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Tratamento contábil e evidenciação das externalidades ecológicas

Resumos

A Contabilidade, na condição de ciência social, passou a ser questionada sobre o desempenho ecológico das empresas na sociedade, tendo, com isso, uma nova perspectiva acerca de seu papel. Entre os questionamentos, destacam-se valores até então desconsiderados nos resultados das empresas, cujos efeitos são absorvidos pela sociedade de forma difusa. Esses efeitos, chamados externalidades, apresentam peculiaridades que exigem conhecimentos multidisciplinares, em vista das dificuldades de identificação, mensuração e reconhecimento. Com o objetivo de fundamentar proposta de contabilização e evidenciação das externalidades ecológicas, foi realizada revisão bibliográfica acerca do tema, trazendo as discussões acadêmicas, e estudados os critérios utilizados nas empresas em que os fatos ecológicos já fazem parte da rotina operacional, com o encaminhamento de questionário às empresas brasileiras certificadas pela ISO. As conclusões demonstram que ainda não há consenso sobre a técnica mais adequada, em função, entre outros, da inexistência de critérios contábeis objetivos e da intangibilidade dos valores das externalidades. O presente artigo contribui com o desenvolvimento de critérios de mensuração e reconhecimento pautados nos Princípios Fundamentais de Contabilidade para que sejam proporcionadas informações mais confiáveis acerca do desempenho ecológico das empresas.

conhecimentos multidisciplinares; ecologia; evidenciação; externalidades; intangibilidade


As a social science, Accounting has been questioned about the ecological performance of companies in society, which reveals a new perspective on its role. Among the questions asked, certain values stand out which had not been considered in company results until then and whose effects are absorbed by society in a dispersed way. These effects, called external facts, reveal peculiarities that demand for knowledge of various subjects, considering the identification, measurement and recognition difficulties.With a view to establishing a proposal to account for and disclose ecological external facts, a bibliographic review of the theme was realized, which presented the academic discussions. Through a questionnaire sent to those Brazilian companies certified by the ISO, a study was realized of the criteria used by companies in which the ecological facts are already part of the operational routine.The conclusions demonstrate that there still does not exist any consensus on the most adequate technique, in function of the inexistence of objective accounting criteria and the intangible nature of the values of the external facts, among other factors.This article contributes to the development of measurement and recognition criteria ruled by the Basic Accounting Principles, to offer more reliable information on companies' ecological performance.

knowledge of various disciplines; ecology; disclosure; external facts; intangible


ARTIGO

Tratamento contábil e evidenciação das externalidades ecológicas

Diana Vaz de LimaI; Waldyr ViegasII

IProfessora da Faculdade Michelangelo. Contadora e Mestre em Administração pela Universidade de Brasília. E-mail: Diana.lima@uol.com.br

IIProfessor da Universidade de Brasília. Doutor em Administração pela Universidade de Grenoble - França. E-mail: wviegas@abordo.com.br

RESUMO

A Contabilidade, na condição de ciência social, passou a ser questionada sobre o desempenho ecológico das empresas na sociedade, tendo, com isso, uma nova perspectiva acerca de seu papel. Entre os questionamentos, destacam-se valores até então desconsiderados nos resultados das empresas, cujos efeitos são absorvidos pela sociedade de forma difusa. Esses efeitos, chamados externalidades, apresentam peculiaridades que exigem conhecimentos multidisciplinares, em vista das dificuldades de identificação, mensuração e reconhecimento. Com o objetivo de fundamentar proposta de contabilização e evidenciação das externalidades ecológicas, foi realizada revisão bibliográfica acerca do tema, trazendo as discussões acadêmicas, e estudados os critérios utilizados nas empresas em que os fatos ecológicos já fazem parte da rotina operacional, com o encaminhamento de questionário às empresas brasileiras certificadas pela ISO. As conclusões demonstram que ainda não há consenso sobre a técnica mais adequada, em função, entre outros, da inexistência de critérios contábeis objetivos e da intangibilidade dos valores das externalidades. O presente artigo contribui com o desenvolvimento de critérios de mensuração e reconhecimento pautados nos Princípios Fundamentais de Contabilidade para que sejam proporcionadas informações mais confiáveis acerca do desempenho ecológico das empresas.

Palavras-chave: conhecimentos multidisciplinares, ecologia, evidenciação, externalidades, intangibilidade.

ABSTRACT

As a social science, Accounting has been questioned about the ecological performance of companies in society, which reveals a new perspective on its role. Among the questions asked, certain values stand out which had not been considered in company results until then and whose effects are absorbed by society in a dispersed way. These effects, called external facts, reveal peculiarities that demand for knowledge of various subjects, considering the identification, measurement and recognition difficulties.With a view to establishing a proposal to account for and disclose ecological external facts, a bibliographic review of the theme was realized, which presented the academic discussions. Through a questionnaire sent to those Brazilian companies certified by the ISO, a study was realized of the criteria used by companies in which the ecological facts are already part of the operational routine.The conclusions demonstrate that there still does not exist any consensus on the most adequate technique, in function of the inexistence of objective accounting criteria and the intangible nature of the values of the external facts, among other factors.This article contributes to the development of measurement and recognition criteria ruled by the Basic Accounting Principles, to offer more reliable information on companies' ecological performance.

Key words: knowledge of various disciplines, ecology, disclosure, external facts, intangible.

INTRODUÇÃO

Mesmo com a importância da variável ecológica, é com restrição que os profissionais da área contábil vêem o tema discutido no meio acadêmico, argumentando que a materialidade dos valores dos fatos ecológicos não justificaria a evidenciação e registro contábil específicos e que os Princípios Fundamentais de Contabilidade, embora genéricos, regulariam adequadamente o registro dos fatos ecológicos. Entretanto, a informação contábil tem por finalidade propiciar aos usuários base segura às suas decisões, pela compreensão do estado em que se encontra a entidade, seu desempenho, evolução, riscos e oportunidades que oferece (Conselho, 2000, p.98). Com as informações ecológicas não pode ser diferente. Devem ser revestidas dos mesmos atributos que cercam as informações contábeis confiabilidade, tempestividade, compreensibilidade e comparabilidade, de sorte que a evidenciação seja livre de erro e viés de interpretação.

O registro dos fatos ecológicos se dará quando a atividade da empresa, independentemente do segmento em que atua, em algum momento, interferir no meio ambiente natural, seja na forma de externalidades ecológicas positivas (como, por exemplo, o fortalecimento da imagem institucional com a instalação de equipamentos antipoluentes), ou de externalidades ecológicas negativas (degradação do meio ambiente natural, em quaisquer da s suas formas).

Com isso, a informação ecológica passa a ser estratégica para evitar preocupações e surpresas na colocação da empresa no ambiente em que atua e para assegurar sua continuidade a longo prazo. As empresas se vêem forçadas a considerar a informação ecológica na tomada de decisões, tamanhas as imposições governamentais, as pressões sociais e as penalidades pelo uso de tecnologias inadequadas. O empresário depara-se com a necessidade de promover discussões e pesquisas que reduzam o nível de poluição, que, ao mesmo tempo, sejam economicamente viáveis (Ribeiro, 1992, p.ii).

Até bem pouco tempo, exigências de proteção ambiental eram consideradas freios ao crescimento da produção e representavam obstáculo jurídico legal demandante de grandes investimentos. Hoje em dia, em face das pressões dos grupos ambientais e dos concorrentes "verdes", a despreocupação com as questões ambientais é que pode provocar redução de lucros, perda de posição no mercado e até privação da liberdade ou cessação das atividades. O meio ambiente e sua proteção estão se tornando oportunidades para abrir mercados e prevenir-se contra restrições futuras ao acesso a mercados internacionais (Donaire, 1999, p.35). A relevância do estudo pode ser assim expressada:

conjuntural: os efeitos políticos, financeiros e sociais provocados pelos fatos ecológicos nos resultados da empresa exigem a adoção de políticas ambientais mais eficazes;

econômica: a qualidade ambiental pode representar quesito para inserção da empresa no mercado globalizado (dependendo do segmento em que atua);

acadêmica: há reduzida bibliografia especializada sobre o tema; e

técnica: dificuldade em reconhecer contabilmente o aspecto sistêmico dos fatos ecológicos.

Não se trata de a empresa ser, ou não, ecologicamente correta. A preocupação com a questão ambiental é ética e econômica. Dela depende a permanência da empresa no mercado. Neste contexto, a Contabilidade se atualiza ao buscar procedimentos que proporcionem a evidenciação da informação ecológica, promovendo a discussão do tema entre seus pesquisadores e profissionais.

A EVIDENCIAÇÃO CONTÁBIL E EXTERNALIDADES

A primeira dificuldade para o reconhecimento das externalidades ecológicas na Contabilidade é entender seus reflexos na empresa. Alguns conceitos já estão sendo apresentados por pesquisadores da área, um deles trazendo a externalidade como o fato inquestionável de que qualquer atividade afeta, de modo favorável ou desfavorável, outras atividades ao longo do processo produtivo (Ferreira, 1998, p.17).

Quando surgiu, a Contabilidade tinha limitado interesse de informação, tendo como principal objetivo atender as necessidades da entidade contábil (que é quem mantém a Contabilidade). As contas eram mantidas em sigilo e não havia pressão externa no sentido da exatidão ou da adoção de padrões uniformes de divulgação (Hendriksen & Breda, 1999, p. 39 e 40). Essa mentalidade de sigilo era padrão na Contabilidade antiga, como o conhecido conselho dos empresários ingleses "never show your books".

A observância aos Princípios Fundamentais de Contabilidade é obrigatória no exercício da profissão de contabilista e constitui condição de legitimidade das Normas Brasileiras de Contabilidade, bem como, conseqüentemente, dos registros contábeis. Todavia, as regras contábeis disponíveis não contemplam todas as transações, como no caso dos intangíveis -valores de difícil mensuração e reconhecimento -, e as empresas se vêem obrigadas a buscar dados não-financeiros para complementar a informação. Porém, mesmo cruciais para tomada de decisões em um mercado de constantes mudanças, as medidas não-financeiras carecem de bons indicadores, justamente por serem baseadas em estimativas e, na maioria das vezes, não possuir documentação que respalde os registros. Segundo Eccles e Pyburn (apud Bernard, 1999, p.2), um bom sistema de informação deveria equilibrar medidas financeiras e não-financeiras para alcançar as metas, missões e estratégias definidas pela empresa.

Atualmente, ao contrário da época de Pacioli, são adotados padrões uniformes de divulgação para transparência da informação contábil, com ênfase na qualidade dessa informação para o usuário. Para definição de informações úteis na tomada de decisões, é fundamental a constante interação com o usuário da informação contábil, de modo a oferecer um produto que satisfaça às suas necessidades, constantemente alteradas em face da dinâmica do próprio mercado e em decorrência do processo de globalização (Silva, 1998, p.62). Desta forma, a informação contábil deve ser estruturada com elementos que atendam aos usuários mais exigentes, sendo que "algumas informações úteis devem ser proporcionadas por demonstrações financeiras, e outras só podem ser fornecidas por outros veículos de divulgação" (Hendriksen & Breda, 1999, p.91).

A divulgação das demonstrações contábeis tem por objetivo fornecer aos usuários um mínimo de informações de natureza patrimonial, econômica, financeira, legal, física e social, que lhes possibilitem o conhecimento e a análise da situação da entidade. Para contemplar informações adicionais requeridas em decorrência da legislação e de outros dispositivos regulamentares em função das características da Entidade, o Conselho Federal de Contabilidade, além das demonstrações contábeis, traz as notas explicativas (Conselho, 2000, p. 135). Todavia, mesmo com os esforços para ampliar o conteúdo de informações a serem divulgadas, as demonstrações regulamentadas parecem não atender as necessidades de informação dos usuários. Segundo Silva (1998, p.62), ainda que com a inclusão de notas explicativas e informações adicionais, o nível atual de evidenciação é classificado por muitos especialistas como inadequado.

No Brasil, as empresas têm optado por evidenciar informações de natureza social através de demonstrações adicionais, como Balanço Social, Demonstração do Valor Adicionado, entre outros. Todavia, tais demonstrações ainda são objeto de pesquisa e estão sendo estruturadas de modo a atender aos objetivos a que se propõem. No caso do objeto do presente estudo, externalidades ecológicas, além da escolha do melhor instrumento de divulgação, há que se considerar a participação relativamente nova dessas informações no processo decisório, pois os gerentes ainda estão se habituando aos reflexos da atividade operacional da empresa no meio ambiente natural.

Talvez a maior dificuldade da Contabilidade em reconhecer as externalidades ecológicas seja a limitação de suas técnicas em contemplar apenas os fatos medidos financeiramente. Esta particularidade complica ainda mais o reconhecimento das externalidades ecológicas na apuração dos resultados. Está claro que as atividades da empresa provocam reflexos no meio ambiente natural, mas não se sabe, na maioria das vezes, como se dá ou a intensidade desses efeitos, inibindo a atribuição de valores. Umas das formas de neutralizar as externalidades ecológicas é a internalização, ou seja, o reconhecimento de seus efeitos na apuração dos resultados da empresa. Esse procedimento representa instrumento eficaz de correção das distorções nas estruturas de custo, permitindo ganho de eficácia na gestão dos recursos ambientais naturais, além de servir de estímulo à geração de tecnologias menos poluentes (Bursztyn, 1994, p.15).

A ação gerencial, ao mesmo tempo em que é pressionada a atender as exigências de preservação do meio ambiente natural, depara-se com a necessidade de maximizar lucro, e, desse conflito de interesses, tem de desenvolver mecanismos que atendam ambos os objetivos (Lima, 2001, p. 20).

Mesmo com as várias técnicas disponíveis, há consenso limitado sobre a melhor base de cálculo ou sua precisão, principalmente no que diz respeito aos custos de danos ambientais que afetam a sociedade (Bennett & James, 2000, p.52). Para Mota (2001, p.45) o melhor caminho é reduzir o impacto ecológico pelo lado do ajustamento da demanda, diminuindo o requerimento dos recursos sem substituí-los, considerando o tamanho e a capacidade de renovação do recurso, a reciclagem e a capacidade de redução do consumo do recurso. Outros mecanismos já se encontram disponíveis, como o princípio do poluidor-pagador, o tratamento direto como custos ambientais e a tributação.

EM BUSCA DE EXPERIÊNCIAS E REFERÊNCIAS

Duas hipóteses foram elaboradas com base na literatura e consideradas na elaboração do questionário encaminhado às empresas brasileiras certificadas pela ISO 14.000, de sorte a verificar se as discussões acadêmicas sobre o tema encontravamse respaldadas na prática contábil:

1ª hipótese: a evidenciação das informações ecológicas é estratégica para a imagem institucional da empresa; e

2ª hipótese: da forma como estão sendo evidenciadas, as informações contábeis não refletem o real desempenho ecológico das empresas na sociedade.

Ambas representaram a percepção da autora a partir da literatura, inclusive as demonstrações contábeis normalmente publicadas pelas empresas. As hipóteses foram submetidas à verificação empírica, objetivando buscar experiências e referências nas empresas em que o registro dos fatos ecológicos já fazem parte da rotina operacional.

O escopo da pesquisa foram as empresas brasileiras com certificação ISO 14.000 até dezembro de 2000. Da amostra selecionada, obteve-se o retorno de 44,83% empresas certificadas. Como se tratava de alternativas de múltipla escolha, todas as respostas foram consideradas na tabulação dos dados para mostrar a opinião da maioria das empresas em cada um dos quesitos. A opção pelo estudo aplicado se deu porque a revisão bibliográfica não se mostrou suficiente para fundamentar a proposta de contabilização e evidenciação das externalidades ecológicas. Quanto à garantia do método, entende-se que seja eficiente, pois as práticas adotadas pelas empresas certificadas representam referencial seguro no tratamento contábil já dado às informações ecológicas.

A escolha das empresas certificadas pela ISO deveu-se ao fato do certificado representar um padrão internacional de gestão ecológica com credibilidade (a série foi desenvolvida em consenso, com a participação de 123 países), reconhecimento (os padrões são usados em todo o mundo) e o uso eficiente dos recursos (as empresas utilizam o mesmo critério) (Harrington & Knight, 1999, p.23).

Cada empresa selecionada recebeu 10 quesitos de múltipla escolha, onde mais de uma alternativa poderia ser assinalada. Os quesitos foram elaborados com base na literatura, objetivando traçar o cenário para a proposta de contabilização e evidenciação das externalidades ecológicas.

DOS RESULTADOS APURADOS

A primeira hipótesefoi submetida à verificação empírica, apresentando os seguintes resultados:

Para 100% das empresas participantes da pesquisa, a informação ecológica é estratégica, confirmando as hipóteses apresentadas pelos pesquisadores da área, com ênfase na redução de custos.

Apenas 17,95% das empresas consultadas não costumam evidenciar informações ecológicas. A maioria, 51,28%, as divulga por meio de contas específicas, e 41,03% preferem as demonstrações especiais.

Ratificando a discussão acadêmica, 92,31% das empresas consultadas evidenciam as informações ecológicas com objetivo de fortalecer a imagem institucional, publicando a política formal e os programas ambientais adotados.

Com base nos resultados apurados, a primeira hipótese foi confirmada. A segunda hipótese, também submetida à verificação empírica, apresentou os seguintes resultados:

A maioria das empresas consultadas, 58,97%, respondeu que a maior dificuldade para o tratamento contábil está na mensuração das externalidades ecológicas.

79,49% das empresas assinalaram que reconhecem o custo ambiental quando reduzem ou previnem uma provável contaminação ambiental (postura pró-ativa), mas, como ter postura pró-ativa se as empresas têm dificuldades em tratar contabilmente os valores imateriais?

Para a maioria das empresas, 76,92%, a ferramenta mais utilizada na análise e identificação dos custos ambientais é a avaliação do impacto ambiental.

100% das empresas consultadas reconhecem a responsabilidade ambiental. 66,67% o fazem quando há obrigação legal/contratual de prevenir, reduzir ou reparar danos. Todavia, anteriormente as empresas afirmaram que a informação ecológica é estratégica para a redução de custos e fortalecimento da imagem institucional, respectivamente.

Todas as empresas consultadas avaliam os riscos ambientais de suas atividades. A maioria, 69,23%, utiliza-se de avaliações sistemáticas de empresas de auditoria ambiental, seguidas por 41,03%, que fazem uso de avaliações de consultores especializados. Mas, se os riscos ambientais são avaliados, quais as dificuldades em tratar contabilmente os valores imateriais?

89,74% das empresas consultadas responderam que teriam condições de identificar e mensurar externalidades ecológicas positivas e/ou negativas. Mas, como identificar e mensurar as externalidades ecológicas se as empresas têm dificuldades em tratar contabilmente os valores imateriais?

A maioria das empresas, 71,79%, respondeu que já havia reconhecido ou cogitado a possibilidade de reconhecer as externalidades ecológicas na apuração de resultados. Mas, como reconhecer as externalidades na apuração de resultados se as empresas têm dificuldades em tratar contabilmente os valores imateriais?

Como se pode observar, os resultados apurados não permitem a confirmação da segunda hipótese, tendo em vista as discrepâncias no cruzamento das respostas encaminhadas.

CONTABILIZAÇÃO DAS EXTERNALIDADES ECOLÓGICAS

Os Princípios Fundamentais de Contabilidade adotados pelo CFC devem ser considerados na identificação, mensuração e reconhecimento dasexternalidades ecológicas, pois representam as doutrinas e teorias relativas à ciência da Contabilidade.

a) Identificação

A busca da informação se dará quando as externalidades ecológicas representarem ameaça à permanência da empresa no mercado, objetivando assegurar a integridade dos elementos patrimoniais e a continuidade das atividades da empresa, em observância aos Princípios da Entidade e Continuidade.

A identificação das externalidades está diretamente relacionada com a postura da empresa frente aos efeitos - se pró-ativa (a ação se antecipa aos efeitos), reflexiva (a ação se dá no monitoramento) ou re-ativa (a ação se dá após os efeitos) -, bem como do tipo de externalidade gerada (se os efeitos são imediatamente visíveis ou não).

Para identificar as externalidades ecológicas, a empresa fará uso da avaliação de riscos, rastreamento do fluxo de energia e materiais, análise do ciclo de vida dos produtos e serviços, treinamentos realizados, investimentos em seletividade de resíduos e tratamento/prevenção da poluição, entre outros.

b) Mensuração

Em conformidade com o Princípio da Oportunidade, a externalidade ecológica será considerada quando puder ser tecnicamente estimada e quando houver razoável probabilidade de sua ocorrência.

Na mensuração, há que se fazer distinção entre objeto e atributo, ou seja, o objetivo não é mensuração da poluição, mas o impacto econômico que as suas externalidades pode provocar (neste caso, negativas). Um evento qualitativo (como bem-estar), pode considerar tanto variáveis quantitativas como qualitativas. As variáveis qualitativas podem ser perder em precisão, mas não necessariamente em acurácia.

Para mensurar as externalidades ecológicas, as empresas farão uso de avaliações sisteexternalidades positivas poderão ser mensuradas através de pesquisas de opinião ou em função do aumento do faturamento.

c) Reconhecimento

Em conformidade com o Princípio do Registro pelo Valor Original, as externalidades serão registradas através de documentação hábil (como nota fiscal, notificações, etc.) ou por estimativas devidamente fundamentadas em estudos (laudos de peritos).

Em função do Princípio da Oportunidade, o reconhecimento das externalidades ecológicas será feito no momento da ocorrência (fato gerador) ou quando se tomar conhecimento. Considerando o Princípio da Competência, as receitas e despesas decorrentes de externalidades ecológicas serão incluídas na apuração do resultado do período em que ocorrerem, sempre simultaneamente, quando se correlacionarem, independentemente de recebimento ou pagamento. No caso das externalidades ecológicas de difícil identificação, a empresa manterá controle de risco devidamente aprovisionado e fará uso de valores contingenciados para responder a eventuais reparações que virem a se concretizar.

Em observância ao Princípio da Prudência, as externalidades ecológicas positivas não serão consideradas imediatamente, de sorte a apresentar menores valores para os ativos da empresa. As externalidades negativas, por outro lado, serão imediatamente consideradas para que sejam apresentados maiores valores para os passivos e menores valores para o patrimônio líquido.

É recomendável que se criem contas específicas para o registro das externalidades ecológicas, dentro dos grupos de contas já utilizados pela Contabilidade.

EVIDENCIAÇÃO DAS EXTERNALIDADES ECOLÓGICAS

Para que reflita o real desempenho ecológico da empresa na sociedade, as externalidades ecológicas devem ser evidenciadas em contas específicas nas demonstrações contábeis:

Todavia, para serem compreensíveis aos usuários, além de constarem das demonstrações tradicionais, as contas ecológicas devem ser destacadas na forma de quadro complementar, objetivando levar democraticamente a informação a todos os interessados. As externalidades negativas de difícil mensuração também fariam parte do quadro complementar como notas de rodapé, sem emprego de jargões que possam confundir o usuário da informação:

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

As externalidades ecológicas devem ser revestidas dos atributos de confiabilidade, tempestividade, compreensibilidade e comparabilidade, apoiada na literatura e nos critérios utilizados nas empresas em que já há consciência para as conseqüências de suas atividades ao meio ambiente natural. Acerca das dificuldades para o tratamento contábil das externalidades ecológicas, há que se considerar os seguintes aspectos:

1. Natureza intangível: está claro que as atividades da empresa provocam reflexos no meio ambiente natural, mas não se sabe, na maioria das vezes, como se dá a intensidade desses efeitos.

Comentário: tudo na natureza é passível de mensuração, basta identificar qual unidade de medida é adequada ao objeto.

2. Pressão para mostrar melhores resultados: os investidores se pautam nos dividendos por ação como indicador de rentabilidade, inibindo o reconhecimento de valores que reduzam os lucros das empresas.

Comentário: a informação ecológica é estratégica para assegurar a continuidade da empresa a longo prazo. Logo, de nada adianta ter um "melhor" resultado hoje, se não se podem assegurar resultados futuros.

3. Aspecto fiscal: é certo que os gastos com danos ambientais só podem ser deduzidos depois de pagos.

Comentário: é certo também que o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará aos infratores à perda ou restrição de incentivos fiscais.

4. Custos da degradação: os agentes do dano ignoram ou subestimam os custos da degradação.

Comentário: segundo o Ministério do Meio Ambiente, só no ano 2000 foram aplicados 20.076 autos de infração, somando R$ 758 milhões.

5. Percepção dos efeitos: as dificuldades em identificar efeitos visíveis apenas com o passar de muitos anos.

Comentário: manter controle de risco devidamente aprovisionado. As possibilidades de variação devem ser reconhecidas pelo pesquisador, que deve envidar esforços para restringi-las ao máximo, com vistas à redução de erro.

Tendo em vista a escassez de trabalhos relacionados com o presente estudo e a importância das externalidades ecológicas na política contábil das empresas, sugere-se que novas pesquisas sejam realizadas para o desenvolvimento de indicadores ambientais e simulações sobre as interferências dessas externalidades, positivas e negativas, na apuração dos resultados da empresa (de sorte a confirmar a segunda hipótese: da forma como estão sendo evidenciadas, as informações contábeis não refletem o real desempenho ecológico das empresas na sociedade). Pesquisas voltadas para os instrumentos de mensuração dos fatos ecológicos também contribuiriam para o enriquecimento do tema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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