades educacionais nas grandes cidades da América Latina. Rio de Janeiro: Letra Capital., Saravi (2008)Saravi, Gonzalo A. 2008. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad en la Ciudad de México. Eure 34 (103): 93-110. https://doi.org/10.4067/S0250-71612008000300005.
https://doi.org/10.4067/S0250-7161200800...
, Burgos (2009)Burgos, Marcelo T. B. 2009. Segregação urbana e segregação institucional. Comunicação apresentada no 14º Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 16 Questão urbana. Rio de Janeiro. http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=78.
http://www.sbsociologia.com.br/portal/in...
e Sabatini et al. (2013)Sabatini, Francisco, Guilhermo Wormald e Alejandra Rassa. 2013. Segregación de la vivenda social: ocho conjuntos en Santiago, Concepcion y Talca. Santiago: Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales, Pontificia Universidad Católica de Chile., sobre a referida questão. Além disso, com as transformações contemporâneas do capitalismo, o tema da exclusão social foi colocado no centro dos debates e a atenção focalizada nos locais da sua concentração, que aparecia, agora, associada a novas formas de segregação urbana, marginalidade e delinquência. Nos Estados Unidos, por exemplo, as transformações assinaladas levaram a uma verdadeira degradação do gueto negro, antes integrado, e de suas instituições. Ele se transformou em depósito de uma população excedente, sem uso econômico ou político pela sociedade circundante, marcado por uma aguda privação material, por um desemprego elevado e persistente, pelo isolamento e estigmatização dos seus moradores, deterioração das instituições públicas, crescimento da violência, do comércio de drogas e de vários tipos de atividades ilegais (Wacquant 2008Wacquant, Loic. 2008. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo.).

Em que pese a diversidade de orientações desses estudos, há uma convergência entre os vários autores quanto ao fato de que a aglomeração dos grupos despossuídos em espaços homogêneos contribui para o seu isolamento físico e social, limitando os âmbitos de interação e de sociabilidade com outras classes, estreitando as suas redes e dificultando a aquisição do capital social necessário para facilitar o acesso a diversas oportunidades, a exemplo da inserção no mercado de trabalho, ampliando a sua despossessão. Mas se uma parte dos estudiosos destaca a influência do entorno sobre a trama social, o processo de socialização e a formação de valores, expectativas e comportamentos individuais, outra linha de estudos privilegia o impacto de fenômenos de caráter mais objetivo e/ou estrutural.

Galster et al. (1995)Galster, C. and S. Killen, 1995. The geography of metropolitan opportunity: a reconnaissance and conceptual framework. Housing Policy Debate 6 (1): 7-43. https://doi.org/10.1080/10511482.1995.9521180.
https://doi.org/10.1080/10511482.1995.95...
por exemplo, ressaltam a existência de uma “geografia de oportunidades”, associada à disponibilidade e às diferenças quanto à localização, qualidade e facilidade de acesso a recursos e serviços como creches, escolas, postos de saúde, transportes e equipamentos culturais, assim como ao próprio mercado de trabalho. Nos espaços onde se concentram os grupos mais vulneráveis esse acesso é um fator negativo, pois contribui para acentuar e reproduzir suas dificuldades de subsistência e os processos que levam à sua exclusão. Já o estudo antes mencionado de Wacquant (2008)Wacquant, Loic. 2008. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo., discutindo a nova pobreza das grandes cidades americanas, considera que ela decorreria da própria dinâmica do capitalismo contemporâneo, estando associada à dualização do mercado de trabalho, ao aumento das desigualdades e à retração das políticas sociais naquele país. Analisando a degradação do gueto negro, o autor considera que ela seria resultante da degradação das economias locais, da perda de milhares de empregos devido à reestruturação produtiva, da concentração espacial da pobreza, do isolamento dos moradores e da insuficiência da ajuda federal.

Pesquisadores latino-americanos e brasileiros tendem a associar o fenômeno em apreço a características estruturais do desenvolvimento dos países de capitalismo tardio e às especificidades do seu processo de urbanização. Processo marcado pela incapacidade dos salários em cobrir as necessidades de reprodução dos trabalhadores, pela dimensão da reserva de mão de obra, pela especulação imobiliária e por uma divisão do espaço urbano em um núcleo privilegiado, onde as camadas de alta e média renda se autossegregam, e periferias pobres, desassistidas e carentes dos serviços básicos, cujos moradores são privados de direitos intrínsecos à condição de cidadãos urbanos (Faria 1976Faria, Vilmar E. 1976. O sistema urbano brasileiro: um resumo das características e tendências recentes. Estudos Cebrap 18: 91-116.; Kowarick 1979Kowarick, Lúcio. 1979. A espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra., 2009Kowarick, Lúcio. 2009. Escritos urbanos. 2 ed. São Paulo: Editora 34.; Shapira 2000Shapira, M. F. P. 2000. Segregação, fragmentação, sucessão: a nova geografia social de Buenos Aires. Novos Estudos Cebrap 56. Cebrap: São Paulo.; Katzman et al. 2005Katzman, Fubem e Alejandro Retamoso. 2005. Segregacion espacial, empleo y pobreza em Montevideo. Revista Cepal 85 (9): 131-148. https://doi.org/10.18356/93a498f9-es.
https://doi.org/10.18356/93a498f9-es...
; Saravi 2008Saravi, Gonzalo A. 2008. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad en la Ciudad de México. Eure 34 (103): 93-110. https://doi.org/10.4067/S0250-71612008000300005.
https://doi.org/10.4067/S0250-7161200800...
).

Assim, no que tange à educação, pesquisas efetuadas em vários países têm constatado a má qualidade e a tendência das escolas públicas a se diferenciar conforme a composição das áreas onde estão localizadas, com sérias desvantagens para aquelas que servem aos moradores das áreas periféricas e com alta concentração de pobres (Ainsworth 2002Ainsworth, Jame W. 2002. Why does it take a village: mediation of neighborhood effects on educational achievemnt. Social Forces 8 n. 1: 117-152. https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038.
https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038...
; Marques et al. 2005Marques, Eduardo e Haroldo Torres. 2005. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais. São Paulo: Ed. Senac.; Van Zanten 2005; Burgos 2009Burgos, Marcelo T. B. 2009. Segregação urbana e segregação institucional. Comunicação apresentada no 14º Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 16 Questão urbana. Rio de Janeiro. http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=78.
http://www.sbsociologia.com.br/portal/in...
; Ribeiro et al. 2009; Ribeiro et al. 2010Ribeiro, Luiz Cesar Q., Mariane C. Koslinski, Fatima Alves e Cristiane Lasmar. 2010. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles.; Fernandes et al. 2014Fernandes, Cláudia M. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2014. Organização do território e desigualdades sociais na Região Metropolitana de Salvador. In Salvador: transformações na ordem urbana, organizado por Inaiá M. M. de Carvalho e Gilberto C. Pereira, 174-198. Rio de Janeiro: Letra Capital.; Costa Silva 2016Costa Silva, Diogo Reys da. 2016. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador. Tese em Ciências Sociais, Ufba. Salvador.; Santos 2018Santos, Lícia Maria S. 2018. As fronteiras do lugar na vida dos jovens. Tese em Ciências Sociais, UFBA, Salvador.). Nessas escolas crianças e jovens apresentam normalmente um pior desempenho e são mais afetados por problemas como a repetência, o atraso e a evasão escolar. Embora esses fenômenos estejam associados ao nível de educação dos pais e às condições das famílias, a contribuição do sistema escolar também não pode ser menosprezada.

Atendendo a uma clientela oriunda de famílias de baixa escolaridade e renda, os referidos estabelecimentos são comumente superlotados e precários. Seus alunos pouco interagem com colegas de nível social mais elevado, deixando de ficar expostos aos efeitos positivos dos contatos com aqueles que dispõem de um maior capital social e cultural. Conforme assinalado por autores como Burgos (2009)Burgos, Marcelo T. B. 2009. Segregação urbana e segregação institucional. Comunicação apresentada no 14º Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 16 Questão urbana. Rio de Janeiro. http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=78.
http://www.sbsociologia.com.br/portal/in...
e Ribeiro et al. (2010)Ribeiro, Luiz Cesar Q., Mariane C. Koslinski, Fatima Alves e Cristiane Lasmar. 2010. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles., regras de contratação e de alocação de professores, muitas vezes, direcionam para esses estabelecimentos aqueles que obtiveram menor pontuação nos concursos ou os que ingressaram mais recentemente no magistério. Já os mais experientes ou com maior pontuação tendem a escolher escolas mais centrais, consideradas como “menos problemáticas” em termos de localização, acesso e perfil do alunato. Além disso, de uma maneira geral os professores são pouco preparados para lidar com crianças e jovens que fogem aos modelos idealizados, tendendo a desenvolver uma visão preconceituosa e negativa das características e do comportamento dos alunos, e das suas possibilidades de aprendizagem. Nessas condições, a escola tem dificuldades de assegurar a esses alunos a educação crescentemente exigida para a incorporação ao mercado de trabalho e para uma melhor integração social.

Por outro lado, o processo de crescimento das cidades tende a combinar a expansão e a dispersão da malha urbana com a concentração dos fluxos e das atividades em determinados pontos do território, com uma distribuição bastante desigual de equipamentos e de serviços, e um desajuste territorial crescente entre os locais de moradia e de trabalho da população. Com exceção das unidades fabris, situadas geralmente em áreas distantes e onde os terrenos são mais baratos, as atividades produtivas e as oportunidades de emprego por elas propiciadas se concentram em áreas centrais e mais afluentes, especialmente em países como os que compõem a América Latina, onde a renda também se encontra especialmente concentrada. Já nas áreas homogeneamente pobres e densamente povoadas, onde reside uma grande parcela da população, nem sempre o poder aquisitivo dos moradores é suficiente para estimular o surgimento de subcentros fortes e de maiores oportunidades de emprego formal.

Frente a essa realidade os moradores das periferias são obrigados a se deslocar para áreas distantes em busca de oportunidades de trabalho, com todos os custos monetários e não monetários associados a essa decisão. Como diversos estudos têm evidenciado isso dificulta a incorporação produtiva, especialmente no caso das mulheres, que, muitas vezes, precisam conciliar o trabalho com as responsabilidades domésticas ou têm mais restrições para se deslocar, especialmente à noite, temendo se expor a zonas e horários considerados como inseguros (Katzman et al. 2005Katzman, Fubem e Alejandro Retamoso. 2005. Segregacion espacial, empleo y pobreza em Montevideo. Revista Cepal 85 (9): 131-148. https://doi.org/10.18356/93a498f9-es.
https://doi.org/10.18356/93a498f9-es...
; Gomes et al. 2005Gomes, Sandra e Cláudio Amitrano. 2005. Local de moradia na metrópole e vulnerabilidade ao emprego e desemprego. In São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais, organizado por Eduardo Marques e Haroldo Torres, 7. São Paulo: Ed. Senac.; Vignoli 2008Vignoli Jorge R. 2008. Movilidad cotidiana, desigualdade social y segregación en cuatro metrópoles de América Latina. Eure 34 (103): 49-71. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612008000300003.
http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612008...
; Cunha et al. 2010Cunha, José M. P. da e Alberto A. E. Jakob. 2010. A segregação sócio-espacial e inserção no mercado de trabalho na região metropolitana de Campinas. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 27 (1): 115-139. https://doi.org/10.1590/S0102-30982010000100008.
https://doi.org/10.1590/S0102-3098201000...
; Sabatini et al. 2013Sabatini, Francisco, Guilhermo Wormald e Alejandra Rassa. 2013. Segregación de la vivenda social: ocho conjuntos en Santiago, Concepcion y Talca. Santiago: Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales, Pontificia Universidad Católica de Chile.; Molinatti 2013Molinatti, Florencia. 2013. Segregación residencial y inserción laboral en la ciudad de Córdoba. Eure 39 (117): 117-145. https://doi.org/10.4067/S0250-71612013000200006.
https://doi.org/10.4067/S0250-7161201300...
; Borges et al. 2017Borges, Ângela M. C. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2017. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH 30 (79): 121-136. https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008.
https://doi.org/10.1590/s0103-4979201700...
).

Por outro lado, como para os trabalhadores de menor escolaridade e renda o acesso ao trabalho depende principalmente de contatos e indicações pessoais, a homogeneidade da vizinhança e a estreiteza das redes (compostas, basicamente, por pessoas em situação muito semelhante) dificultam a aquisição de maior capital social e, consequentemente, de informações e contatos mais favoráveis à inserção ocupacional. Além disso, algumas das áreas em discussão, desvalorizadas e marcadas pela informalidade, e por uma menor presença do estado e das instituições de controle e segurança pública, têm se tornado refém do tráfico de drogas e do crime organizado. Associados ao crescimento das desigualdades, à superposição das carências e à falta de perspectivas para muitos jovens de famílias pobres, isso tem contribuído para a degradação dos padrões de sociabilidade e para o crescimento da violência, transformando essas áreas em territórios penalizados e penalizadores, situados no mais baixo nível da estrutura urbana e marcados por um forte estigma territorial, como observa Wacquant (2008)Wacquant, Loic. 2008. As duas faces do gueto. São Paulo: Boitempo..

Com isso, a segregação também adquire uma dimensão subjetiva, simbólica, através de processos sociais que levam à construção, atribuição e aceitação de determinados sentidos sobre os diferentes espaços e segmentos sociais, produzindo e consolidando percepções negativas sobre eles (Saravi 2008Saravi, Gonzalo A. 2008. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad en la Ciudad de México. Eure 34 (103): 93-110. https://doi.org/10.4067/S0250-71612008000300005.
https://doi.org/10.4067/S0250-7161200800...
). Esses processos têm levado a uma visão criminalizante e estigmatizadora das concentrações de baixa renda e dos seus moradores, que passam a ser associados à delinquência e à violência, com uma intensa colaboração da mídia.

Essa associação penaliza especialmente os jovens das camadas populares, que além de vítimas preferenciais da violência são frequentemente discriminados ou até levados a esconder o seu local de moradia para que o estigma residencial não se some ao preconceito social e racial (pois os mais pobres são predominantemente pardos ou pretos), restringindo ainda mais suas oportunidades de trabalho. Não por acaso, pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha na cidade de São Paulo sobre a imagem da sua periferia constatou que a mesma está associada ao caos urbano e social, e que quase um quarto dos paulistanos já sofreu preconceito em razão do seu local de moradia, sendo que entre aqueles que se autodeclararam negros esse número chegou a 34%.2 2 Fraga, Plínio. 2016. Cidades e Territórios. Folha de São Paulo, 16 jun. 2016, https://www1.folha.uol.com.br/especial/2016/cidades-e-territorios/.

Segregação, desigualdades e vulnerabilidade em Salvador

Fenômenos dessa ordem foram observados em Salvador, capital colonial do Brasil e hoje a sua terceira maior cidade, como já foi mencionado, com uma população estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2.873.329 habitantes, em 2018. Seus padrões atuais de apropriação do espaço urbano e de segregação se conformaram e consolidaram a partir dos anos 1960. Foi nesse período, marcado por uma extraordinária expansão econômica e populacional, pela modernização e pela metropolização da velha cidade, que seu desenvolvimento se orientou em torno de três grandes vetores: a Orla Atlântica, o Miolo e o Subúrbio Ferroviário, no litoral da Baía de Todos os Santos, que se somaram à antiga área central, hoje relativamente estagnada e decadente, conforme apresentado na figura 1.

Figura 1
Vetores de expansão de Salvador, anos 1970

A Orla constitui a área “nobre” de Salvador, onde se concentram os brancos, a população de alta e média renda, os investimentos públicos, os equipamentos e serviços urbanos, as atrações turísticas, os interesses do capital imobiliário e as oportunidades de trabalho e renda, ainda que elas persistam relevantes no centro tradicional. O Miolo, assim denominado pela sua localização no centro geográfico do município, começou a ser ocupado por conjuntos habitacionais construídos para a chamada “classe média baixa” pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), com a sua expansão continuada por loteamentos populares e ocupações ilegais, onde reside uma população predominante negra e pobre. Com uma composição social similar, o Subúrbio Ferroviário teve a sua origem associada historicamente à implantação de uma linha férrea direcionada ao interior do estado, expandindo-se posteriormente, também, através de loteamentos e ocupações de baixa renda, assim como pela transferência efetuada pela prefeitura municipal de moradores de ocupações erradicadas da parte “nobre” da cidade para essa área, no decorrer da modernização da velha capital. Assim ela se transformou em um espaço igualmente problemático, marcado pela precariedade habitacional, pela carência de infraestrutura e serviços básicos, pela pobreza e, mais recentemente, por altos índices de violência.3 3 A apropriação diferenciada do território de Salvador e seus padrões de segregação foi analisada por Carvalho e Pereira (2008, 2014), com a metodologia do Observatório das Metrópoles e os dados dos Censos de 2000 e 2010 sobre as ocupações da população economicamente ativa da cidade. Com a classificação e a agregação dessas ocupações em categorias mais abrangentes e considerando a sua distribuição nas diversas áreas da cidade, foi elaborada uma tipologia que as classifica como superior, média superior, média, média popular, popular e popular inferior, de acordo com a composição dos seus moradores. Essa composição vem persistindo basicamente ao longo das três últimas décadas, com pequenas transformações, mas o mapa de 2000 é o que melhor expressa sua diferenciação, pois em decorrência de algumas mudanças efetuadas na metodologia do Censo de 2010 não foi possível, para esse ano, efetuar uma classificação mais detalhada e refinada das áreas em questão.

Figura 2
Tipologia socioespacial, Salvador 2000 e 2010

Com isso, a área central e mais antiga de Salvador, a Orla Atlântica, o Miolo e o Subúrbio Ferroviário configuram o que Carvalho et al. (2008)Carvalho, Inaiá M. M. de e Gilberto C. Pereira. 2008. Como anda Salvador. 2 ed. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia. qualificaram como a “cidade tradicional”, a “cidade moderna” e a “cidade precária”. E como seria de esperar, as características e as diferenças entre essas “cidades” contribuem para ampliar e reproduzir as desigualdades e a vulnerabilidade econômica e social dos seus moradores, com a aglomeração de grupos despossuídos em largos espaços homogêneos. Espaços associados a uma distribuição de recursos e oportunidades que estabelece diferenças significativas quanto à disponibilidade, qualidade e facilidades de acesso a equipamentos e serviços e às condições de vida, em geral, sendo privilegiados, no presente texto, o acesso à educação, ao mercado de trabalho e a exposição à violência letal.

O acesso à educação

Dando início a essa discussão, vale lembrar que, apesar de algumas expressivas melhorias observadas nos últimos anos (como a que diz respeito à universalização do Ensino Fundamental), os padrões de educação no Brasil ainda estão distantes do desejável. Mantêm um acesso relativamente restrito a Educação Infantil, ao Ensino Médio e, especialmente, ao Ensino Superior, assim como um baixo desempenho escolar de boa parcela dos estudantes, que se traduz em elevadas taxas de reprovação, defasagem entre idade e série, e abandono precoce da escola, notadamente nas regiões menos desenvolvidas do país, como o Norte e o Nordeste.

Localizada nessa última região, Salvador apresenta indicadores educacionais ainda mais insatisfatórios. Conforme dados do Censo de 2010 apresentado por Fernandes et al. (2014)Fernandes, Cláudia M. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2014. Organização do território e desigualdades sociais na Região Metropolitana de Salvador. In Salvador: transformações na ordem urbana, organizado por Inaiá M. M. de Carvalho e Gilberto C. Pereira, 174-198. Rio de Janeiro: Letra Capital., em Salvador e sua região metropolitana foram encontrados entre os responsáveis pelos domicílios pesquisados, 34,3% de moradores sem instrução ou com o Ensino Fundamental incompleto; 16,1% com ensino fundamental completo ou Ensino Médio incompleto e, apenas, 13,9% com o Ensino Superior concluído. Entre as crianças e adolescentes de 7 a 15 anos que frequentavam a escola em 2010, mais de 70% apresentavam atraso escolar de um ano e cerca de 50% de dois anos. E, entre os adolescentes de 15 a 17 anos, que deveriam estar frequentando o Ensino Médio, o abandono escolar foi estimado em 14,5%.

E como seria de esperar, esses indicadores se diferenciavam conforme o padrão de ocupação do espaço urbano, sendo particularmente desfavoráveis nos bairros populares do Centro, do Miolo e do Subúrbio, assim como em alguns poucos enclaves de baixa renda que conseguiram se consolidar e persistir na Orla Atlântica. Os responsáveis pelos domicílios pesquisados pelo Censo sem instrução ou com apenas o Ensino Fundamental completo estavam, sobretudo, nos espaços acima mencionados, enquanto aqueles que concluíram o nível superior se concentravam em áreas de tipo médio superior da Orla Atlântica da cidade.4 4 Como exceção nota-se uma área da Orla com uma elevada frequência de responsáveis tanto sem instrução e com fundamental completo como de nível superior. Isso se deve à metodologia utilizada pelo IBGE no Censo de 2010, que incluiu o Bairro da Paz, um pequeno enclave de tipo popular bastante populoso, em uma área onde predominam condomínios fechados de tipo médio e médio superior. Além disso, confirmando as observações da literatura apresentada no início do presente trabalho, essas desigualdades não estão dissociadas das condições do sistema de ensino (mais precisamente, do ensino público, que atende às camadas populares e à maioria da população) e de sua distribuição e diferenciação no espaço urbano, como bem analisa Costa Silva (2016)Costa Silva, Diogo Reys da. 2016. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador. Tese em Ciências Sociais, Ufba. Salvador..

Embora os estabelecimentos do ensino público persistam localizados, sobretudo na área central de Salvador, a expansão do Ensino Fundamental nos últimos anos levou essas escolas a praticamente toda a cidade, ainda que na maioria dos casos elas se caracterizem pela precariedade de sua infraestrutura, não dispondo de biblioteca, quadra de esportes, laboratório de ciências ou laboratório de informática. Mas os estabelecimentos de Ensino Médio (cujo acesso ainda é restrito a uma minoria da população) têm uma presença mais rarefeita nos bairros do tipo popular, estando situados notadamente na área central e na Orla da capital baiana. Além disso, confirmando as observações da literatura antes mencionada, a qualidade desse conjunto de estabelecimentos se diferencia significativamente de acordo com a sua localização.

A partir de um trabalho de Sganzerla (2013),5 5 Sganzerla, Celia. 2013. Azimute – Pesquisa predefinida – Escolas bem equipadas. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): Azimute. http://azimute.sei.ba.gov.br/pesquisa_pre/inicio.jhtml?codigoTipo=educacao. que cruzou dados do Censo Escolar do Inep/MEC e do Censo Demográfico de 2010 selecionando e localizando no território da Região Metropolitana de Salvador as escolas consideradas como bem equipadas (ou seja, aquelas que dispunham simultaneamente de laboratório de ciências, laboratório de informática e biblioteca), Fernandes et al. (2014)Fernandes, Cláudia M. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2014. Organização do território e desigualdades sociais na Região Metropolitana de Salvador. In Salvador: transformações na ordem urbana, organizado por Inaiá M. M. de Carvalho e Gilberto C. Pereira, 174-198. Rio de Janeiro: Letra Capital. constataram que a grande maioria dessas escolas estava localizada não apenas no município polo como nos seus espaços “nobres” de tipo médio superior, como bem ilustra o gráfico 1.

Gráfico 1
Escolas com melhores equipamentos segundo a tipologia socioespacial

Como ressalta Costa Silva (2016)Costa Silva, Diogo Reys da. 2016. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador. Tese em Ciências Sociais, Ufba. Salvador., a dificuldade de acesso a escolas bem equipadas no que tange aos laboratórios de informática pelos alunos residentes nos espaços do tipo popular constitui uma barreira adicional à aquisição de habilidades essenciais no mundo contemporâneo, sobretudo se for levado em conta que parte desses alunos também não têm acesso a um computador no âmbito doméstico, conforme constatado pela sua pesquisa.

Essa pesquisa evidenciou que os indicadores relativos à formação do corpo docente, à relação professor/aluno e à disponibilidade de suporte pedagógico, entre outros, são igualmente desfavoráveis às áreas em questão. Ainda que a presença de professores sem formação de nível superior persista amplamente nas escolas da cidade, os avanços educacionais registrados ao longo dos últimos anos têm levado a uma relativa redução. Mas isso tem beneficiado, sobretudo, os estabelecimentos sediados nos bairros centrais e na área “nobre” da Orla Atlântica, confirmando que os profissionais com mais qualificação e possibilidades de escolha tendem a preferir esses estabelecimentos.6 6 No caso de Salvador, essa escolha também deve levar em conta que esses estabelecimentos, de responsabilidade do governo estadual, possuem uma melhor infraestrutura. Já a relação entre o número de alunos matriculados e de docentes expressa uma das diferenças mais significativas para a presente discussão. As escolas com elevada proporção de alunos/professor praticamente inexistiam na área central e na Orla, concentrando-se nos bairros pobres do Miolo e do Subúrbio, conforme ilustrado pela figura 3. Como se sabe, essa proporção se reflete no cotidiano das escolas, interferindo sobre as possibilidades de atenção, acompanhamento e estímulo aos estudantes e sobre a formação de laços subjetivos entre professores e alunos, com impactos relevantes sobre o seu rendimento e possibilidades de sucesso em termos educacionais.

Figura 3
Localização das escolas públicas e privadas com matrícula/docente igual ou superior a 20 – Salvador, 2010

Por outro lado, a distribuição de coordenadores pedagógicos efetuada pela Coordenação Regional de Educação (divisão administrativa da educação municipal) é bastante desigual. As unidades situadas nas coordenações regionais do Subúrbio I, do Subúrbio II e de Cajazeiras, áreas mais pobres da cidade, possuíam coordenadores em apenas 21%, 14% e 13% das suas escolas. Já na coordenação regional do centro a proporção de escolas que dispunham desses profissionais no seu quadro chegava a 67,5% em 2010, conforme levantamento da Secretaria Municipal de Educação de Salvador (Costa Silva 2016Costa Silva, Diogo Reys da. 2016. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador. Tese em Ciências Sociais, Ufba. Salvador., 178). Além disso, em resposta a uma indagação da Prova Brasil de 2011 sobre o futuro escolar dos seus alunos, os professores deixaram claras as suas baixas expectativas (reduzidas à medida que os mesmos avançassem no sistema de ensino), uma vez que 54,5% considerava que eles concluiriam o Ensino Fundamental, 40,1% que concluiriam o Ensino Médio e apenas 12,9% que os mesmos chegariam à universidade.

Tais respostas não deixam de ser realistas, mas expressam também a percepção dos docentes quanto às dificuldades de aprendizagem dos seus alunos, atribuídas, sobretudo, às suas origens e ao contexto social. Elas seriam decorrentes da falta de acompanhamento e de assistência da família nas tarefas de casa e pesquisas para 61% dos professores, do desinteresse e da falta de esforço dos alunos para 56%, do meio em que vivem para 53%, do nível cultural dos pais para 50%, da indisciplina na sala de aula para 48% e de questões vinculadas a uma baixa autoestima para outros 48%. Problemas institucionais e pedagógicos apareceram em último lugar e os docentes consideravam ter pouco poder para reverter as referidas dificuldades, o que sugere que a socialização institucional e seus efeitos adversos não podem igualmente ser ignorados.

Tendo em vista essas condições, e levando em conta que é justamente nas áreas mais pobres e segregadas que a educação das crianças e dos jovens demanda da escola um maior cuidado e qualificação, não é surpreendente que problemas como o atraso e o abandono precoce da escola sejam aí bem mais frequentes. Comparando-se as áreas de tipo médio superior da Orla Atlântica com aquelas do tipo popular ou popular inferior, concentradas no Miolo e no Subúrbio, constata-se que nessas últimas o atraso escolar de dois anos para pessoas de 7 a 15 anos é quatro ou cinco vezes maior que nas primeiras. Além disso, o abandono escolar por pessoas de 15 a 17 anos é cinco a seis vezes superior ao encontrado nos espaços afluentes da cidade.

O acesso ao emprego

Sem que o sistema escolar lhes propicie a aprendizagem e o avanço necessários para o alcance das credenciais educacionais cada vez mais exigidas para a conquista de melhores condições de ocupação, integração e mobilidade social, os moradores dos espaços populares e segregados também são penalizados pela distribuição dos estabelecimentos comerciais e de serviços e das oportunidades de emprego e de obtenção de renda no espaço urbano. Como foi visto anteriormente, os padrões de urbanização e a concentração da renda que têm marcado o desenvolvimento dos países periféricos. O que acarreta uma enorme concentração das oportunidades de emprego e renda no centro das cidades e em alguns dos seus bairros afluentes. Com isso a distribuição dos empregadores (estabelecimentos) e dos empregos no espaço urbano termina por se somar às desvantagens educacionais, à estreiteza das redes sociais (reduzidas pelo isolamento e limitadas, muitas vezes, a vizinhos e a familiares nas mesmas condições de vulnerabilidade) e à discriminação racial e social contra os residentes em bairros percebidos como degradados e violentos, reforçando os efeitos adversos da segregação.

No caso de Salvador, onde os problemas ocupacionais são especialmente acentuados, dados do Ministério do Trabalho/Rais citados por Borges et al. (2017)Borges, Ângela M. C. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2017. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH 30 (79): 121-136. https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008.
https://doi.org/10.1590/s0103-4979201700...
sobre a localização dos estabelecimentos empregadores por setor de atividade em 2010, sistematizados por regiões administrativas e adaptados à tipologia socioespacial antes mencionada, deixam patente esse fenômeno. Os empregos formais se encontravam concentrados na área central e na Orla Atlântica sendo bastante escassos nas regiões densamente povoadas do Miolo, do Subúrbio Ferroviário e dos limites da cidade com os municípios industriais vizinhos da sua região metropolitana. A concentração em apreço era especialmente acentuada nas atividades de serviços, uma vez que 65% deles estavam localizados em apenas quatro e 80% em sete das dezoito regiões administrativas da cidade, todas elas espaços que poderiam ser classificados como de tipo médio ou médio superior.7 7 Como seria de esperar, os serviços organizados empresarialmente estavam localizados sobretudo em áreas próximas às famílias de alta e média renda, seus consumidores preferenciais, enquanto o comércio, embora desigualmente distribuído, tinha também uma forte presença em espaços do tipo médio e popular mais antigos e consolidados. Em algumas áreas periféricas do tipo popular havia uma tendência à expansão de grandes redes de supermercado e de comércio varejista direcionadas às camadas de baixa renda, que vinham obtendo ganhos reais de salários e acesso crescente ao crédito em 2010. Não se sabe se essa tendência persistiu ou foi abortada com a crise econômica dos últimos anos. O comércio se encontrava melhor distribuído espacialmente, com forte presença em áreas densamente habitadas pelos estratos médios e populares, enquanto as empresas da construção civil, bem menos numerosas, se espalhavam pelo território urbano, com destaque para as áreas da Orla e do Miolo, que vêm concentrando investimentos públicos e privados.

Conforme constatado por Borges et al. (2017)Borges, Ângela M. C. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2017. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH 30 (79): 121-136. https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008.
https://doi.org/10.1590/s0103-4979201700...
, essa distribuição das atividades econômicas se traduzia em uma concentração de empregos formais de modo bastante desproporcional à distribuição da população no território da cidade. Essa desproporção fica patente na tabela 1, em especial através do indicador postos de trabalho/mil habitantes por região administrativa (RA). Na região administrativa Centro, que corresponde à área de ocupação mais antiga e que sediou o centro administrativo e econômico da cidade até os anos 1970, o número de postos de trabalho formais era superior ao da própria população moradora, configurando a situação mais comum de um centro urbano que já perdeu, em muitos trechos, sua função residencial. No restante do território os empregos se localizavam, sobretudo em regiões que correspondem a bairros da Orla, ocupados predominantemente pela população de maior renda ou situados nas suas proximidades.

Tabela 1
População e postos de trabalho por Regiões Administrativas, Salvador 2010* * Como a área das regiões administrativas não se confunde exatamente com a das AEDS, a classificação de sua composição social é aproximada.

Sete das referidas regiões administrativas sediavam 75,5% dos postos formais da cidade e apenas 37,1% da sua população, enquanto a outra face dessa concentração ficava visível nas RAs localizadas no Miolo (como Pau da Lima, Tancredo Neves, Cabula, Cajazeiras e Ipitanga), na RA de Valéria e no Subúrbio Ferroviário, espaços ocupados predominantemente pelas camadas de baixa renda. Nessas sete RAs residiam 43,7% dos habitantes de Salvador em 2010, mas aí eram encontrados apenas 15,6% dos empregos com registro formal do município, revelando a existência de oportunidades de trabalho locais restritas e elevados níveis de informalidade. Com isso, os ocupados nessas áreas experimentam condições de trabalho normalmente bastante desfavoráveis, com jornadas de trabalho excessivamente elevadas, salários inferiores ao mínimo legalmente estabelecido e carência de proteção trabalhista e social (Santos 2018Santos, Lícia Maria S. 2018. As fronteiras do lugar na vida dos jovens. Tese em Ciências Sociais, UFBA, Salvador.).

Conforme assinalado anteriormente, como parte do que poderia ser considerada como uma geografia de oportunidades, a concentração dos postos de trabalho socialmente protegidos nas áreas ocupadas predominantemente pelos estratos médios e superiores se soma aos impactos adversos da moradia em áreas populares periféricas e segregadas, contribuindo para dificultar a incorporação produtiva dos residentes nas referidas áreas, principalmente no caso dos jovens, dos negros, das mulheres e daqueles dotados de uma menor escolaridade. Apesar da conjuntura relativamente mais favorável daquele ano em termos ocupacionais, a frequência de jovens com idade entre 16 e 29 anos que não estudavam, não trabalhavam nem procuravam emprego (sendo por isso denominados como nem/nem) era normalmente mais elevada nas áreas de tipo popular que nas de tipo médio e médio superior, conforme demonstra a tabela 2.

Tabela 2
Percentual de jovens que não trabalhavam não estudavam, nem procuravam emprego* * Jovens “Nem-Nem”: Pessoas de 16 a 29 anos que não trabalham, não procuram emprego e nem estudam. , segundo características pessoais** ** Negra: Pretos e pardos; Não negra = brancos, indígenas e amarelos, conforme classificação do IBGE -Salvador, 2010

O local de moradia também estaria contribuindo para uma maior exposição ao desemprego, cuja taxa média alcançava 16% nos espaços de tipo popular, 13,2% naqueles de tipo médio e 7,1% nos de tipo superior, sendo a desigualdade especialmente acentuada entre as mulheres e os negros, mas também significativa entre trabalhadores do mesmo grupo etário.

Tabela 3
Taxas de desemprego segundo características pessoais - Salvador, 2010

Já no que se refere à informalidade (outro indicador de ocupação precária) a situação era mais complexa, pois suas taxas entre moradores de áreas de tipo popular chegavam a ser, em alguns casos, inferiores àquelas encontradas entre residentes em espaços do tipo médio superior. Analisando esse fenômeno, Borges et al. (2017)Borges, Ângela M. C. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2017. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH 30 (79): 121-136. https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008.
https://doi.org/10.1590/s0103-4979201700...
consideram que o mesmo se devia ao perfil da maioria dos postos gerados na primeira década do presente século em Salvador: postos de trabalho na construção civil (um espaço de entrada no mercado de trabalho de homens jovens menos escolarizados), no comércio e em serviços de apoio, onde se multiplicaram empregos com registro em carteira menos qualificados, com remuneração igual ou próxima ao salário mínimo. Paralelamente, a expansão econômica do período foi marcada por um aprofundamento da flexibilização e da precarização dos postos que absorvem os trabalhadores mais escolarizados e com melhores salários, que tendem a residir em espaços do tipo médio e médio superior.

Tabela 4
Percentual de ocupados informais* * Ocupados informais: Trabalhadores domésticos, Conta-própria, empregados sem carteira, Não remunerados e Trabalhadores na produção para o próprio consumo. segundo características pessoais – Salvador, 2010** ** Negra: Pretos e pardos; Não negra: brancos, indígenas e amarelos, cf. classificação do IBGE.

A exposição à violência

Por outro lado, na sociedade brasileira, que se transformou em uma das mais violentas do mundo, a concentração da população de menor renda em áreas homogêneas, segregadas e desassistidas também tem ampliado a sua exposição à criminalidade, à violência e à morte precoce.

Em Salvador, como em outras cidades brasileiras, algumas das áreas segregadas, desvalorizadas e marcadas pela informalidade e por uma presença mais reduzida do estado e das instituições de segurança pública, têm se tornado presas do tráfico de drogas e de outras formas de ilegalidade. Conforme assinalado anteriormente, organizações criminosas têm se apropriado desses territórios, articulando, a partir dos mesmos, as suas ações no espaço mais amplo da cidade, dominando os moradores locais e recrutando jovens pobres, predominantemente negros e sem perspectivas, para o consumo de drogas e para a delinquência, e contribuindo para a degradação dos padrões de sociabilidade e para o crescimento da violência nos espaços em questão. Não por acaso o perfil típico das vítimas dos homicídios é constituído por jovens, pobres, pretos ou pardos e moradores das periferias.

Dados da Secretaria de Segurança Pública do estado da Bahia deixam patente como na metrópole baiana a geografia dos homicídios está bastante associada aos padrões de segregação, com a sua concentração em bairros populares e periféricos. Mais precisamente, em bairros situados no Miolo, no Subúrbio Ferroviário e nas extremidades do município (como Cajazeiras, Castelo Branco, Pau da Lima, Canabrava, Mata Escura, Calabetão, Paripe, Plataforma, Rio Sena, Palestina e Lobato). Ou também em algumas poucas ocupações irregulares que se consolidaram e persistem em pequenos enclaves da Orla, a exemplo do Bairro da Paz, Pituaçu e Boca do Rio, onde a taxa de homicídios por 100 mil habitantes/ano chegava a mais de 90. Já nas áreas de tipo médio e médio superior (como a Barra, o Rio Vermelho, e a Pituba/Costa Azul) essa taxa decrescia significativamente, chegando a zero em outros espaços do mesmo tipo ou mais exclusivos, como os bairros do Canela, Graça, Caminho das Árvores e Itaigara, de acordo com a figura que se segue.8 8 Dados oficiais de 2018 confirmam a persistência dessa distribuição, com uma maior frequência tanto de homicídios como de roubos e de estupros em bairros localizados no Miolo e no Subúrbio Ferroviário.

Figura 4
Distribuição dos homicídios – Salvador, 2012

Contraditoriamente, porém, a distribuição dos policiais que atuam na capital baiana se dava em proporção inversa à frequência dos homicídios. A região mais “nobre” da cidade, que compreende os bairros da Graça, da Barra e o Corredor da Vitória, onde ocorreram apenas três homicídios em 2012, contava com uma Delegacia Territorial (DT), a 14.ᵃ, e uma companhia da Polícia Militar para cuidar da segurança dos seus 40.997 habitantes. Em contrapartida, os 374.013 moradores de 22 bairros populares de uma região que tem em seus extremos os bairros de Pernambués, Calabetão, CAB e Mata Escura, onde naquele ano já haviam morrido 79 pessoas, tinham direito igualmente a uma delegacia, a 11.ᵃ DT. Em outra área crítica da cidade, que compreendia nove bairros populares entre o São Caetano e a Fazenda Grande, com uma população de 216.260 habitantes e um registro de 51 vítimas fatais da violência no mesmo período, encontrava-se também uma única delegacia (a 4.ᵃ DT) e uma companhia da Polícia Militar, conforme dados oficiais divulgados em reportagem do jornal Correio da Bahia em 2012.9 9 Torres, Juan e Rafael Rodrigues. 2012. Mapa deixa clara a concentração de homicídios em bairros pobres. Correio da Bahia, 22 maio 2012, https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mapa-deixa-clara-a-concentracao-de-homicidios-em-bairros-pobres/.

Algumas observações finais

Outros indicadores poderiam ser agregados à presente discussão. Como ocorre normalmente nas cidades brasileiras, parques públicos, cinemas, teatros, museus e outros equipamentos culturais se concentram quase que absolutamente na “área nobre” da capital baiana. Além disso, os padrões de ocupação do solo urbano e da segregação, a “cultura do automóvel”, a carência de políticas direcionadas a uma descentralização das atividades e de um sistema de transporte público de massa mais integrado e eficiente vêm extremando os problemas de mobilidade e penalizando a população. Especialmente no caso dos seus contingentes pobres, moradores dos bairros periféricos mais diversos e distantes (ponto de partida de grande maioria de viagens que se dispersam espacialmente), que são obrigados a deslocamentos cotidianos em um sistema de transportes de muito baixa qualidade, com uma ampliação crescente dos custos monetários e não monetários dos deslocamentos.

Por isso, como o caso de Salvador deixa patente, não se pode desconhecer a contribuição do território e dos processos de segregação para a produção e a reprodução da vulnerabilidade e das desigualdades que afetam a maioria dos moradores das áreas urbanas. Afinal, as hierarquias sociais se retraduzem no espaço físico, como assinala Bourdieu (1997)Bourdieu, Pierre. 1997. Efeitos de lugar. In A miséria do mundo, organizado por Pierre Bourdieu, 159-214. 3 ed. Petrópolis, Vozes. e em sociedades desiguais e hierarquizadas não há espaços que também não sejam hierarquizados e que não expressem a estratificação e as distâncias sociais. Sendo assim, os segmentos que se encontram no topo da hierarquia, em decorrência do capital econômico, social e cultural de que são detentores, têm a capacidade de se apropriar dos espaços mais seletivos e privilegiados e dos bens e serviços mais raros e desejáveis neles instalados. Já aqueles que estão na base da estrutura e das hierarquias são mantidos a distância desses espaços e levados a se instalar em áreas mais desfavoráveis, distantes e abandonadas, onde carências de várias ordens se conjugam e se reforçam e onde a concentração dos despossuídos termina agravando a sua despossessão. Especialmente, nas metrópoles da periferia ou da semiperiferia, como Salvador, onde as desigualdades intraurbanas e os impactos da segregação vêm tendendo a se acentuar com as transformações, a crise do presente e as novas orientações das políticas urbanas.

Frente a esse quadro, urge ampliar os debates sobre os fenômenos abordados no presente texto e, sobretudo, a luta política pela sua superação, de modo que a conquista do direito à cidade e ao bem-estar urbano seja associada ao avanço da democracia e à ampliação e universalização dos direitos básicos de cidadania.

  • 2
    Fraga, Plínio. 2016. Cidades e Territórios. Folha de São Paulo, 16 jun. 2016, https://www1.folha.uol.com.br/especial/2016/cidades-e-territorios/.
  • 3
    A apropriação diferenciada do território de Salvador e seus padrões de segregação foi analisada por Carvalho e Pereira (2008Carvalho, Inaiá M. M. de e Gilberto C. Pereira. 2008. Como anda Salvador. 2 ed. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia., 2014Carvalho, Inaiá M. M. de e Gilberto C. Pereira. 2014. Salvador: transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro, Letra Capital-Observatório das Metrópoles.), com a metodologia do Observatório das Metrópoles e os dados dos Censos de 2000 e 2010 sobre as ocupações da população economicamente ativa da cidade. Com a classificação e a agregação dessas ocupações em categorias mais abrangentes e considerando a sua distribuição nas diversas áreas da cidade, foi elaborada uma tipologia que as classifica como superior, média superior, média, média popular, popular e popular inferior, de acordo com a composição dos seus moradores. Essa composição vem persistindo basicamente ao longo das três últimas décadas, com pequenas transformações, mas o mapa de 2000 é o que melhor expressa sua diferenciação, pois em decorrência de algumas mudanças efetuadas na metodologia do Censo de 2010 não foi possível, para esse ano, efetuar uma classificação mais detalhada e refinada das áreas em questão.
  • 4
    Como exceção nota-se uma área da Orla com uma elevada frequência de responsáveis tanto sem instrução e com fundamental completo como de nível superior. Isso se deve à metodologia utilizada pelo IBGE no Censo de 2010, que incluiu o Bairro da Paz, um pequeno enclave de tipo popular bastante populoso, em uma área onde predominam condomínios fechados de tipo médio e médio superior.
  • 5
    Sganzerla, Celia. 2013. Azimute – Pesquisa predefinida – Escolas bem equipadas. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI): Azimute. http://azimute.sei.ba.gov.br/pesquisa_pre/inicio.jhtml?codigoTipo=educacao.
  • 6
    No caso de Salvador, essa escolha também deve levar em conta que esses estabelecimentos, de responsabilidade do governo estadual, possuem uma melhor infraestrutura.
  • 7
    Como seria de esperar, os serviços organizados empresarialmente estavam localizados sobretudo em áreas próximas às famílias de alta e média renda, seus consumidores preferenciais, enquanto o comércio, embora desigualmente distribuído, tinha também uma forte presença em espaços do tipo médio e popular mais antigos e consolidados. Em algumas áreas periféricas do tipo popular havia uma tendência à expansão de grandes redes de supermercado e de comércio varejista direcionadas às camadas de baixa renda, que vinham obtendo ganhos reais de salários e acesso crescente ao crédito em 2010. Não se sabe se essa tendência persistiu ou foi abortada com a crise econômica dos últimos anos.
  • 8
    Dados oficiais de 2018 confirmam a persistência dessa distribuição, com uma maior frequência tanto de homicídios como de roubos e de estupros em bairros localizados no Miolo e no Subúrbio Ferroviário.
  • 9
    Torres, Juan e Rafael Rodrigues. 2012. Mapa deixa clara a concentração de homicídios em bairros pobres. Correio da Bahia, 22 maio 2012, https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/mapa-deixa-clara-a-concentracao-de-homicidios-em-bairros-pobres/.

Referências

  • Ainsworth, Jame W. 2002. Why does it take a village: mediation of neighborhood effects on educational achievemnt. Social Forces 8 n. 1: 117-152. https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038
    » https://doi.org/10.1353/sof.2002.0038
  • Andrade, Luciana T. e Leonardo S. Silveira. 2013. Efeito território: explorações em torno de um conceito sociológico. Civitas 13 (2): 381-402. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.14295
    » https://doi.org/10.15448/1984-7289.2013.2.14295
  • Bauder, Harald. Neighbourhood: effects and cultural exclusion. 2002. Urban Studies 39 (1): 85-93. https://doi.org/10.1080/00420980220099087
    » https://doi.org/10.1080/00420980220099087
  • Borges, Ângela M. C. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2017. Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira. Caderno CRH 30 (79): 121-136. https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008
    » https://doi.org/10.1590/s0103-49792017000100008
  • Bourdieu, Pierre. 1997. Efeitos de lugar. In A miséria do mundo, organizado por Pierre Bourdieu, 159-214. 3 ed. Petrópolis, Vozes.
  • Burgos, Marcelo T. B. 2009. Segregação urbana e segregação institucional. Comunicação apresentada no 14º Congresso Brasileiro de Sociologia. GT 16 Questão urbana. Rio de Janeiro. http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=78.
    » http://www.sbsociologia.com.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=100&Itemid=78
  • Carvalho, Inaiá M. M. de e Gilberto C. Pereira. 2014. Salvador: transformações na ordem urbana Rio de Janeiro, Letra Capital-Observatório das Metrópoles.
  • Carvalho, Inaiá M. M. de e Gilberto C. Pereira. 2008. Como anda Salvador 2 ed. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia.
  • Costa Silva, Diogo Reys da. 2016. Vazios ocultos: dinâmica urbana e acesso à educação básica em Salvador Tese em Ciências Sociais, Ufba. Salvador.
  • Cunha, José M. P. da e Alberto A. E. Jakob. 2010. A segregação sócio-espacial e inserção no mercado de trabalho na região metropolitana de Campinas. Revista Brasileira de Estudos Populacionais 27 (1): 115-139. https://doi.org/10.1590/S0102-30982010000100008
    » https://doi.org/10.1590/S0102-30982010000100008
  • Ellen, Ingrid G. e Margery A. Turner. 2001. Does neighborhood matter? Assessing recent evidence. Housing Policy Debate 8 (4): 833-866. https://doi.org/10.1080/10511482.1997.9521280
    » https://doi.org/10.1080/10511482.1997.9521280
  • Fernandes, Cláudia M. e Inaiá M. M. de Carvalho. 2014. Organização do território e desigualdades sociais na Região Metropolitana de Salvador. In Salvador: transformações na ordem urbana, organizado por Inaiá M. M. de Carvalho e Gilberto C. Pereira, 174-198. Rio de Janeiro: Letra Capital.
  • Faria, Vilmar E. 1976. O sistema urbano brasileiro: um resumo das características e tendências recentes. Estudos Cebrap 18: 91-116.
  • Galster, C. and S. Killen, 1995. The geography of metropolitan opportunity: a reconnaissance and conceptual framework. Housing Policy Debate 6 (1): 7-43. https://doi.org/10.1080/10511482.1995.9521180
    » https://doi.org/10.1080/10511482.1995.9521180
  • Gomes, Sandra e Cláudio Amitrano. 2005. Local de moradia na metrópole e vulnerabilidade ao emprego e desemprego. In São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais, organizado por Eduardo Marques e Haroldo Torres, 7. São Paulo: Ed. Senac.
  • Jargowsky, R. A. 1996. Take the money and run: economic segregation in U. S. metropolitan areas. American Sociological Rewiew 61 (6): 984-998. https://doi.org/10.2307/2096304
    » https://doi.org/10.2307/2096304
  • Katzman, Fubem e Alejandro Retamoso. 2005. Segregacion espacial, empleo y pobreza em Montevideo. Revista Cepal 85 (9): 131-148. https://doi.org/10.18356/93a498f9-es
    » https://doi.org/10.18356/93a498f9-es
  • Kearns, Ade e Parkinson, Michael. 2001. The significance of neighbourhood. Urban Studies 38 (12): 2013-2110. https://doi.org/10.1080/00420980120087063
    » https://doi.org/10.1080/00420980120087063
  • Kowarick, Lúcio. 1979. A espoliação urbana Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Kowarick, Lúcio. 2009. Escritos urbanos 2 ed. São Paulo: Editora 34.
  • Marques, Eduardo e Haroldo Torres. 2005. São Paulo: segregação, pobreza e desigualdades sociais São Paulo: Ed. Senac.
  • Molinatti, Florencia. 2013. Segregación residencial y inserción laboral en la ciudad de Córdoba. Eure 39 (117): 117-145. https://doi.org/10.4067/S0250-71612013000200006
    » https://doi.org/10.4067/S0250-71612013000200006
  • Ribeiro, Luiz Cesar Q. e Fuben Kaztman. 2008. A cidade contra a escola. Segregação urbana e desigualdades educacionais nas grandes cidades da América Latina Rio de Janeiro: Letra Capital.
  • Ribeiro, Luiz Cesar Q., Mariane C. Koslinski, Fatima Alves e Cristiane Lasmar. 2010. Desigualdades urbanas, desigualdades escolares Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles.
  • Sabatini, Francisco, Guilhermo Wormald e Alejandra Rassa. 2013. Segregación de la vivenda social: ocho conjuntos en Santiago, Concepcion y Talca Santiago: Instituto de Estudios Urbanos y Territoriales, Pontificia Universidad Católica de Chile.
  • Santos, Lícia Maria S. 2018. As fronteiras do lugar na vida dos jovens Tese em Ciências Sociais, UFBA, Salvador.
  • Saravi, Gonzalo A. 2008. Mundos aislados: segregación urbana y desigualdad en la Ciudad de México. Eure 34 (103): 93-110. https://doi.org/10.4067/S0250-71612008000300005
    » https://doi.org/10.4067/S0250-71612008000300005
  • Shapira, M. F. P. 2000. Segregação, fragmentação, sucessão: a nova geografia social de Buenos Aires. Novos Estudos Cebrap 56 Cebrap: São Paulo.
  • Small, Mario L. e Katherine Newman. 2001. Urban poverty after the truly desavantaged: the rediscovery of the family, the neighborhood and culture. Annual Rewiew of Sociology 27: 23-45. https://doi.org/10.1146/annurev.soc.27.1.23
    » https://doi.org/10.1146/annurev.soc.27.1.23
  • Van Zanten, Agnés. 2014. L’école de la périphérie (a escola da periferia revisitada). In Sociologia do ensino médio: crítica do economicismo na política educacional, organizado por Nora Kawczyk. São Paulo: Cortez.
  • Vignoli Jorge R. 2008. Movilidad cotidiana, desigualdade social y segregación en cuatro metrópoles de América Latina. Eure 34 (103): 49-71. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612008000300003
    » http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612008000300003
  • Wacquant, Loic. 2008. As duas faces do gueto São Paulo: Boitempo.
  • Wilson, William J. 1987. The truly disavantaged: the inner city, the underclass and public policy Chicago: The University of Chicago Press.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2020

Histórico

  • Recebido
    09 Dez 2019
  • Aceito
    02 Dez 2019
  • Publicado
    04 Ago 2020
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Av. Ipiranga, 6681 - Partenon, Cep: 90619-900, Tel: +55 51 3320 3681 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: civitas@pucrs.br