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O conceito de ativos na contabilidade: um fundamento a ser explorado

Resumos

O estudo da teoria contábil e das definições dos elementos das demonstrações financeiras, em especial os ativos, é de grande relevância não somente para acadêmicos, mas também para aqueles que se encontram ligados diretamente às atividades práticas da contabilidade aplicada. Este trabalho parte da constatação de que definições insatisfatórias do conceito de "ativos" são costumeiramente ensinadas em cursos de contabilidade, sem ensejar discussões, e genericamente aceitas pelos profissionais da área contábil. A partir da pesquisa exploratória realizada, indica-se a validade da hipótese, que orienta o desenvolvimento do trabalho, de que os profissionais da área contábil possuem conhecimento apenas superficial de tão importante conceito, não demonstrando compreensão sobre a essencialidade da noção de benefícios econômicos futuros para a caracterização da natureza básica dos ativos.

Conceito de ativos; teoria da contabilidade; profissionais da área contábil; compreensão do conceito; benefícios econômicos futuros


The study of accounting theory and the definitions of financial statement elements, especially the assets, is highly relevant not only for academics, but also for those who are directly involved in practical activities related to applied accounting. This work starts from the observation that unsatisfactory definitions of the concept of "assets" are usually taught in accounting courses without any opportunity for further discussions, and are generally accepted by accounting practitioners. Based on an exploratory research, the validity of the hypothesis that guided the development of this work is proven, namely, that accounting practitioners possess only a superficial knowledge about such an important concept and do not demonstrate a proper understanding of the essential importance of the "future economic benefits" notion for characterizing the basic nature of the assets.

Concept of assets; accounting theory; accounting practitioners; understanding of the concept; future economic benefits


ARTIGO

O conceito de ativos na contabilidade: um fundamento a ser explorado* * Cumpre agradecer ao Prof. Dr. L. Nelson Carvalho pelos valiosos comentários e sugestões, e reconhecer que a participação na disciplina Teoria da Contabilidade, ministrada pelo referido mestre, foi de fundamental importância para a realização deste trabalho.

André Moura Cintra Goulart

Mestrando em Controladoria e Contabilidade - FEA/USP. Primeiro lugar no Concurso Anefac de trabalhos sobre mercado financeiro, em 1997. Segundo lugar no II Prêmio Day Trade de Monografias sobre Mercado de Capitais, em 1995

RESUMO

O estudo da teoria contábil e das definições dos elementos das demonstrações financeiras, em especial os ativos, é de grande relevância não somente para acadêmicos, mas também para aqueles que se encontram ligados diretamente às atividades práticas da contabilidade aplicada. Este trabalho parte da constatação de que definições insatisfatórias do conceito de "ativos" são costumeiramente ensinadas em cursos de contabilidade, sem ensejar discussões, e genericamente aceitas pelos profissionais da área contábil. A partir da pesquisa exploratória realizada, indica-se a validade da hipótese, que orienta o desenvolvimento do trabalho, de que os profissionais da área contábil possuem conhecimento apenas superficial de tão importante conceito, não demonstrando compreensão sobre a essencialidade da noção de benefícios econômicos futuros para a caracterização da natureza básica dos ativos.

Palavras-chave: Conceito de ativos, teoria da contabilidade, profissionais da área contábil, compreensão do conceito, benefícios econômicos futuros.

ABSTRACT

The study of accounting theory and the definitions of financial statement elements, especially the assets, is highly relevant not only for academics, but also for those who are directly involved in practical activities related to applied accounting. This work starts from the observation that unsatisfactory definitions of the concept of "assets" are usually taught in accounting courses without any opportunity for further discussions, and are generally accepted by accounting practitioners. Based on an exploratory research, the validity of the hypothesis that guided the development of this work is proven, namely, that accounting practitioners possess only a superficial knowledge about such an important concept and do not demonstrate a proper understanding of the essential importance of the "future economic benefits" notion for characterizing the basic nature of the assets.

Key Words:Concept of assets, accounting theory, accounting practitioners, understanding of the concept, future economic benefits.

1. INTRODUÇÃO AO PROBLEMA

O estudo da teoria contábil é de grande relevância não somente para pesquisadores e acadêmicos, mas também para aqueles cuja atuação profissional é diretamente ligada à contabilidade aplicada. A razão dessa importância consiste no fato de que o fundamento, a base, o arcabouço de sustentação das práticas contábeis encontra-se justamente na teoria da contabilidade.

Observação de Paton, citado por Hendriksen & Van Breda (1999:75), corrobora a importância do estudo da teoria contábil; somente se "o contador puder visualizar a base na qual está se apoiando" evitará "aplicações incorretas e conclusões gerais errôneas".

Os usos da contabilidade estão se tornando mais e mais sofisticados. Entende-se que a contabilidade deve ser cada vez "mais fácil de entender" e cada vez "mais difícil de fazer"1 1 Aproveitando comentários do Prof. Dr. L. Nelson Carvalho, em aula do Curso de Mestrado em Controladoria e Contabilidade, na FEA-USP. , o que pressupõe contadores de aprimorada competência e relatórios com maior qualidade de comunicação, em benefício dos usuários da informação. Nesse contexto de sofisticação e incremento na complexidade nas aplicações contábeis, conforme destacado por Most (1977:12), não é mais suficiente responder aos questionamentos sobre a prática contábil com explanações simplórias do tipo "esse é o jeito que sempre foi feito" ou "é assim que tem que ser".

Para que os profissionais da contabilidade possuam condições de oferecer respostas apropriadas aos mais diversos questionamentos sobre a prática contábil, em constante desenvolvimento, identifica-se a necessidade de incursão no campo da teoria, do referencial conceitual, dos princípios, dos postulados. Enfim, é conhecer a base, a raiz, para então poder explicar, no outono, a queda das folhas e, na primavera, as cores das flores.

2. OBJETIVOS

Este trabalho parte da constatação de que definições superficiais do termo "ativos", que não contemplam a característica essencial do conceito, são costumeiramente ensinadas em cursos de contabilidade, sem ensejar discussões, e naturalmente aceitas pelos profissionais atuantes na área contábil. Tal situação indica a possibilidade de um nível insatisfatório de conhecimento sobre tão importante elemento patrimonial.

O objetivo fundamental deste trabalho é desenvolver uma reflexão sobre o conceito de ativos, buscando-se constituir uma base adequada para a identificação de possíveis deficiências de conhecimento e compreensão do referido conceito por parte dos profissionais da área contábil.

Trata-se de um trabalho de caráter exploratório, não objetivando alcançar respostas definitivas sobre o tema, mas levantar indicadores sobre a qualidade do conhecimento dos profissionais sobre o conceito de ativos.

3. HIPÓTESE

A hipótese que orienta o desenvolvimento deste trabalho é a de que os profissionais da área contábil possuem conhecimento superficial sobre o conceito de ativos. Tal deficiência de conhecimento é caracterizada, neste trabalho, pela aceitação de definições insatisfatórias do conceito e pela não demonstração de compreensão sobre a relevância da noção de "benefícios econômicos futuros" para a conceituação de ativos.

4. METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho está baseada em uma revisão de literatura, que busca caracterizar o conceito de ativos, e em uma pesquisa exploratória, que objetiva aferir a qualidade do conhecimento de profissionais da área contábil sobre o que são ativos.

Quanto à pesquisa exploratória realizada, responderam ao questionário elaborado profissionais com grau universitário, que atuam diretamente com a contabilidade e atividades de auditoria, na cidade de São Paulo.

Vale mencionar que os participantes da pesquisa são reconhecidos pelo mercado como profissionais de boa formação e conhecimento em contabilidade. Assim, entende-se que o grupo pesquisado constitui parâmetro aceitável para indicações sobre o nível de conhecimento no universo de profissionais da área contábil no âmbito nacional.

Neste trabalho, a formação básica em ciências contábeis (graduação) não é uma condição necessária para a caracterização do "profissional de contabilidade". Este é entendido como qualquer profissional, com grau superior completo, que atue diretamente com a contabilidade, em suas diversas aplicações, seja como contador de uma empresa, em um departamento de controladoria que realiza análises gerenciais, ou como profissional de auditoria, para citar alguns exemplos.

5. O CONCEITO DE ATIVOS

5.1 - A posição na teoria contábil

Conforme já mencionado na introdução deste trabalho, é de grande importância o estudo da teoria contábil. Dos profissionais da contabilidade requer-se, atualmente, condições para compreender e explicar "como as coisas são" e "como deveriam ser", distanciando-se do mero cumprimento de procedimentos, aceitos na base de afirmações do tipo "é assim que sempre foi feito".

Na teoria da contabilidade, existem diversos objetos de estudo, como os postulados, os princípios e os próprios objetivos da contabilidade. Outro item refere-se às definições de termos utilizados, dentre os quais destacam-se os elementos das demonstrações contábeis, como ativos e passivos.

O estudo e a delimitação dos conceitos utilizados são uma necessidade de qualquer ciência. É preciso haver uma espécie de tratado acerca das expressões e vocábulos, permitindo a compreensão dos conceitos utilizados, em benefício da eficácia do processo de comunicação. Trata-se de uma questão de linguagem.

A exigência terminológica não é observada apenas nas ciências, mas em qualquer atividade que envolve o uso de linguagem e o objetivo de comunicação. Na afluência de veículos em uma via pública, por exemplo, espera-se que todos os motoristas possuam entendimento sobre os significados das placas de trânsito. Também em contabilidade, evidencia-se a necessidade por uma terminologia adequada. Dessa maneira, quando se fala em ativo, passivo, patrimônio líquido, receita e despesa, perda e ganho, espera-se que haja efetivo entendimento sobre o significado de cada expressão empregada.

Mattessich (1972:469 e 472), ao discutir deficiências identificadas na teoria contábil, destaca o problema da utilização de termos vagos, não adequadamente definidos. Assim, especifica a seguinte carência da contabilidade: "Formulation and utilization of well defined terms and empirically meaningful concepts versus employment of vaguely described expressions (...)". Para expressar a lacuna terminológica existente na contabilidade, o autor estabelece um paralelo com a biologia, ciência que desenvolveu sofisticada taxonomia, capaz de classificar milhões de plantas e animais em complexo sistema com especificações de reino, filo, classe, família, gênero e espécie. Nesse contexto, Mattessich ressalta a importância da pesquisa taxonômica para uma melhor conceituação em contabilidade: "To attain better conceptualization in accounting (...), comprehensive and systematic taxonomic research is indispensable".

Fica evidente a necessidade de que a contabilidade desenvolva e aprimore adequada estrutura terminológica, cuja utilidade é mencionada por Hendriksen & Van Breda (1999:84): "A linguagem e a terminologia são exercícios intelectuais extremamente valiosos. O mesmo se dá com as definições e a delimitação de conceitos, pois ajudam a aprimorar o pensamento em contabilidade".

No campo conceitual da contabilidade, assume importância fundamental o conceito de ativos, o que é enfaticamente destacado por Iudícibus (2000:129): "É tão importante o estudo do ativo que poderíamos dizer que é o capítulo fundamental da Contabilidade, porque à sua definição e avaliação está ligada a multiplicidade de relacionamentos contábeis que envolvem receitas e despesas". O autor prossegue afirmando que "É crítico o entendimento da verdadeira natureza do ativo, em suas características gerais".

Além de envolver valiosa discussão sobre as diferentes metodologias para a mensuração de elementos patrimoniais, o conceito de ativos é de utilidade para a definição de outros importantes termos como receitas, despesas, passivos e patrimônio líquido. Sem querer entrar em detalhes ou estender a discussão, poderíamos definir a receita como "a validação, pelo mercado, da variação positiva do valor do ativo" ou, de outra forma, "a validação, pelo mercado, do incremento no potencial do ativo de gerar benefícios futuros". A despesa, permitimo-nos entendê-la como o "consumo de ativos" ou, alternativamente, como o "ativo expirado ou sacrificado". Os passivos, por sua vez, poderiam ser vistos como "ativos negativos", enquanto que o patrimônio líquido, como "ativos líquidos" ou, ainda, como "os ativos livres de direitos de terceiros".

Considerando a relevância de terminologia adequada e a posição fundamental do conceito de ativos na contabilidade, entende-se como fator de extremada importância que os profissionais atuantes na área contábil tenham satisfatória compreensão sobre o referido conceito. Tendo-se em mente a hipótese deste trabalho, "de conhecimento superficial sobre o conceito de ativos", passemos à analise do termo propriamente dito.

5.2 - Explorando o conceito

Em muitos cursos de contabilidade, em nível técnico, de graduação e, provavelmente, também em alguns de pós-graduação, o conceito de ativos é apresentado como "o conjunto de bens e direitos de uma entidade" ou como "as aplicações de recursos" de uma empresa.

Esse tipo de conceituação é ensinada, sem ensejar discussões, como a definição adequada para o termo ativos. A conseqüência é que alunos e profissionais em formação, com naturalidade, acabam aceitando o conceito apresentado como satisfatório e inquestionável.

No entanto, pela superficialidade e pela não contemplação de características fundamentais do conceito, a forma apresentada de definição é, na realidade, insatisfatória. Aliás, era de se esperar que, assim como os médicos, por questões de correção científica, não aceitam as definições de diversas doenças encontradas em "dicionários", os contadores também rejeitassem o conceito de ativos e outros termos contábeis encontrados na mesma fonte. No entanto, infelizmente, ao invés de rejeitarem, parecem aceitar, e com certa naturalidade.

Uma das motivações deste trabalho parte da constatação de que a superficial e genericamente aceita conceituação de ativos apresentada não contempla uma das características de maior relevância para uma adequada compreensão do significado do termo. Tal característica refere-se à noção de expectativa de benefícios econômicos futuros.

Assim, ao mesmo tempo em que diversos autores, renomados, definem ativos com clara referência a "benefícios futuros esperados", grande parte dos profissionais atuantes na área contábil parece aceitar naturalmente definições que não contemplam a referida noção.

Hendriksen & Van Breda (1999:281-3), por exemplo, afirmam que "ativos são essencialmente reservas de benefícios futuros". E mencionam definição do FASB, encontrada em seu referencial conceitual, no SFAC 62 2 FASB: Financial Accounting Standards Board; SFAC: Statements of Financial Accounting Concepts. : "benefícios econômicos futuros prováveis, obtidos ou controlados por uma entidade em conseqüência de transações ou eventos passados".

Para o FASB, incorporar um benefício futuro provável é característica essencial dos ativos. Ausente tal característica, não se pode reconhecer a existência do ativo em termos contábeis.

Nesse raciocínio, Hendriksen & Van Breda (1999:285), analisando a necessidade de existência de direito específico a benefícios futuros, ressaltam que "o direito deve produzir um benefício positivo; os direitos com benefícios nulos ou negativos em potencial não são ativos". E oferecem elucidativo exemplo: "se um prédio tiver perdido seu valor como gerador de utilidade, seu único valor residirá no sucateamento dos materiais de que é composto. Se o custo de remoção for igual ou superior ao valor de liquidação dos materiais, o prédio não terá valor algum, não devendo ser considerado um ativo".

O exemplo citado ajuda a observar como a noção de benefício futuro esperado é relevante para a compreensão do significado do termo ativos. As expressões "aplicações de recursos" e "conjunto de bens e direitos de uma entidade" vão, dessa maneira, demonstrando sua imperfeição e deficiência.

Iudícibus (2000:130) destaca três aspectos a serem observados na definição de ativos:

"1. o ativo deve ser considerado à luz de sua propriedade e/ou à luz de sua posse e controle; normalmente as duas condições virão juntas;

2. precisa estar incluído no ativo, em seu bojo, algum direito específico a benefícios futuros (...) ou, em sentido mais amplo, o elemento precisa apresentar uma potencialidade de serviços futuros (fluxos de caixa futuros) para a entidade;

3. o direito precisa ser exclusivo da entidade; (...)".

Interessante relembrar que a palavra bojo, utilizada no item 2, significa a parte mais íntima de uma coisa. Depreende-se, portanto, que precisa estar incluído no ativo, em sua parte mais íntima, em seu âmago, em seu cerne, um direito específico a benefícios futuros. Assim, vai sendo clarificada a importân-cia fundamental da idéia de benefícios futuros na conceituação do termo ativos.

Iudícibus (2000:131) ainda afirma, adicionalmente, que "bens incorporados por doação são ativos, da mesma forma que os adquiridos ou construídos, desde que confiram à entidade expectativas de benefícios futuros".

Martins (1972:29-30) faz afirmação que demonstra a relevância da noção de benefício econômico futuro para a caracterização da natureza dos ativos: "Consideramos o potencial de resultado econômico a verdadeira caracterização de um elemento como ativo, e não só isso, considerâmo-lo como sendo ele próprio o real ativo de uma entidade". Após esta declaração, o autor, em sua tese de doutoramento, adota a seguinte definição: "Ativo é o futuro resultado econômico que se espera obter de um agente". Quanto ao termo "agente", Martins explica que o conceito conservador é o de qualificar o agente como sendo o ativo. Assim, "o computador é um agente que presta diversos serviços, com o cálculo e armazenagem de dados, e isso constitui o verdadeiro ativo; o computador é apenas o agente. O caminhão é o agente que proporciona o resultado transporte, e este é o ativo".

Sprouse e Moonitz, citados por Iudícibus (2000:129), no ARS no 3, do AICPA3 3 ARS: Accounting Research Study; AICPA: American Institute of Certified Public Accountants. , de 1962, também encontram espaço, em sua definição, para a noção de potencialidade de serviços para a empresa: "(...) ativos representam benefícios futuros esperados, direitos que foram adquiridos pela entidade como resultado de alguma transação corrente ou passada".

É proveitoso analisar os termos utilizados pelos pesquisadores para a exprimir a essência do significado do conceito de ativos. Com esse propósito, Guerreiro, in Catelli (1999:90)4 4 GUERREIRO, Reinaldo. Mensuração do Resultado Econômico. destaca as seguintes terminologias utilizadas por pesquisadores da contabilidade: "benefícios futuros esperados; recursos econômicos possuídos; valor para a empresa; direito específico a benefícios futuros e potencialidade de serviços futuros".

No documento Framework for the Preparation and Presentation of Financial Statements, o IASC (International Accounting Standards Committee) (1989:56-7) destaca o "benefício econômico futuro" como uma característica incorporada aos ativos: "O benefício econômico futuro embutido em um ativo é o potencial de contribuir, direta ou indiretamente, ao fluxo de caixa ou equivalente à caixa da empresa". A expectativa de benefícios econômicos também encontra guarida na definição proposta pelo IASC: "Ativo é um recurso controlado pela empresa como resultado de eventos passados e do qual se espera que futuros benefícios econômicos resultem para a empresa".

Pelo exposto, evidencia-se a importância fundamental da noção de "benefícios econômicos futuros" para uma correta definição e compreensão do conceito de ativos, caracterizando a inadequação de expressões simplórias como "aplicações de recursos" e "bens e direitos de uma entidade" para uma satisfatória percepção da natureza básica do referido conceito.

5.3 - Formas de mensuração

Em consonância com a já destacada importância do conceito objeto deste estudo, "tem havido, durante décadas, um debate furioso a respeito de qual é a melhor maneira de medir ativos" (Hendriksen & Van Breda, 1999:304).

O ativo é um só. Como diz Iudícibus (2000:129), "Ativo é ativo, independentemente de pertencer, por uma ou por outra classificação, a este ou àquele grupo". No entanto, várias são as formas possíveis para a sua mensuração. Podem ser relacionadas oito diferentes maneiras de mensurar ativos, sem contar o fair value, alternativa que vai surgindo e construindo seus fundamentos...

As alternativas de mensuração podem ser divididas em duas classes: valores de entrada e valores de saída. São quatro as formas de mensuração baseadas em valores de entrada: custo histórico, custo histórico corrigido5 5 O termo "corrigido" refere-se às variações do poder aquisitivo da moeda. , custo corrente (ou de reposição) e custo corrente corrigido. Entre os valores de saída, figuram: valores descontados das entradas líquidas de caixa futuras, preços correntes de venda (valor realizável líquido), equivalentes correntes de caixa e valores de liquidação.

A partir do entendimento de que os bens de uma entidade possuem a capacidade de prestação de serviços e de geração de benefícios econômicos futuros, pode-se conceber o problema de mensuração como a "tradução" do potencial de serviços, incorporado no ativo, em unidades monetárias. Nesse sentido, conforme citado por Iudícibus (2000:131), o Comitê de Conceitos Contábeis da American Accounting Association (1957) propôs o seguinte: "Conceitualmente, a medida de valor de um ativo é a soma dos preços futuros de mercado dos fluxos de serviços a serem obtidos, descontados pela probabilidade de ocorrência e pelo fator juro, a seus valores atuais". Essa metodologia de mensuração, profícua em sua essência conceitual, envolve algumas dificuldades de ordem prática, o que faz com que sejam adotados, normalmente, outros métodos de maior objetividade.

No entanto, é oportuno destacar a observação de Griffin, Williams e Larson, aproveitando citação de Iudícibus (2000:131): "apesar dos impedimentos práticos a este tipo de avaliação descontada, é preciso apresentá-la devido à evidenciação da verdadeira natureza dos ativos que auxilia a consolidar".

E, quando mencionam a "verdadeira natureza dos ativos", estão a referir-se justamente à expectativa de geração de benefícios futuros, o que conduz ao entendimento de que constitui adequada metodologia de mensuração o cálculo do valor presente dos fluxos de benefícios futuros de um ativo.

Não é objetivo deste trabalho aprofundar a discussão sobre as diferentes formas de mensurar ativos. O que se pretende deixar claro é que, independentemente do critério adotado, espera-se que a mensuração represente adequadamente o potencial do ativo de gerar benefícios econômicos futuros para a entidade. Assim, cada metodologia pode ser entendida como uma forma de estimar o potencial de benefícios futuros de um ativo.

Pode perguntar-se, por exemplo: O custo histórico representa os benefícios futuros a serem gerados por um determinado ativo? Não exatamente, mas representa o mínimo (uma estimativa mínima) do benefício esperado, de forma que, se o ativo "não conseguir pagar" nem o custo histórico, então não vale a pena adquiri-lo. Verifica-se que o custo histórico é uma estimativa mínima, configurando-se como uma medida "tímida" para a quantificação do potencial de serviços de um ativo em uma empresa que opera sob a premissa de continuidade. Mas possui também suas qualidades, com a objetividade e verificabilidade.

Os valores de liquidação, por sua vez, representariam os benefícios a serem gerados no caso de descontinuidade da empresa, presumindo uma "venda forçada".

Vale considerar a observação de Hendriksen & Van Breda (1999:304): "(...) os conceitos de avaliação podem ser complementares, bem como substitutos um do outro. Por exemplo, o custo histórico pode, em certas circunstâncias, ser relevante como substituto do custo corrente de um ativo. O custo corrente pode, por sua vez, ser um substituto do valor presente dos fluxos de caixa futuros, que é o atributo que realmente desejamos medir" (grifo nosso).

Martins (2001:28) também enfatiza a complementaridade dos diferentes critérios de mensuração: "São várias as formas de se medir o patrimônio e o lucro de uma empresa; desde o custo histórico, com base nas transações ocorridas, passando pelo custo corrente, considerando a reposição dos fatores de produção sendo consumidos, avaliando cada ativo e passivo pelo seu valor líquido de realização e chegando ao valor presente dos fluxos de caixa futuros. Todas elas consideram, no fundo, um único objeto: o caixa; ora o caixa acontecido, o prestes a acontecer, o que aconteceria se ativos e passivos fossem vendidos, o caixa esperado por transações futuras etc., cada uma das informações válidas para uma finalidade diferente"

Assim, em consonância ao entendimento de que a essência do ativo fundamenta-se no potencial de benefícios a serem gerados para uma entidade, concluise, conforme expressão de Iudícibus (2000:133), que "no âmago de todas as teorias para a mensuração dos ativos, se encontra a vontade de que a avaliação represente a melhor quantificação possível dos potenciais de serviços que o ativo apresenta para a entidade".

5.4 - Benefícios da compreensão

A adequada compreensão da natureza do conceito de ativos pode ajudar os contadores em diversas situações profissionais e no tratamento de questões práticas da contabilidade.

É evidente que muitos ativos, como imóveis e aplicações em títulos públicos, são detidos pelas empresas por meio de direitos legais, como o de propriedade. Cabe reconhecer, no entanto, que a propriedade não é característica essencial para a definição da existência de um ativo. Nesse sentido, vale o exemplo oferecido pelos equipamentos objetos de leasing, considerados como ativos, não em função de ser caracterizada a propriedade, mas pelo fato de haver controle, por parte da empresa, dos benefícios que se espera sejam provenientes dos bens. Verifica-se, dessa maneira, a essencialidade do enfoque aos benefícios futuros para a caracterização da existência do ativo.

O entendimento sobre a importância da noção de "benefícios futuros esperados" para a definição do conceito colaborará para uma análise mais apurada sobre as diferenças existentes entre os diversos métodos de mensuração de ativos. Certamente tornar-se-á mais fácil compreender, por exemplo, que a adoção do valor de venda para todos os ativos é critério adequado apenas na hipótese de descontinuidade, pois, na continuidade, importa o fluxo de serviços futuros proporcionados pelo ativo à entidade.

A conceituação acertada do ativo é relevante para a correção dos procedimentos de reconhecimento contábil dos ativos, como evidencia o parecer do IASC (1989:66): "Um ativo é reconhecido no balanço quando é provável que a empresa venha a receber dele benefícios econômicos futuros e o ativo tem um custo ou valor que possa ser medido em bases confiáveis" (grifo nosso).

De maneira equivalente, também na avaliação de ativos encontra-se implicação do conceito. Assim, segundo Hendriksen & Van Breda (1999:467), a avaliação de ativos "deve refletir a mensuração dos benefícios a serem recebidos pela empresa".

Outra aplicação conceitual é dada com a contabilização de softwares, bens e do ativo permanente. Tendo-se em mente a potencialidade de contribuição aos resultados futuros, é natural a aceitação da idéia de que a amortização do bem deve ser em função da expectativa de períodos a serem beneficiados.

Também menos esforço precisará ser empenhado para perceber o real significado da depreciação que, como método, pode até representar a alocação de custos, mas, na essência, caracteriza a perda de potencial de serviços futuros.

6. PESQUISA EXPLORATÓRIA

6.1 - Introdução

Após o desenvolvimento de uma reflexão sobre o conceito de ativos, apresentamos os resultados da pesquisa realizada, que objetivou avaliar o nível de conhecimento detido pelos profissionais da área contábil sobre o referido conceito.

Conforme já foi mencionado, a hipótese do trabalho é a de que o conhecimento sobre o conceito de ativos, por parte dos profissionais da área contábil, é superficial. Assim, caracteriza-se uma situação hipotética em que o profissional de contabilidade, de uma maneira geral, aceita definições insatisfatórias do conceito objeto deste estudo, não demonstrando compreensão sobre a essencialidade da noção de "benefícios econômicos futuros" para a caracterização da natureza básica dos ativos.

A pesquisa foi realizada por meio do envio de questionários pela internet a profissionais com grau universitário que atuam diretamente com a contabilidade e atividades de auditoria. Foram obtidos 70 questionários respondidos de um total de 247 enviados (taxa de resposta de 28,3%).

6.2 - Perfil da amostra

Apresentamos a seguir o perfil da amostra relativamente à área de formação universitária e ao tempo de atuação profissional na área contábil.

Todos os 70 profissionais que participaram da pesquisa possuem grau universitário6 6 Dentre os entrevistados, um possuía 3 cursos de graduação e 5 possuíam dois. e atuam diretamente com atividades relacionadas à contabilidade. A formação, por especialidade, é apresentada a seguir:

Também foi verificado há quanto tempo os profissionais atuam diretamente com a contabilidade, sendo caracterizado o seguinte perfil:

O tempo médio de atuação profissional em atividades diretamente ligadas à contabilidade é de 4 anos7 7 Tomando-se a média de cada faixa e, para a última, assumindo tempo de 16 anos. . Nenhum entrevistado apresentava-se na faixa de 9 a 12 anos.

6.3 - Questões relativas ao conceito de ativos

1a Questão: A primeira questão objetiva aferir o grau de aceitação, por parte dos profissionais, de definições de ativos caracterizadas como superficiais e insatisfatórias, conforme discussão realizada neste trabalho. Assim, espera-se que profissionais com um conhecimento adequado sobre a natureza básica dos ativos não aceitem a definição apresentada na questão abaixo como satisfatória.

"1. A definição "bens e direitos possuídos por uma entidade" reflete bem o significado do termo "ativos":

a) concordo plenamente

b) concordo simplesmente

c) concordo ou discordo parcialmente

d) discordo simplesmente

e) discordo totalmente""

A tabulação das respostas mostra que apenas 1% dos entrevistados "discordam totalmente" de que a definição apresentada "reflete bem o significado do termo ativos". Por outro lado, 29% "concordam plenamente" e 49% "concordam simplesmente" com a correção da definição proposta.

A análise das respostas indica que, de maneira geral, os profissionais acreditam que definições do tipo "bens e direitos possuídos por uma entidade" refletem bem o significado do termo ativos. Entendemos que um profissional com conhecimento satisfatório sobre o conceito de ativos tenderia a escolher as alternativas d) e e) ("discordo simplesmente" e "discordo totalmente"), que somaram apenas 1% do total.

2a Questão: "2. Se você fosse formular uma definição do conceito contábil de ativos, quais os três termos que você necessariamente incluiria (por representarem características essenciais dos ativos)?

a) aplicação de recursos

b) bens

c) direitos

d) bens tangíveis e intangíveis

e) benefícios futuros

f) propriedade

g) controle exclusivo

h) valor de custo

i) valor de custo ou mercado, dos dois o menor"

A questão 2 tem o propósito de indicar a importância conferida por parte de cada entrevistado aos itens apresentados nas alternativas, para uma correta definição de ativos. Pela reflexão desenvolvida neste trabalho, entende-se que o item e) "benefícios futuros", por representar característica essencial dos ativos, deveria ser largamente escolhido.

Observa-se que os itens a), b) e c) são os principais escolhidos por parte dos entrevistados, totalizando 71% das respostas, o que indica a confirmação da aceitação de definições superficiais. O item e), por sua vez, recebeu apenas 6% das escolhas, mesmo percentual obtido pela alternativa i) "custo ou mercado, dos dois o menor" que, na realidade, refere-se à mensuração de ativos e não propriamente à sua conceituação.

3a Questão: "3. Você já teve a oportunidade de discutir e refletir sobre o conceito de ativos (em aulas de um curso, por exemplo):

a) com profundidade

b) de maneira um tanto superficial

c) ainda não tive tal oportunidade

d) já tive a oportunidade, mas não sei se com profundidade ou de maneira superficial"

A questão 3 procura verificar com que profundidade os profissionais já tiveram a oportunidade de discutir o conceito de ativos.

Considerando que apenas 16% entendem já ter discutido o conceito com profundidade, identifica-se a necessidade de que seja dada maior atenção ao estudo aprofundado do conceito de ativos, de grande relevância para a contabilidade.

A análise dos resultados da pesquisa, em nosso entendimento, indica a validade da hipótese de que os profissionais da área contábil têm conhecimento apenas superficial sobre o conceito de ativos, não demonstrando compreensão sobre a essencialidade da noção de benefícios econômicos futuros para a caracterização da natureza básica dos ativos.

7. CONCLUSÃO

O estudo da teoria contábil é de grande relevância, não somente para pesquisadores e acadêmicos, mas também para aqueles cuja atuação profissional é diretamente ligada à contabilidade aplicada.

Na teoria da contabilidade, existem diversos objetos de estudo, como os postulados, os princípios e as definições de conceitos utilizados, dentre os quais figuram os elementos das demonstrações contábeis, como ativos e passivos.

A delimitação dos conceitos empregados é uma necessidade de qualquer ciência. No campo conceitual da contabilidade, assume importância destacada o conceito de ativos.

Considerando a importância de adequada terminologia e a posição central do conceito de ativos na contabilidade, entende-se como fator de extremada importância que os profissionais atuantes na área contábil tenham satisfatória compreensão sobre o referido conceito.

O estudo do conceito objeto deste trabalho evidencia ser característica básica dos ativos o potencial de geração de benefícios econômicos futuros. Está na essência e no âmago do ativo, em seu bojo, a capacidade de prestar serviços futuros à entidade que os controla, representando uma "promessa futura de caixa". Assim, está incorporado ao ativo, em sua "parte mais íntima", um direito específico a benefícios futuros.

Verifica-se, portanto, a importância fundamental da noção de "benefícios econômicos futuros" para uma correta definição e compreensão do conceito de ativos, indicando a inadequação de expressões simplórias como "aplicações de recursos" e "bens e direitos de uma entidade" para uma satisfatória percepção da natureza básica do referido conceito.

Este trabalho parte da constatação de que definições superficiais do termo ativos, que não contemplam a noção de benefícios econômicos futuros (característica essencial do conceito), são costumeiramente ensinadas em cursos de contabilidade, sem ensejar discussões, e naturalmente aceitas pelos profissionais atuantes na área contábil.

A partir da pesquisa exploratória realizada, indicase a validade da hipótese de que os profissionais da área contábil possuem conhecimento apenas superficial de tão importante conceito, não demonstrando compreensão sobre a essencialidade da noção de benefícios econômicos futuros para a caracterização da natureza básica dos ativos.

Pelo exposto, identifica-se a necessidade de maior atenção ao estudo de ativos no processo de formação dos profissionais atuantes na área contábil. Entende- se que uma compreensão satisfatória da natureza dos ativos, além de colaborar com o adequado tratamento e análise crítica de questões práticas da contabilidade aplicada, conferirá aos profissionais melhores condições para enfrentar os desafios atuais da contabilidade.

  • CATELLI, Armando (coord.). Controladoria: uma abordagem da gestão econômica - Gecon. São Paulo: Atlas, 1999.
  • HENDRIKSEN, Eldon S., VAN BREDA, Michael F. Teoria da Contabilidade. São Paulo: Atlas, 1999. Tradução da 5a edição americana por Antonio Z. Sanvicente.
  • IASC - International Accounting Standards Committee. Framework for the Preparation and Presentation of Financial Statements. Londres: IASC, 1989.
  • IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da Contabilidade. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2000.
  • IUDÍCIBUS, Sérgio de, MARTINS, Eliseu, GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
  • MARTINS, Eliseu. Avaliação de Empresas: da Mensuração Contábil à Econômica. In Caderno de Estudos, São Paulo: Fipecafi e EAC/FEA/USP, n.24, v.13, p.28-37, jul./dez. 2000.
  • ______. Contribuição à Avaliação do Ativo Intangível. Tese de Doutoramento. FEA-USP, São Paulo, 1972.
  • MATTESSICH, Richard. Methodological Preconditions and Problems of a General Theory of Accounting. In: Accounting Review. Julho de 1972.
  • *
    Cumpre agradecer ao Prof. Dr. L. Nelson Carvalho pelos valiosos comentários e sugestões, e reconhecer que a participação na disciplina Teoria da Contabilidade, ministrada pelo referido mestre, foi de fundamental importância para a realização deste trabalho.
  • 1
    Aproveitando comentários do Prof. Dr. L. Nelson Carvalho, em aula do Curso de Mestrado em Controladoria e Contabilidade, na FEA-USP.
  • 2
    FASB: Financial Accounting Standards Board; SFAC: Statements of Financial Accounting Concepts.
  • 3
    ARS: Accounting Research Study; AICPA: American Institute of Certified Public Accountants.
  • 4
    GUERREIRO, Reinaldo.
    Mensuração do Resultado Econômico.
  • 5
    O termo "corrigido" refere-se às variações do poder aquisitivo da moeda.
  • 6
    Dentre os entrevistados, um possuía 3 cursos de graduação e 5 possuíam dois.
  • 7
    Tomando-se a média de cada faixa e, para a última, assumindo tempo de 16 anos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2002
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