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Inclusão digital e desempenho escolar no contexto da pandemia: uma análise comparativa entre Brasil e Colômbia

Digital inclusion and school performance in the context of the pandemic: a comparative analysis between Brazil and Colombia

Inclusión digital y desempeño escolar en el contexto de la pandemia: un análisis comparativo entre Brasil y Colombia

Resumo:

Seguindo pistas analíticas da Sociologia, este artigo analisa alguns aspectos da relação entre políticas públicas de inclusão digital e desempenho escolar. Os dados empíricos que fundamentaram a presente pesquisa foram adquiridos no contexto da pandemia, causada pelo novo coronavírus. Para tanto, foram aplicados questionários e realizadas entrevistas em profundidade com professores e adolescentes, todos vinculados às escolas públicas do estado da Paraíba, no Brasil, e do estado de Antioquia, na Colômbia. Entre os resultados alcançados, ganham destaque a necessidade do planejamento estratégico governamental no que tange à inclusão digital; a importância do ensino presencial; e a percepção de professores e estudantes das novas tecnologias digitais como subsidiárias do processo de ensino e aprendizado.

Palavras-chave:
Juventude; Escola pública; Desempenho escolar; Pandemia do novo coronavírus; Políticas públicas de inclusão digital

Abstract:

Following analytical clues from sociology, this article analyzes some aspects of the relation between public policy on digital inclusion and school performance. The empirical data that supported the research was acquired in the context of the Pandemic caused by the New Coronavirus. Therefore, questionnaires were applied and in-depth interviews were conducted with teachers and adolescents, all linked to public schools in the state of Paraíba, in Brazil, and in the state of Antioquia, in Colombia. Among the results achieved, the need for strategic government planning with regard to digital inclusion, the importance of face-to-face teaching and the perception of teachers and students of the new digital technologies as subsidiaries of the teaching and learning process stand out.

Keywords:
Youth; Public school; School performance; New Coronavirus pandemic; Digital inclusion public policies

Resumen:

Siguiendo pistas analíticas de la sociología, este artículo analiza algunos aspectos de la relación políticas públicas de inclusión digital y rendimiento escolar. Los datos empíricos que fundamentan la investigación fueron adquiridos en el contexto de la Pandemia causada por el nuevo coronavirus. Para tanto, fueron aplicados cuestionarios y realizadas entrevistas en profundad con profesores y adolescentes, todos vinculados a escuelas públicas del estado de Paraíba, en Brasil, y del estado de Antioquia, en Colombia. Entre otros resultados alcanzados en la investigación se destacan la necesidad de planeación estratégica gubernamental en lo referente a la inclusión digital, la importancia de la enseñanza presencial y la percepción de profesores y estudiantes de las nuevas tecnologías como subsidiarias del proceso de enseñanza y aprendizaje.

Palabras clave:
Juventud; Escuelas públicas; Rendimiento escolar; Pandemia del Nuevo Corona virus; Políticas públicas de inclusión digital

Introdução

O propósito deste artigo é analisar a relação entre políticas públicas de inclusão digital e desempenho escolar. Nosso estudo foi realizado com estudantes e professores de escolas públicas entre março de 2020 e agosto de 2021, um período marcado pela expansão da pandemia do novo coronavírus e pela necessidade do distanciamento como medida de biossegurança. Nesse lapso de tempo, observamos, entre outros aspectos, o acesso dos estudantes, moradores da periferia urbana, às novas tecnologias digitais, assim como o uso da internet na prática do ensino, da aprendizagem e de processos de interação social.

Em obediência às medidas sanitárias sugeridas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), as aulas presenciais foram suspensas e, em razão desse fato, as instituições escolares tiveram que procurar alternativas para dar continuidade às atividades de ensino. Diante desse contexto, a Educação a Distância (EaD), através dos meios virtuais, se impôs. Em comparação às escolas privadas, nas instituições públicas o ritmo de adaptação ao ensino virtual foi diferenciado. As escolas públicas, onde as ações de inclusão digital já estavam acontecendo, continuaram ministrando aulas de forma virtual. Por sua vez, nas escolas onde a inclusão digital dos estudantes não estava funcionando ou era precária, a continuidade das atividades escolares foi lenta e tortuosa para professores e alunos. Neste ponto, cabe ressaltar o que um professor brasileiro afirmou:

De repente, nós fomos demandados para passar da lousa da sala de aula para as plataformas virtuais. Rapidamente tivemos que aprender a lidar com tecnologias das quais nunca ouvimos falar. Ninguém nos perguntou se tínhamos os equipamentos adequados, se dispúnhamos de espaço em nossas residências ou se tínhamos conexão de internet residencial para ministrar aulas. Fomos intimados a dar aulas virtuais e a subsidiar essas demandas com nossos próprios recursos.2 2 O levantamento The State of Global Education – 18 months into the pandemic, realizado pela Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostra que o piso salarial dos professores do ensino fundamental no Brasil é o mais baixo entre os 40 países listados. Organization for Economic Co-operation and Development (OCDE). 2021. The State of Global Education – 18 months into the pandemic. Acessado em 11 de outubro de 2021. https://www.oecd-ilibrary.org/education/the-state-of-global-education_1a23bb23-en.

Depoimentos como esse evidenciam o impacto do processo de adaptação às aulas virtuais. A diferença desse impacto em alunos e professores foi dada pela aplicação das políticas públicas de inclusão digital em cada um dos países observados. Para analisar esse impacto realizamos uma pesquisa comparativa em escolas públicas das cidades de Campina Grande, no Brasil, e de Medellín, na Colômbia.3 3 Por razões éticas, manteremos em sigilo os nomes das instituições escolares e trocaremos os nomes dos depoentes que participaram de nossa pesquisa. No que tange ao Brasil, não houve atuação clara e coordenada por parte do governo federal e isso fez com que os estudantes, por algum tempo, ficassem à deriva. Foram os governos estaduais e municipais os que formularam as diretrizes para dar continuidade à vida escolar em meio à pandemia. Por sua vez, no caso colombiano, observamos que o governo de Antioquia, cuja capital é Medellín, agiu de forma rápida e estratégica, a ponto de não alterar o calendário acadêmico. Essa celeridade na adaptação à EaD pode ser consequência lógica dos esforços governamentais, realizados por mais de duas décadas, para assegurar a inclusão digital da população. Como veremos, o governo de Antioquia, de forma planejada, tem se esforçado para implementar políticas públicas de inclusão digital que favoreçam o desempenho escolar.

Consideramos a noção “desempenho escolar” para além das notas, como algo que extrapola o mero registro dos indicadores do processo de ensino-aprendizagem dos alunos. Essa noção nos remete também ao engajamento do jovem com a instituição escolar, ao entrosamento comunitário que faz da escola um espaço privilegiado de convivência humana. Nesse sentido, por ser um instrumento eficaz para a interconexão humana, o debate sobre a inclusão digital no contexto escolar se impõe. Assim, a inclusão digital é mais do que um recurso para fins acadêmicos, ela é um elo que facilita corresponder às demandas da vida contemporânea. Uma dessas demandas é a qualificação para o mercado de trabalho.

Observando a sociedade contemporânea, James Suzman (2021)Suzman, James. 2021. Trabalho: uma história de como utilizamos o nosso tempo. Coimbra: Desassossego. aborda a relação entre escassez e abundância e a tendência que se gera na sociedade contemporânea para enxergar o trabalho como o espaço vital, como essa ocupação cotidiana em torno da qual a vida do homem parece ganhar sentido. Segundo Suzman, estamos atravessando uma quarta fase da revolução industrial, caracterizada pela junção de tecnologias digitais, biológicas e físicas. Na atual fase dessa revolução é compreensível que recaiam sobre as instituições educativas e sobre o alunado demandas pela incorporação de novas habilidades e conhecimentos. Destarte, dominar linguagens tecnológicas, saber manusear novos instrumentos, entender de sistemas codificados, resolver problemas de conectividade, entre outros desafios, exige dos estudantes a necessidade de se preparar e de estar habilitado para corresponder a essas novas demandas. As imposições da nova organização do trabalho, demandam que o futuro profissional alcance um elevado nível de desempenho.

Se uma das finalidades do bom desempenho escolar é capacitar o jovem para a posterior inserção deste no mercado de trabalho, então, parece compreensível a preocupação por pesquisar o estágio atual das políticas de inclusão digital. Os interlocutores de nossa pesquisa foram estudantes e professores do ensino médio. Para começar a pesquisa, enviamos aos professores um formulário confeccionado no Google Forms, com o objetivo de que eles encaminhassem para o maior número de alunos. O formulário continha 28 questões fechadas, que foram respondidas por 415 jovens estudantes brasileiros e 191 jovens colombianos. Para aprofundar algumas questões sugeridas no formulário, realizamos entrevistas em profundidade com 10 alunos brasileiros, oito colombianos, bem como entrevistamos cinco professores de cada país. Assim, iniciamos a aplicação desses formulários no mês de maio de 2020 e realizamos as entrevistas em profundidade entre dezembro de 2020 e maio de 2021.

Inclusão digital e desempenho escolar

Em consonância com Teixeira (2010Teixeira, Adriano Canabarro. 2010. Inclusão digital: novas perspectivas para a informática educativa. Ijuí: Ed. Unijuí., 39), entendemos por inclusão digital o processo de agregação horizontal que deve acontecer no interior das coletividades. A finalidade desse processo é a de assegurar o desenvolvimento da cultura de rede, a promoção de processos de interação, a construção identitária, a expansão de valores culturais e a valorização da diversidade. Espera-se que mediante a inclusão digital os atores sociais criem conteúdos próprios, com autonomia exerçam a cidadania e quebrem o ciclo de reprodução do consumo, de padrões culturais opressores e de qualquer forma de alienação mediática.

Durante a expansão da pandemia, a inclusão digital nas escolas tornou-se uma demanda de atenção imediata. No Brasil, em certa medida, a convivência com nossos alunos já sinalizava a deficiência das políticas de inclusão digital, visto que, muitos deles careciam de correio eletrônico ou manifestavam não ter nenhuma familiaridade com as novas tecnologias da informação. A principal causa desse fato, segundo os estudantes, é a carência de possibilidades de acesso ao mundo digital. A exclusão digital, que já intuíamos existir, ficou explícita no contexto da pandemia. Contudo, como revelam os dados de nossa pesquisa, a exclusão digital não é homogênea. Ela muda segundo as condições socioeconômicas das famílias dos alunos e de acordo com a eficácia das políticas públicas implementadas pelos governos. Em vista disso, a exclusão digital aparece como uma realidade socialmente condicionada, cujos efeitos são nefastos na vida dos excluídos.4 4 Estudos como os realizados pela ILO confirmam essa afirmação. International Labour Organization (ILO). 2020. IOL.Monitor, 27 maio 2020. Covid-19 and the world of work. Fourth edition. Updated estimates and analysis. Acessado 11 out. 2021. https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/---dcomm/documents/briefingnote/wcms_745963.pdf.

A inclusão digital nos remete à participação das novas gerações na revolução tecnológica, da qual nos falava Suzman (2021)Suzman, James. 2021. Trabalho: uma história de como utilizamos o nosso tempo. Coimbra: Desassossego.. Assim, falar da necessidade de fortalecer a relação entre a inclusão digital e o desempenho escolar nos dá a oportunidade de pensarmos na possibilidade de transformar o mundo começando pela vida das pessoas. Essa não é tarefa fácil. Nossas vivências junto ao ensino remoto nos permitiu verificar que muitos alunos careciam de condições mínimas para participar das aulas virtuais. Sem conexão à internet, sem equipamento e espaço físico adequado, para esses jovens, o período da pandemia se tornou sinônimo de ruptura com o sistema escolar.

Observamos que nas últimas décadas o sistema de ensino escolar tem avançado. Desde o século 19 se difundiu entre nós a crença em que a educação formal é a bússola que norteia o futuro das novas gerações. Em nossos dias, faz parte do senso comum a percepção de que a ascensão social das classes menos favorecidas perpassa pelo acesso à educação. Nesse sentido, é mais do que pertinente colocar em discussão a eficácia das políticas públicas de inclusão digital. Em nosso estudo, fizemos esse exercício através do olhar de estudantes e professores de escolas públicas. Os efeitos dessas políticas são mais evidentes nesses espaços, uma vez que os usuários da escola pública compõem uma parcela numerosa da população. Com poucas variações, na maioria dos casos, as condições de vida dessas pessoas são semelhantes e a ação do Estado, seja pela sua eficácia ou pela sua deficiência, é intensamente sentida.

Em sintonia com as pesquisas de Dubet (2010)Dubet, François. 2010. Sociologia de la experiencia. Madrid: Editora Complutense., observamos que quando se analisam as instituições escolares, prevalece no senso comum um sistema de classificação que rotula as escolas como sendo de excelência ou precárias. As escolas precárias, quase sempre, se situam nas periferias urbanas ou nas zonas rurais. Portanto, as escolas por nós abordadas poderiam ser consideradas como precárias. De acordo com o que os dados demonstram, os jovens entrevistados pertencem a famílias de baixa renda, para as quais as políticas de inclusão digital são relevantes. No formulário, a variável renda foi traduzida em quantidade de salários mínimos que a família recebe. O valor no Brasil corresponde a 209,18 dólares e na Colômbia, corresponde a 247,21 dólares.

No Brasil, 42,65% informaram que a família recebe menos de um salário mínimo, 40, 48% um salário mínimo, 12,77% ganha até dois salários mínimos, 2,41% até três salários mínimos e apenas 0,96% até quatro salários mínimos. Na Colômbia, 35,79% ganha até um salário mínimo, 28,42% até dois salários mínimos, 11,58% até três salários mínimos, 10,53% mais de quatro salários mínimos e 8,42% recebe menos de um salário mínimo.

Como se percebe, é baixo o poder aquisitivo da maior parte das famílias dos estudantes de escolas públicas. No entanto, os dados também demonstram uma diferença significativa na renda das famílias dos estudantes de escolas públicas entre um país e outro. Enquanto no Brasil, quase metade das famílias recebem menos de um salário mínimo e menos de 1% mais de quatro salários mínimos, na Colômbia, menos de 10% recebem menos de um salário mínimo, percentual menor do que as que recebem mais de quatro salários mínimos. Além disso, apesar da renda parecer maior na Colômbia, lá também há mais famílias beneficiadas por programas sociais do governo: 82,11%, enquanto no Brasil são 75,18%.

Importante destacar que o nível de escolaridade dos pais aparece como um fator de impacto na qualidade do aprendizado dos jovens. Em razão da não presença dos professores nas aulas remotas, os pais podem tirar dúvidas e auxiliar os estudantes no desenvolvimento de suas atividades acadêmicas. Os dados coletados indicam que a assistência dos pais, durante o período de EaD, contribuiu com o bom desempenho escolar dos jovens. No Brasil, os estudantes informaram que a maior parte das mães, 41,69%, estudaram até o ensino fundamental incompleto, 24,10% possuem ensino médio completo e apenas 5,06% possuem ensino superior completo. A escolaridade dos pais dos estudantes brasileiros é semelhante a das mães, tendo a maioria deles, isto é, 42,65%, sequer concluído o ensino fundamental, 14,46% possuem ensino médio completo, apenas 3,37% possuem ensino superior completo, 6,75% não frequentaram a escola e um percentual de 14,94 não sabe informar a escolaridade dos pais.

No que tange à Colômbia, o nível de escolaridade das mães dos estudantes é significativamente maior que no Brasil, isto é, 40% das mães possuem ensino superior completo, 35,79% estudaram o bachillerato (equivalente ao ensino médio) completo e apenas 1,5% possuem educação básica (equivalente ao ensino fundamental) incompleta. Quanto aos pais, 28,42% possuem nível superior completo, 27,37% possuem o bachillerato, 16,84% o bachillerato incompleto e apenas 3,16% possuem educação básica primária incompleta.

Apesar das diferenças entre os países, no que se refere ao acesso à internet, todos os jovens entrevistados, tanto no Brasil quanto na Colômbia, afirmaram ter algum tipo de acesso à internet antes da pandemia. Quando indagados sobre as atividades realizadas na internet, 85% dos jovens respondeu que ocupava seu tempo interagindo em redes sociais, como Facebook, Instagram, WhatsApp, Twitter; assistindo vídeos ou jogando virtualmente com amigos. Apenas 15% respondeu que utilizava a internet também para estudar.

O perfil dos estudantes que responderam à pesquisa demonstra haver, entre os dois países, uma diferença de aspectos sociais importantes. Os dados coletados sinalizam a existência de uma correlação entre os níveis de instrução dos pais, renda familiar e acesso ao mundo digital. Ademais, a assistência dos pais no estudo domiciliar dos estudantes e a renda que estes possuem definem, em certa medida, a dedicação dos alunos aos estudos, a qualidade do aparelho que os jovens usam para participar das aulas, o ambiente de estudo nos cômodos da casa, o tipo de internet, de alimentação e outros aspectos que afetam o desempenho escolar dos adolescentes. Em outras palavras, para os estudantes, filhos de pessoas com salários baixos e nível de instrução elementar, em razão das condições precárias de seu entorno familiar, a perspectiva é que reproduzam os modos de vida de seus pais.

Em decorrência do impacto da Pandemia, essa perspectiva pode ser ratificada no relatório Education at a glance 2020,5 5 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). 2020. Education at a glance – 2020. https://doi.org/10.1787/69096873-en. realizado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que prevê que pessoas com menos escolaridade serão mais impactadas pelo aumento do desemprego, sendo essa apenas uma das consequências esperadas para o período da pós-pandemia. Da mesma forma, esse relatório registra que em 2019, 14% dos jovens adultos (entre 25 e 34 anos) com ensino médio incompleto estavam desempregados, contra 8% daqueles com ensino superior completo. Dados como esses fundamentam a percepção dos pais, governantes e da sociedade como um todo, de que a relação educação e emprego é cada vez mais estreita. Sua ruptura é fonte de preocupação em relação a um futuro incerto.

Revelações sobre a inclusão digital no contexto da pandemia

A pandemia se soma às causas da crise econômica que se alastra pelo mundo. No caso da Colômbia, vale lembrar os diversos conflitos sociais pelos quais esse país tem atravessado: a violência rural causada pelas lutas dos grupos guerrilheiros e o confronto bélico do Estado contra as organizações do narcotráfico. No entanto, o país tem mostrado uma capacidade extraordinária para reinventar-se, para reerguer-se em meio dos surtos de violência que, de forma intermitente, lhe acometem.

No ano de 1991 foi proclamada a atual Constituição Política, declaração que expressa um sentimento coletivo, um desejo de aprimorar o Estado de direito. Como expressão desse sentimento é que deve reconhecer-se o esforço dos sucessivos governos por combater a pobreza como matriz dos conflitos sociais. Esse esforço do Estado tem trazido efeitos relevantes no processo de mudança social que o país vivencia. A OCDE6 6 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). 2020. Education at a glance – 2020. https://doi.org/10.1787/69096873-en. reconhece esses esforços do governo colombiano, mas aponta outros desafios quando afirma:

Os modelos de educação flexível baseados nas novas tecnologias poderiam abrir novas oportunidades de aprendizado e reduzir o isolamento das escolas e colégios rurais. No entanto, os custos poderiam ser relativamente altos nos países como a Colômbia, onde os custos laborais são baixos e a infraestrutura e a conectividade são limitadas, e onde não existem evidências de que as novas tecnologias possam melhorar os resultados educativos dos estudantes dado que os professores com frequência carecem de treinamento sobre o uso da tecnologia.

Embora as diversas tentativas do governo para a inclusão de componentes curriculares que reduzam a brecha digital, os resultados ainda não são os esperados. A falta de investimento em laboratórios, em redes de internet, em capacitação do corpo docente e em infraestrutura física das escolas, se torna um desafio a ser superado, visando a inclusão digital plena. No entanto, em decorrência de um planejamento estruturante, projetado a longo prazo, esses desafios podem ser superados, tal como mostra o estado de Antioquia.

Estudos realizados pela Fundação Antioquia, revelam que o planejamento estratégico, realizado pelos sucessivos governadores do estado, tem sido responsável pelo fortalecimento da educação, em razão dos efeitos positivos causados pelas políticas de inclusão digital. Nesse estudo são evidenciados os resultados do plano denominado “Antioquia, a mais educada”. Com um investimento de 50% do orçamento do estado destinado à educação, o referido plano começou a ser executado no ano 2012. Os primeiros resultados foram visíveis na ampliação da infraestrutura para assegurar a conectividade da população, assim como a adequação das tecnologias da informação e da comunicação aos processos produtivos. Essa iniciativa foi fortalecida mediante a execução de uma ação subsequente, o projeto “Antioquia pensa grande”, iniciado no ano 2016. Por meio dessa iniciativa, se consolidou o projeto anterior e se plantaram bases sólidas para que no estado se consolide a denominada Sociedade da Informação. Este conceito nos remete à possibilidade de disseminar conhecimento e informação de forma ampla e democrática.

O primeiro fruto colhido dessas iniciativas do governo do estado de Antioquia foi a expansão do ensino médio em formato digital, de forma que pessoas que moram em lugares distantes ou que carecem de tempo para frequentar as instituições de ensino, possam concluir o ensino médio, conforme a disponibilidade de tempo de cada estudante. Segundo informações fornecidas pelo estado:7 7 Comunidad Digital Antioquia Tic. Unidos a um clic. s.d. Acessado em 5 de janeiro de 2021. https://www.antioquiatic.edu.co/antioquia-bachillerato-digital.

O Ensino Médio Digital se realiza em cada município de Antioquia, mediante uma plataforma desenhada exclusivamente para essa finalidade, a qual poderá ser navegada desde um dispositivo portátil e que permita estudar e realizar atividades de forma online desde qualquer espaço, urbano ou rural. Como uma maneira de assegurar a participação da população, cada município conta com uma mesa de apoio, tutores e com zona wi-fi ou ponto de conexão à internet na qual poderão sincronizar o dispositivo móvel e de forma, fazer o envio de suas atividades. Finalmente, as ferramentas e ajudas disponíveis no território, colaboram na orientação aos estudantes do Ensino Médio sobre os temas de estudo e permitem um avanço significativo em seu processo de aprendizado.

A partir dos dados fornecidos nas plataformas do governo do estado, no ano 2018 Antioquia expandiu redes de conectividade em todos os municípios, com zonas wi-fi gratuitas. Em certa medida, os dados levantados no final do ano letivo 2020, nos permitiram verificar a eficácia dessas iniciativas do estado.

Segundo informações da Secretaria de Educação8 8 Ministerio de Educación Nacional. 2019. Inspección y Vigilancia en la Educación Superior. Acessado em 14 de janeiro de 2021. https://www.mineducacion.gov.co/portal/micrositios-superior/Inspeccion-y-Vigilancia. e dos depoentes da presente pesquisa, a pandemia não afetou de forma significativa a continuidade das atividades escolares. A evasão escolar foi baixa, passou de 2,8%, registrada nos três anos anteriores à pandemia, para 5% no final do ano de 2020. Mais do que dificuldades de conectividade, segundo análises dos entes governamentais, esse pequeno aumento da evasão escolar obedece à própria mobilidade social causada pela pandemia. A busca por apoio familiar, a redução dos custos de aluguel, a demissão de empregos temporários, entre outras razões, fez com que as famílias migrassem para outras regiões, ocasionando, dessa forma, a evasão escolar dos jovens.

Quando partimos para a discussão acerca dos processos de aprendizagem, esta pesquisa mostra que, apesar de importante, a inclusão digital não assegura a qualidade do desempenho escolar. O distanciamento social na pandemia afetou, de forma negativa, os estudantes, conforme demonstram as seguintes informações. Vejamos: ao avaliarem no formulário o aprendizado através das aulas remotas, 47,3% dos adolescentes afirmaram que aprendem menos que durante as aulas presenciais; 22,11% afirmaram que aprendem igual às aulas presenciais; 15,79% responderam que não estão aprendendo; e 14,74% informaram que estão aprendendo mais que com as aulas presenciais. Ademais, procuramos saber em quais disciplinas eles tiveram dificuldade para assimilar os conteúdos. Nesta questão, eles poderiam marcar mais de uma alternativa. Os resultados revelaram que as disciplinas de Biologia, Matemática e Química, respectivamente, são as que eles têm mais dificuldades para assimilar os conteúdos.

Nas entrevistas, alunos e professores reconheceram que essas dificuldades decorrem das limitações do ensino virtual. Segundo os depoentes, a interação na sala de aula é um aspecto fundamental para tirar dúvidas sobre os conteúdos dessas disciplinas. Ainda, através das entrevistas, observamos que alunos e professores têm uma opinião semelhante sobre as aulas virtuais. Eles reconheceram diversas dificuldades para transmitir e assimilar conteúdos através das plataformas virtuais. O professor Andres (48 anos), com 15 anos de atividade docente comentou:

As disciplinas são diversas e a escola manteve a grade curricular do ensino presencial. Os desafios foram enormes para todos os professores. Entendo que o ensino em EAD dispõe de conteúdos adequados para essa metodologia. Nós tivemos que transmitir os conteúdos utilizando um meio que não conhecíamos. Ensinar através das plataformas é difícil. Os alunos não conseguiam tirar suas dúvidas. Nós não conseguíamos ter o tempo suficiente para esclarecer questões. Não podíamos agendar horários extras para dar acompanhamento a alunos que precisavam de reforço. Com a pandemia descobrimos que existem muitos recursos eletrônicos que facilitam o ensino nas diversas disciplinas. A pandemia nos obrigou a reformular nossos métodos de ensino. Depois da pandemia, acredito que nossas aulas serão bastante aprimoradas. Nas aulas presenciais aplicaremos o que aprendemos sobre novas tecnologias durante o tempo da pandemia.

Por sua vez, a jovem Carolina (17 anos), afirma ter maiores dificuldades em realizar seus estudos em casa. Em suas palavras: “estudar em casa é complicado. É muito difícil manter o foco, concentrar-se. Às vezes, os pais não entendem que você está em aula e pedem para que faça alguma coisa que eles precisam. É rapidinho – eles dizem”.

Antônio (15 anos) manifestou ter dificuldade com o dispositivo que usa para assistir aula. Ele falou: “Assisto às aulas em um smartphone. Entram alertas de outros aplicativos ou ligações. A tela é muito pequena e quando o professor apresenta slides, eu não enxergo nada”. O depoimento de Antônio nos lembra um dos desafios que o Estado de Antioquia ainda precisa enfrentar.

Segundo a OCDE9 9 Organization for Economic Co-operation and Development (OECD). 2016. Education in Colombia. Highlights. https://doi.org/10.1787/9789264250604-en. o acesso dos estudantes aos computadores ou outras ferramentas tecnológicas, na Colômbia, ainda é deficiente. Além da conectividade, é preciso cuidar da dotação de equipamentos adequados para professores e alunos. Dos jovens de Antioquia que responderam aos questionários, encontramos que 23,16% dispõem de computador de mesa, 58,6% de computador portátil e 24,1% usam o celular como ferramenta de estudo.

Como poderiam responder mais de uma opção nessa questão, os estudantes afirmaram possuir mais de um desses aparelhos. Desses estudantes, 75,79% informaram que o aparelho é próprio e 24,21% que o aparelho era dividido com alguém. Quando questionamos sobre o tipo de internet que os estudantes usam, a maior parte, isto é, 91,58%, responderam que usam wi-fi própria, 3,16% que usam dados móveis, 1,05% que usa internet alugada e, 4,21%, que usam internet emprestada.

Também indagamos esses jovens sobre o tempo de estudos na internet. Por um lado, queríamos saber se o tempo de uso da internet era semelhante ao período de aula presencial e, por outro lado, queríamos saber se por causa do distanciamento social o uso da internet aumentou. A maior parte dos estudantes de Antioquia, isto é, 44,21% informaram que fica estudando pela internet mais de 7 horas diárias, 21,1% que estudam seis horas diárias; 12,66%, cinco horas; 8,42%, quatro horas; 11,58%, três horas; e, 22,11%, duas horas. Apesar de ter a opção de uma hora diária de estudos, nenhum dos estudantes a marcou.

Quanto às condições domiciliares, em termos de espaço para ter aula virtual, 74,74% disseram que dispunham de um ambiente adequado, enquanto 25,6% afirmaram que tinham aula em ambientes comuns à toda a família.

Observamos, tanto na Colômbia quanto no Brasil, que no cotidiano de quem estuda pela internet a dificuldade é a de dispor de um interlocutor para tirar dúvidas. Nesse sentido, perguntamos para os estudantes com quem eles tiram dúvidas dos conteúdos das aulas remotas. Desses, 54,74% informaram que discute suas dúvidas com amigos da turma, 22,11% com os pais, 9,74% não esclarecem as dúvidas e apenas 13,68% conseguiram tirar dúvidas com os professores.

Nas entrevistas concedidas, os depoentes afirmaram que, em termos de aprendizado, o ensino presencial é mais eficiente para eles. Os dados da presente pesquisa com os estudantes de Antióquia demonstram que a inclusão digital, embora tenha possibilitado o imediato retorno às atividades escolares durante o período de pandemia, não dispensa a relevância das aulas presenciais e do contato direto dos estudantes com professores e colegas.

No Brasil, para dar continuidade ao ensino, após a suspenção das aulas presenciais, a comunidade escolar passou a tomar plena consciência da urgência de políticas públicas de inclusão digital. A partir do mês de março de 2020, houve uma intensa mobilização procurando facilitar a conexão e dotação de equipamentos adequados para que os discentes pudessem acompanhar as aulas virtuais. Contudo, a virtualização do ensino colocou em evidência a inoperância das políticas públicas de inclusão digital existentes.

Desde o ano 2000, essas políticas foram formuladas pelos sucessivos governos. O Programa Nacional de Informática na Educação (ProInfo), o Programa Casa Brasil, os Centros de Inclusão Digital, o Computador para todos, o Programa Estação Digital, o Observatório Nacional de Inclusão Digital, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), entre outras, revelaram a falta de comprometimento dos gestores públicos na democratização do acesso à internet.

No contexto da pandemia, pressionados por ONGs que defendem a educação pública, um grupo de parlamentares retomou o debate pela implementação do Fust, e o apresentaram como Projeto de Lei n.° 14.109/2020. O ponto que tratava do uso de recursos públicos para financiar a implementação de banda larga para todas as escolas públicas foi vetado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro (2020-2022). O projeto voltou ao Congresso e este derrubou o veto do presidente. Derrotado o veto, a expectativa é que para o ano de 2024 todas as escolas da rede pública brasileira tenham acesso à internet.

Os obstáculos à inclusão digital acima descritos apresentam uma realidade paradoxal no Brasil. Considerado como um dos cinco países que mais usa internet no mundo,10 10 Datareportal. 2021. Digital 2021: Brazil. 2021. Datareportal, 08 fevereiro de 2021. Acessado em 5 de maio de 2021. https://datareportal.com/reports/digital-2021-brazil. como revelam os dados da pesquisa, o Brasil não apresenta uma política eficiente de inclusão digital. Assim, as dificuldades de acesso à internet, como meio para dar continuidade às aulas, se tornou mais um indicador das desigualdades sociais no Brasil. Sem uma política nacional eficiente, cada Estado criou soluções regionais.

O fato de o estado da Paraíba não possuir uma política de inclusão digital em vigor, teve repercussão negativa na vida dos estudantes, especialmente para os das escolas públicas. Neste ponto, é importante destacar que não conseguimos ter dados concretos sobre a evasão escolar durante a pandemia, dado que o governo estadual autorizou a promoção para o ano seguinte dos alunos matriculados no ano anterior.

Matéria publicada no jornal El Pais11 11 Jucá, Beatriz. 2021. Na volta às aulas, a ausência dos que tiveram que abandonar os estudos: “Queria ser médica, mas não consegui continuar”. El País, 26 jul. 2021. Acessado em 4 de agosto de 2021. https://brasil.elpais.com/brasil/2021-07-26/na-volta-as-aulas-a-ausencia-dos-que-tiveram-que-abandonar-os-estudosqueria-ser-medica-mas-nao-consegui-continuar.html. destaca que no ano de 2020, o primeiro da pandemia, 172 mil crianças entre seis e 17 anos abandonaram a escola no Brasil, segundo estimativa de um relatório do Banco Mundial. No momento em que estados e municípios começam a retomar as aulas presenciais, estima-se que 1,5 milhão de jovens estejam fora da escola.

Outro dado que permite aferir esses indicadores é a queda do número de inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Sem levar em conta os índices de contaminação pela Covid-19 no país, o Ministério da Educação insistiu em manter essa prova, parte presencial, parte virtual, o que levou a uma alarmante abstenção de 55% da expectativa de inscritos. Esse número indica a dificuldade de acesso à internet e, em consequência disso, o retardo no ingresso ao ensino superior dos jovens de famílias de baixa renda.

O estado da Paraíba ganha destaque por ser um dos estados do país a se adequar ao Plano Nacional de Educação (PNE), no que diz respeito à implementação de escolas em tempo integral e à adequação à nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), recentemente aprovada. Apesar desses progressos, no período da pandemia constatamos que restou evidente que na Paraíba a política de inclusão digital destoa da política estadual de educação. Essa deficiência afetou negativamente a continuidade dos processos educativos em EaD.

Nas entrevistas, alunos e professores manifestaram estranhamento com as plataformas digitais. Depois de um ano de aulas remotas, a avaliação do ensino virtual é negativa, provavelmente porque alunos e professores não tiveram assistência do estado para se adaptarem à EaD.

Indagados sobre a utilização das plataformas digitais como meio de aprendizado escolar, alunos e professores manifestaram estranhamento e dificuldade para dominá-las. A professora Gilmara (41 anos), com 12 anos de exercício docente, afirmou:

Quando fomos convocados para retomar as aulas e nos adequar ao EAD, levei um choque. Nós não tínhamos conhecimento dessas plataformas. A Secretaria de Educação do Estado nos convocou para realizar uma oficina. Tudo virtual. A oficina durou 4 horas. Eles nos orientaram para fazer uso do básico das plataformas. No começo, o tempo das aulas era mais para treinar o uso dessas ferramentas virtuais do que para passar conteúdo para os alunos. O ensino virtual tem sido muito difícil. Trabalhar em home-office me obrigou a reinventar-me como profissional, como esposa e como mãe.

O estranhamento perante o uso das ferramentas virtuais relativas à EaD, em professores e alunos, nos leva a perceber que o uso das ferramentas eletrônicas, para reforçar o ensino, não faz parte das práticas curriculares nas escolas. A fala da docente Gilmara pode ser corroborada quando analisamos os dados sobre as condições de acesso às aulas remotas na Paraíba.

Perguntamos aos estudantes brasileiros se eles estavam conseguindo assistir com assiduidade às aulas remotas. 32,53% dos estudantes informaram que assistiram com algumas intercorrências de queda na conexão, 39,04% disseram ter faltado algumas aulas, 17, 59% assistiram uma parte das aulas e apenas 10,84% informaram ter assistido às aulas de forma integral.

No que tange ao tipo de equipamento eletrônico utilizado pelos estudantes para assistirem às aulas, 83,86% informaram que assistiram às aulas através de smartphone, 3,61% usou notebook, 3,37% utilizaram computador de mesa, 0,96% usaram tablet e 8,19% não informaram qual o tipo de aparelho que usou. Ademais, 79,76% desses estudantes informaram que era aparelho próprio, mas 20,24% informaram que divide o aparelho com outra pessoa da família.

Quanto à conexão de internet, 67% usaram wi-fi própria, 14,70% usaram wi-fi compartilhada; 9,64% wi-fi emprestada, 5,79% usam dados móveis e 2,41% usam internet a cabo. Em decorrência das dificuldades de conexão, 53,49% desses adolescentes informaram que estava aprendendo menos que em aulas presenciais, 33,25% que não estavam aprendendo, 9,69% disseram que aprendia igual e apenas 3,61% afirmaram que estava aprendendo mais que nas aulas presenciais. Para esses estudantes, as disciplinas de Matemática, Física, Química e Língua Portuguesa, eram, respectivamente, as que estavam tendo mais dificuldades de aprendizado.

A participação de estudantes brasileiros, matriculados em escola integral, que participaram da pesquisa, foi de um percentual de 61,41%. Mesmo matriculados nas denominadas escolas cidadãs e cidadãs técnicas, que possuem carga horária diária de nove horas e meia, a maioria dos estudantes, isto é, 31,33%, só estavam estudando uma hora por dia pela internet, 27,71% estudavam duas horas, 18,55% estudavam três horas e 5,30% disseram que dedica mais de sete horas por dia para estudar.

Ao serem questionados se suas casas possuíam espaço adequado para estudar, 59,04% informaram que não e 40,96% que sim. Sem estarem na escola, perguntamos como tinham acesso aos livros, 96,87% dos estudantes informaram que estudam pela internet. No que se refere às dúvidas, a maior parte deles as esclarece com amigos da turma, representando 34,94%. Os professores são procurados por 28,43%, já 8,19% discutem suas dúvidas com os pais e 28,43% informaram que ninguém tira suas dúvidas.

Os dados da presente pesquisa demonstram que o ensino remoto, na Paraíba, se deparou com os problemas relativos à desigualdade estrutural do Estado. Assim, para que todas as camadas sociais tenham acesso à internet é preciso executar um projeto eficiente de inclusão digital. Além disso, nas entrevistas, os professores afirmaram que é preciso que a inclusão digital atinja todas as regiões do Estado e que possibilite realizar, no âmbito escolar, um processo de formação continuada no uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).

Considerações finais

Os dados da pesquisa nos permitem concluir que a relação dos jovens com a escola, durante o tempo da pandemia, foi fragilizada. Nas entrevistas, professores e alunos insinuaram que a escola não corresponde às suas expectativas. Nos questionários, procuramos saber quais benefícios da escola os jovens sentiam mais falta. Por exemplo, perguntamos sobre os alimentos fornecidos pela escola e obtivemos que 85% dos jovens responderam que não sentiam falta. Perguntamos também pelas vivências que os jovens sentem mais falta. A resposta foi quase unânime, 93% responderam: “dos amigos”, da “convivência com alunos e professores”.

Em entrevista realizada, um jovem afirmou: “essa pandemia tirou de nós o melhor da escola: estar com os amigos. E nos deixou apenas com a parte ruim, essa pilha de tarefas para fazer em casa”. Ademais, quando indagados sobre o que sentiam pela possibilidade do retorno às aulas presenciais, professores e alunos manifestaram um sentimento de alegria, de expectativa por retomar as atividades escolares com uma disposição renovada, sentindo o desafio de se reinventar como docentes e estudantes.

Depois da pandemia, a partir das experiências, quase sempre frustrantes, do ensino remoto, pelo teor dos depoimentos, intuímos que os jovens formularão novas demandas à escola. É possível que essas demandas estejam relacionadas com a inclusão digital, com a necessidade de ter acesso à internet e a um maior domínio sobre as TICs.

Os dados do estado da Paraíba nos mostram que a escola, de forma isolada, não pode corresponder às demandas dos estudantes. A escola só poderá renovar-se e oferecer um ensino mais adequado, se ela for alavancada pela implementação de projetos coletivos, por iniciativas que articulem políticas públicas complementares entre si. Como exemplo do fortalecimento da escola podemos citar o caso de Antioquia, estado cujos projetos, implementados desde o ano de 2012, sinalizam bons resultados. De fato, os dados sugerem que o bom desempenho das escolas está relacionado com a criatividade, o diálogo e a articulação política, ações que são de ordem coletiva. Em outras palavras, poderíamos afirmar que a inclusão digital, como recurso e objeto de estudo no ensino médio, deve ser uma ação decorrente da reflexividade institucional.

Essa reflexividade institucional, a partir do pensamento de Anthony Giddens (2002)Giddens, Anthony. 2002. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar., nos remete a um processo de construção de conhecimento de ordem coletiva, que transcende a perspectiva individual, se fortalece na dinâmica da vida comunitária e finda na transformação do modo de ação institucional. Segundo Guiddens, a reflexividade institucional envolve a incorporação rotineira de conhecimentos ou informações novas, que emergem no decorrer de processos de socialização. Uma vez identificados esses conhecimentos, estes são coletivamente reorganizados, conforme as demandas vigentes.

Como se pode observar, os projetos focados no fortalecimento do ensino, realizados em Antioquia, demandaram revisão das práticas sociais que extrapolam as que se realizam nas entidades educativas. A avaliação periódica do ensino, por exemplo, produzirá informações sobre as práticas e sobre o alcance dos objetivos e metas. Mas essa avaliação não pode ficar reduzida às realizações de professores e alunos. Ela deve estar articulada com o contexto social, com essa força motriz abrangente que influencia as práticas que se realizam dentro da escola. Na dinâmica do mundo moderno, a inclusão digital se apresenta como recurso pedagógico para aprimorar o ensino, mas está longe de substituir a eficiência do ensino presencial. Em sintonia com essa percepção, nas entrevistas realizadas com professores, escutamos depoimentos que destacam o uso das tecnologias informacionais nos processos educativos. Mas os depoentes são conscientes de que o aprimoramento da inclusão digital depende mais de políticas públicas que das boas intenções de alunos e professores.

Referências

  • Dubet, François. 2010. Sociologia de la experiencia Madrid: Editora Complutense.
  • Giddens, Anthony. 2002. Modernidade e identidade Rio de Janeiro: Jorge Zahar.
  • Suzman, James. 2021. Trabalho: uma história de como utilizamos o nosso tempo Coimbra: Desassossego.
  • Teixeira, Adriano Canabarro. 2010. Inclusão digital: novas perspectivas para a informática educativa Ijuí: Ed. Unijuí.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2021
  • Aceito
    11 Jul 2022
  • Publicado
    29 Maio 2023
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