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Tecendo fios entre interseccionalidade, agência e capacidades na teoria sociológica

Weaving threads between intersectionality, agency, and capabilities in sociological theory

Tejiendo hilos entre la interseccionalidad, la agencia y las capacidades en la teoría sociológica

Resumo:

A crítica produzida pelo pensamento feminista teve relevante contribuição para os estudos sociais ao enfatizar como a categoria gênero pode auxiliar na compreensão do mundo social. Mais recentemente, a abordagem interseccional do feminismo tem demostrado como gênero, articulado a outras categorias, como raça, classe, sexualidade, geração e localidade, pode auxiliar em análises mais complexas dos fenômenos sociais. Neste artigo, nosso objetivo é mobilizar a abordagem interseccional para revisar as noções de agência e de capacidades, visando oferecer um aporte sociológico analítico da constituição de sujeitos autônomos. Para isso, destacamos contribuições da abordagem interseccional e, em seguida, reelaboramos as noções de agência e de capacidades, tecendo combinações entre os fundadores e as fundadoras desses conceitos com representantes da abordagem interseccional.

Palavras-chave:
Sujeito; Autonomia; Feminismo; Interseccionalidade

Abstract:

The critique produced by feminist thought had relevant contributions to social studies by emphasizing how the gender category can assist in understanding the social world. More recently, the intersectional approach to feminism has demonstrated how gender, linked to other categories such as race, class, sexuality, generation, and locality, can assist in more complex analyses of social phenomena. In this article our goal is to mobilize the intersectional approach to review the notions of agency and capabilities, aiming to offer an analytical sociological contribution on the constitution of autonomous subjects. To do so, we highlight contributions from the intersectional approach and then rework the notions of agency and capabilities, weaving combinations between the founders of these concepts with representatives of the intersectional approach.

Keywords:
Subject; Autonomy; Feminism; Intersectionality

Resumen:

La crítica elaborada a partir del pensamiento feminista contribuyó de manera relevante a los estudios sociales al enfatizar cómo la categoría de género puede ayudar a comprender el mundo social. Más recientemente, el enfoque interseccional del feminismo ha demostrado cómo el género, vinculado a otras categorías como raza, clase, sexualidad, generación y localidad, puede ayudar a la hora de efectuar análisis más complejos de los fenómenos sociales. En este artículo nuestro objetivo es movilizar el enfoque interseccional para revisar las nociones de agencia y capacidades, con el objetivo de ofrecer un apo rte sociológico analítico sobre la constitución de sujetos autónomos. Para ello, destacamos las contribuciones del enfoque interseccional y luego reelaboramos las nociones de agencia y capacidades, tejiendo combinaciones entre los elementos fundadores de estos conceptos con representantes del enfoque interseccional.

Palabras clave:
Sujeto; Autonomía; Feminismo; Interseccionalidad

Introdução

O feminismo evidenciou diferentes formas de poder masculino que dão sentido e contornos ao conhecimento científico. Nesse processo, gênero constituiu-se como categoria analítica relevante para o pensamento crítico e a produção de novos conhecimentos. Com o amadurecimento dos estudos sobre os diversos sistemas que organizam as desigualdades sociais e seus efeitos, outras categorias analíticas têm sido mobilizadas, como raça/etnia, sexualidade, geração e localização. Classe, como categoria clássica do pensamento sociológico, é invocada em diferentes arranjos de articulações teóricas. Pensadoras do feminismo negro têm protagonizado esses debates e interpelam os fatores raciais que, por vezes, integram parte dos sistemas explicativos e, outras vezes, são por eles ocultados. As discussões decoloniais também têm chamado atenção para a colonialidade presente de forma oculta em diversas categorias sociais e sociológicas, como sujeito, gênero, classe e sexualidade. Com a abordagem interseccional, uma intensa e profícua produção tem sido gerada, especialmente pelos feminismos negro e decolonial, com o intuito de produzir meios teóricos para lidar com a diversidade de conceitos e de categorias analíticas que envolvem as desigualdades sociais. Com esses desafios para o conhecimento sociológico, não se trata de apenas enunciar que a franja mais subordinada e explorada da nossa sociedade é constituída por mulheres negras e pobres. É preciso, como assevera Curiel (2019)Curiel, Ochy. 2019. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial, 2019. In Descolonizar o feminismo, organizado por Paula Balduino de Melo, 32-51. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília., explicar como elas são racializadas, empobrecidas e sexualizadas.

As articulações entre categorias de análise nem sempre são bem equacionadas nas teorias sociológicas e nos estudos empíricos. Articular o trio gênero, classe e raça, por exemplo, tem sido desafiante. Ampliar esse rol para incluir categorias como sexualidade, localidade e geração, por exemplo, é um desafio intelectual e político ainda maior. A noção de interseccionalidade, cujo significado não é recente na sociologia brasileira (Mariano e Macêdo 2015Mariano, Silvana Aparecida e Márcia Macêdo. 2015. Desigualdades e interseccionalidades: deslindando a complexa trama das hierarquias e agenciamentos. Mediações-Revista de Ciências Sociais 20 (2): 11-26. https://doi.org/10.5433/2176-6665.2015v20n2p11.
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), ganhou definição mais bem delineada em produções recentes, como em Crenshaw (2002)Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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, e tem sido promissora para essa finalidade.

A abordagem interseccional possibilita uma revisão do modo como pensamos as relações de poder e a agência na teoria sociológica. Nesse sentido, outro aspecto que nos interessa neste trabalho é o debate sobre capacidades, que, nos termos de Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record. e Nussbaum (2002)Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder., conecta-se às discussões sobre agência e autonomia. Isso ocorre, em parte, porque a noção de capacidade proposta por esses autores pressupõe relações de poder, do mesmo modo que Giddens (2009)Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. e Archer (2011)Archer, Margaret S. 2011. Habitus, reflexividade e realismo. Dados 54 (1): 157206. https://doi.org/10.1590/S0011-52582011000100005.
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constroem suas discussões sobre agência; mas também porque ambas as perspectivas distinguem a ação da vontade de agir e da capacidade de agir. Nos termos de Giddens (2009Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes., 17), “um agente deixa de o ser se perde a capacidade para ‘criar uma diferença’, isto é, para exercer alguma espécie de poder”. Fundamentar a ideia de agência a partir da possibilidade de ação, mesmo em contextos desfavoráveis, também tem sido um caminho percorrido pelo pensamento feminista negro nas discussões sobre opressões e escolhas (hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16 (1): 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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). Parte das críticas dirigidas a essas perspectivas pode ser equacionada com o uso da abordagem interseccional, como sustentamos.

Neste artigo, temos como objetivo mobilizar a abordagem interseccional para revisar as noções de agência e de capacidades, visando um aporte sociológico analítico para a constituição de sujeitos autônomos. Para tanto, organizamos nosso argumento em três seções, além desta introdução e considerações finais. Na primeira seção, discorremos sobre os feminismos negros estadunidense e latino-americano decolonial, a fim de caracterizar um certo modo de problematizar o entrelaçamento entre diferentes sistemas de dominação. Tais elaborações abrem possibilidades de compreensão sobre a constituição dos sujeitos. Na segunda seção, revisamos o conceito de agência a partir da influente formulação de Anthony Giddens colocando-o em diálogo com pensadoras dos feminismos negro e decolonial. Na terceira seção, valemo-nos de contribuições do feminismo negro e decolonial na tentativa de resolver alguns pontos críticos das concepções de capacidades. Nas considerações finais, argumentamos pela viabilidade e pela capacidade heurística de compreender as condições de autonomia dos sujeitos levando em consideração o cotejamento entre a sociologia da agência e o feminismo negro e decolonial.

Feminismos negros: problematizando os sistemas de dominação

Patricia Hill Collins (2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo.), em suas abordagens sobre o pensamento feminista negro, destacou quatro componentes básicos: conteúdo temático, referenciais interpretativos, posições epistemológicas e a importância para o empoderamento. Collins (2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 101) se contrapõe à disjunção entre “estrutura e conteúdo temático de pensamento das condições materiais e históricas que moldam as vidas de suas produtoras”. À vista disso, reforça que, embora seja produzido por mulheres negras, o feminismo negro pode ser descrito por outras pessoas. Com a abordagem interseccional, o feminismo negro fornece férteis contribuições ao conhecimento sociológico em geral. Isto é, extrapola o posicionamento de que as mulheres negras “defendem um ponto de vista ou uma perspectiva singular sobre suas experiências e que existirão certos elementos nestas perspectivas que serão compartilhados pelas mulheres negras como grupo” (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 102), ampliando, assim, seu escopo teórico e político para diferentes experiências e variados objetos. Essa questão é relevante para a compreensão da antinomia entre o individual e o coletivo nas práticas das mulheres negras pela conquista da autonomia. Pensamos, a partir daí, sobre a ampliação desse debate para as abordagens sobre agência e capacidades das mulheres em geral, reconhecendo a importante contribuição do feminismo negro a respeito da interseccionalidade (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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), enquanto instrumental metodológico e analítico para a “inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado” (Akotirene 2019Akotirene, Carla. 2019. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen., 19).

A autodefinição das mulheres negras e a interseccionalidade se configuram como pontos centrais para a construção do pensamento feminista negro, considerando a interconexão entre a agência e as capacidades. Havendo êxito nessas articulações, podemos oferecer uma perspectiva sobre agência e capacidades apta a compreender os funcionamentos das relações de poder, as interações, as disputas e as resistências localizadas, mesmo em contextos de desigualdades nos quais as mulheres são racializadas, empobrecidas e sexualizadas. Para além de compreender as experiências das mulheres negras, essa perspectiva dota a Sociologia da capacidade de entender mais profundamente as dinâmicas sociais e a construção de sujeitos em contextos de desigualdades.

Conectamos autoras do pensamento negro estadunidense ao pensamento negro e decolonial latino-americano por meio das reflexões de Lélia Gonzalez (2020)Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar., visando estabelecer um diálogo entre a matriz estadunidense e a produção intelectual latino-americana, respeitando suas particularidades. Sob quais aspectos encontramos as aproximações entre o feminismo negro estadunidense e o feminismo negro brasileiro e latino-americano? E sob quais aspectos podemos identificar os seus elementos distintivos?

Uma questão que se impõe no campo teórico feminista, de um modo geral, diz respeito à opressão de gênero. As mulheres se veem oprimidas, não apenas porque são “diferentes” dos homens ou “desiguais”, mas porque se veem sistematicamente subordinadas, constrangidas, moldadas, usadas e abusadas pelos homens. Essa abordagem encontrou eco, por exemplo, em correntes como os feminismos psicanalítico, liberal, radical e socialista. Em contrapartida, outras leituras sobre a opressão das mulheres vão ganhando contornos por meio de argumentos que ressaltam a variação das opressões em suas posições dentro dos sistemas capitalista, patriarcal e racista, principalmente no feminismo negro, particularmente por meio da interseccionalidade.

A categoria da interseccionalidade se configura como instrumental analítico para as formas de associações de múltiplos sistemas de subordinação que recebem denominações variadas, como: “discriminação composta”, “cargas múltiplas”, “dupla ou tripla discriminação” (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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, 177). Trata-se de capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos de subordinação. A interseccionalidade propõe uma visão holística da realidade social que pode oferecer aportes para as teorias sociológicas, ao compreender que opressão e subordinação são produzidas no cruzamento de diferentes hierarquizações sociais (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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; Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo.). bell hooks identifica como um “preceito central do pensamento feminista moderno” a máxima de que “todas as mulheres são oprimidas” (2015, 197). Essa afirmação direciona para uma sugestão de compartilhamento de um destino similar entre as mulheres: o sexismo como fator determinante para todas. Entretanto, hooks apontou a negligência da articulação entre gênero e raça, conforme certa concepção feminista de origem branca e de classe média. Um exemplo é a crítica que dirigiu à obra A mística feminina, de 1963 (Friedan 1971Friedan, Betty. 1971. Mística feminina. Rio de Janeiro: Vozes.), cuja autora “transformou suas dificuldades e as de mulheres brancas como [se] elas fossem sinônimo de uma condição que afetaria todas as mulheres nos Estados Unidos” (hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16 (1): 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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, 194). Embora reconheça o sexismo como sistema de dominação, hooks atenta para a ausência de opções como o elemento determinante do significado do que é ser oprimida. hooks nos permite entender a capacidade de agenciamento das mulheres, mesmo aquelas que, em princípio, podemos julgar como absolutamente oprimidas pela sua condição racial ou de classe.

A opção por partir do feminismo negro estadunidense se justifica pelo nosso entendimento de sua emergência no contexto afro-americano como fonte de conhecimento e de resistência política que permitiu diálogos com intelectuais negras na América Latina. Destacamos a contribuição e o pioneirismo de Gonzalez (2020)Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar., que atentou para a conexão das dimensões de raça, etnia e classe e para a compreensão da dinâmica histórica e da localização social da mulher negra e indígena. Gonzalez, em perspectiva decolonial, contribuiu, assim, com o processo de desconstrução da cristalizada ideia de “democracia racial” no Brasil e do “esquecimento” das categorias raça e sexo na compreensão de nossa formação cultural, conforme identificada em intérpretes do Brasil, tais como Gilberto Freyre e Caio Prado Jr. A categoria de interseccionalidade já se fazia presente em Gonzalez, não pelo uso específico do termo ou por uma sistematização teórica, mas pelo sentido por ele carregado.

Consideramos, portanto, a contribuição de Gonzalez para as correntes feministas decoloniais. Em texto original de 1988, ela retomou o debate sobre o “esquecimento da questão racial no Brasil” com foco mais direto no próprio feminismo (Gonzalez 2020Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar.). Ao defender a emergência de um feminismo afro-latino-americano, direcionou-se para as singularidades do nosso contexto chamando atenção para as “mulheres-exceção”, isto é, as mulheres negras e indígenas que, em sua perspectiva, se encontravam apartadas do feminismo focado na branquitude. Gonzalez (2020)Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar. critica o eurocentrismo e seu “efeito neocolonialista”, compreendidos como “formas alienadas de uma teoria e prática que são percebidas como libertadoras”. Para ela, duas categorias do pensamento lacaniano possibilitam compreender o processo de esquecimento e de invisibilidade da questão racial por parte do feminismo na América Latina: “infans” e “sujeito-suposto saber”. A primeira refere-se à formação psíquica da criança, que, “quando falada por adultos na terceira pessoa é, consequentemente, excluída, ignorada, ausente, apesar de sua presença” (Gonzalez 2020Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar., 141), o que leva a própria criança a falar de si própria na terceira pessoa. Em suma, é falada pelos outros, não é sujeito do próprio discurso. Cabe a tal leitura a observação análoga de que as mulheres não brancas são “convocadas, definidas e classificadas por um sistema ideológico de dominação” que as infantiliza (Gonzalez 2020Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar., 141, grifo da autora). A categoria de “sujeito suposto-saber” se refere “a identificações imaginárias com determinadas figuras, às quais é atribuído um conhecimento que elas não possuem (mãe, pai, psicanalista, professor etc.)”. Sua base teórica se assenta no retrato psicológico do colonizado diante do colonizador, conforme Fanon e Albert Memmi.

Focamos os feminismos negro estadunidense e latino-americano para destacar conexões e singularidades entre ambos. Aqui e acolá, os sistemas de opressão da tríade gênero, raça e classe se configuram como elementos centrais, ainda que não únicos. No caso latino-americano, para além da clássica tríade interseccional (gênero, raça e classe), acrescenta-se, ainda, por meio de Gonzalez, a colonização para a análise interseccional.

Nas próximas seções articulamos essas discussões com dois conceitos centrais para a sociologia do sujeito: agência e capacidades. Nosso objetivo é explorar as contribuições dos debates em torno da interseccionalidade, segundo os feminismos negro e decolonial, em relação a um aporte sociológico que nos permite tratar das questões sobre sujeito e autonomia.

Contribuições da abordagem interseccional para análises sociológicas sobre agência

A capacidade de ação dos indivíduos tem sido objeto de teorização na sociologia desde o pensamento clássico e encontra diferentes formulações na sociologia contemporânea. Um dos autores influentes nessa produção é Anthony Giddens (2009)Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes., cuja teoria da estruturação inclui centralmente uma perspectiva sobre a “agência”. Nessa teoria, poder é considerado o conceito mais elementar e a dupla hermenêutica,2 2 Aqui está em cena a relação entre sujeito-sujeito e não entre sujeito-objeto. A “dupla hermenêutica” refere-se aos conhecimentos, e explicações, produzidos tanto no senso comum como pela ciência. Na teoria da estruturação de Giddens, essas duas hermenêuticas estão relacionadas. O conhecimento sociológico valoriza o conhecimento dos sujeitos que constituem o mundo social e lhe confere maior objetivação, por meio da densidade analítica. o princípio básico para as investigações sociológicas, as quais devem considerar, entre outros, a combinação entre previsibilidade e reflexividade. É preciso que o estudo da vida cotidiana considere as “habilidades complexas que os atores possuem para coordenar os contextos de seu comportamento cotidiano” (Giddens 2009Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes., 336). Nessa sociologia, “o foco incide sobre os modos como os atores sociais se apoiam nas propriedades estruturais para a constituição de relações sociais” (Giddens 2009Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes., 339). A análise sociológica da conduta estratégica inclui uma descrição refinada da motivação dos agentes e uma interpretação da “dialética do controle”. Nessa perspectiva, “as coerções estruturais operam sempre através dos motivos e razões dos agentes estabelecendo condições e consequências que afetam opções abertas a outros, e o que eles querem das opções que têm sejam quais forem” (Giddens 2009Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes., 366). Portanto, para Giddens, agência se configura no entroncamento das coerções estruturais, ação e poder e, nesse sentido, corresponde à capacidade que o(a) agente tem de proceder e de realizar escolhas dentro das opções que lhes são disponíveis, sejam elas quais forem.

Algumas críticas têm indicado que essa sociologia de Giddens exagera o poder do(a) agente para a ação e a realização de escolhas. Margareth Archer (2011, 161), por exemplo, está de acordo com o suposto de que “todas as propriedades estruturais encontradas em qualquer sociedade são continuamente dependentes da atividade”. Archer propõe, no entanto, um entrelaçamento mais equilibrado entre estrutura, cultura e agência, que, para ser compreendido, requer que sejam incluídos os poderes emergentes estruturais, culturais e pessoais. Desse modo, as variações entre os poderes exercidos pelos indivíduos ficam mais evidentes, corrigindo o problema teórico de Giddens que parece supor que todos os indivíduos contam igualmente em sua capacidade de interferir no estado das coisas.

Apesar desses avanços com o conceito de agência, ele ainda é frequentemente mobilizado de forma abstrata, ancorado em uma concepção universalista de sujeito. Nesse cenário, uma revisão necessária a essas teorias da agência é a ancoragem em abordagens cujos agentes, ou sujeitos, são generificados, racializados, sexualizados, localizados e estratificados. O que queremos argumentar é que a abordagem interseccional para tratar a experiência, o cotidiano e a autonomia oferecem novos ganhos para as elaborações teóricas da sociologia sobre agência.

Collins (2016)Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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considera a autodefinição e a autoavaliação como temas-chave para a compreensão das experiências das mulheres negras. Para ela, “autodefinição envolve desafiar o processo de validação do conhecimento político que resultou em imagens estereotipadas externamente definidas da condição feminina afro-americana” (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 102). Adicionalmente, “a autoavaliação enfatiza o conteúdo específico das autodefinições das mulheres negras, substituindo imagens externamente definidas com imagens autênticas de mulheres negras” (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
https://doi.org/10.1590/S0102-6992201600...
, 102). Ao chamar atenção para a autodefinição e a autoavaliação, colocamos ênfase tanto na capacidade de ação dessas mulheres como naquilo que Giddens (2009)Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. chamou de dupla hermenêutica. A agente é tanto aquela dotada da capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, como aquela capaz de produzir uma interpretação sobre essa ação.

Como Grada Kilomba (2020) demonstra, o sujeito vivencia experiências racializadas, generificadas e estratificadas. O próprio corpo negro participa da construção de um certo lugar social para sujeitos(as) negros(as), produzindo, entre outros fatores, emoções como vergonha, raiva, ressentimento, inadequação. Em uma sociedade em que vigora o racismo institucional, a circulação dos corpos negros lida com efeitos diversos daqueles que estão na experiência de quem possui um corpo branco. Assim, são necessários intensos trabalhos emocionais e psíquicos para a elaboração da autodefinição e da autoavaliação. Ou seja, o poder para intervir no curso dos acontecimentos não é igualmente disponível para todas as pessoas. Ele decorre dos resultados de uma constelação de fatores. A autodefinição e a autoavaliação, são importantes por duas razões: assumir um ponto de vista autodefinido é distinto daquele ponto de vista que constrói as mulheres negras como o “outro”, o que é uma posição objetificada; e permite que essas mulheres rejeitem a “opressão psicológica internalizada” (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
https://doi.org/10.1590/S0102-6992201600...
, 106). O quadro de referência torna-se outro, distinto daquele elaborado externamente e frequentemente estereotipado.

A autodefinição e a autoavaliação demandam, ainda, todo o trabalho emocional, psíquico e linguístico do que Kilomba (2020) chama de descolonização do eu. De acordo com o pensamento decolonial, “a modernidade ocidental eurocêntrica, o capitalismo mundial e o colonialismo são uma trilogia inseparável” (Curiel 2019Curiel, Ochy. 2019. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial, 2019. In Descolonizar o feminismo, organizado por Paula Balduino de Melo, 32-51. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília., 38). Essa tríade constitui uma colonialidade do poder (conceito cunhado por Aníbal Quijano), mediante a qual as mulheres são socialmente posicionadas em conformidade com sua origem étnica/racial e regional. Assim, mulheres indígenas e negras não vivenciam as mesmas experiências quanto às promessas da modernidade, como cidadania, liberdade, direito individual e democracia.

Abordar a modernidade sob a perspectiva decolonial, a partir de Quijano (2005)Quijano, Aníbal. 2005. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, organizado por Edgardo Lander, 227-278. Buenos Aires: Clacso. e de Ochy Curiel (2019)Curiel, Ochy. 2019. Construindo metodologias feministas desde o feminismo decolonial, 2019. In Descolonizar o feminismo, organizado por Paula Balduino de Melo, 32-51. Brasília: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília., é uma alternativa para se pensar um conceito (“modernidade”) forjado pelas teorias da modernização à luz da perspectiva eurocêntrica. Em certa medida, podemos estabelecer um diálogo entre as perspectivas decoloniais sobre a modernidade e a própria noção de modernidade em Giddens, acrescentando que a crítica à colonização do saber/poder emerge como um avanço epistemológico, analítico e crítico à modernidade, dado seu ponto de partida de um olhar latino-americano. A contribuição de Quijano é considerável em termos de sua visão sobre a relevância da superação da colonialidade do poder como um grande desafio para as ciências humanas. Quijano faz referências às questões étnicas e, eventualmente, às mulheres, mas sentimos a ausência da perspectiva interseccional em sua interpretação, pelo menos no sentido proposto pelos feminismos negro, latino-americano e decolonial. Por meio de María Lugones (2019)Lugones, María. 2019. Rumo a um feminismo decolonial. In Pensamento feminista: conceitos fundamentais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 357-377. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo., que estabeleceu um diálogo com Quijano, é possível identificar um avanço analítico sobre a noção de colonialidade de poder na medida em que sua proposta de “leitura da relação entre colonizador e colonizado” (Lugones 2019Lugones, María. 2019. Rumo a um feminismo decolonial. In Pensamento feminista: conceitos fundamentais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 357-377. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo., 357), considerando as dimensões étnicas, de gênero, da sexualidade e da nacionalidade, abre espaço de reflexão via interseccionalidade. Lugones (2019Lugones, María. 2019. Rumo a um feminismo decolonial. In Pensamento feminista: conceitos fundamentais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 357-377. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo., 357) desenvolveu uma “releitura da modernidade colonial capitalista”, compreendendo que “a modernidade organiza o mundo ontologicamente em categorias atômicas, homogêneas e separáveis”. Pensar a colonialidade dos gêneros significa demonstrar como, por meio do processo de colonização, as mulheres latino-americanas, particularmente negras e indígenas, são apagadas em seu “self”, isto é, são classificadas, no contexto da colonização ocidental, pela divisão hierárquica e dicotômica entre humanos e não humanos. Estão circunscritas, desse modo, na esfera da animalidade, tendo em vista que o processo de colonização, ao inventar o colonizado, “elaborou uma tentativa de redução completa deles a algo menos que humanos primitivos, possuídos pelo diabo, infantis, agressivamente sexuais e necessitados de transformação” (Lugones 2019Lugones, María. 2019. Rumo a um feminismo decolonial. In Pensamento feminista: conceitos fundamentais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 357-377. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo., 364). A contribuição de Lugones acrescenta à “colonialidade dos gêneros” a práxis mobilizadora de sua “decolonização”, que se torna possível pelo intermédio do “feminismo decolonial”. Ao discutir a colonialidade do gênero, esse feminismo critica a hierarquia dicotômica entre humano e não humano, uma mentalidade central da modernidade colonial. Esse pensamento dicotômico organiza toda uma visão de mundo que pretendeu se impor às visões de mundo dos povos colonizados (Lugones, 2019Lugones, María. 2019. Rumo a um feminismo decolonial. In Pensamento feminista: conceitos fundamentais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 357-377. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.) e escravizados.

Olhar para essas experiências com outros quadros de referência possibilita novas visões sobre as diversas formas de construção da agência. Collins (2016)Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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exemplifica o problema do encaixe entre consciência e atividade. Alguns ramos das ciências sociais pressupõem que certas medidas do comportamento humano correspondam a certos tipos de consciência humana de si e da estrutura social. Collins alerta que compreender a experiências das mulheres negras torna essa relação mais complexa, pois “essas talvez se conformem abertamente aos papéis sociais impostos a elas, mas secretamente se opõem a estes, oposição moldada pela consciência de se estar no escalão mais baixo da estrutura social” (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 113). Ocupar a posição de estar localizada no “escalão mais baixo da estrutura social” confere outra perspectiva sobre as estratégias dessas mulheres e, inclusive, outra interpretação do que se entende por ação ou ativismo. Podemos associar esse processo ao conceito de reflexividade e compreender como essa reflexividade envolve um tipo de formação de consciência que se constrói por meio da ação concreta e racional. Isso parece nos oferecer mais concretude que o desenvolvimento de Giddens (2009)Giddens, Anthony. 2009. A constituição da sociedade. São Paulo: Martins Fontes. sobre reflexividade.

Collins (2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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, 114) observa que “pessoas que se veem como plenamente humanas, como sujeitos, se tornam ativistas, não importa quão limitada seja a esfera de seu ativismo”. Encontramos, portanto, um paralelo entre “ativismo” em Collins e agência em Giddens. Todavia, não se trata de simples sinônimos. Collins, mais do que Giddens, está nos chamando a atenção para o processo de se constituir como sujeito e nos alertando que nem todos os indivíduos são sujeitos. Também coloca em destaque que esse processo é mais obstaculizado para quem se encontra no “escalão mais baixo da estrutura social” e, logo, torna-se mais difícil alcançar essa capacidade de ativismo. Talvez Giddens tome como resolvida essa condição de sujeito. A produção das feministas negras e do feminismo decolonial nos chama atenção para manter essa condição como uma questão.

A visão interseccional exige que as abordagens contextualizadas, situadas, devem levar em consideração os diferentes modos pelos quais os poderes estruturais, culturais e pessoais interagem. Uma visão interseccional analítica, ao exigir atenção ao entrecruzamento entre os diversos sistemas de dominação, enriquece o olhar sociológico sobre a/o agente ou sujeito. Conforme Collins e Bilge (2020Collins, Patricia H. e Sirma Bilge. 2020. Intersectionality (Key concepts). 2. ed. Cambridge: Polity Press. Kindle., 2),3 3 Tradução nossa.

a interseccionalidade investiga como as relações de poder interseccionais influenciam as relações sociais em diversas sociedades, bem como experiências na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera categorias de raça, classe, gênero, sexualidade, nação, habilidade e etnia.

Poder é um conceito central para teorizar a agência e, para essas autoras, ele pode ser compreendido em quatro domínios distintos e interconectados: estruturais, culturais, disciplinares e interpessoais. Essa classificação é bastante semelhante a de Archer (2011)Archer, Margaret S. 2011. Habitus, reflexividade e realismo. Dados 54 (1): 157206. https://doi.org/10.1590/S0011-52582011000100005.
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e condensa a aproximação entre os dois enfoques.

Repensando a noção de capacidades a partir das interseccionalidades

A noção de capacidades [capability] mobilizada neste trabalho está ancorada na abordagem desenvolvida por Amartya Sen (1993Sen, Amartya K. 1993. O desenvolvimento como expansão da capacidade. Lua Nova 28/29 (1): s.p. https://doi.org/10.1590/S0102-64451993000100016.
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, 2012Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record.) e Martha Nussbaum (2002)Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder.. Embora seus estudos sejam mais conhecidos do público brasileiro nas temáticas de desenvolvimento humano e pobreza, suas elaborações produzem certos entendimentos sobre sujeito, poder, agência, autonomia e liberdade que convergem para a perspectiva sociológica que adotamos. Como pano de fundo da abordagem das capacidades há a preocupação sobre quais condições e de que forma as pessoas constroem a vida que julgam ser boa de ser vivida, o que dependeria não só de um conjunto de recursos e oportunidades acessíveis a elas, mas também da capacidade de mobilizar esses recursos de modo a atender suas expectativas.

Nos termos da teoria de Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record., as questões sobre agência e capacidades são compreendidas a partir das discussões sobre a “liberdade da condição de agente” e a “liberdade de bem-estar”. Para nossos interesses, a diferenciação entre as duas classificações é minimizada neste trabalho.4 4 Para Sen (2012), a “liberdade da condição de agente” está relacionada à liberdade que as pessoas têm para realizar os objetivos que julgam ter valor, enquanto a “liberdade de bem-estar” está voltada para a liberdade real de produzir seu próprio bem-estar. O fundamental nesse debate, contudo, é a preocupação do autor em diferenciar analiticamente a real possibilidade de desejar algo, agir de acordo com o objetivo desejado e realizá-lo. O autor ilustra essas problematizações em relação ao ato de não comer, diferenciando o jejum – a escolha eletiva – da fome – em que não comer não é uma escolha, mas a única realidade possível (Sen 1993Sen, Amartya K. 1993. O desenvolvimento como expansão da capacidade. Lua Nova 28/29 (1): s.p. https://doi.org/10.1590/S0102-64451993000100016.
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, 2012Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record.). Assim, a noção de agência mobilizada por Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record. nos parece um recurso sociológico no sentido de que o status de agente não está dado a priori; ele é uma construção social relacionada à condição de sujeito autônomo, que, por sua vez, estaria relacionada à ideia de liberdade.

Liberdade, na perspectiva de Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record., significa as oportunidades reais para realizar os funcionamentos, isto é, a capacidade [capability] que permite ou não que a pessoa converta funcionamentos em bem-estar. Por funcionamentos, entende-se estados e ações inter-relacionados das pessoas, o que inclui desde o fato de ter uma nutrição adequada, de não estar doente ou a perspectiva de se evitar a morte prematura, até questões mais abrangentes, como ser feliz, ter respeito próprio, participar da vida em comunidade, entre outros (Sen 2012Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record.). Em resumo, o argumento de Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record. é que não bastariam recursos e oportunidades; seria preciso centrar forças analíticas e políticas sobre o processo, empreendidos pelos sujeitos, de conversão de meios em bem-estar. Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record. está ciente de que sexo, idade, localidade, entre outros fatores, influenciam o que denominara de “problema da conversão”, ou seja, variáveis relacionadas à diversidade humana que influenciam na produção de desigualdades sociais. Em parte, Nussbaum (2002)Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder. avança nessa direção ao enfrentar o debate que relaciona desigualdade de gênero e capacidades. A autora elenca diversos pontos (como uma maior desnutrição, piores índices de saúde, maiores vulnerabilidades à violência, desigualdade no mercado de trabalho, entre outros) para sustentar a ideia de que as mulheres necessitam de maior apoio no que se refere ao desenvolvimento das capacidades.

Nussbaum (2002)Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder. reserva parte importante das suas discussões dissertando sobre como sociedades em que o cuidado é delegado às mulheres produzem mecanismos de injustiças de gênero e barreiras para o desenvolvimento da capacidade das mulheres de gerar bem-estar para si mesmas. Para a autora, a naturalização do cuidado como atividade propriamente feminina pode esconder, por debaixo do discurso de amor e afeto, relações desiguais, injustas e mesmo violentas. Nesses casos, “a mulher é tratada não como um fim em si mesma, mas como um agregado ou um instrumento das necessidades dos outros” (Nussbaum 2002Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder., 322).5 5 Tradução nossa. Todavia, uma abordagem interseccional acrescentaria ao debate a perspectiva de mulheres negras e pobres, aquelas que são vistas como fonte de cuidado de suas próprias famílias e das famílias brancas elitizadas.

Um dos imaginários sociais referentes às mulheres negras em sociedades colonizadas por brancos é o de cuidadora. As mammies nos Estados Unidos ou as mães pretas no Brasil são representações de mulheres negras que amamentavam, cuidavam e ofereciam amor e afeto aos filhos das mulheres brancas das classes abastadas. Para compreender o lugar que essa representação ocupa nas estruturas macrossociais, mas também na forma como é internalizada subjetivamente pelos indivíduos, não bastaria uma abordagem sensível às questões de gênero (Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo.). A representação da “negra boa” só pode ser compreendida se considerarmos também as opressões de raça, de classe e de sexualidade (Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo.). O lento processo de reconhecimento dos direitos das trabalhadoras domésticas no Brasil, categoria composta majoritariamente por mulheres negras, sintetiza as tensões presentes na forma como elas são representadas no imaginário social do país (Lopes 2020Lopes, Juliana A. 2020. Quem pariu Améfrica? Trabalho doméstico, constitucionalismo e memória em pretuguês. Revista Brasileira de Políticas Públicas 10 (2): 94-124. https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6900.
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).

A forma como o cuidado foi historicamente construído em boa parte das sociedades tende a gerar desigualdades e injustiças que afetam negativamente o desenvolvimento das capacidades e da autonomia das mulheres na produção de bem-estar, bem como gerar deformações de desejos e de preferências (Nussbaum 2002Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder.). Contudo, uma análise interseccional pode ser mais precisa e ao mesmo tempo mais abrangente, ao capturar os níveis de desigualdades e injustiças que afetam diferentemente determinados grupos de mulheres. Como temos argumentado, a representação da outsider within pode nos revelar um novo ponto de vista também sobre essas questões (Collins 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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).

Assim, se, por um lado, a abordagem das capacidades reconhece como ponto de partida a relação entre desigualdades e a constituição de sujeitos autônomos capazes de produzir bem-estar; por outro lado, não encara o debate sobre como essas desigualdades se estruturam de forma interseccional, segundo um processo de colonialidade do poder, que afeta diretamente as oportunidades reais de determinados grupos de pessoas de converter bens e oportunidade em bem-estar. Conforme Collins (2015)Collins, Patricia H. 2015. Em direção a uma nova visão: raça, classe e gênero como categorias de análise e conexão. In Reflexões e práticas de transformação feminista, organizado por Renata Moreno, 13-42. São Paulo: SOF., os padrões de opressão e de dominação de classe, raça, gênero, sexualidade, localidade etc. se desenvolvem tanto em escala macro, como em escala microssocial. Nesse sentido, estariam presentes tanto nos aspectos mais estruturais, como nas instituições e nas normas simbólicas, como, de forma mais subjetiva, nas relações sociais e na construção das individualidades e das preferências.

Para uma análise que considere as intersecções entre as desigualdades e os sistemas opressivos de raça/classe/gênero, Crenshaw (2002)Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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propõe uma visão bottom-up, ou seja, uma análise de baixo para cima que tenha como ponto de partida o contexto real de vida das mulheres. Segundo a autora, “a partir daí, a análise pode crescer, dando conta das várias influências que moldam a vida e as oportunidades das mulheres marginalizadas” (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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, 182). Crenshaw (2002)Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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está consciente dos desafios que uma análise interseccional pode enfrentar em uma dimensão mais ampla, como a do desenvolvimento humano. O próprio fato de a autora reconhecer que as organizações de direitos humanos estão mais avançadas nas discussões sobre gênero em comparação à raça revela essas preocupações. Mas ela insiste na importância do debate, argumentando que, “dado o nível de desigualdade racial no mundo e a forma pela qual a raça, como o gênero, pode limitar dramaticamente a fruição dos direitos e garantias básicas, as instituições das Nações Unidas deveriam incorporar ao seu trabalho as análises que levam em conta a raça” (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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, 184).

Entendemos que, se a abordagem das capacidades se diz uma teoria preocupada com o desenvolvimento humano que considera cada indivíduo com um fim em si mesmo, ela deve também considerar as desigualdades e os sistemas de opressão que se fazem presentes, tanto de forma objetiva, como subjetiva. Seria impossível falar em desenvolvimento humano em países colonizados, sem considerar como as estruturas, as relações e as individualidades estão construídas em processos fortemente genderizados, racializados e estratificados. Nussbaum (2002)Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder. adverte que a situação das mulheres necessita de atenção nas políticas de desenvolvimento humano. Já a proposta de uma perspectiva interseccional e decolonial (Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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; Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo.; Lugones 2020Lugones, María. 2020. Colonialidade e gênero. In Pensamento feminista: perspectivas decoloniais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 52-82. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.) alerta-nos para a necessidade de explicitar como outras opressões se combinam na realidade dessas mulheres. Digamos, assim, que as opressões de gênero, de raça, de classe, de localidade, de sexualidade e outras também deformam as preferências e o desenvolvimento das capacidades e da autonomia dessas mulheres.

No argumento de Lugones (2020)Lugones, María. 2020. Colonialidade e gênero. In Pensamento feminista: perspectivas decoloniais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 52-82. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo., ao desvendar o sistema gênero a partir do binômio colonial/moderno, somos capazes de tratar das relações de poder características do processo de colonização, o que inclui a organização e a hierarquização global com base na raça. Em acordo com Quijano (2005)Quijano, Aníbal. 2005. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais, organizado por Edgardo Lander, 227-278. Buenos Aires: Clacso., Lugones (2020)Lugones, María. 2020. Colonialidade e gênero. In Pensamento feminista: perspectivas decoloniais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 52-82. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo. entende que essa classificação hierárquica estrutura o mundo colonial moderno capitalista patriarcal que conhecemos. Nesse cenário, a colonização não organiza apenas o modelo capital/salário de exploração, mas atravessa a própria organização do conhecimento e a constituição do sujeito e sua intersubjetividade. Esse argumento tensiona e complexifica os problemas que circundam a formação das preferências e o desenvolvimento das capacidades individuais, especialmente quando se trata de mulheres racializadas e empobrecidas, como temos argumentado até aqui.

De toda forma, as saídas propostas pela abordagem das capacidades (Sen 1993Sen, Amartya K. 1993. O desenvolvimento como expansão da capacidade. Lua Nova 28/29 (1): s.p. https://doi.org/10.1590/S0102-64451993000100016.
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; Nussbaum 2002Nussbaum, Martha C. 2002. Las mujeres y el desarrollo humano. 2. ed. Madri: Herder.), isto é, políticas de desenvolvimento que reconhecem múltiplas formas de bem-estar e que consideram cada indivíduo como um fim em si mesmo, reconhecendo suas potencialidades e sua dignidade enquanto ser humano, parece-nos também um mecanismo importante para enfrentar as injustiças anunciadas pelo feminismo interseccional. Considerar mulheres negras como sujeitos autônomos de sua história, potencialmente capazes de fazer escolhas e produzir seu próprio bem-estar, tem sido uma questão-chave para as pensadoras do feminismo negro (Collins 2019Collins, Patricia H. 2019. Pensamento feminista negro. São Paulo: Boitempo., 2016Collins, Patricia H. 2016. Aprendendo com a outsider whithin: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado 31 (1): 99-127. https://doi.org/10.1590/S0102-69922016000100006.
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; Crenshaw 2002Crenshaw, Kimberle. 2002. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas 10 (1): 171-188. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2002000100011.
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; hooks 2015hooks, bell. 2015. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política 16 (1): 193-210. https://doi.org/10.1590/0103-335220151608.
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) e para as discussões decoloniais (Gonzalez 2020Gonzalez, Lélia. 2020. Por um feminismo afro-latino-americano. In Por um feminismo afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos, organizado por Flávia Rios e Márcia Lima, 139-150. Rio de Janeiro: Zahar.; Kilomba 2020; Lugones 2020Lugones, María. 2020. Colonialidade e gênero. In Pensamento feminista: perspectivas decoloniais, organizado por Heloisa Buarque de Holanda, 52-82. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.) e amplia as lentes pelas quais temos conceituado e teorizado o tema das capacidades nos estudos sociológicos.

Considerações finais

Como em um ofício de tecer fios de diferentes cores e espessuras até que se forme uma malha consistente, exercitamos, neste trabalho, articulações entre a abordagem interseccional (e decolonial) com as noções de agência e de capacidades. Enquanto categoria analítica, as interseccionalidades se configuram como ferramenta heurística que possibilita avanços nas discussões sobre sujeitos e autonomia. Forjadas no interior do pensamento feminista, lapidadas pelo feminismo negro estadunidense e pelo feminismo latino-americano, via crítica decolonial, as interseccionalidades fornecem, conforme argumentamos ao longo do texto, inflexões ao debate sociológico sobre opressões e autonomia. Contribuem, portanto, para habilitar análises sociológicas mais complexas a respeito das ações, estratégias e escolhas dos sujeitos.

Voltada para as questões de poder, a sociologia da agência, quando interpelada pela abordagem interseccional, poderia considerar uma multiplicidade de opressões que atravessam e conformam determinado contexto. Assim, o sujeito se afasta de concepções abstratas e ganha concretude através das experiências cotidianas marcadas por gênero, raça, classe e localidade. Com relação à abordagem sobre as capacidades, estas obterão um notável ganho se articuladas com as interseccionalidades, considerando os processos de desigualdades raciais e étnicas que intersectam as desigualdades de classe e gênero especialmente nos países em desenvolvimento. Avançar na produção de categorias analíticas que nos permitam compreender a complexidade presente na realidade auxilia ainda diagnósticos mais acertados na produção de políticas públicas alinhadas às necessidades reais e variadas dos grupos marginalizados. Nesse sentido é que argumentamos que a abordagem feminista interseccional oferece mais capacidade explicativa sobre as tensões que envolvem a relação entre sujeito e autonomia.

  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do(s) autor(es) antes da publicação.
  • 2
    Aqui está em cena a relação entre sujeito-sujeito e não entre sujeito-objeto. A “dupla hermenêutica” refere-se aos conhecimentos, e explicações, produzidos tanto no senso comum como pela ciência. Na teoria da estruturação de Giddens, essas duas hermenêuticas estão relacionadas. O conhecimento sociológico valoriza o conhecimento dos sujeitos que constituem o mundo social e lhe confere maior objetivação, por meio da densidade analítica.
  • 3
    Tradução nossa.
  • 4
    Para Sen (2012)Sen, Amartya K. 2012. Desigualdade reexaminada. 3. ed. Rio de Janeiro: Record., a “liberdade da condição de agente” está relacionada à liberdade que as pessoas têm para realizar os objetivos que julgam ter valor, enquanto a “liberdade de bem-estar” está voltada para a liberdade real de produzir seu próprio bem-estar.
  • 5
    Tradução nossa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2021
  • Aceito
    22 Jul 2021
  • Publicado
    08 Nov 2021
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