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Da interseccionalidade à encruzilhada: operações epistêmicas de mulheres negras nas universidades brasileiras

From interseccionality to the crossroads: epistemic operations of black women in brazilian universities.

De la interseccionalidad a la encrucijada: operaciones epistémicas de las mujeres negras en las universidades brasileñas

Resumo:

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre as estratégias de resistência das estudantes negras na pós-graduação a partir das experiências dos autores do artigo, enquanto orientador e orientanda. Parte-se da análise dos efeitos da circulação internacional da rede de conceitos relacionados à interseccionalidade em seus efeitos de apropriação politicamente neutralizante e da destituição intelectual da centralidade da experiência negra. No que pese a teoria feminista ter incorporado a interseccionalidade, frequentemente opera uma supressão intelectual da centralidade das experiências de mulheres negras para a constituição de um ponto de vista autodefinido. Para se contrapor a esse efeito neutralizante da circulação internacional do conceito, se analisa aqui como o conceito tem sido traduzido e experimentado por pós-graduandas negras enquanto encruzilhada – categoria da religiosidade de matriz africana.

Palavras-chave:
Pensamento feminista negro; Interseccionalidade; Teoria feminista; Encruzilhada

Abstract:

The aim of the present paper is to reflect upon black women's strategies of resistance on the graduate schools based on the paper's authors experience as advisor and advisee. It parts from the analysis of the international circulation effects of the net of concepts related to interseccionality in its effects of politically neutralizing appropriation and the intellectual destitution of the centrality of black experience. Even though the feminist theory has incorporated interseccionality, it is frequently operated an intellectual suppression of the centrality of black women's experience on the constitution of a self-defined point of view. In opposition to this neutralizing effect of the concept's international circulation, it is here analyzed how the concept has been translated and experimented by black graduates as a crossroads – category of the african matrix religion.

Keywords:
Black feminist thought; Intersectionality; Feminist theory; Crossroads

Resumen:

Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre las estrategias de resistencia de las estudiantes negras de posgrado a partir de las experiencias de los autores del artículo, como tutor e investigadora. Se parte del análisis de los efectos de la circulación internacional de la red de conceptos relacionados con la interseccionalidad en sus efectos de apropiación políticamente neutralizante y destitución intelectual de la centralidad de la experiencia negra. A pesar del hecho de que la teoría feminista ha incorporado la interseccionalidad, a menudo opera una supresión intelectual de la centralidad de las experiencias de las mujeres negras para la constitución de un punto de vista autodefinido. Para contrarrestar este efecto neutralizador de la circulación internacional del concepto, analizamos aquí cómo el concepto ha sido traducido y experimentado por estudiantes negras de posgrado como una encrucijada – una categoría de la religiosidad de matriz africana.

Palabras clave:
Pensamiento feminista negro; Interseccionalidad; Teoría feminista; Encrucijada

Introdução

O conceito de interseccionalidade tem sido amplamente discutido pela teoria feminista no século 21 (Piscitelli 2008Piscitelli, Adriana. 2008. Interseccionalidades, categorias de articulação e experiências de migrantes brasileiras. Sociedade e cultura 11 (2): 263-274. https://doi.org/10.5216/sec.v11i2.5247.
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; Hirata 2014Hirata, Helena. 2014. Gênero, classe e raça interseccionalidade e consubstancialidade das relações sociais. Tempo social 26 (1): 61-73. https://doi.org/10.1590/S0103-20702014000100005.
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; Blackwell e Naber 2002Blackwell, Maylei e Nadine Naber. 2002. Interseccionalidade em uma era de globalização: as implicações da conferência mundial contra o racismo para práticas feministas transnacionais. Revista Estudos Feministas 10 (1): 189-98. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100012.
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; Phoenix e Patymanna 2006Phoenix, Ann e Pamela Pattynama. 2006. Intersectionality. European Journal of Womens Studies 13 (3): 187-192. https://doi.org/10.1177/1350506806065751.
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; Collins e Bilge 2016Collins, Patricia H. e Sirma Bilge. 2016. Intersectionality. Nova Jersey: John Wiley & Sons.; Vigoya 2016Vigoya, Mara V.2016. La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación. Debate feminista 52: 1-17. https://doi.org/10.1016/j.df.2016.09.005.
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). Segundo Collins (2015)Collins, Patricia H. 2015. Intersectionality's definitional dilemmas. Annual review of sociology 41 (1): 1-20. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112142.
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é possível compreender a interseccionalidade como um marco teórico crítico, enquanto uma ferramenta para analisar identidades e em um viés de paradigma de conhecimento. Há autoras que defendem que a interseccionalidade pode ser considerada enquanto método (Yuval-Davis 2006Yuval-Davis, Nira. 2006. Intersectionality and feminist politics. European journal of women's studies 13 (3): 193-209. https://doi.org/10.1177/1350506806065752.
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; Collins 2015Collins, Patricia H. 2015. Intersectionality's definitional dilemmas. Annual review of sociology 41 (1): 1-20. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112142.
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). Ou seja, há inúmeras construções a respeito da interseccionalidade, e reduzi-la a uma vertente feminista ou a partir de uma noção que compreende a interseccionalidade como uma forma de identificar como as opressões se aprofundam em determinadas experiências é reduzir seu potencial político crítico. Aliás, ao controlar o processo de conceituação da interseccionalidade e entregar esse conceito a um nome, a academia controla também a forma com que intelectuais ativistas negras podem ou não inscrever suas narrativas no cânone.

No que pese a inserção acadêmica do termo intersecionalidade tenha se dado a partir das contribuições de Kimberlé Crenshaw (1989)Crenshaw, Kimberlé. 1989. Demarginalizing the intersection of race and sex: a black feminist critique of antidiscrimination doctrine, feminist theory and antiracist politics. University of Chicago Legal Forum 1989 (1): 139-167., há uma trajetória do ativismo de mulheres negras e das contribuições político-teóricas delas que informa o que será compreendido enquanto interseccionalidade. Essa contribuição é frequentemente suprimida das ementas de disciplinas e debates acadêmicos contemporâneos a respeito do tema. Neste artigo, buscamos repensar a interseccionalidade a partir da experiência que estabelecemos como orientador e orientanda, pensando, especialmente, a partir do olhar de quem ingressou na academia com uma bagagem na religiosidade afro-brasileira e no ativismo antirracista, como é o caso da autora.

Discutimos a relação entre o ativismo de mulheres negras e a eclosão da interseccionalidade, tecemos considerações sobre como a circulação internacional do conceito tende a desvincular a teoria e o ativismo negro com efeitos epistêmicos que deslocam as intelectuais negras brasileiras. Por fim, indicamos as estratégias de resistência das estudantes negras na pós-graduação a partir das experiências dos autores do artigo, enquanto orientador e orientanda.

O ativismo de mulheres negras e a construção da perspectiva da interseccionalidade

Em Mulheres Negras Moldando a Teoria Feminista, bell hooks (2015)hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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demonstra como mulheres negras historicamente influenciaram mudanças na agenda política feminista da “margem ao centro”. No pensamento feminista negro estadunidense, a metáfora margem-centro ocupou relevante destaque na produção intelectual de mulheres negras antes da popularização da interseccionalidade. Há também nessas formulações o princípio de um debate a respeito do ponto de vista de mulheres negras, que irá compor as teorias perspectivistas que parte dessas intelectuais irá abraçar enquanto método posteriormente.

As mulheres brancas que dominam o discurso feminista raramente questionam se sua perspectiva sobre a realidade da mulher se aplica às experiências de vida das mulheres como coletivo. Há certa omissão e silêncio dessas pesquisadoras a respeito da forma que suas perspectivas refletem preconceitos de raça e classe, embora tenha havido uma aparente disposição para tratar sobre essas temáticas em sala de aula nos últimos anos.

O racismo por omissão é frequente nos textos de feministas brancas, reforçando a supremacia branca e negando a possibilidade de que as mulheres se conectem politicamente cruzando fronteiras étnicas e raciais. A recusa feminista a chamar atenção para hierarquias raciais e as atacar, suprimiu a conexão entre raça e classe (hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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, 195).

No Brasil, Sueli Carneiro (2003aCarneiro, Sueli. 2003a. Mulheres em movimento. Estudos avançados 17 (49): 117-133. https://doi.org/10.1590/S0103-40142003000300008.
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) e Luiza Bairros (1995)Bairros, Luiza. 1995. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas 3 (2): 458-63. https://doi.org/10.1590/%25x.
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denunciam o racismo do feminismo branco em seus textos mais reverberados. Patricia Hill Collins (2009)Collins, Patricia H. 2009. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Londres: Routledge., bell hooks (2015)hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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e Angela Davis (2016)Davis, Angela. 2016. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo Editorial. são exemplos de intelectuais negras que irão demonstrar as dinâmicas do silenciamento de mulheres negras no contexto estadunidense. Na Europa, a produção de feministas negras também demonstrará os padrões de silenciamento das “women of color”, os escritos Nura Yval-Davis (2006)Yuval-Davis, Nira. 2006. Intersectionality and feminist politics. European journal of women's studies 13 (3): 193-209. https://doi.org/10.1177/1350506806065752.
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e Hazel Carby (1982)Carby, Hazel V. 1982. White woman listen! Black feminism and the boundaries of sisterhood. In The empire strikes back: race and racism in 70's Britain, 212-35. Centre for Contemporary Cultural Studies. Londres: Routledge. são exemplos nesse sentido. Essas reivindicações estarão centradas em demonstrar que é preciso fazer movimentos de recuo para que aquelas que historicamente estiveram nas margens possam vir ao centro e reivindicar suas próprias experiências e saberes em primeira pessoa, buscando autonomia.

Para algumas mulheres negras, a perspectiva de gênero do feminismo esteve tão centrada nas experiências de mulheres brancas (hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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) que seria necessário renomear os movimentos e as perspectivas de lutas de mulheres negras. Patricia Hill Collins (1996)Collins, Patricia H. 1996. What's in a name? Womanism, black feminism, and beyond. The Black Scholar 26 (1): 9-17. https://doi.org/10.1080/00064246.1996.11430765.
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demonstra como que essas tensões permearam os debates de mulheres negras estadunidenses em seu ensaio “What's in a name? Womanism, Black feminism, and beyond”. Naquele momento havia uma tensão entre as mulheres negras norte-americanas a respeito da utilização do termo feminismo para nomear as práticas de resistência de mulheres negras, Alice Walker então irá sugerir o termo womanism . Collins (2017, 5), por sua vez, reflete que “o esforço para categorizar obscurece os desafios básicos que as mulheres afro-americanas enfrentam enquanto um grupo” ao mesmo tempo que evidencia a importância da autodeterminação e da autodefinição de mulheres na nomeação de suas estratégias políticas.

Em que pese o processo de supressão do pensamento de mulheres negras a partir das violências epistêmicas engendradas pelas lógicas hegemônicas de formulação do conhecimento, o mover-se das margens para o centro, visando moldar a teoria feminista, conforme enunciado por bell hooks (2015)hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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, permitiu a consolidação da práxis interseccional histórica desenvolvida por mulheres negras: uma ferramenta analítica que consiste em uma forma de compreender a sociedade desde as margens. A interseccionalidade pode ser considerada enquanto uma teoria a respeito de identidades e poder. Talvez essa seja uma das razões pelas quais tão frequentemente as leituras a respeito da interseccionalidade se resumam a um diagnóstico que se contenta em apontar que mulheres brancas são mais privilegiadas do que mulheres negras.

A redução da interseccionalidade a esse debate pouco contundente acaba retirando o potencial crítico dessa teoria, fazendo com que, muitas vezes, ela fique caracterizada como uma “olimpíada das opressões”. Mesmo nas articulações teóricas de Kimberlé Crenshaw (1991)Crenshaw, Kimberlé. 1991. Mapping the margins: identity politics, intersectionality, and violence against women. Stanford Law Review 43 (6): 1241-1299. https://doi.org/10.2307/1229039.
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, teórica da interseccionalidade, cujo pensamento tem maior preocupação com as dinâmicas de identidade, a característica analítica da interseccionalidade é destacada. A autora menciona a análise interseccional enquanto abordagem e enquanto forma de compreender interações no interior das dinâmicas de poder que atravessam os diversos eixos de identidade.

O esforço de participação e de integração nos projetos de justiça social é uma característica da práxis interseccional de mulheres negras, que têm se disposto a integrar lutas coletivas onde suas vozes nem sempre foram ouvidas. Essa disposição em compartilhar diversas experiências e articular novos olhares sobre os sistemas de dominações e os variados domínios do poder informa a práxis e a produção intelectual interseccional que emerge da capacidade político-crítica e criativa de mulheres negras.

Nomear a própria experiência é um exercício de poder constantemente suprimido dessas mulheres. A reivindicação coletiva e individual pela autodefinição (Collins 2009Collins, Patricia H. 2009. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Londres: Routledge.), também apresenta um rompimento com a invisibilidade, inclusive quando tomam para si a responsabilidade de nomear a violência que experienciam. Ou seja, são as próprias mulheres negras que irão questionar o sistema e a si mesmas, “moldando a teoria feminista” (hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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), a partir de seus pontos de vista autodefinidos. bell hooks (2015)hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16: 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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afirma que o feminismo norte-americano contemporâneo silenciou a respeito da questão de raça e de classe, centralizando as vivências e as experiências de mulheres brancas classe média como as grandes questões do feminismo em detrimento das pautas de mulheres negras e da classe trabalhadora. Da mesma forma, Luiza Bairros (1995Bairros, Luiza. 1995. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas 3 (2): 458-63. https://doi.org/10.1590/%25x.
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, 459) demonstra como as vertentes canônicas do feminismo foram insuficientes em contemplar as múltiplas experiências de mulheres “porque herdaram do feminismo radical três conceitos básicos (e problemáticos): mulher, experiência e política pessoal”.

A formulação da interseccionalidade enquanto práxis e paradigma teórico foi fundamental para se constituir uma ferramenta analítica que visa compreender as dinâmicas das identidades. A presença da interseccionalidade no interior das academias possibilitou compreender a mesma enquanto perspectiva e como conceito (Collins 2015Collins, Patricia H. 2015. Intersectionality's definitional dilemmas. Annual review of sociology 41 (1): 1-20. https://doi.org/10.1146/annurev-soc-073014-112142.
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). Patricia Hill Collins (2019)Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial. demonstra como que a interseccionalidade é relevante enquanto teoria crítica. Por outro lado, Kimberlé Crenshaw (2004)Crenshaw, Kimberlé. 2004. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. Unifem 1 (1): 7-16. utiliza a interseccionalidade para demonstrar como as múltiplas dimensões das experiências identitárias de mulheres negras não podem ser interpeladas a partir de um eixo único, sobretudo no que diz respeito às ferramentas da justiça. As experiências de mulheres negras tornam-se um ponto de partida relevante para pensar os fenômenos sociais. Portanto, é possível compreender a interseccionalidade como conhecimento de resistência e como projeto de justiça social.

Os caminhos percorridos por mulheres negras para a sua subjetivação perpassam por estratégias interseccionais. A consciência das multiplicidades de experiências que existem nesse grupo exige um fazer político em que as particularidades não sejam consideradas enquanto irrelevantes. As diferenças de classe, gênero, sexualidade, origem, idade e condição física são frequentemente observadas pelas mulheres negras no seu fazer ativista. Essa preocupação é resultado de uma concepção sobre o que significa a construção de justiça social.

A estratégia interseccional desenvolvida pelo ativismo intelectual feminista negro se torna mais compreensível quando compreendemos o conceito de matriz de dominação, desenvolvido por Patricia Hill Collins (2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial., 57):

[…] a ideia de matriz de dominação se refere ao modo como essas opressões interseccionais são de fato organizadas. Independentemente das intersecções específicas em questão, domínios de poder estruturais, disciplinares, hegemônicos e interpessoais reaparecem em formas bastante diferentes de opressão.

A dimensão representacional da interseccionalidade é diretamente ligada com a forma com que mulheres negras são representadas em imagens culturais. No que tange essa articulação do pensamento de Crenshaw (1991)Crenshaw, Kimberlé. 1991. Mapping the margins: identity politics, intersectionality, and violence against women. Stanford Law Review 43 (6): 1241-1299. https://doi.org/10.2307/1229039.
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cabe uma reflexão a partir do conceito de imagens de controle (Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial.). Especialmente no campo audiovisual operam imagens que justificam a perpetuação das mulheres negras em lugares de subordinação. Para que a subordinação desse grupo se perpetue é necessário que existam ferramentas ideológicas robustas que justifiquem esse panorama.

Imagens de controle são respostas ideológicas à persistência de mulheres negras em não sucumbirem ao racismo e ao sexismo. A assertividade histórica com que mulheres negras articulam saídas para a experiência de violência racial e de gênero é respondida pelas ideologias dominantes em vários campos, incluindo a linguagem. É no campo das linguagens e nos seus desdobramentos que operam significativas imagens de controle que são organizadas para fazer com que o racismo, o sexismo, a pobreza e outras formas de injustiça sociais sejam naturalizadas, consideradas partes inevitáveis do cotidiano (Bueno 2020Bueno, Winnie. 2020. Imagens de controle: um conceito do pensamento de Patricia Hill Collins. Porto Alegre: Editora Zouk.; Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento. São Paulo: Boitempo Editorial.).

A premissa do conceito de interseccionalidade que mobilizamos compreende que esse conceito não é estanque, havendo uma certa inconsistência e ambiguidade que circundam o termo (Collins e Bilge 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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). Essas características não são interpeladas como marcos negativos a respeito do conceito, ao contrário, consideramos que está alicerçado em uma construção emergente, viva e pulsante, da mesma forma que as práticas interseccionais.

Ao reposicionar as relações de poder e de resistência a partir da interseccionalidade enquanto ferramenta analítica, o pensamento político de mulheres negras considera a agência individual e coletiva das mulheres negras. Os debates epistemológicos continuados a respeito da dinâmica de poder que indica o que conta como conhecimento é um marco importante nesse sentido. Esse argumento aparece explicitado, por exemplo, na forma como essa literatura tem tematizado as mulheres negras empregadas domésticas. Essas mulheres produzem um conhecimento ativo que possibilita que a cada nova geração aumente a consciência a respeito da naturalização inscrita em imagens de controle que permeiam a mídia e coloca a mulher negra sempre no lugar marcado de uma Tia Nastácia2 2 Personagem do escritor Monteiro Lobato no livro O sítio do Pica-Pau Amarelo . Tia Nastácia é representada como uma mulher negra, gorda, responsável pelos afazeres domésticos. A narrativa destinada a Tia Nastácia está diretamente associada à sua patroa, Dona Benta, e as crianças brancas que vivem no sítio. A personagem ocupa uma posição de inferioridade em relação aos personagens brancos da trama. Representa a própria visão de Lobato em relação aos negros que ele mesmo considerava inferiores. contemporânea, ideologicamente organizado para que mulheres negras permaneçam em trabalhos precários e longe da disputa do mercado em que figuram homens e mulheres brancas que ocupam cargos de prestígio (Bueno 2020Bueno, Winnie. 2020. Imagens de controle: um conceito do pensamento de Patricia Hill Collins. Porto Alegre: Editora Zouk.).

Nesse sentido, as populações subordinadas mobilizaram teorias de conhecimento autodefinidas, com processos de valoração e de validação dos seus saberes de resistência e de conhecimentos de oposição que ultrapassam as fronteiras acadêmicas. O ativismo intelectual de mulheres negras reside nesse lugar, onde mulheres negras mobilizam seus conhecimentos como ferramenta de análise e de formulação de agendas que possibilitam resistências aos sistemas de dominação e uma inscrição intelectual autônoma a partir de seus próprios pontos de vista (Bairros 1995Bairros, Luiza. 1995. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas 3 (2): 458-63. https://doi.org/10.1590/%25x.
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; Cardoso 2017Cardoso, Claudia P. 2017. Por uma epistemologia feminista negra do sul: experiências de mulheres negras e o feminismo negro no Brasil. 13° Mundos de Mulheres & Fazendo Gênero 11. Florianópolis, SC: Instituto de Estudos de Gênero, 2017; Collins 2020; Figueiredo 2020Figueiredo, Angela. 2020. Epistemologia insubmissa feminista negra decolonial. Revista Tempo e Argumento 12 (29): e0102. https://doi.org/10.5965/2175180312292020e0102.
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; hooks 2020hooks, bell. 2020. Teoria feminista. São Paulo: Editora Perspectiva SA.; Pereira 2019Pereira, Patrícia G. 2019. O Quilombo dos Machado e a pedagogia da ginga: deslocamentos em busca da vida. Dissertação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ufrgs, Porto Alegre, RS, Brasil.; Santos 2007Santos, Sônia Beatriz dos. 2007. Feminismo negro diaspórico. Revista Gênero 8 (1):11-26. https://doi.org/10.22409/rg.v8i1.157.
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).

A crítica produzida pela teoria feminista negra frequentemente denuncia a omissão do feminismo branco e a forma com que os empreendimentos dos movimentos de mulheres brancas suprimem a trajetória e as contribuições de mulheres não brancas ao feminismo. Essa estratégia do feminismo negro, tem tensionado as organizações políticas feministas e a teoria feminista. A denúncia do racismo presente no feminismo branco a partir da produção de intelectuais como Barbara Smith, Angela Davis e Glória Anzaldua é um convite para uma mudança de postura intelectual e ativista por parte das feministas brancas e, apesar de constantemente essas mulheres recusarem-se ao comprometimento com o combate ao racismo, seja a partir da omissão do conhecimento produzido por mulheres negras, seja a partir da apropriação do pensamento dessas mulheres sem o devido reconhecimento, há avanços na construção de coalisões e de novas perspectivas no feminismo que não sejam centralizadas pelo racismo.

Os processos de validação do conhecimento no âmbito acadêmico brasileiro sistematicamente suprimiram os saberes de grupos subalternizados. Comunidades negras, povos tradicionais, população indígena entre outros grupos sociais subordinados tiveram seus conhecimentos silenciados, apropriados, alterados de diversas formas, com o intuito de estabelecer uma dinâmica onde apenas aquilo que é produzido pela intelectualidade branca pode ser qualificado enquanto teoria. Essa lógica não está inscrita apenas na experiência brasileira e é uma forma de manutenção de privilégios da branquitude, que consolidam epistemologias exclusivas onde possam não apenas interpretar as suas próprias experiências como também a de todos aqueles que consideram enquanto “outros” (Collins 2020).

Nós e a pós

A presente reflexão analisa, a partir da trajetória política e acadêmica dos autores, como os conceitos mobilizados por pensadoras feministas negras brasileiras têm articulado um mapa conceitual no campo da sociologia brasileira que constitui uma epistemologia de mulheres afro-brasileiras a partir dos conceitos de escrevivência (Evaristo 2005Evaristo, Conceição. 2005. Da representação à auto-apresentação da mulher negra na literatura brasileira. Revista Palmares 1 (1): 52-57.), epistemicídio (Carneiro 2005Carneiro, Sueli. 2005. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese em Educação, Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil.), enegrecer o feminismo (Carneiro 2003bCarneiro, Sueli. 2003b. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. Racismos contemporâneos 17 (49): 49-58.), pacto narcísico da branquitude (Bento 2002Bento, Maria Aparecida S. 2002. Branqueamento e branquitude no Brasil. In Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil, organizado por Iray Carone e Maria Aparecida Silva Bento, 5-58. Rio de Janeiro: Vozes.), dororidade (Piedade 2017Piedade, Vilma. 2017. Dororidade. São Paulo: Editora Noz.) e ialodê (Werneck 2007Werneck, Jurema. 2007. Of Ialodês and feminists: reflections on black women's political action in Latin America and the Caribbean. Cultural Dynamics 19 (1): 99-113. https://doi.org/10.1177/0921374007077383.
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). Buscamos observar como os empreendimentos iniciados por Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Maria Aparecida Bento, Vilma Piedade e Jurema Werneck, intelectuais ativistas do movimento de mulheres negras brasileiras tendem a ser desdobrados por pós-graduandas negras que ingressam na academia, sobretudo após a institucionalização da política de cotas raciais para pós-graduandos.3 3 A Portaria Normativa n. 13 de 11 de maio de 2016 instituiu a “a indução de Ações Afirmativas na Pós-Graduação”, contudo em junho de 2020 essa portaria foi revogada pelo então Ministro da Educação Abraham Weintraub. A portaria em questão foi um marco importante na ampliação da adoção de reserva de vagas para estudantes negros e indígenas nos cursos de mestrado e doutorado das instituições federais de ensino superior. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, até setembro de 2020, dezoito programas de pós-graduação da instituição adotavam algum tipo de ação afirmativa racial. O Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul adota desde 2016 a política de ações afirmativas para pessoas negras, transexuais e travestis, indígenas, e refugiados e solicitantes de refúgio.

Em sua tese Sueli Carneiro (2005)Carneiro, Sueli. 2005. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese em Educação, Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil. elabora o conceito de epistemicídio em articulação ao conceito de biopoder. O epistemicídio consiste nas estratégias de inferiorização intelectual do negro ou sua anulação enquanto sujeito de conhecimento. Formas de sequestro, rebaixamento ou assassinato da razão. Ao mesmo tempo, e por outro lado, o faz enquanto consolida a supremacia intelectual da racialidade branca. A teórica ainda destaca que o epistemicídio tem se constituído no instrumento operacional para a consolidação das hierarquias raciais por ele produzidas e a partir desse diagnóstico é possível compreender como o esvaziamento político e racial da categoria de interseccionalidade também corresponde a uma lógica que determina por quem e como o conhecimento pode ser produzido e articulado (Carneiro 2005Carneiro, Sueli. 2005. A construção do outro como não-ser como fundamento do ser. Tese em Educação, Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, SP, Brasil.; Bilge 2018Bilge, Sirma. 2018. Interseccionalidade desfeita: salvando a interseccionalidade dos estudos feministas sobre interseccionalidade. Revista Feminismos 6 (3): 67-82.).

A partir das considerações epistemológicas tecidas em torno do conceito de interseccionalidade abordamos aqui os efeitos epistêmicos de resistência frente à ampliação da presença de mulheres negras nos programas de pós-graduação das universidades brasileiras com as políticas de reserva de vagas. Das conversas entre alunas negras nos corredores e nos grupos de pesquisa coordenados pelos poucos professores negros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, se pôde constatar que, às mulheres negras que ingressam na pós-graduação no Brasil, a colonialidade epistêmica impõe um distanciamento em relação à imagem de si mesmas. Assim sendo, o conceito de interseccionalidade não mais serve para preencher de sentidos as suas experiências nas encruzilhadas de múltiplos sistemas de opressão, uma vez que este é apropriado e esvaziado do seu sentido enquanto ferramenta de luta a partir de sua circulação acadêmica, controlada pelas formas de racismo por omissão ou pela alteração do seu sentido político.

A universidade é o lugar de um sofrimento racial dificilmente passível de ser elucidado com as ferramentas que ela mesma produz. O complexo estrutural gerador de situações de violência epistêmica permanece intocável enquanto o conceito de interseccionalidade permanece capturado. O resultado é uma redução do campo de mediações dos sofrimentos suportados pelas corporalidades negras, já que nas redes de tradução, as alteridades mais radicais só podem ser representadas de modo crível por pessoas dotadas das competências de tradução autorizadas, geralmente brancas e protegidas de experimentar raça como condição subalterna.

Em lugar de estimular a exploração das alteridades internas às corporalidades racialmente marcadas, as disciplinas das humanidades têm induzido estudantes negros a deslocamentos forçados em relação às urgências de reconstrução de seus lugares habitáveis de enunciação. Assim, as epistemologias consolidadas funcionam como máquinas de silenciamento das experiências subalternas que buscam se expressar localizadas geopolítica e corporalmente. Como se o corpo não fosse capaz de nomadismo identitário, a desessencialização das identidades ficou colada a dispositivos de descorporificação dos lugares de enunciação.

A descorporalização dos locus de enunciação passa em larga medida pelas injunções ao antiessencialismo. Uma das modalidades desse epistemicídio reside na injunção a uma metafísica que interdita a relação com a identidade negra como essência. Se tomarmos por essencialismo a afirmação de que alguma coisa só pode ser o que é, apesar dos esforços para relacioná-la com outra, a afirmação de uma identidade essencialmente negra aparece como contraditória aos esforços de análises relacionais. Em princípio, o essencialismo implica na afirmação de uma posição incompatível com a concepção de que algo só emerge como um feixe de relações. O antiessencialismo acusa o essencialismo de redução elíptica ad absurd e demonstra que deve ser rejeitado por reducionismo. Mas, como sugere um dos mais consagrados filósofos afro-caribenhos da atualidade:

[…] o apelo à essência e, de fato, ferramentas conceituais relacionadas, como eidos, totalidade, tipo ou quociente, não precisam entrar em colapso na atribuição encerrada do ismo essencial. Como o essencialismo é uma afirmação ontológica, uma afirmação sobre o ser da coisa, emergiria uma conclusão diferente se admitirmos o relacionamento envolvendo essenciais, e onde há entendimento de que eles fazem parte de um nexo humano maior de negociação da relação humana com uma realidade que sempre nos excede (a saber, a relação humana e a realização do não-humano), há espaço para o mesmo tipo de humildade em que, em última análise, o insight e o ímpeto do anti-essencialismo se baseiam. Existe, portanto, uma maneira ironicamente produtiva pela qual a essência sem essencialismo poderia contribuir para a perigosa tarefa do estudo humano. (Gordon 2012Gordon, Lewis. 2012. Essentialist anti-essentialism, with considerations from other sides of modernity. Quaderna: A Multilingual and Transdisciplinary Journal 1. https://quaderna.org/wp-content/uploads/2012/12/Gordon-essentialist-and-essentialism.pdf.
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, 3).

Para escapar a acusação de essencialismo, com frequência mulheres negras nas universidades têm mobilizado a categoria afro-brasileira de encruzilhada, que mantém esse ímpeto não essencialista sem necessariamente renunciar a uma concepção produtiva de essências em colisão e que seguem fluxos diferentes, em que pese os encontros. Experimentações recentes e radicais do conceito de encruzilhada aparecem tanto em trabalhos nas ciências humanas como em outras áreas.

Pesquisadoras negras têm vencido o mal-estar de trabalhar sob paradigmas que não dialogam ou subalternizam seus saberes de origem, mobilizando a categoria encruzilhada ao lado de outros dispositivos de traçado de biografemas que potencializam a acuidade epistêmica do escrever nas margens do sistema acadêmico. Chamamos de biografemas as mobilizações de experiências de racismo em que os sujeitos racializados articulam pedaços de suas biografias às teorias disponibilizadas pela academia, de modo a fazer a teoria habitar acontecimentos singulares; são experimentações que não fecham as teorias; resultados precários dos enfrentamentos aos desafios de responder teoricamente sem o ponto de vista dos insiders sociológicos (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 123). Em um cruzamento do conceito de Barthes (2005Barthes, Roland. 2005. Sade, Fourier, Loyola. São Paulo: Martins Fontes, 172) de biografemas e das experimentações de escrevivências da Evaristo (2017Evaristo, Conceição. 2017. Becos da memória. Rio de Janeiro: Pallas., 7) encontramos nas articulações intelectuais de mulheres negras a torção temporal em que o presente do acontecimento biográfico se entende até ao presente da escrita, fazendo do texto parte do processo do eclodir do fato da contestação ao racismo, escapando assim à oposição entre ficção e realidade. Esse lugar marginal na academia é articulado a perspectivas e interesses emancipatórios de seus lugares de pertencimento e lhes aparecem como uma encruzilhada de saberes. Assim, como a umbanda negra se configura na encruzilhada do catolicismo popular, do espiritismo e de diversos africanismos e indigenismos, também as pesquisadoras negras mobilizam as modalidades consagradas de pesquisa desde formas outras de se perceber e articular conhecimentos, sensibilidades e potências políticas. É também o que temos percebido com a utilização do conceito de interseccionalidade por parte dessas mulheres, um exercício de produção de saber na encruzilhada.

O que a religiosidade afro-brasileira apresenta como paradigma é uma concepção de essências em fluxo: o orixá é uma essência que está para o corpo no qual se manifesta como a raça negra e a mulher negra eclodem nos corpos lhes impondo nomadismos, deslocamentos em relação às construções rotineiras do ‘si mesmo’. O espaço para que cada um trabalhe uma relação de si para consigo como se uma parte de si pertencesse a outro divino é o acontecimento que oferece o modelo analítico para o sentido da diferença colonial como negrura essencial.

Um continente de conhecimentos emerge desse lugar de enunciação enquanto uma multiplicidade incontrolável de ângulos novos muito além dos regimes normativos, das metodologias e das matrizes epistemológicas fixadas nas academias. Textos construídos na encruzilhada de forças ainda não recenseadas pelos inspetores da matriz colonial de produção de conhecimento escapam a possibilidade de serem domesticados. Não foi essa a modalidade de revogação dos santos católicos que o pensamento de matriz afro-brasileiro impôs, nos terreiros, a liturgia católica? Nos altares (congás) da Umbanda as estatuetas de santos católicos estão presentes. Mas intensidades sagradas são evocadas apenas o suficiente para que sua materialidade seja cavalgada pela potência do acontecimento negro. Na negreira escritura do mesmo modo que com os santos católicos, as referências teóricas canônicas permanecem no texto, mas não sem que um abismo de possibilidades se instale sob cada enunciado como a esquiva potência de sentidos da resistência aos colonialismos. Na medida em que os eventos racistas precisam ser habitados pelos corpos negros, o negro na universidade eclode como um sujeito estrangeiro em sua própria corporeidade (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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). Nessas circunstâncias, escrever é proceder a mediação de alteridades entre sentidos de um sujeito nômade e corporalidades tornadas insuportáveis. No ângulo insuportável do acontecimento colonial, o sujeito negro que escreve escava perspectivas como procedimento de tornar habitável um corpo na intersecção de múltiplos sistemas de opressão (Puar 2012Puar, Jasbir K. 2012. I would rather be a cyborg than a goddess: becoming-intersectional in assemblage theory. PhiloSOPHIA 2(1): 49-66.).

É o que se pode ver nos complôs marginais em que estudantes cotistas negras exploram leituras de cânones negros para experimentações de pensamentos que não cabem em seus bancos escolares. Essas corporalidades inadequadas ao espaço acadêmico ainda branco exigem, implicam, se retraem. Aguardam o momento. Acumulam forças para frequentarem a encruzilhada do sistema com potência. Estudantes não brancos continuam ocupando posições periféricas nas geografias universitárias, mas um complô epistêmico nasce nas margens. Seus escritos carregam as potências do cruzamento. A interseccionalidade é nesses escritos tematizada, não como lugar de síntese e consubstancialidade fixa, mas de prosseguimento de uma multiplicidade de forças históricas, devires femininos do negro como raça generificada e gênero africanizado.

Apenas na Ufrgs, nos últimos três anos, várias dissertações elaboradas por mulheres negras mobilizaram o conceito de encruzilhada tanto para um exercício de reflexividade epistemológica como para a elaboração de biografemas de seus interlocutores de pesquisa. Patrícia Gonçalves (2019)Pereira, Patrícia G. 2019. O Quilombo dos Machado e a pedagogia da ginga: deslocamentos em busca da vida. Dissertação em Desenvolvimento Rural, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ufrgs, Porto Alegre, RS, Brasil. usa o conceito de encruzilhada para cenas da vida de seus interlocutores quilombolas, cruzando conceitos da capoeira e da religiosidade afro-brasileira. Janine Cunha (2020)Cunha, Janine M.V. 2020. Poder e política sob o ponto de vista das mulheres de terreiro no Rio Grande do Sul. Dissertação em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ufrgs, Porto Alegre, RS, Brasil. descreve o modo como vidas de mulheres lideranças religiosas são moldadas no axé e o conceito de encruzilhada conceitua o próprio encontro da pesquisadora com suas interlocutoras. Mas é no campo das artes que o conceito de encruzilhada vem ganhando terreno epistemologicamente mais potente, no modo como os próprios corpos das pesquisadoras são engajados como encruzilhadas de experimentações conceituais relacionadas à matriz afro-brasileira de pensamento político religioso. Na esteira dos trabalhos já clássicos no tema de Leda Martins e Renata de Lima Silva, Cleyce Colins (2021)Colins, Cleyce Silva. 2021. Performar o encante: saberes do terreiro como articuladores de criação em dança. Dissertação em Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Ufrgs, Porto Alegre, RS, Brasil. articula o corpo em dança da própria pesquisadora ao conceito de encruzilhada.

Essas pesquisadoras não querem carregar epistemologias de seus universos de origem enquanto derivados culturais a serem estudados, mas como potência epistemológica a transformar em referencial teórico. Se as epistemologias derivam de modos de habitar regimes singulares de provação dos enunciados (Stengers 1990Stengers, Isabelle. 1990. Quem tem medo da ciência? Ciências e poderes. São Paulo: Edições Siciliano.), as retomadas são experimentações precárias, resultados precários dos enfrentamentos aos desafios de responder cientificamente diante de situações-limite sem os instrumentos conceituais adequados. Tendo de encontrar suportes metodológicos de ocasião quando salvar o pensamento para poder se salvar, elas produzem encadeamentos corporais entre os enunciados e as dores do racismo. Ao chegar à pós-graduação, fazendo da própria corporalidade a extensão de uma escrita incerta, nossas relações de orientação acabam tendo de se deixar cavalgar pelos tempos do acontecimento – a escravidão e a resistência ao colonialismo.

A relação da orientação, para nós, autores deste texto, tem sido o desafio de trabalhar com rastros e restos, com o como lidar com aquilo que o acontecimento colonial deixou em cacos e transformar o deslocamento em um ponto de vista potente. Não encontraríamos na academia recursos para os impasses que a apropriação epistemicida impõe à interseccionalidade como teoria. É um acontecimento local, não generalizável, que a religiosidade afro-brasileira tenha nos apresentado modos de continuar a problematizar e a teorizar a interseccionalidade para além dos impasses impostos pela injunção a descategorizar para desessencializar (Espinosa Miñoso 2016Espinosa Miñoso, Yuderkys. 2016. De por qué es necesario un feminismo descolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidad occidental y el fin de la política de identidad. Solar: revista de filosofía iberoamericana 12 (1): 141-171. https://doi.org/10.20939/solar.2016.12.0109.
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).

Considerações finais

O conhecimento produzido por mulheres negras imbricadas no pensamento feminista negro deve estar atento ao fato de que as abstrações que podem ser produzidas a partir da forma com que o conceito de interseccionalidade ganhou o mundo acadêmico e os movimentos sociais acabam negligenciando o que interações específicas das opressões significam na materialidade social brasileira. Mesmo que as experiências de mulheres negras possam ter características que as aproximam das experiências de mulheres brancas, por exemplo, os impactos do sexismo no acesso à justiça, a condição e a experiência de mulheres negras continuam sendo distintas. A relevância do protagonismo de mulheres negras nas lutas por direitos está relacionada com a centralidade da ação intelectual dessas mulheres para construir conhecimentos e ferramentas de mudança social que estejam informadas por essas experiências singulares. Isso não significa que o pensamento feminista negro e as lutas por justiça para mulheres negras devam ser informados exclusivamente por mulheres negras. “Significa apenas que a responsabilidade pela definição da realidade de cada um cabe, sobretudo, a quem vive essa realidade, a quem realmente passa por essas experiências” (Collins 2009Collins, Patricia H. 2009. Black feminist thought: knowledge, consciousness, and the politics of empowerment. Londres: Routledge., 70).

O ingresso de um contingente maior de negros e indígenas nos programas de pós-graduação das ciências sociais e humanas por conta de políticas de reservas de vagas se configura de múltiplas formas como uma entrada política. Os efeitos da colonialidade no cotidiano acadêmico abastecem o processo de empobrecimento dos textos afro-brasileiros: processos de seleção euro-centrados associado à aparência se articulam ao capital cultural para produzir um efeito de sub-representação não branca; insinuações e formas subliminares magistrais de se dirigir aos não eleitos têm efeitos de censura que quando interiorizados funcionam como autocensura e provocam o cerceamento dos lugares de enunciação credíveis. Na medida em que as perspectivas não brancas são capturadas por lugares brancos de enunciação nossas disciplinas estão assentadas sobre um ruidoso silêncio que se configura como captura de alteridades.

Contra esse efeito de silenciamento epistêmico se faz necessário, para os estudantes negros, circunscrever um pesado “nós” como lugar de enunciação, um lugar de sujeito que se escava sob carnes desqualificadas pelo racismo e que não se faz autorizar em um espaço acadêmico sem se temporalizar nas bordas do desastre colonial. Esta é uma modalidade de pensamento que se faz nas bordas desse acontecimento que é a escravidão como o grande desastre do humano, fundador da modernidade. Do lado daqueles em que o desastre se inscreve como suspeição quanto a sua integral humanidade e desqualificação carnal calcificada em gestos cotidianos, a pergunta sobre o devir do humano em um mundo racializado se faz premente. É desse lugar que as pós-graduandas negras estão a traduzir intersecionalidade como encruzilhada, escavando desse modo, um lugar de enunciação simultaneamente político e de produção de saber científico.

Nas bordas de uma fissura entre o anseio à inclusão em uma comum humanidade e o deslocamento imposto pela suspeição de uma sub-humanidade, se configura um lugar negro de enunciação. Em torno da tragédia da humanidade africana negada, o pensamento que se faz sondando a continuidade do desastre reclama um sentido de urgência que articula teoria e ativismo de modo atávico. O que a presença de coletivos de pesquisadores negros impõe ao campo acadêmico brasileiro é uma temporalidade: o fato de que nas bordas do desastre da escravidão esteja a eclodir, sob temporalidades outras, uma acusação de negligência e silenciamento.

  • 2
    Personagem do escritor Monteiro Lobato no livro O sítio do Pica-Pau Amarelo . Tia Nastácia é representada como uma mulher negra, gorda, responsável pelos afazeres domésticos. A narrativa destinada a Tia Nastácia está diretamente associada à sua patroa, Dona Benta, e as crianças brancas que vivem no sítio. A personagem ocupa uma posição de inferioridade em relação aos personagens brancos da trama. Representa a própria visão de Lobato em relação aos negros que ele mesmo considerava inferiores.
  • 3
    A Portaria Normativa n. 13 de 11 de maio de 2016 instituiu a “a indução de Ações Afirmativas na Pós-Graduação”, contudo em junho de 2020 essa portaria foi revogada pelo então Ministro da Educação Abraham Weintraub. A portaria em questão foi um marco importante na ampliação da adoção de reserva de vagas para estudantes negros e indígenas nos cursos de mestrado e doutorado das instituições federais de ensino superior. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, até setembro de 2020, dezoito programas de pós-graduação da instituição adotavam algum tipo de ação afirmativa racial. O Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul adota desde 2016 a política de ações afirmativas para pessoas negras, transexuais e travestis, indígenas, e refugiados e solicitantes de refúgio.
  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    22 Fev 2021
  • Aceito
    02 Jun 2021
  • Publicado
    08 Nov 2021
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