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Tendências recentes de abordagem à contabilidade pública em Portugal

Resumos

Face à especial atenção que tem vindo a ser dada à contabilidade pública não só em Portugal como na maioria dos países desenvolvidos do mundo, revelase de particular interesse um estudo evolutivo/cronológico da contabilidade pública em Portugal. Com efeito, esta contabilidade, submetida durante anos a um anonimato sem sentido, viu, sobretudo com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1986 e, mais tarde, à União Económica e Monetária, um interesse especial não só do Governo e entidades envolvidas, como do público em geral. E tanto assim é, que sobretudo desde 1990 que se assiste à aprovação de um conjunto de diplomas reguladores das matérias inerentes à contabilidade pública, inseridos num processo de reformas que ainda não terminou. É com este pano de fundo que pretendemos elaborar este trabalho, o qual esperamos elucide o leitor sobre os progressos da contabilidade pública em Portugal, que, de uma contabilidade meramente legal, passa a uma contabilidade baseada em critérios emergentes de economia, eficiência e eficácia.

contabilidade pública; finanças; estados; orçamento


In view of the special attention that has been given to public accounting in recent times, not only in Portugal but in most developed countries, an evolutionary/ chronological study of public accounting in Portugal shows to be of particular interest. This accounting, which had been submitted to meaningless anonymity for years, actually became the subject of special interest not only by the government and other entities involved, but also by the public in general, mainly when Portugal adhered to the European Community in 1986 and, later on, to the Economic and Monetary Union. To the extent that, particularly from 1990 onwards, a set of laws has been approved which regulate issues inherent to public accounting.These are inserted in a reform process that has not finished yet. Against this background, we hope that this study will enlighten the reader about the progress in public Accounting in Portugal, which from a merely legal accounting has turned into an accounting that is based on emerging economic, efficiency and efficacy criteria.

public accounting; finance; state budget


SEÇÃO INTERNACIONAL

Tendências recentes de abordagem à contabilidade pública em Portugal

Maria da Conceição da Costa Marques

Professora Adjunta do Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra - Portugal, Mestre em Contabilidade e Finanças Empresariais, Doutoranda em Gestão, especialidade em Contabilidade pela Universidade Aberta-Portugal

RESUMO

Face à especial atenção que tem vindo a ser dada à contabilidade pública não só em Portugal como na maioria dos países desenvolvidos do mundo, revelase de particular interesse um estudo evolutivo/cronológico da contabilidade pública em Portugal.

Com efeito, esta contabilidade, submetida durante anos a um anonimato sem sentido, viu, sobretudo com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1986 e, mais tarde, à União Económica e Monetária, um interesse especial não só do Governo e entidades envolvidas, como do público em geral.

E tanto assim é, que sobretudo desde 1990 que se assiste à aprovação de um conjunto de diplomas reguladores das matérias inerentes à contabilidade pública, inseridos num processo de reformas que ainda não terminou.

É com este pano de fundo que pretendemos elaborar este trabalho, o qual esperamos elucide o leitor sobre os progressos da contabilidade pública em Portugal, que, de uma contabilidade meramente legal, passa a uma contabilidade baseada em critérios emergentes de economia, eficiência e eficácia.

Palavras-chave: contabilidade pública, finanças, estados, orçamento.

ABSTRACT

In view of the special attention that has been given to public accounting in recent times, not only in Portugal but in most developed countries, an evolutionary/ chronological study of public accounting in Portugal shows to be of particular interest.

This accounting, which had been submitted to meaningless anonymity for years, actually became the subject of special interest not only by the government and other entities involved, but also by the public in general, mainly when Portugal adhered to the European Community in 1986 and, later on, to the Economic and Monetary Union.

To the extent that, particularly from 1990 onwards, a set of laws has been approved which regulate issues inherent to public accounting.These are inserted in a reform process that has not finished yet.

Against this background, we hope that this study will enlighten the reader about the progress in public Accounting in Portugal, which from a merely legal accounting has turned into an accounting that is based on emerging economic, efficiency and efficacy criteria.

Keywords: public accounting, finance, state budget.

INTRODUÇÃO

A Contabilidade Pública (CP), nos últimos tempos, tem vindo a ser alvo de especial atenção na maioria dos países e Portugal não é, quanto a esta matéria, excepção. Expor um tema desta natureza não se mostra tarefa fácil, por um lado em face da vastidão e complexidade da legislação que suporta a actividade financeira do Estado, e, por outro, porque a diversidade e dimensão dos organismos integrantes do Sector Público Administrativo (SPA) não facilitam a abordagem desta temática.

O estudo do tema que nos propomos analisar, não obstante as razões apontadas, é deveras aliciante.Portanto, ao assumir um papel preponderante no contexto descrito, a CP constitui um tema do maior interesse e actualidade, que em nossa opinião merece ser alvo de análise, debate, reflexão etc., contribuindo, deste modo, para a sua divulgação e aperfeiçoamento.

Uma vez que a contabilidade orçamental (tradicional) não presta toda a informação necessária nos dias que correm, quer aos gestores e dirigentes quer também ao país, vamos analisar o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), aprovado pelo D.L. 232/97, de 3 de Setembro. Este plano, estamos certos, poderá vir a tornar-se uma poderosa ferramenta de gestão logo que ultrapassadas algumas dificuldades que possam surgir na sua implementação.

Em virtude de existirem determinadas especificidades e características nalguns subsectores da Administração Pública, foram aprovados planos sectoriais, em seqüência do POCP, pelo que vamos, também, proceder à sua análise.

Assim sendo, neste estudo, analisaremos a vertente tradicional da CP, não deixando, naturalmente, de apresentar o que em termos actuais se passa em matéria de informação financeira pública em Portugal.

1. FINANÇAS PÚBLICAS E FINANÇAS PRIVADAS - BREVE ABORDAGEM

Nas relações económicas que se estabelecem entre as pessoas e as instituições sociais de um lado e o Estado do outro, surge-nos o designado fenómeno financeiro, cientificamente definido como um fenómeno social.

A actividade financeira traduz-se, pois, pela utilização de meios económicos (escassos e passíveis de várias aplicações) pelas entidades públicas ou pelos cidadãos, com o objectivo de satisfazer necessidades. As Finanças Públicas, em face destas características, estarão necessariamente presentes.

Para que se possa efectuar uma aproximação ao conceito de Finanças Públicas, temos que, antes de mais, de o distinguir de um outro conceito com o qual muitas vezes é confundido: o de Finanças Privadas.

Por Finanças Privadas entendem-se todos os aspectos tipicamente monetários do financiamento da economia. As Finanças Públicas designam a actividade económica de um ente público, tendente a afectar bens à satisfação de necessidades que lhe estão confiadas.

De seguida, efectuaremos a distinção, de forma sucinta, entre Finanças Públicas e Finanças Privadas.

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2. ESTRUTURAS E INSTITUIÇÕES

2.1. O Sector Público e a sua Estrutura

A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 82º, consagra a coexistência de três sectores de propriedade dos meios de produção: No nº. 2 do referido artigo, é referido que o sector público é constituído pelos meios de produção cuja propriedade e gestão pertençam ao Estado ou a outras entidades públicas.

Compete ao Estado assegurar a plena utilização das forças produtivas, designadamente, zelando pela eficiência do sector público1 1 Alínea c) do art.º 81º da Constituição. .

Sousa Franco (1995) define o sector público como o conjunto das actividades económicas de qualquer natureza exercidas por entidades públicas (Estado, Associações e Instituições Públicas).

Pode esquematizar-se, do seguinte modo, a estrutura interna do Sector Público Português.

Quadro 1


As designações mais usadas e normalmente aceites, dos grandes subsectores são:

• Sector Público Administrativo

• Sector Empresarial do Estado

Na Administração Central deve destacar-se o conjunto constituído pelos serviços integrados ou "simples", subordinados ao Orçamento do Estado e abrangidos pela Conta Geral do Estado. Estes serviços são de diversas naturezas, abrangendo os próprios departamentos ministeriais e as suas unidades orgânicas (Direcções Gerais e outras unidades orgânicas da Administração), como outras entidades que podem chegar a ter personalidade jurídica, ainda que totalmente subordinadas, na previsão, na execução e no controlo, ao Orçamento do Estado.

2.1.1. A Administração Central

Na Administração Central existem ainda diversas entidades autónomas relativamente ao Orçamento do Estado.Podem ser Serviços Administrativos, que prestam toda uma gama de utilidades materiais, utilizando meios financeiros, ou Fundos Autónomos, quando se trata de serviços cuja actividade consiste exclusiva ou predominantemente na gestão de meios financeiros (monetários ou creditícios).

São exemplo da primeira categoria as Unidades Militares, Hospitais e Centros de Saúde, Universidades, a própria Assembleia da República.

Como exemplo da segunda, o Fundo de Abastecimento, que serviu para intervir nos preços de certos bens.

2.1.2 A Segurança Social

A Segurança Social assumiu autonomia e peso crescentes, pelo que constitui um subsector, em que as entidades integrantes dispõem de regime próprio e diferenciado.Trata-se de um subsector que já foi "para-orçamental", sendo designado de "para-finanças" (com base na falsa ideia de que não há finanças fora do orçamento estadual). Desde 1984 é orçamental, integrando a Lei do Orçamento do Estado, mas de modo diferenciado.

2.1.3 A Administração Local

Temos, depois, a Administração territorial (ou local), cuja actividade financeira é, fundamentalmente, exercida por órgãos autónomos, responsabilizados pela prossecução dos interesses de uma parcela da população territorialmente definida.

2.1.4 As Regiões Autónomas

As Regiões Autónomas (Açores e Madeira) são tratadas no título VII (art. 227º a 236º), da Constituição da República Portuguesa (CRP). São entidades de Direito Público, com poderes para administrar e dispor do seu património, exercer poder tributário próprio e aprovar o plano económico regional, o orçamento regional e as contas da região (alíneas h), e o) do artº. 229º).

2.1.5 O Sector Público Empresarial

Por fim, o Sector Público Empresarial é "constituído pelas empresas públicas e por outras empresas, cuja orientação, controlo, tutela e supervisão dependem do Governo e da Administração Central do Estado" (Franco, 1995).A sua unidade básica é a empresa pública (EP)2 2 A participação do Estado começa a ser cada vez menor. .

O Sector Público Administrativo é aquele onde incidirá mais o desenvolvimento do nosso trabalho.

2.2 As Formas de Autonomia

Para definir a liberdade e âmbito dos poderes financeiros das entidades públicas, usa-se e abusase da palavra autonomia.

Em termos gerais podemos definir autonomia como a medida de liberdade dos poderes financeiros das entidades públicas; ou, de outro modo, a capacidade financeira de uma pessoa ou órgão público. A autonomia tem diferentes graus. Para cada caso, a lei atribui ou delimita os diferentes fins de autonomia.

Segundo Marcelo Caetano (1991), autonomia administrativa "consistirá no poder conferido aos órgãos de uma pessoa colectiva de direito público de praticar actos administrativos definitivos, que serão executórios desde que obedeçam a todos os requisitos para tal efeito exigidos por Lei".

Para o mesmo autor, existe autonomia financeira "quando os rendimentos do património da pessoa colectiva e os outros que a Lei lhe permite cobrar, sejam considerados receita própria, aplicável livremente, segundo o orçamento privativo, às despesas ordenadas por exclusiva autoridade dos seus órgãos".

A autonomia financeira pode assumir diferentes modalidades. Assim, considerando as principais áreas da actividade financeira, podemos delimitar os diversos tipos de autonomia:

Autonomia Patrimonial - que tem como pressuposto a personalidade jurídica. É o poder de ter património próprio e/ou tomar decisões relativas ao património público no âmbito da lei.

Autonomia Orçamental - é o poder de ter orçamento próprio e gerir as correspondentes despesas e receitas, isto é, decidir com relação a elas.

Autonomia de Tesouraria - é o poder de gerir autonomamente os recursos monetários próprios, em execução ou não do orçamento3 3 Esta forma de autonomia é rara entre nós, pois a generalidade das Entidades dependem do Tesouro Público. .

Autonomia Creditícia - é o poder de contrair dívidas e responsabilizar-se pelo seu pagamento.

A propósito de autonomia, torna-se necessário distinguir três situações distintas:

- a dos serviços dependentes4 4 Não há entre nós, desde a recente reforma da Contabilidade Pública (Lei 8/90, de 20 de Fevereiro e Dec-lei nº 155/92, de 28 de Julho), serviços dependentes. Mas existem serviços com autonomia administrativa e serviços com autonomia administrativa e financeira, sendo aqueles a regra e estes, a excepção. - que são os que carecem de autonomia administrativa, pelo que não podem praticar actos definitivos e executórios, nomeadamente autorizar despesas e pagamentos.

- a dos serviços com autonomia administrativa, que são aqueles que podem praticar actos de gestão definitivos e executórios, entre os quais autorizar as respectivas despesas e os pagamentos, mas com créditos inscritos no Orçamento do Estado.

- a dos serviços com autonomia financeira, que são os que, além de gozarem de autonomia administrativa, dispõem de receitas próprias, o que lhes permite autorizar, com essas receitas, os pagamentos das despesas previstas no seu orçamento privativo.

3. O ORÇAMENTO DO ESTADO

A ideia de Orçamento do Estado não se afasta da do orçamento de qualquer particular, empresa ou família; isto é, trata-se, no essencial, de uma previsão da receita e da despesa de um determinado sujeito, durante um período económico dado.

Sousa Franco, define orçamento em finanças públicas como "uma previsão, em regra anual, das despesas a realizar pelo Estado e dos processos de as cobrir, incorporando a autorização concedida à Administração Financeira para cobrar receitas e realizar despesas e limitando os poderes financeiros da Administração em cada período anual".

De acordo com artº. 108º da Constituição, o Orçamento do Estado contém a discriminação das receitas e das despesas, incluindo a dos Fundos e Serviços Autónomos, e o Orçamento da Segurança Social. É elaborado em conformidade com as grandes opções do plano anual. É unitário e especifica as despesas, segundo a respectiva classificação económica, orgânica e funcional.

A proposta de orçamento (artº. 109º) é acompanhada por diversos relatórios, designadamente de previsões da evolução dos principais agregados macro-económicos com influência no Orçamento.

O Orçamento português é um orçamento anual, constituído por um conjunto de previsões de receitas e despesas, possui uma óptica de consumo, em que as verbas são distribuídas e controladas, segundo os consumos a realizar por cada organismo. No orçamento português é sempre assegurada a gestão de tesouraria.

Em Setembro de 1981, como forma de contenção das despesas públicas, à semelhança do que se faz noutros países, houve uma tentativa de elaborar o Orçamento na "base-zero", que todavia não se concretizou.

3.1 Conceitos

• Sob o ponto de vista genérico

Orçamento é a previsão das receitas que se irão cobrar e das despesas que se irão pagar durante um ano, de acordo com um determinado programa financeiro do Governo.

• Sob o ponto de vista político

Orçamento é a autorização da Assembleia da República para o Governo proceder à cobrança de receitas e realização de despesas.

• Sob o ponto de vista jurídico

A Assembleia da República aprova, através da Lei do Orçamento, as linhas gerais do Orçamento do Estado e as linhas fundamentais do Orçamento da Segurança Social5 5 Artº. 108º da Constituição da República Portuguesa. .

A Lei nº. 6/91, de 20 de Fevereiro - Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado - define as regras referentes ao Orçamento do Estado, os procedimentos para a sua elaboração, discussão, aprovação, execução, alteração e fiscalização, e a responsabilidade orçamental, bem como as regras referentes à conta Geral do Estado.6 6 Entretanto já revogada.

Porém, com a adesão de Portugal à União Económica e Monetária, surgiram novas necessidades de informação e de funcionamento das instituições, tendo sido aprovada uma nova lei de enquadramento orçamental. A Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto é a nova lei de enquadramento orçamental, que estabelece as disposições gerais e comuns de enquadramento dos orçamentos e contas de todo o sector público administrativo, bem como as regras e os procedimentos relativos à organização, elaboração, apresentação, discussão, votação, alteração e execução do Orçamento do Estado, incluindo o da segurança social, e a correspondente fiscalização e responsabilidade orçamental.

3.2. Os princípios e regras orçamentais:

• Anualidade - o Orçamento é anual.

• Unidade e universalidade - O orçamento é unitário, inclui todas as receitas e despesas dos serviços integrados, dos serviços e fundos autónomos, e do sistema de segurança social.

• Não compensação -Todas as receitas e despesas serão inscritas no orçamento pela importância integral, sem deduções.

• Não consignação - Não pode afectar-se o produto de quaisquer receitas à cobertura de determinadas despesas, salvo casos especiais, em que a lei expressamente o determina.

• Especificação - O Orçamento do Estado especificará suficientemente as receitas previstas e as despesas fixadas.

• Equilíbrio - Os orçamentos dos organismos do sector público administrativo prevêem as receitas necessárias para cobrir todas as despesas, tendo em conta as especificidades de cada subsector.

• Instrumentos de Gestão - Os organismos do sector público administrativo ficam sujeitos ao Plano Oficial de Contabilidade Pública, podendo recorrer a outros instrumentos de gestão e controlo, previstos na lei.

• Publicidade - O Governo deve publicitar todos os documentos que se revelem necessários a uma adequada divulgação e transparência do Orçamento do Estado e da sua execução.

Será inscrita no Orçamento do Ministério das Finanças uma dotação provisional destinada a fazer face a despesas não previsíveis e inadiáveis. O Governo deve apresentar à Assembleia da República, até 1 de Outubro de cada ano, a proposta de lei do Orçamento do Estado para o ano económico seguinte. A Assembleia da República deve votar a proposta de lei do Orçamento do Estado no prazo de 45 dias após a data da sua admissão.

O Plenário da Assembleia da República discute e vota na generalidade a proposta de lei do Orçamento do Estado. A discussão e a votação na especialidade decorre na comissão especializada permanente, cabendo ao Plenário a discussão e votação obrigatória na especialidade, sobre:

• a criação de impostos e o seu regime de incidência, taxas, isenções e garantias dos contribuintes;

• as alterações aos impostos vigentes, que versem sobre o respectivo regime de incidência, taxas, isenções e garantias dos contribuintes;

• a extinção de impostos;

• as matérias relativas a empréstimos e outros meios de financiamento.

Na fase de discussão e votação na especialidade da proposta de lei do Orçamento do Estado, podem ser objecto de avocação pelo Plenário da Assembleia da República, quaisquer matérias e podem ser realizadas audições nos termos gerais.

Em caso de prorrogação da vigência da Lei do Orçamento (rejeição da proposta de lei, tomada de posse do novo governo, caducidade da proposta de lei, não votação parlamentar da lei do Orçamento do Estado), que abrange o respectivo articulado e os correspondentes mapas orçamentais, bem como os desenvolvimentos e os decretos-leis de execução orçamental, a execução do orçamento das despesas obedece ao princípio da utilização por duodécimos das verbas fixadas nos mapas orçamentais. Durante o período transitório o Governo pode aprovar, por decreto-lei, as normas de execução orçamental que se revelem necessárias à disciplina e aplicabilidade desse regime.

O Decreto Orçamental7 7 A data de publicação deste diploma não é constante. , é o decreto-lei pelo qual o Governo põe em execução o Orçamento do Estado, devendo, para bom funcionamento e sempre que possível, o orçamento ser executado no início do ano económico a que se destina.

4. A REFORMA DA CONTABILIDADE PÚBLICA

No sentido de se efectuar uma reforma da Administração Financeira do Estado e da própria Contabilidade Pública, foram publicados diversos diplomas, cujo início teve lugar com a publicação da Lei nº 8/ 90, de 20 de Fevereiro - Lei de Bases da Contabilidade Pública.

Seguiram-se-lhe a Lei n.º 6/91, de 20 de Fevereiro - Lei de Enquadramento do Orçamento do Estado (referida no ponto anterior) e o decreto-lei nº 155/92, de 28 de Julho - Regime de Administração Financeira do Estado.

Este decreto-lei, que no seu preâmbulo começa por referir "...finaliza a arquitectura legislativa da reforma orçamental e de contabilidade pública...", é um diploma de especial relevância, pois vem substituir 31 diplomas fundamentais, que vão desde a 3ª. Carta de Lei, de 1908, até ao presente.

Efectivamente, o DL nº 155/92, de 28 de Julho introduz melhorias, no nível da realização e pagamento das despesas, que deixam de estar sujeitas ao sistema de autorização prévia pela Direcção Geral da Contabilidade Pública8 8 A sua actual designação é Direcção Geral do Orçamento. , define os sistemas de contabilidade dos organismos públicos, onde a falta de uma contabilidade de compromissos impedia uma verdadeira gestão orçamental e um adequado controlo.

Ao possibilitar o pagamento das despesas públicas através de transferência bancária ou crédito em conta, abandonando o sistema de tesourarias privativas, aumenta as possibilidades para uma gestão integrada da dívida pública.

O referido diploma consagra um novo sistema de controlo de gestão, por forma a conciliar as exigências da autonomia, a par da necessidade de um rigoroso controlo.

A Resolução nº 1/93, do Tribunal de Contas, de 21 de Janeiro, veio disciplinar a forma de apresentação de contas, por parte dos organismos dotados de autonomia administrativa e financeira.

As Instruções nº 2/97 2ª. S, do Tribunal de Contas, de 3 de Março, são as "Instruções para a organização e documentação das contas dos serviços e organismos da Administração Pública (regime geral, autonomia administrativa)", integrados no novo Regime de Administração Financeira do Estado.

Os normativos antes referidos fazem parte da designada Reforma da Administração Financeira do Estado e da Contabilidade Pública.

4.1 Objectivos da reforma da Contabilidade Pública

A Contabilidade Pública é entendida como o "Conjunto de normas e preceitos legais que orientam a efectivação e escrituração das receitas e despesas públicas".9 9 Dr. Aureliano Felismino, Ex-Director-Geral da Contabilidade Pública.

Pode dizer-se que os principais objectivos da Reforma da contabilidade Pública são os seguintes:

• modernização administrativa;

• divulgação de técnicas de gestão pública;

• maior transparência administrativa;

• formulação de políticas públicas;

• avaliação de políticas públicas;

• redução do peso relativo do Estado;

• redução estrutural do défice do Orçamento do Estado;

• diminuição da rigidez da despesa.

4.2 Razões da Reforma

As principais razões da Reforma da Contabilidade Pública são as seguintes:

- importância da Contabilidade Pública na implementação de políticas Públicas;

- contribuição da Contabilidade Pública para a reforma do sistema administrativo;

- desconcentração administrativa;

- redução do número de serviços autónomos;

- melhor cumprimento dos princípios e regras orçamentais;

- criação de um sistema de informação para gestão;

- criação de novos sistemas de contabilidade.

4.3 Âmbito da Reforma

No âmbito da reforma poderão equacionar-se diversos pressupostos, como os que a seguir indicamos, e dignos de especial ênfase.

- regime financeiro da administração central;

- gestão da administração central;

- princípios gerais relativos a receitas e despesas;

- processo de efectivação das despesas;

- escrituração das receitas e despesas;

- contas Públicas;

- sistematização das normas orçamentais com as da União Européia.

No processo de Reforma da Contabilidade Pública, não podemos deixar de referir as principais vantagens, no processo de mudança operado.

No nível da decisão e responsabilidade → Mais concentrada nos dirigentes.

Quanto à informatização → ela permite:

- um melhor controlo das despesas públicas;

- uma maior celeridade, nos processamentos e pagamentos;

- uma maior segurança;

- maior uniformidade nos procedimentos.

No que se prende com a Tesouraria do Estado e Dívida Pública, temos:

- uma gestão descentralizada do Tesouro;

- uma gestão correcta da Tesouraria do Estado.

De referir, que o endividamento por parte do Estado será, necessariamente, inferior a partir do momento em que uma parte dos serviços deixar de elaborar requisições de fundos, ou seja, diminuirá o encargo do Estado referente a juros de empréstimos.

Quanto ao Património do Estado, teremos:

- uma gestão centralizada do património;

- conhecimento do património do Estado, facilitado pelo recurso aos sistemas de tratamento da informação.10 10 Sobre esta matéria foi aprovada a Portaria n.º. 378/94, de 16 de Junho (CIME) e a Portaria nº 671/2000, de 17 de Abril (CIBE). A primeira já foi entretanto revogada.

Relativamente aos Recursos Humanos, permitirá:

- uma gestão centralizada dos Recursos Humanos;

- um melhor acesso a indicadores (Balanço Social).

É importante sublinhar que a Reforma da Administração Financeira do Estado e da Contabilidade Pública tem, entre outros, como objectivos uma maior responsabilidade dos dirigentes pela gestão que praticam, em termos qualitativos. Possibilita, ainda, aos referidos dirigentes verem alargadas as suas competências, em matéria de recursos financeiros, materiais e organizativos.

Há que ter em conta que a reforma permite dotar a administração central de uma maior estabilidade temporal e orgânica, para além de incentivar a plurianualidade da programação das actividades.

De salientar, que para serem integrados na nova reforma, os serviços deverão reunir os condicionalismos necessários para esse efeito e a sua passagem carece de despacho conjunto do Ministro das Finanças e da Tutela.

5. OS SISTEMAS CONTABILÍSTICOS APLICADOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

5.1 Perspectiva Tradicional

Contabilidade do Sector Público e Contabilidade Pública, não pode dizer-se que sejam termos equivalentes. De facto, como iremos verificar, nem toda a Administração Pública utiliza a Contabilidade Pública.

Neste ponto, quando nos referimos à Contabilidade Pública, referimo-nos ao sistema de contabili dade de registo unigráfico.

5.1.1 Sector Empresarial do Estado

O Sector Empresarial do Estado utiliza Plano Oficial de Contabilidade (POC) ou planos de contabilidade específicos (como o bancário ou o segurador), conforme prevê a alínea d) do art.º 2º. Do decreto-lei n.º 410/89, de 21 de Novembro11 11 Aprova o Plano Oficial de Contabilidade. , que torna o POC obrigatório para as empresas públicas.

5.1.2 Segurança Social

Embora fazendo parte do sector público administrativo, a Segurança Social utiliza o POC, convenientemente adaptado. O Plano de Contas das Instituições de Segurança Social (PCISS) foi aprovado pelo decreto-lei n.º 24/88 de 29 de Janeiro.

No preâmbulo deste diploma, encontra-se a seguinte referência:"Conjugando a prática contabilística desde sempre existente no sector (contabilidade digráfica) com as orientações em vigor no sector público administrativo (contabilidade orçamental), o PCISS reflecte, ainda que com as necessárias adaptações, os princípios, estrutura e conceitos adoptados no Plano Oficial de Contabilidade...".

5.1.3. A Administração Local

No que se prende com a contabilidade, a Administração Local dispõe de legislação própria. Efectivamente, a Lei das Finanças Locais - Lei nº 1/ 8712 12 A actual lei das finanças locais é a Lei nº 42/98, de 6 de Agosto determina no art.º 24º que a "contabilidade das autarquias locais tem como finalidade a sua uniformização, normalização e simplificação, de modo a constituir um instrumento de gestão económico-financeiro e permitir apreciar e julgar a execução orçamental e patrimonial. À contabilidade dos serviços municipalizados e das empresas municipais e intermunicipais será aplicado o Plano Oficial de Contabilidade, com as adaptações que se imponham. A contabilidade das freguesias pode limitar-se ao simples registo de receitas e despesas..."13 13 O Decreto-Lei nº 226/93, de 22 de Junho, aprova o plano de contas aplicável à contabilidade dos serviços municipalizados e federações de municípios

Com a publicação do decreto-lei n.º. 341/83, de 21 de Julho, é aprovado o modelo orçamental e contabilístico da Administração Local, regulamentando o plano de actividades das autarquias locais, bem como o orçamento, o relatório de actividades e a conta de gerência. A contabilidade praticada na administração local é uma contabilidade orçamental de registo unigráfico.

5.1.4 Administração Central e Regional

Também a Administração Central, tal como a Administração Regional, utilizam, em regra, o sistema tradicional -unigráfico -, da contabilidade pública.

Porém, existem serviços e fundos autónomos que utilizam planos de contas adaptados do POC.

Temos como exemplo o IEFP- Instituto de Emprego e Formação Profissional, que adoptou o POC e utiliza uma tripla classificação das despesas: orçamental, por natureza e analítica.

Os sistemas de contabilidade e escrituração são os seguintes:

- Serviços dotados de autonomia administrativa:

- contabilidade de caixa;

- contabilidade de compromissos, resultantes das obrigações assumidas;

- contabilidade analítica.

A Contabilidade de caixa consiste no registo por actividades e por dotações orçamentais, de todas as importâncias dos créditos libertados e dos respectivos pagamentos.

A Contabilidade de compromissos e encargos assumidos consiste no lançamento das obrigações constituídas, com indicação da respectiva rubrica de classificação económica.

A Contabilidade analítica consiste no acompanhamento e avaliação dos resultados da gestão.

-Serviços dotados de autonomia administrativa e financeira:

Os serviços dotados de autonomia administrativa e financeira, e no que se prende com a contabilização das receitas e das despesas, utilizam um sistema de contabilidade que será digráfico:

- moldado no POC;

- no plano de contas aplicável às Instituições bancárias (PCSB);

- noutro plano de contas oficial aplicável.

O Plano de Contas adoptado deverá ser articulado com classificação das receitas e despesas públicas.

Os serviços autónomos deverão possuir ainda uma contabilidade analítica que possibilite a avaliação dos resultados da gestão.

De acordo com o art.º 216º da Constituição da República Portuguesa, as contas públicas são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas. Trata-se, portanto, do órgão supremo da fiscalização da legalidade das despesas públicas e de julgamento das contas, ao qual compete emitir parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE), incluindo a da Segurança Social. É igualmente da sua competência zelar pela boa aplicação dos dinheiros públicos, ou seja, a exigência de responsabilidades por infracções financeiras.

5.1.5 A Prestação de Contas

Como princípio fundamental do Direito Financeiro moderno, temos a responsabilidade pela gestão, isto é, todos os gestores de dinheiros, fundos ou outros valores públicos devem prestar contas, do início ao termo do exercício das funções ou por gerência/exercícios anuais. Devem, por meio dessa mesma prestação de contas, ser prestados todos os esclarecimentos e elementos (de facto ou de direito) e respondem perante uma entidade com poder para lhes tomar contas, declarando-os quites (ou seja, fiéis e livres de encargos), credores ou devedores do Estado, aplicando sanções, se a isso houver lugar (Franco, 1995: 468).

Nesta medida, a responsabilidade constitui um dever e uma sujeição de quem, por inerência das respectivas funções, foram confiados dinheiros públicos, por liquidarem e cobrarem receitas, ou por autorizarem, conferirem ou pagarem despesas.

O Tribunal de Contas é o órgão julgador, e o Estado, através da Fazenda Nacional, é o titular dos fundos confiados, objecto da prestação de contas.

A responsabilidade pela gestão tem um conteúdo específico de Direito Financeiro: a prestação de contas por todos os responsáveis para com a Fazenda Nacional.

Neste sentido, todos os civis ou militares, por gerirem cofres ou disporem de fundos de qualquer natureza - contáveis, exactores, tesoureiros ou pagadores, ou quaisquer responsáveis que estejam encarregados de gerir dinheiros ou outros activos do Estado estão obrigados a prestar contas .

Os normativos em vigor para a prestação de contas aprovados em sequência da RAFE são:

- Para os serviços dotados de autonomia administrativa:

• As instruções n.º. 2/97, de 3 de Março

São documentos de prestação de contas:

- a Conta de Gerência;

- o Mapa comparativo entre a despesa orçamentada e a despesa paga;

- relações de documentos de despesas (pessoal e outros);

- relação de bens inventariáveis; -relação dos contratos; -outros.

- Para os serviços dotados de autonomia administrativa e financeira:

• A Resolução n.º. 1/93, de 21 de Janeiro

São os seguintes os documentos de prestação de contas necessários:

- relatório de actividades;

- conta dos fluxos de tesouraria para integração na Conta Geral do Estado;

- balanço analítico;

- demonstração de resultados líquidos;

- anexos ao balanço e à demonstração de resultados líquidos;

- parecer do órgão fiscalizador.

Os documentos de prestação de contas serão remetidos ao Ministério das Finanças e ao Tribunal de Contas até 15 de Maio, conforme se prevê no n.º 4 do art.º 52 da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto14 14 Anteriormente o prazo para apresentação das contas ao Tribunal de Contas era 31 de Maio. .

5.2 Perspectiva Actual

Em consequência de nomeação governamental, foi constituído um grupo de trabalho, cujo objectivo era a elaboração de um projecto de Plano de Contas Público, perspectivando para os serviços públicos uma contabilidade patrimonial, digráfica, a exemplo do sucedido noutros países. Este objectivo foi atingido com a publicação do decreto-lei nº 232/97, de 3 de Setembro, que aprova o Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), que abordaremos de seguida.

5.2.1 O Plano Oficial de Contabilidade Pública (D.L. Nº 232/97, de 3 de Setembro)

Com a publicação do DL nº 232/97, de 3 de Setembro é aprovado O Plano Oficial de Contabilidade Pública (POCP), que "constitui um passo fundamental na reforma da administração financeira do Estado e das contas públicas", pois permite o acesso a um sistema de contas adequado às necessidades de uma administração pública moderna, assumindo, assim, um significado histórico.

A contabilidade pública tradicional não foi suporte suficiente para as necessidades de informação contabilística que hoje se exigem, por outro lado foram desenvolvidas novas técnicas de gestão, o que levou alguns organismos da administração pública a aplicarem planos de contas moldados no POC - Plano Oficial de Contabilidade, originando dificuldades no controlo da regularidade financeira e na execução orçamental.

O novo regime de administração financeira do Estado, a que neste trabalho já tivemos oportunidade de aludir, exige a uniformização dos requisitos contabilísticos, nomeadamente, quanto à contabilidade de compromissos e contabilidade de caixa, visando a uma correcta administração dos recursos financeiros. Isto é, a realização de despesas públicas deve ter em conta os requisitos de economia, eficiência e eficácia, além da conformidade legal e regularidade financeira.

Neste contexto, o POCP visa à criação das condições necessárias para a integração dos diferentes aspectos, como sejam, a contabilidade orçamental, patrimonial e analítica, numa contabilidade pública moderna, capaz de responder às necessidades da gestão e constituir um instrumento fundamental de apoio às entidades públicas e à sua avaliação.

O POCP pode constituir um poderoso instrumento de apoio aos gestores e deverá permitir o controlo financeiro e a disponibilização de informação aos possíveis interessados. Além disso, permite o acompanhamento da execução orçamental, a obtenção atempada de elementos, com vista ao cálculo de grandezas, numa óptica de contabilidade nacional e o acesso à informação sobre a situação patrimonial de cada organismo.

O POCP aplica-se obrigatoriamente a todos os serviços e organismos da administração central, regional e local, que não confiram a natureza, forma e designação de empresa pública, bem como à segurança social. Aplica-se igualmente às organizações de direito privado, sem fins lucrativos, cujas receitas sejam provenientes, na sua maioria, do Orçamento do Estado.

Para as autarquias locais, as normas e as adaptações do POCP serão estabelecidas por decreto-lei.

Este Plano abrange a contabilidade orçamental e patrimonial e, atendendo à especificidade do sector público e à inexperiência de aplicação de um plano de contabilidade, engloba a explicitação detalhada da movimentação das contas orçamentais. A introdução da Classe 0 para a execução da contabilidade orçamental constitui um dos passos significativos de aplicação do POCP, pois disponibilizará informação atempada sobre a situação e execução do orçamento afecto a cada Entidade/Serviço.

O decreto-lei que aprova o POCP prevê a sua entrada em vigor 60 dias após a sua publicação (portanto, 3 de Novembro). Esta data, embora represente o início da vigência do plano, não coincide com a data de aplicação do mesmo. Vários passos foram dados, entretanto. Foi publicado o decreto-lei nº 68/ 98, de 20 de Março, que aprova a orgânica da Comissão de Normalização Contabilística da Administração Pública (CNCAP), constituída por uma comissão executiva e por um conselho de normalização contabilística, aos quais cabe coordenar a aplicação e aperfeiçoamento do POCP (Comissão) e coordenar a aplicação sectorial do referido Plano (Conselho). Foi publicada a Portaria nº 116/99 (2ª série), de 10 de Fevereiro, que aprova a orientação nº 1/1998 - orientação genérica. Foi igualmente publicada a Portaria nº 117/99 (2ª série), de 10 de Fevereiro, que procede à aprovação do regulamento interno dos órgãos da CNCAP, a qual tem procedido à emissão de orientações sobre a correcta aplicabilidade do POCP.

Todavia, outras razões são também de apontar e que fundamentam esta não adopção imediata do plano. Em nossa opinião, prendem-se com a falta de recursos das instituições - humanos, materiais e financeiros -, além da sempre presente resistência à mudança.

5.2.2 Os Planos Sectoriais

A dimensão de alguns sectores da administração pública, aliada à especificidade dos seus organismos, fez sentir a necessidade de serem aprovados planos sectoriais, alguns dos quais ainda se encontram em fase de implementação.

Para o sector autárquico foi aprovado o Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL), pelo decreto-lei n.º 54-A/99, de 22 de Fevereiro. É o primeiro plano sectorial a ser aprovado, o qual, sendo de estrutura muito semelhante ao POCP, apresenta, todavia, alguns aspectos distintos deste. Assim, como inovações deste plano destacam-se o controlo interno, os princípios orçamentais, as regras previsionais, a classificação funcional e económica. A aplicação do sistema contabilístico previsto no POCAL vai facultar às autarquias locais a elaboração de instrumentos que permitem avaliar os resultados da gestão.

Para o sector da educação, foi publicado outro plano sectorial: o Plano Oficial de Contabilidade para o Sector da Educação (POC-Educação), aprovado pela Portaria 794/2000, de 20 de Setembro. A exemplo do plano referido anteriormente, também este apresenta algumas especificidades em face do POCP. Destacase o princípio da substância sobra a forma, que embora não se encontre definido é utilizado na contabilização dos bens adquiridos em regime de leasing e na cedência de imobilizado com horizonte temporal de retorno. Por outro lado, prevê-se a constituição de provisões nas situações a que estejam associados riscos.

Porém, apresenta-se como novidade do POC-Educação a consolidação de contas e consequente apresentação de demonstrações financeiras consolidadas: Balanço consolidado, Demonstração dos Resultados consolidados, anexo ao Balanço e Demonstração dos Resultados consolidados, recomendando-se também a elaboração da Demonstração dos Fluxos de Caixa.

Mas nem só as autarquias locais e o sector educacional foram contemplados com um plano sectorial. Também o sector da saúde viu, em 28 de Setembro de 2000, aprovado o Plano Oficial de Contabilidade do Ministério da Saúde (POCMS), através da Portaria 898/2000. Trata-se de outro plano Sectorial no âmbito do POCP. Prevê, também, a criação de provisões a que estejam associados riscos, nomeadamente, a provisão para cobranças duvidosas, para dívidas de terceiros que estejam em mora há mais de um ano, cujo risco de incobrabilidade seja justificado, exceptuadas as dívidas de entidades públicas. Neste plano, a contabilidade analítica é de aplicação obrigatória nas instituições do Serviço Nacional de Saúde para as quais exista um plano de contabilidade analítica. A existência de um sistema de controlo interno nas entidades a ele obrigadas não foi descurada neste plano, como também não o foi nos dois anteriormente mencionados.

No entanto, a consolidação de contas prevista no número 12 do POCMS será objecto de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Saúde, ouvida a CNCAP, onde serão estabelecidas as referidas normas de consolidação.

Aguarda-se a publicação do diploma que aprovará o Plano de Contas para a Segurança Social (POCISS). Com a aprovação deste plano sectorial pretende-se dar satisfação a um conjunto de carências em matéria de informação contabilística no sector, pois há muito que é sentida a necessidade de reformular o ainda em vigor Plano de Contas das Instituições de Segurança Social - PCISS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/88, de 29 de Janeiro, por já não responder às crescentes exigências dos utilizadores. A publicação deste novo plano sectorial já acolhe os princípios contidos na nova Lei de Bases da Segurança Social (Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto).

Em face do que se expôs, uma coisa é certa: a normalização contabilística no sector público (excluindo as empresas públicas) começa a ser uma realidade com a qual as instituições têm de lidar, em que o POCP é o "actor" por excelência. Conforme foi dito, devido a especificidades intrínsecas de alguns sectores, aprovaram-se planos sectoriais específicos, que melhor respondam às exigências dos utilizadores, não sendo ainda do conhecimento público se outros planos sectoriais irâo surgir entretanto.

5.2.3 A Prestação de Contas

Em matéria de prestação de contas, o POCP define um modelo de apresentação de contas que, na medida do possível, se aproxima do sector empresarial. Prevê que sejam elaborados o Balanço, a Demonstração de Resultados, o Mapa dos Fluxos de Caixa, Controlo orçamental - Despesas, Controlo orçamental - Receitas, cujo objectivo principal é a obtenção da imagem fiel do património, da situação financeira, da execução do orçamento e do resultado económico-patrimonial da entidade que presta as contas. Encontra-se também prevista no POCP a inclusão de elementos destinados à caracterização geral da entidade, bem como o Anexo ao Balanço e à Demonstração de Resultados.

Sendo o Tribunal de Contas o Organismo com poderes jurisdicionais sobre as entidades públicas, é natural que, conforme foi feito no passado, venha a emitir instruções para a prestação de contas em seqüência da aplicação do POCP e respectivos planos sectoriais.

6. CONCLUSÕES

Ao longo deste trabalho, procurou-se dar uma visão sobre a administração pública portuguesa, a forma como se encontra estruturada, o orçamento estadual, os serviços existentes e os sistemas contabilísticos adoptados.

Procurou-se descrever a contabilidade existente nos diferentes sectores da administração pública; porém, constatou-se que existe uma mudança significativa na gestão pública em Portugal. De facto, deixa de se atender apenas aos critérios eminentemente legais, para se exigir o cumprimento de indicadores como a economia, a eficiência e a eficácia.

Sublinha-se, com apreço, a aprovação do Plano Oficial de Contabilidade Pública (e respectivos planos sectoriais existentes), pois além de um poderoso instrumento de gestão, dá início à normalização contabilística no sector público administrativo, com os correspondentes benefícios daí decorrentes, como, de resto, já sucedeu no sector privado.

Espera-se que a plena adopção do POCP represente uma melhoria significativa da informação contabilística no sector público não empresarial e que se torne possível efectuar operações de consolidação, de forma automática, até aqui não concretizáveis.

Outros Países, como a vizinha Espanha, por exemplo, já dispõem de um Plano de Contas para o Sector Público - O Plan General de Contabilidad Publica - há longos anos.

Recebido em 19.11.01

Aceito em 18.02.03

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  • 1
    Alínea c) do art.º 81º da Constituição.
  • 2
    A participação do Estado começa a ser cada vez menor.
  • 3
    Esta forma de autonomia é rara entre nós, pois a generalidade das Entidades dependem do Tesouro Público.
  • 4
    Não há entre nós, desde a recente reforma da Contabilidade Pública (Lei 8/90, de 20 de Fevereiro e Dec-lei nº 155/92, de 28 de Julho), serviços dependentes. Mas existem serviços com autonomia administrativa e serviços com autonomia administrativa e financeira, sendo aqueles a regra e estes, a excepção.
  • 5
    Artº. 108º da Constituição da República Portuguesa.
  • 6
    Entretanto já revogada.
  • 7
    A data de publicação deste diploma não é constante.
  • 8
    A sua actual designação é Direcção Geral do Orçamento.
  • 9
    Dr. Aureliano Felismino, Ex-Director-Geral da Contabilidade Pública.
  • 10
    Sobre esta matéria foi aprovada a Portaria n.º. 378/94, de 16 de Junho (CIME) e a Portaria nº 671/2000, de 17 de Abril (CIBE). A primeira já foi entretanto revogada.
  • 11
    Aprova o Plano Oficial de Contabilidade.
  • 12
    A actual lei das finanças locais é a Lei nº 42/98, de 6 de Agosto
  • 13
    O Decreto-Lei nº 226/93, de 22 de Junho, aprova o plano de contas aplicável à contabilidade dos serviços municipalizados e federações de municípios
  • 14
    Anteriormente o prazo para apresentação das contas ao Tribunal de Contas era 31 de Maio.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jun 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Recebido
      19 Nov 2001
    • Aceito
      18 Fev 2003
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