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Programa de transferência de renda: Bolsa Família, consumo e moralidade

Income transfer program: Bolsa Familia Program, Consumption and Morality

Programa de transferencia de ingresos: el Programa Bolsa Família, el consumo y la moral

Resumo:

O artigo descreve e analisa o cotidiano da família Silva a partir do consumo e do dispêndio do dinheiro oriundo do programa de Transferência de Renda Bolsa Família. Falar sobre o Programa Bolsa Família (PBF) por meio da história de uma das mulheres participantes deste estudo e sua família é contar um pouco acerca da sua trajetória e história de vida. Para tanto, foi realizada uma pesquisa etnográfica. Foram quatro anos de convivência, visitas e conversas. A partir das observações, constatamos que as famílias em situação de extrema pobreza, como a família Silva, são consideradas pobres a partir dos critérios “formais” do programa – renda per capita − e “informais” dos moradores da favela (moradia, trabalho etc.). Entretanto, sofrem uma “vigilância da pobreza”, baseada em um discurso moralizante sobre o que e como consumir.

Palavras-chaves:
Etnográfia; Bolsa Família; Consumo; Pobreza

Abstract:

The article describes and analyzes the daily life of the Silva Family, based on the consumption and expenditure of the money coming from the Bolsa Família Income Transfer Program. To talk about the Bolsa Família Program (PBF) based on the story of one of the women participating in this study and her family is to tell a little about her life story. To this end, an ethnographic research was carried out. We spent four years living together, visiting and talking. Based on the observations, we found that families in extreme poverty, such as the Silva family, are considered poor based on the “formal” criteria of the program – per capita income – and the “informal” criteria of the slum dwellers (housing, work etc.). However, they suffer from “poverty surveillance”, based on a moralizing discourse about what and how to consume.

Keywords:
Ethnography; Bolsa Família; Consumption; Poverty

Resumen:

El artículo describe y analiza la vida cotidiana de la familia Silva, a partir del consumo y el gasto del dinero del Programa de Transferencia de Efectivo Bolsa Família. Hablar del Programa Bolsa Família (PBF) a partir de la historia de una de las mujeres participantes en este estudio y de su familia es contar un poco la trayectoria y la historia de vida. Para ello, se realizó una investigación etnográfica. Fueron cuatro años de convivencia, visitas y conversaciones. A partir de las observaciones, comprobamos que las familias en situación de extrema pobreza, como la familia Silva, son consideradas pobres en función de los criterios “formales” del programa – ingreso per cápita – y de los criterios “informales” de los chabolistas (vivienda, trabajo etc.). Sin embargo, sufren una “vigilancia de la pobreza” basada en un discurso moralizador sobre qué y cómo consumir.

Palabras clave:
Etnografía; Bolsa familia; Consumo; Pobreza

Introdução

O artigo descreve e analisa o cotidiano de uma família a partir do consumo e do dispêndio do dinheiro oriundo do programa de Transferência de Renda2 2 Os programas de transferências de renda com condicionalidades são aqueles que atribuem uma transferência monetária a um componente compensatório (educação, saúde e trabalho) (Silva, Yazbek e Giovanni 2008). Entendendo-se por compensatório as condicionalidades exigidas dos beneficiários pelos programas de transferência de renda, como, por exemplo, frequência escolar das crianças, acompanhamento pré-natal e vacinação das crianças que, quando não cumpridas, levam à suspensão do benefício (Rocha 2009). Bolsa Família (PBF). Para tanto, foi realizada uma pesquisa etnográfica em uma favela da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.3 3 Este artigo é parte da minha tese de doutorado defendida em 2016 no Cpdoc-FGV-RJ. A pesquisa contempla o período de 2012 a 2017 (Lavra Pinto 2016).

O PBF4 4 Sobre o PBF ver: Weissheimer (2006), Silva e Lima (2010), Bichir (2011), Rego e Pinzani (2013), Campello e Neri (2013) e Marins (2017). destina os recursos monetários sem impor um destino obrigatório para o seu dispêndio, mas com condicionalidades. Trata-se de algo inovador em termos de políticas de transferência de renda no Brasil, mas que sempre enfrenta um discurso moralizante sobre o ato de gastar e de consumo, que atinge particularmente os segmentos mais pobres da população. Cabe mencionar que o Bolsa Família é um programa que está em constante mudança e alterações. O programa foi criado em 2003 no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva (2002-2006 e 2006-2010), e teve continuidade nos governos da presidente Dilma Rousseff (2010-2014 e 2014 – até o impeachment), do presidente Michel Temer (2016-2018) e, atualmente, do presidente Jair Bolsonaro.5 5 Com a pandemia de covid-19, a partir de 2020 o governo federal criou o programa de transferência de renda “auxílio emergencial”. Cabe mencionar que o “auxílio emergencial” foi estendido aos beneficiários do PBF. O governo do presidente Jair Bolsonaro, propôs alterações através de uma medida provisória, a partir de novembro de 2021, e o PBF foi substituído pelo Programa Auxílio Brasil.6 6 O programa paga um valor de R$600,00 reais. A proposta altera valores, forma e tempo de inclusão dos beneficiários(as) entre outros. Com a eleição, em 2022, do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, o programa, provavelmente, terá alterações.

No Brasil, os estudos que envolvem populações de baixa renda, como as pessoas beneficiárias do PBF, têm buscado desvendar aspectos relacionados à violência, à família, ao gênero, ao parentesco, à identidade, entre outros. Segundo Paoli e Sader (1986Sader, Eder, e Maria Cecília Paoli.1986. “Sobre ‘classes populares’ no pensamento sociológico brasileiro. Notas de leitura sobre acontecimentos recentes. In A aventura antropológica: teoria e pesquisa, organizado por Ruth Cardoso, 39-68.Rio de Janeiro: Paz e Terra., 52), a partir do final dos anos 1960 passou-se a produziu no Brasil um “novo imaginário sobre as classes populares”. Ao invés da classe trabalhadora, operária ou o povo brasileiro, que era vista pelos estudos acadêmicos, na maioria, negativamente, ou ainda marcada pela heterogeneidade, pela migração urbana e pela falta de ação coletiva, essa tendência se transformava em uma visão mais positiva. Assim, as ciências sociais brasileiras passavam a refletir sobre as “classes populares” a partir de chaves analíticas como luta, resistência e criatividade.

Podem-se citar pesquisas7 7 Existe nas ciências sociais uma extensa bibliografia sobre classes populares no Brasil, no artigo são mencionadas algumas. exemplos como, a de Sarti (1996)Sarti, Cynthia A. 1996. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. Campinas: Autores Associados. com famílias de baixa renda em São Paulo; de Fonseca (2000)Fonseca, Cláudia. 2000. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Ufrgs. com moradores de uma “vila” de Porto Alegre; de Zaluar (1994)Zaluar, Alba. 1994. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense. com moradores do conjunto habitacional “Cidade de Deus” do Rio de Janeiro; de Caldeira (1984)Caldeira, Teresa. P. do R. 1984. A política dos outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo: Brasiliense. em um bairro da periferia de São Paulo; e, mais recentemente, de Motta (2014)Motta, Eugênia. 2014. Houses and economy in the favela. Vibrant 11 (1):118-158. https://doi.org/10.1590/S1809-43412014000100005.
https://doi.org/10.1590/S1809-4341201400...
, que descreve os elementos que “modulam” a economia em uma favela da Zona Norte do Rio de Janeiro a partir da noção de casa; e de McCallum e Bustamente (2012)Mccallum, Cecília, e Vânia Bustamente. 2012. Parentesco, gênero e individuação no cotidiano da casa em um bairro popular de Salvador da Bahia. Etnográfica 16 (2): 221-246. https://doi.org/10.4000/etnografica.1476.
https://doi.org/10.4000/etnografica.1476...
, que analisam a construção do cotidiano e de parentesco e as diferenças de gênero a partir da categoria de casa em um bairro popular da cidade de Salvador.

Nas descrições das trajetórias das mulheres beneficiárias do PBF e de suas famílias também são observadas algumas destas categorias. Entretanto, o que se revela é o universo dessas famílias com base no modo de provisão (consumo) e no dispêndio do dinheiro recebido por meio do PBF, assim como as questões morais que cercam o consumo, uma vez que o dinheiro provém de um programa de transferência de renda público, sendo seu destino definido pelas próprias famílias. Nesse sentido alguns estudos têm se debruçado sobre as famílias que são beneficiárias por esse programa. Pesquisas como a de Eger (2013)Eger, Talita J. 2013. Dinheiro e moralidade no Bolsa Família: uma perspectiva etnográfica. Dissertação em Antropologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.,8 8 Ver também Eger e Damo (2014). na cidade de Alvorada, no Rio Grande do Sul, apresenta os usos “sociais” do dinheiro e as representações, moralidades que envolvem seu dispêndio, uma vez que advém de um programa de transferência de renda do governo federal. O estudo de Marins (2017)Marins, Mani. T. de A. 2017. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ., desenvolvido na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, apresenta como se dão as oscilações de apoio (redes de solidariedade, amigos e familiares), de participação (nas condicionalidades do programa e na vida do bairro), “de identificação (de caráter moral em torno dos beneficiários) e de rejeição (quando se desenvolve o estigma) atravessadas pelos beneficiários em suas interações cotidianas” (Marins 2017Marins, Mani. T. de A. 2017. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ., 45).

Essas pesquisas, de alguma maneira abordam sobre a autonomia e a liberdade dos indivíduos de baixa renda em contraponto a certa tutela sobre essas populações pobres, não somente no que diz respeito ao gasto do dinheiro recebido pelo programa, mas também no que concerne a uma visão de certos setores da sociedade que julgam haver uma falta de capacidade desses grupos de decidir o que é melhor para suas vidas, bem como uma falta de aptidão para romper com a pobreza (Sen 2000Sen, Amartya. 2000. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.). Diante disso, questiona-se: como estas famílias, no dia a dia, consomem e como percebem e lidam com os “olhares moralizantes” sobre o seu consumo? O consumo,9 9 O conceito de consumo deve ser ampliado para além da aquisição de bens ou reprodução física ou biológica, sendo visto como mediador de relações sociais, que é capaz de conferir status, distinguir-nos, fazer-nos sentir pertencendo a um grupo, estabelecer fronteiras, construir e fortalecer identidades e subjetividades etc. (Douglas e Isherwood 2004). neste estudo, é entendido como um fenômeno ativo constante no cotidiano dos indivíduos que desempenha um “papel central como estruturador de valores que constroem identidades, regulam relações sociais, definem mapas culturais”, segundo a perspectiva de Rocha (2004Rocha, Everardo. 2004. Apresentação. Os bens como cultura: Mary Douglas e a Antropologia do consumo. In Mundo dos bens: para uma antropologia do consumo, autores Mary Douglas, e Baron Isherwood, 7-18. Rio de Janeiro: Editora UFRJ., 8).

Falar sobre o Programa Bolsa Família (PBF) a partir da história de uma das mulheres participantes deste estudo e sua família é contar um pouco acerca da sua trajetória e história de vida. Segundo Lewis (1961)Lewis, Oacar.1961. Antropología de la Pobreza: cinco famílias. México: FCD., que pesquisou a pobreza no México com base em cinco famílias,10 10 As famílias participantes deste estudo foram: Martínez, Gómez, Gutiérrez, Sánchez e Castro (Lewis 1961). ao descrever uma família, vemos seus indivíduos conforme vivem e trabalham juntos. Em suas palavras, “en lugar de verlos como promedios o estereotipos implícitos en los informes sobre patrones culturales” (1961, 18). Ainda segundo o autor: “Nos ayuda a ilegar más allá de la forma y estructura de las realidades de la vida humana [...]” (1961,18).

No caso das famílias beneficiárias foco desta pesquisa, foram quatro anos de convivência, visitas e conversas. Saliento que, embora as famílias acompanhadas tenham em seu núcleo a figura masculina, foi na trajetória das mulheres que a observação se concentrou, uma vez que estas são as beneficiárias do programa Bolsa Família, responsabilizando-se pelos filhos e pela organização doméstica. A figura masculina aparece, assim, como provedora ou ocupando o papel de pai dos filhos, quando este não contribui para o sustento da casa. No caso do PBF, segundo o cadÚnico a maioria da titularidade das famílias são das mulheres. Embora não seja possível afirmar que o recebimento do dinheiro do benefício altere a estrutura de gênero nos domicílios, estudos apontam que o ganho do benefício e a forma como gastá-lo propicia uma maior liberdade e autonomia para as mulheres – estudos como de Rego e Pinzani (2013)Rego, Walquíria. L. R., e Alessandro Pinzani. 2013. Vozes do Bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp., Marins (2017)Marins, Mani. T. de A. 2017. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ.; Bartholo, Passos e Fontoura (2017)Bartholo Letícia, Luana Passos, e Natália Fontoura. 2017. Bolsa Família, autonomia feminina e equidade de gênero: o que indicam as pesquisas nacionais? Rio de Janeiro: Ipea., Stuker (2021)Stuker, Paola. 2021. Sobrevivência: transferência Condicionada de renda e processos de emancipação. Tese em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul..

Durante todo o período de pesquisa, conheci poucos homens beneficiários do programa (titulares do programa) e nenhum disposto a participar da pesquisa, pois sempre mencionavam a necessidade de trabalhar. Ainda que não tenha sido proposital, as famílias11 11 Segundo Duarte (1995), o valor “família” tem grande peso em todas as camadas da população brasileira. No entanto, significa coisas diferentes dependendo da categoria social. Para os grupos populares o conceito de família está ancorada nas atividades domésticas do dia a dia e nas redes de ajuda mútua. acompanhadas são constituídas de casais heterossexuais e com filhos. Cada uma das famílias reside em um domicílio, não havendo compartilhamento deste com outros parentes. Todas residentes de uma favela da Zona Sul do Rio de Janeiro.

A primeira beneficiária que conheci no Cras (Centro de Referência de Assistência Social) foi Maria Silva. Era uma manhã quente de novembro e eu estava acompanhando o atendimento de uma assistente social. Eis que entram Maria e seus cinco filhos. O mais velho (João) tentava controlar os mais novos enquanto Maria conversava com a assistente social. As meninas estavam de vestido e com laços de fita nos cabelos; os meninos, com bermuda, camiseta e tênis, ou seja, toda a família estava “arrumada”, algo bem-visto pelas assistentes sociais, como cuidado com os filhos.12 12 As percepções e visões das assistentes sociais sobre as famílias beneficiárias do PBF são apresentadas em Lavra Pinto (2019). Depois do atendimento, Maria foi até a Clínica da Família,13 13 Atenção Primária no município do Rio de Janeiro. e, quando saiu, conversei com ela na sala de espera do atendimento. Trocamos telefone (celular), e combinei de visitá-la. Na manhã seguinte, cheguei à favela e liguei para Maria, identificando-me e perguntando como deveria fazer para chegar à sua casa. Ela informou, então, que iria descer até o acesso ao plano inclinado14 14 O plano inclinado é um elevador que conecta uma das ruas de acesso à favela ao topo. Serve aos moradores e transporte de carga (mercadorias, materiais de construção e lixo). Foi executado no primeiro governo do Leonel Brizola (1983-1987) no projeto de mobilidade nas favelas. para me buscar. Após aproximadamente 25 minutos, apareceu Maria com a filha mais nova no colo. Desculpou-se pela demora, causada pela necessidade de dar banho na menina. Começamos a subir as escadas íngremes em direção à sua casa. Chegamos a um pequeno cômodo que não possuía janela − a única ventilação do domicílio ocorria por meio da porta. Como não havia lugar para nos sentarmos dentro da casa, abancamo-nos na escada do lado de fora. Maria ofereceu-me café, e começamos a conversar. Ela se mostrava feliz com meu interesse sobre sua história de vida e de sua família. Como estávamos na escada que dava acesso a outras casas, à medida que as pessoas iam passando, Maria apresentava-me como sua amiga e, por vezes, mencionava o Cras, local em que me conheceu.

Enquanto conversávamos, uma vizinha passou para deixar uma sacola com roupas para as crianças e um saco com pães. Nesse mesmo dia, conheci outra mulher beneficiárias do PBF. Sandra, vizinha e amiga de Maria e beneficiária do PBF. Sandra era dona de casa e mãe de três filhos, dois do seu atual companheiro. A história de vida destas mulheres e de suas famílias me permitiu conhecer um pouco mais sobre o cotidiano, e a importância do dinheiro vindo do benefício e os aspectos relacionados ao consumo.

A família Silva: trajetória, consumo e moralidade

A família de Maria é composta de dois adultos (Maria e Carlos) e cinco crianças (João, nove anos; Maria Clara, sete anos; os gêmeos Victoria e Victor, cinco anos e Sara, três anos).15 15 As idades aqui mencionadas remontam ao final de 2015. Maria é a titular do PBF, e sua história de vida é repleta de dificuldades e privações: uma mulher de trinta e poucos anos, negra, de estatura baixa, que estudou até a quarta série e veio da Paraíba (“da roça”, interior do estado) para o Rio de Janeiro aos 12 anos de idade para trabalhar em uma “casa de família” na Vila Militar em Deodoro. A sua vinda para o Rio de Janeiro foi intermediada por uma prima (também da Paraíba) que morava em Niterói. O casal para quem veio trabalhar pagou sua passagem de ônibus:

A viagem foi horrível, não conhecia nada, minha mãe foi pedir autorização no juiz para eu viajar, era de menor. Quando cheguei, eles [o casal] estavam me esperando na rodoviária. Aí me levaram para casa deles na Vila Militar. Achava que minha vida no Rio seria boa, diferente, mas não foi. (Maria).

Segundo Maria, na casa em que trabalhou, moravam o casal e uma filha. O marido, militar, ficava o dia todo no quartel; a filha de 22 anos fazia faculdade e passava o dia fora; a mulher era quem permanecia em casa. Maria relata que, com 12 anos de idade, era quem executava todas as tarefas domésticas da casa:

A casa era muito grande, três quartos, dois banheiros e ainda tinha dois cachorros. Eu fazia todo o serviço, acordava às 5h da manhã, limpava fora e dava banho nos cachorros, às 6h colocava o café na mesa e depois limpava a casa, passava roupa [...] Eu terminava tudo perto da meia-noite. A mulher era muito ruim comigo, só não me batia, mas não podia sair, não tinha folga, não deixavam eu ligar para minha irmã [irmã mais velha que residia no Bairro de Bonsucesso, Rio de Janeiro] e não pagavam nada. Só davam de comer e de morar. (Maria).

Diante desse contexto, permaneceu trabalhando lá por um tempo e resolveu “fugir”. Maria descreve que um dia acordou bem cedo, arrumou suas coisas em três sacolas e saiu da casa. Caminhou por duas horas até parar em um bar:

Não tinha para onde ir e estava cansada. O dono do bar perguntou o que estava fazendo andando sozinha. Aí ele me ajudou a ligar para minha irmã que morava em Bonsucesso. Ela veio me buscar e fui morar com ela. (Maria).

As narrativas de Maria sobre a sua vida não seguiam uma cronologia exata, mas ela fazia questão de enfatizar o que mais a marcou, principalmente após a “fuga” da “casa de família”. Nessa época, quando foi morar com a irmã no bairro de Bonsucesso, Zona Norte do Rio de Janeiro, logo conseguiu um emprego como doméstica em Copacabana:

Através da minha irmã, fui trabalhar na casa de uma mulher em Copacabana. Essa pessoa foi muito boa para mim. Eu fazia todo o serviço da casa, mas ela dava casa, de comer e pagava um salário, fiquei mais de dois anos com ela. Aprendi muito e fui bem tratada, mas aí quis sair, sabe como é, queria me divertir, sair e ela entendeu (Maria).

Após sair do trabalho em Copacabana, com 15 anos, começou a fazer faxina para ganhar dinheiro. Entretanto, gastava tudo com “farra”, só queria “se divertir”. Envolveu-se com um traficante, saiu da casa de sua irmã (em Bonsucesso) e foi morar com ele em uma favela na cidade de Duque de Caxias: “Eu era a segunda mulher dele. Ele tinha esposa e filhos, fiquei sabendo depois. Mas gostava dele e aceitei”. No início do relacionamento com o companheiro, Maria relata que tinha tudo que queria: roupas de marca, boa casa etc. “Eu era ‘cocota’, só usava roupas de marca, ele me dava tudo que eu queria”. Mas depois começaram os maus-tratos e as agressões cometidas pelo companheiro. Depois da última agressão sofrida, com a ajuda de uma amiga, resolveu mudar-se da favela de Caxias para a favela da Zona Sul do Rio de Janeiro:

Ele tinha ciúmes, e disseram que eu estava traindo ele. Ele chegou na casa e me bateu muito. Fiquei sem poder me mexer. A mulher dele veio me ver ficou com pena e cuidou de mim. Quando fiquei melhor, peguei o pouco que tinha e fugi com ajuda de uma amiga que me deu abrigo aqui. Algum tempo depois, me disseram que a polícia matou ele (Maria).

Ficou morando na favela, “de favor”, na casa de uma amiga. Começou a estudar e concluiu a quarta série primária. Nos finais de semana, visitava sua irmã em Bonsucesso, local em que conheceu o pai do seu filho mais velho. Quando ficou grávida, foi morar com ele na casa da sogra (também em Bonsucesso). A relação não deu certo − ela era muito ciumenta, e ele só queria “curtir com os amigos”. A sogra era quem ajudava nas despesas com o filho, mesmo depois da separação. Com o filho ainda pequeno, retornou para a favela da Zona Sul, época em que a sogra pagava o aluguel e as demais despesas, mas, após seu falecimento, a situação ficou difícil, e Maria teve de ir a um abrigo público com o filho:

Ela [sogra] era muito boa pra mim, ajudava em tudo. Depois que ela morreu, a vida ficou bem difícil. Até para um abrigo eu fui com meu filho. Lugar horrível... quiseram até tirar meu filho de mim, nunca mais volto para um lugar desses (Maria).

Maria relata, ainda, que praticou de tudo na vida até conhecer seu companheiro (Carlos), que era vendedor ambulante (de queijo coalho) na praia de Copacabana − na época, Maria entregava propaganda de uma lanchonete pela praia. Juntos, tiveram quatro filhos, três meninas e um menino. Quando eu a conheci no Cras, a filha mais nova, Sara, estava com menos de um ano e muito doente. Depois de um tempo de pesquisa, mencionou que a filha era HIV positivo, assim como ela. Na ocasião, Maria estava se tratando de uma tuberculose, e a filha vinha sendo acompanhada pelo Instituto Fernandes Figueira (IFF).16 16 O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), unidade de assistência, ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico da Fundação Oswaldo Cruz, estado do Rio de Janeiro. Da Clínica da Família situada na favela recebiam os remédios e demais acompanhamentos necessários. Durante a pesquisa de campo, Sara esteve internada no IFF várias vezes, tendo a última internação durado dois meses. O hospital somente deu alta a Sara quando a família se mudou para outra casa, pois aquela onde moravam foi considerada um local insalubre para alguém viver, principalmente para crianças. Durante a internação de Sara, uma rede de proteção formou-se para mudar a vida da família. Embora Maria sempre frisasse que os filhos eram sua prioridade, na prática havia dificuldades para manter os cuidados necessários, como alimentação, vestuário e educação. Para justificar os cuidados com os filhos, reclamava que vizinhos e “outras” pessoas falavam mal dela − “dizem que eu não cuido direito dos meus filhos”.

Para realizar a mudança do local onde residiam, Maria recebeu ajuda de uma ONG e de uma igreja evangélica, ambas localizadas na favela. Conseguiram uma casa em melhores condições, a doação de alguns móveis e o pagamento de dois meses adiantados do aluguel. As assistentes sociais do IFF e do Cras acompanharam toda a mudança da família para a nova casa. Os médicos do IFF liberam Sara somente quando as assistentes sociais garantiram que a família estava em outro domicílio. A antiga casa (local onde iniciei as visitas à família) possuía somente um cômodo muito pequeno sem janela, com um banheiro sem chuveiro − o banho era realizado por meio de um balde na parte externa da casa. Existia apenas uma porta pela qual entravam a claridade e o ar. Na parte interna do cômodo, havia um beliche com dois colchões, um fogão de quatro bocas, uma pia pequena, uma mesa de canto com uma televisão e uma geladeira que não funcionava e servia como armário para roupas e outros objetos. A família não tinha como armazenar alimentos perecíveis, de modo que tudo que era comprado tinha de ser consumido em um curto período.

Quando o marido deixou de ser vendedor ambulante na praia, as “coisas pioraram”. Ele passou a ser usuário de drogas, e as dificuldades para conseguir trabalho tornaram a vida da família mais penosa. Segundo Maria, o marido nunca teve um trabalho formal, era analfabeto e só conseguia realizar pequenos “bicos” como carregador ou ajudante de alguma obra na favela. Maria, eventualmente, realizava alguma faxina, porém tinha dificuldades para encontrar alguém com quem deixar as crianças − o companheiro, mesmo permanecendo em casa, raramente ficava responsável por cuidar das crianças.

A única renda certa da família era oriunda do benefício do Bolsa Família e girava, na época, em torno de R$ 360,00 o que permitia pagar o aluguel de R$ 250,00 da nova casa. Maria não sabia precisar quando passou a receber o dinheiro do programa, porém achava que fazia cinco anos. Salientava que, após a morte da sogra, sempre contou com a ajuda de vizinhos, da igreja e de ONGs para sustentar seus filhos. O dinheiro ganho com “bicos” e faxinas não era suficiente, portanto, sem o dinheiro do programa e os auxílios que recebia seria muito complicado manter os filhos. A família recebia cestas básicas, o que supria em parte as necessidades relacionadas à alimentação. As cestas eram doadas pelas igrejas católica e evangélica; a cesta proveniente da igreja católica foi suspensa durante o período da pesquisa, devido, conforme Maria, a “fofocas” ao padre de que ela estava, certo dia, bebendo cerveja e de havia deixado os filhos em casa:

Foi fofoca, disseram que eu estava bebendo. Eu às vezes saio com amigos, e a gente bebe uma cerveja. Não se pode fazer nada? Aí disseram que eu não estava cuidando dos meus filhos. Eu cuido deles, mas às vezes me divirto (Maria).

Se, por um lado, a família de Maria, devido à situação de extrema pobreza e ao número de crianças pequenas, sensibilizava os moradores da favela e às demais redes de auxílio, por outro, o comportamento do casal, e principalmente de Maria,17 17 Recai sobre as mulheres a responsabilidade de cuidar dos filhos e da casa, sendo, ao mesmo tempo, as detentoras da moral da família. Para maiores detalhes sobre essa questão, conferir DaMatta (2001) e Bourdieu (1995). era constantemente vigiado e criticado. Tal conduta se somava a alguns hábitos de consumo, como comprar bebidas alcóolicas e/ou gastar dinheiro em bar, além dos “problemas” com droga do marido. Nunca presenciei tal comportamento, mas ouvia comentários de que o casal saia para beber em algumas noites.

A família de Maria ficava constantemente no limiar entre o “bom” e o “mau” pobre. Algumas vezes, eram vistos como “coitadinhos”, prontos para receberem ajuda e agradecerem a “dádiva” (auxílios), gerando obrigações de ordem moral, já que não existe “dádiva” sem expectativa de retribuição (Mauss 2003Mauss, Marcel. 2003. Ensaio sobre a Dádiva. In Sociologia e Antropologia, 183-294. São Paulo: Cosac & Naify.). Assim, enquanto “pobres” que recebem o auxílio, deveriam manter o comportamento esperado, ou seja, contraprestação, para com aqueles que estavam os auxiliando. Existe, por parte de algumas pessoas que auxiliam, a expectativa de que quem recebe a ajuda retribua agradecendo, mas principalmente, que seja o “bom pobre” – cuide da família, estude e trabalhe, demonstrando que é um “pobre que luta e batalha” no cotidiano. Caso contrário, são considerados “preguiçosos”, que não fazem nada para mudar a sua condição de vida, pois preferem viver de “esmolas” a trabalhar. A crítica acerca do “pobre não trabalhador” recaía sobre Carlos, que, como o “homem da casa”, deveria ser o provedor; já sobre Maria havia a expectativa de que ela se responsabilizasse pelo âmbito doméstico, o que inclui o cuidado com os filhos. Essa questão sobre os papéis esperados do homem e da mulher, bem como sobre a honra e a moral familiar, já foram estudadas por Fonseca (2000)Fonseca, Cláudia. 2000. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Ufrgs. e Sarti (1996)Sarti, Cynthia A. 1996. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. Campinas: Autores Associados.. Embora esse comportamento “esperado” não seja exclusivo das classes menos favorecidas, fica evidente o preconceito, isto é, um etnocentrismo social, que recai sobre os mais pobres. No caso de famílias beneficiadas pelo PBF, o preconceito ganha mais força, pois estas recebem um dinheiro proveniente do governo, o que acarreta todos os tipos de críticas quando a família possui uma imagem de “mau pobre”.

As mulheres beneficiárias tinham em comum as atribuições do cuidado com a casa e os filhos e, como moradoras da mesma comunidade, compartilhavam dos códigos que remetiam à moral e à honra feminina relacionada ao espaço da casa, em contraponto à imagem masculina de que o homem deveria ser o principal provedor da família. Tal questão também é percebida por Fonseca (2000)Fonseca, Cláudia. 2000. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Ufrgs. em uma vila de Porto Alegre, na qual a honra familiar entre os homens se expressava por meio da procriação e da forma de provimento da sua família (proteção). A honra feminina, segundo a autora, contemplava quase que exclusivamente a vida doméstica, isto é, cuidar bem dos filhos e ter a sua família, motivo pelo qual ser mãe era um atributo importante. A imagem do homem e da mulher fortemente ligada à família demonstra as dificuldades que ambos possuem de afirmação individual, uma vez que as obrigações em relação a seus familiares devem prevalecer sobre os projetos individuais (Sarti 1996Sarti, Cynthia A. 1996. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. Campinas: Autores Associados.).18 18 Sarti (1996) pesquisa famílias de baixa renda em São Paulo, procurando descobrir com base em que categorias morais elas se organizam, interpretam e dão sentindo a seu lugar no mundo. A esse respeito, ver também Fonseca (2000).

A família de Maria era a que mais sofria por não corresponder à imagem de família esperada por quem vivia na favela. O marido não trabalhava e tinha envolvimento com drogas, estando, portanto, distante da figura do homem trabalhador e provedor, enquanto ela era constantemente acusada de negligenciar o cuidado com os filhos

Apesar da vigilância que a família de Maria por vezes sofria de quem os ajudava e do PBF,19 19 A vigilância do PBF a que me refiro consiste no cumprimento das condicionalidades (na área da saúde e educação) e nos acompanhamentos das assistentes sociais. a família procurava corresponder às expectativas, pois a ajuda e o dinheiro eram fundamentais para sua sobrevivência. O dinheiro do PBF permitia, por exemplo, que obtivessem crédito com comerciantes locais. Um dos mercadinhos da favela, perto da casa de Maria, anotava algumas compras da família, que giravam em torno de R$ 100,00 reais por mês. O valor era, dentro do possível, sempre quitado. Outra prática era a troca de alimentos, realizada com itens da cesta básica que recebiam, pois nem todos os produtos da cesta eram do agrado da família. Maria não gostava da marca do café, e os filhos, do macarrão. Sempre que o dono da venda concordava, ela trocava os itens que recebia por outros produtos ou por outras marcas.

A troca de alguns produtos da cesta básica era uma das estratégias da família para obter uma maior variedade de alimentos, uma vez que os recursos financeiros eram escassos. O crédito que a família conseguia com comerciantes locais também tinha sua importância no cotidiano, algo que somente era possível porque Maria era beneficiária do PBF.20 20 A pesquisa de Rego e Pinzani (2013) descreve a importância de ser beneficiária do PBF para a obtenção de crédito em mercados e lojas onde habitualmente a família realiza suas compras. Sem o benefício, a família não teria esse crédito, pois não possuía outra fonte de renda “certa”. O dono da venda supracitada sabia que Maria era beneficiária e fornecia alimentos a crédito, formando uma relação de confiança que a família procurava manter. Mesmo com a possibilidade de ter acesso a serviços financeiros21 21 Neri (2014) analisa o acesso de segmentos mais pobres, em especial dos beneficiários do PBF, a instrumentos financeiros básicos, tratando, sobretudo, da poupança, tendo em vista as perspectivas e motivações das famílias. O objetivo principal do autor é o subsídio à formulação de políticas públicas de inclusão financeira. Segundo Neri (2014, 739), o PBF tem como um “efeito colateral o maior acesso desse grupo a serviços financeiros. Nesse sentido, o Bolsa Família, mais do que uma porta de saída da pobreza, figura como porta de entrada em segmentos mais sofisticados do mercado financeiro”. aparentemente simples, como conta bancária, poupança e microcréditos, criados pelo governo federal22 22 Em 2009, o governo federal lançou o projeto de “Inclusão Bancária” dos beneficiários do Bolsa Família. O programa possibilitava que beneficiários do PBF tivessem acesso a uma conta bancária. Inclusão Bancária, ou Bancarização, trata-se da ação das pessoas ingressarem no sistema de bancos formal ao abrir uma conta em agência ou digitalmente. e dirigidos especificamente para grupos de baixa renda,23 23 Estudos sobre a inclusão financeira do segmento de baixa de renda são realizados por Mattoso (2005), Müller (2012), Müller e Vicente (2012), Silva (2016). cabe referir que a família de Maria não utilizava qualquer um desses serviços.

Ao final de 2020, o governo federal, com o objetivo de realizar o pagamento do auxílio emergencial, criou a poupança social digital. Posteriormente a poupança social digital24 24 A Conta Poupança Social Digital é uma poupança simplificada, sem tarifas de manutenção, com limite mensal de movimentação de R$ 5 mil. Os beneficiários podem usar a mesma senha do cartão social. Acessado em 15 de setembro, 2021, https://www.gov.br/cidadania. foi estendida as famílias cadastradas no PBF, como um programa de inclusão bancária.

A renda da família Silva se encontrava quase totalmente comprometida, portanto, o dinheiro era sacado totalmente da conta. O pouco dinheiro “extra”, não proveniente do Bolsa Família, que a família ganhava era quase todo gasto no comércio local; raramente Maria realizava compras em supermercados, mas, quando o fazia, ia ao supermercado Mundial25 25 Diversos moradores da favela da Zona Sul citaram o Supermercado Mundial como o mais barato para realizar compras em Copacabana. de Copacabana, considerado mais barato: “outro dia fiz uma faxina, aí fui no Mundial aqui de Copacabana comprar umas misturas e coisas diferentes” (Maria). Houve uma única vez em que Maria usou o dinheiro do BF com algo que estava fora do consumo habitual da família, uma festa de aniversário para uma das filhas. Naquele período, circulou um boato de que o PBF acabaria. Diante disso, Maria tomou a decisão de fazer uma festa de aniversário, já que este seria o último pagamento que receberia. Ela se dirigiu até o banco e sacou todo o dinheiro que seria empregado na festa de aniversário:

Disseram que o Bolsa Família ia acabar, e eu acreditei. Fui ao banco, o pagamento já estava lá. Então peguei o dinheiro e, como tinha sido aniversário da minha filha, resolvi dar uma festinha. Eles [filhos] sempre pediam, e eu não podia dar; aí pensei, já que é o último dinheiro, vamos gastar para fazer eles felizes, ia acabar mesmo, era a última chance. Comprei bolo, uma vizinha me ajudou a fazer os docinhos, balões [...] uma beleza. Meus filhos se divertiram muito, chamei os amiguinhos. Alguns vizinhos comentaram “ah tá podendo”, “tá sobrando”. Gente fofoqueira. Só porque a gente é pobre não pode ter festa? E depois descobri que não era verdade, que o Bolsa não ia acabar; menina, me deu uma culpa. Ainda bem que estava pago dois meses de aluguel. Mesmo assim, faltou dinheiro para o resto do mês, mas pelo menos meus filhos ficaram felizes. Hoje não faria mais isso, não.

Durante a festa, Maria sentia-se feliz por ter agradado aos filhos, mas também se sentia culpada. O dinheiro fez falta para as despesas da família, e ela ficou com receio de perder a ajuda que ganhava na favela, uma vez que recebeu críticas de alguns vizinhos sobre o valor gasto na festa. Se o pagamento do benefício fosse realmente o último, a “prestação de contas” e a contrapartida para os vizinhos ou para quem mais a ajudava não seriam mais necessárias; afinal, o benefício estava acabando e, portanto, o “presentinho” e o “ato de amor” para os filhos justificavam-se (Miller 2002Miller, Daniel. 2002. Teoria das compras: o que orienta as escolhas dos consumidores. São Paulo: Nobel., 2012Miller, Daniel. 2012. The comfort of things. Polity Press: Cambridge.). O episódio da festa dos filhos de Maria evidencia que o dinheiro não está isento dos efeitos sociais e culturais, tornando o benefício do Bolsa Família um “dinheiro especial”. O dinheiro, na visão de Zelizer (2003)Zelizer, Viviana. 2003. O significado social do dinheiro. In A nova sociologia econômica: uma antologia, organizado porJoão Peixoto, e Rafael Marques, 125-165. Portugal: Celta Editora., torna-se “especial” quando seus significados são determinados por relações sociais de poder, por questões de gênero e idade ou, ainda, pelas classes sociais que influenciam a sua utilização.26 26 Sobre a “moralidade”, “culpa” referente ao consumo ver Barbosa e Campbell (2006).

O final da família Silva

Em 2013, quando a família se mudou para a nova casa, Maria estava muito feliz. A moradia também possuía somente um cômodo, porém maior que o anterior e com uma janela que deixava o ambiente mais arejado e um banheiro com chuveiro. Maria enfatizava: “casa nova, tudo novo”. Logo que se mudaram, ela me convidou para ir visitá-la e, feliz, mostrou todos os móveis que ganhou27 27 Há nas favelas da Zona sul da cidade do RJ uma circulação (em forma de doação) de objetos que incluem móveis e eletrodomésticos entre lares de diferentes contextos sociais, ou seja, dos moradores do “asfalto” para os moradores da favela. Para maiores detalhes ver Corrêa e Lavra Pinto (2015). − um fogão de quatro bocas, um armário de metal, dois colchões (casal e solteiro), uma geladeira (funcionando), uma mesa e uma televisão (a antiga havia quebrado na mudança). A preparação dos alimentos ficou, então, mais fácil, e, com a geladeira, podiam armazenar alimentos perecíveis. Os dois meses de aluguel adiantados, que foram pagos pela ONG, ajudaram muito no orçamento da família e permitiram que o dinheiro fosse gasto com outras coisas. Nesse período, Maria fez uma festa de aniversário para uma das filhas e melhorou a alimentação da família.

Na nova moradia, tornou-se possível, durante as visitas, sentarmo-nos na parte interna da casa, em função do maior espaço disponível. O ambiente da antiga moradia era muito pequeno, e sempre que a visitava nos sentávamos na escadaria do lado de fora.

Com a mudança para o novo domicílio, na época, a filha Sara retornou para casa após dois meses de internação no IFF. Ela estava mais robusta e havia ganhado peso. Maria conseguiu vaga na creche local para o filho Vitor (na época com três anos), e o mais velho ia para a escola na parte da tarde.

Para não perder o benefício do Bolsa Família, Maria mantinha os filhos na escola e ia com frequência à Clínica da Família para o acompanhamento da saúde. Mantinha contato com sua irmã em Bonsucesso e era por seu intermédio que recebia notícias do restante da família, que ainda morava na Paraíba. Maria sempre fazia questão de dizer que sua família eram seus filhos e que por eles faria qualquer coisa. Teve alguns desentendimentos com o companheiro e falava em separação; porém, pensava nos filhos e no fato de ele não ter ninguém nem lugar onde morar. Um desses desentendimentos foi deflagrado pelo dinheiro do Bolsa Família recebido no período em que Sara estava hospitalizada. Maria precisava ir até o hospital ver a filha e delegou a Carlos a tarefa de sacar o benefício. Quando Maria retornou para casa do hospital, recebeu de Carlos o cartão e um valor inferior ao que normalmente angariava do programa sob a justificativa do companheiro de que aquele era o dinheiro que estava na conta. Na manhã seguinte, Maria foi até o Cras verificar por que o valor pago havia sido menor que o habitual. Ela ouviu da assistente que o benefício não havia sido alterado e que seu marido devia ter gastado o restante dinheiro. Depois daquele dia, Maria nunca mais deixou que Carlos recebesse o benefício.

Falou algumas vezes em ir embora da favela; porém, ressaltava que conhecia todos ali e que precisava da ajuda que recebia. As coisas durante um tempo permaneceram estáveis, e tudo parecia correr muito bem, embora as condições de vida da família fossem bastante difíceis. Em contatos com a família Silva, após o final da pesquisa, estava evidente que algo não ia bem. O companheiro passou a usar drogas com frequência, assim como Maria. Em 2016 Maria perdeu a guarda dos filhos, depois de várias advertências das assistentes sociais em relação à falta de cuidados com os filhos. Se separou do companheiro. Maria perdeu suas referências, transita pela favela, vivia “de favor” na casa de uma amiga. Parecia que todos desistiram de “salvar” Maria, escolheram seus filhos. Estava doente, pois era HIV positivo, esteve internada no hospital algumas vezes. A guarda das crianças foi para uma vizinha que, segundo a assistente social, cuidava muito bem. Mas, Maria não tinha mais “salvação”. Seu o corpo e a alma carregavam as marcas de uma vida com poucas ou quase nenhuma escolha ou perspectiva. No ano de 2017 Maria, faleceu. Estava sozinha, sem os filhos e pobre (sem renda alguma). O dinheiro referente ao PBF foi destinado à vizinha que cuidava dos filhos. Nunca teve emprego formal, diplomas, conta bancária, cartão de crédito. O único dinheiro “certo” por algum tempo foi o benefício do PBF. Era tão pouco dinheiro, mas fez muita diferença nos poucos anos de uma certa felicidade e estabilidade para a família Silva.

Considerações finais

A partir das observações, constatamos que as famílias em situação de extrema pobreza, como a família Silva, são consideradas pobres a partir dos critérios “formais” do programa – renda per capita − e “informais” dos moradores da favela (moradia, trabalho etc.). Entretanto, sofrem uma “vigilância da pobreza”, baseada em um discurso moralizante sobre o que e como consumir. A família Silva era constantemente criticada toda vez que não gastava o dinheiro com o que fosse considerado “básico” para sua sobrevivência, uma vez que o dinheiro recebido do PBF deveria ser sempre um “dinheiro da casa” (Zelizer 2003Zelizer, Viviana. 2003. O significado social do dinheiro. In A nova sociologia econômica: uma antologia, organizado porJoão Peixoto, e Rafael Marques, 125-165. Portugal: Celta Editora.; Motta 2014Motta, Eugênia. 2014. Houses and economy in the favela. Vibrant 11 (1):118-158. https://doi.org/10.1590/S1809-43412014000100005.
https://doi.org/10.1590/S1809-4341201400...
).

Se, por um lado, o dinheiro proveniente do programa não permite que a situação socioeconômica das famílias beneficiadas seja alterada, por outro lado, podemos afirmar que o benefício gera um alívio na vida de algumas famílias, emponderando-as enquanto consumidores no sentido de poderem realizar escolhas sobre o emprego do dinheiro, apesar dos olhares moralizantes. Os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, não permitem a mudança de trajetória de vida das famílias, pois as carências e a falta de perspectivas de futuro não são alteradas com os recursos e condicionalidades.

Embora o período de realização da pesquisa (2012-2016) não tenha abarcado o momento político atual, e a transição do PBF para o Auxílio Emergencial e, mais atualmente, Auxílio Brasil, cabe registrar sobre essas famílias e os impactos do dinheiro no cotidiano e refletir sobre as formas como essa política aborda “na ponta” seus beneficiários. A “porta de saída” dos programas de transferência de renda para boa parte das famílias mostra-se difícil, pois possuem baixa escolaridade, empregos (vivendo de “bicos”) e condições de moradias precárias, formando um ciclo que se repete nas novas gerações, mostrando que a superação da pobreza e extrema pobreza é um dos desafios dos países em desenvolvimento como o Brasil.

  • 2
    Os programas de transferências de renda com condicionalidades são aqueles que atribuem uma transferência monetária a um componente compensatório (educação, saúde e trabalho) (Silva, Yazbek e Giovanni 2008Silva, Maria Ozanira S., Maria Carmelita Yazbek, e Geraldo Di Giovanni. 2008. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. 4. ed. São Paulo: Cortez.). Entendendo-se por compensatório as condicionalidades exigidas dos beneficiários pelos programas de transferência de renda, como, por exemplo, frequência escolar das crianças, acompanhamento pré-natal e vacinação das crianças que, quando não cumpridas, levam à suspensão do benefício (Rocha 2009Rocha, Sônia. 2009. O declínio recente da pobreza e os programas de transferência de renda. In O sociólogo e as políticas públicas: ensaios em homenagem a Simon Schwartzman, organizado por Felipe F. Schwartzman, Isabel F. Schwartzman, Luisa F. Schwartzman e, Michel L. Schwartzman, 117-134. Rio de Janeiro: FGV.).
  • 3
    Este artigo é parte da minha tese de doutorado defendida em 2016 no Cpdoc-FGV-RJ. A pesquisa contempla o período de 2012 a 2017 (Lavra Pinto 2016Lavra Pinto, Michele de. 2016. Políticas públicas de transferência de renda: um estudo sobre o programa bolsa família na favela do Pavão-Pavãozinho, Rio de Janeiro. Tese em História, Política e Bens Culturais. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (Cpdoc) – Fundação Getúlio Vargas.).
  • 4
    Sobre o PBF ver: Weissheimer (2006)Weissheimer, Marco Aurélio. 2006. Bolsa Família: avanços, limites e possibilidades do programa que está transformando a vida de milhões de famílias no Brasil. São Paulo: Editora Perseu Abramo., Silva e Lima (2010)Silva, Maria Ozanira da S., e Valéria F. S. de A. Lima. 2010. Avaliando o Bolsa Família: unificação, focalização e impactos. São Paulo: Cortez., Bichir (2011)Bichir, Renata M. 2011. Mecanismos federais de coordenação de políticas sociais e capacidades institucionais locais: o caso do Programa Bolsa Família. Tese em Sociologia e Ciência Política, Universidade Estadual do Rio de Janeiro., Rego e Pinzani (2013)Rego, Walquíria. L. R., e Alessandro Pinzani. 2013. Vozes do Bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp., Campello e Neri (2013)Campello, Teresa, e Marcelo C. Neri, orgs. 2013. Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea. e Marins (2017)Marins, Mani. T. de A. 2017. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ..
  • 5
    Com a pandemia de covid-19, a partir de 2020 o governo federal criou o programa de transferência de renda “auxílio emergencial”. Cabe mencionar que o “auxílio emergencial” foi estendido aos beneficiários do PBF.
  • 6
    O programa paga um valor de R$600,00 reais. A proposta altera valores, forma e tempo de inclusão dos beneficiários(as) entre outros. Com a eleição, em 2022, do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, o programa, provavelmente, terá alterações.
  • 7
    Existe nas ciências sociais uma extensa bibliografia sobre classes populares no Brasil, no artigo são mencionadas algumas.
  • 8
    Ver também Eger e Damo (2014)Eger, Talita, e Arlei S. Damo. 2014. Money and morality in the Bolsa Familia. Vibrant: Virtual Brazilian Anthropology 11 (1): 250–284. https://doi.org/10.1590/S1809-43412014000100009.
    https://doi.org/10.1590/S1809-4341201400...
    .
  • 9
    O conceito de consumo deve ser ampliado para além da aquisição de bens ou reprodução física ou biológica, sendo visto como mediador de relações sociais, que é capaz de conferir status, distinguir-nos, fazer-nos sentir pertencendo a um grupo, estabelecer fronteiras, construir e fortalecer identidades e subjetividades etc. (Douglas e Isherwood 2004Douglas, Mary, e Baron Isherwood. 2004. Mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.).
  • 10
    As famílias participantes deste estudo foram: Martínez, Gómez, Gutiérrez, Sánchez e Castro (Lewis 1961Lewis, Oacar.1961. Antropología de la Pobreza: cinco famílias. México: FCD.).
  • 11
    Segundo Duarte (1995)Duarte, Luiz Fernando D. 1995. Horizontes do indivíduo e da ética no crepúsculo da família. In Família e sociedade brasileira: desafios nos processos contemporâneos organizado por Ivete Ribeiro e Ana Clara T. Ribeiro, 23-41. São Paulo: Edições Loyola., o valor “família” tem grande peso em todas as camadas da população brasileira. No entanto, significa coisas diferentes dependendo da categoria social. Para os grupos populares o conceito de família está ancorada nas atividades domésticas do dia a dia e nas redes de ajuda mútua.
  • 12
    As percepções e visões das assistentes sociais sobre as famílias beneficiárias do PBF são apresentadas em Lavra Pinto (2019)Lavra Pinto, Michele 2019. Prácticas, estratégias y negociaciones de inclusión de las familias en el Programa Bolsa Familia. In Estados de bienestar, derechos e ingresos básicos en América Latina, organizado por Alberto D. Cimadamore, Anete B. L. Ivo, Carmen Midaglia e Alexandra Barrantes, 299-348. Cidade do México: Siglo Veintiuno..
  • 13
    Atenção Primária no município do Rio de Janeiro.
  • 14
    O plano inclinado é um elevador que conecta uma das ruas de acesso à favela ao topo. Serve aos moradores e transporte de carga (mercadorias, materiais de construção e lixo). Foi executado no primeiro governo do Leonel Brizola (1983-1987) no projeto de mobilidade nas favelas.
  • 15
    As idades aqui mencionadas remontam ao final de 2015.
  • 16
    O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF), unidade de assistência, ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico da Fundação Oswaldo Cruz, estado do Rio de Janeiro.
  • 17
    Recai sobre as mulheres a responsabilidade de cuidar dos filhos e da casa, sendo, ao mesmo tempo, as detentoras da moral da família. Para maiores detalhes sobre essa questão, conferir DaMatta (2001)Damatta, Roberto. 2001. O que faz o brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco. e Bourdieu (1995)Bourdieu, Pierre. 1995. A dominação masculina. Educação e realidade 20 (2): 133-183..
  • 18
    Sarti (1996)Sarti, Cynthia A. 1996. A família como espelho: um estudo sobre a moral dos pobres. 2. ed. Campinas: Autores Associados. pesquisa famílias de baixa renda em São Paulo, procurando descobrir com base em que categorias morais elas se organizam, interpretam e dão sentindo a seu lugar no mundo. A esse respeito, ver também Fonseca (2000)Fonseca, Cláudia. 2000. Família, fofoca e honra: etnografia de relações de gênero e violência em grupos populares. 2. ed. Porto Alegre: Editora da Ufrgs..
  • 19
    A vigilância do PBF a que me refiro consiste no cumprimento das condicionalidades (na área da saúde e educação) e nos acompanhamentos das assistentes sociais.
  • 20
    A pesquisa de Rego e Pinzani (2013)Rego, Walquíria. L. R., e Alessandro Pinzani. 2013. Vozes do Bolsa família: autonomia, dinheiro e cidadania. São Paulo: Unesp. descreve a importância de ser beneficiária do PBF para a obtenção de crédito em mercados e lojas onde habitualmente a família realiza suas compras.
  • 21
    Neri (2014)Neri, Marcelo. 2014. O Programa Bolsa Família e a inclusão financeira. In O Brasil sem miséria, organizado por Tereza Campello, Tiago Falcão, e Patricia V. da Costa, 727-746. Brasília: MDS. analisa o acesso de segmentos mais pobres, em especial dos beneficiários do PBF, a instrumentos financeiros básicos, tratando, sobretudo, da poupança, tendo em vista as perspectivas e motivações das famílias. O objetivo principal do autor é o subsídio à formulação de políticas públicas de inclusão financeira. Segundo Neri (2014Neri, Marcelo. 2014. O Programa Bolsa Família e a inclusão financeira. In O Brasil sem miséria, organizado por Tereza Campello, Tiago Falcão, e Patricia V. da Costa, 727-746. Brasília: MDS., 739), o PBF tem como um “efeito colateral o maior acesso desse grupo a serviços financeiros. Nesse sentido, o Bolsa Família, mais do que uma porta de saída da pobreza, figura como porta de entrada em segmentos mais sofisticados do mercado financeiro”.
  • 22
    Em 2009, o governo federal lançou o projeto de “Inclusão Bancária” dos beneficiários do Bolsa Família. O programa possibilitava que beneficiários do PBF tivessem acesso a uma conta bancária. Inclusão Bancária, ou Bancarização, trata-se da ação das pessoas ingressarem no sistema de bancos formal ao abrir uma conta em agência ou digitalmente.
  • 23
    Estudos sobre a inclusão financeira do segmento de baixa de renda são realizados por Mattoso (2005)Mattoso, Cecília. L. de Q. 2005. Identidade, inserção social e acesso a serviços financeiros: um estudo na favela da Rocinha. Tese em Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro., Müller (2012)Müller, Lúcia Helena e Vicente, A. Décio. 2012. Vão-se os anéis: uma abordagem antropológica do penhor como instrumento de crédito. Redd - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão 4 (2): 5179., Müller e Vicente (2012)Müller, Lúcia Helena e Vicente, A. Décio. 2012. Vão-se os anéis: uma abordagem antropológica do penhor como instrumento de crédito. Redd - Revista Espaço de Diálogo e Desconexão 4 (2): 5179., Silva (2016)Silva, Ana Rita. 2016. Finança, inclusão financeira e as pessoas em risco de pobreza: um estudo exploratório. Dissertação em Estudos de Desenvolvimento, Centro Universitário de Lisboa..
  • 24
    A Conta Poupança Social Digital é uma poupança simplificada, sem tarifas de manutenção, com limite mensal de movimentação de R$ 5 mil. Os beneficiários podem usar a mesma senha do cartão social. Acessado em 15 de setembro, 2021, https://www.gov.br/cidadania.
  • 25
    Diversos moradores da favela da Zona Sul citaram o Supermercado Mundial como o mais barato para realizar compras em Copacabana.
  • 26
    Sobre a “moralidade”, “culpa” referente ao consumo ver Barbosa e Campbell (2006)Barbosa, Lívia, e Colin Campbell, orgs. 2006. Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro: FGV..
  • 27
    Há nas favelas da Zona sul da cidade do RJ uma circulação (em forma de doação) de objetos que incluem móveis e eletrodomésticos entre lares de diferentes contextos sociais, ou seja, dos moradores do “asfalto” para os moradores da favela. Para maiores detalhes ver Corrêa e Lavra Pinto (2015)Corrêa, Sílvia B., e Lavra Pinto, Michele de. 2015. A circulação e a vida social de móveis eletrodomésticos: mediações entre a “favela” e o “asfalto”. In Consumo e Sociabilidades: espaços, significados e reflexões, organizado por Sílvia Borges Corrêa, Michele de Lavra Pinto e Veranise Dubeux, 33-49. Rio de Janeiro: E-papers..
  • Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação da autora antes da publicação.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2021
  • Aceito
    25 Out 2021
  • Publicado
    08 Dez 2022
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