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Governança corporativa e a reação do mercado de capitais à divulgação das informações contábeis

Corporate governance and capital markets' reaction to financial statement disclosure

Resumos

Este artigo investiga, através de um estudo de eventos, se a divulgação das informações contidas nas demonstrações financeiras, anuais e trimestrais, das empresas de capital aberto com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) afeta igualmente as empresas em geral e aquelas com sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa. Foram analisadas 3.682 observações coletadas durante o período 1995-2002, representando as empresas com maior liquidez na Bovespa. Oito subamostras foram extraídas da amostra total, com a finalidade de verificar a reação dos investidores em relação à divulgação das demonstrações financeiras desses diferentes segmentos de empresas. Os resultados empíricos revelam que os investidores reagem de forma diferenciada a alguns sinalizadores de boas práticas de governança corporativa das empresas. Foi possível perceber retornos anormais significativos apenas em duas subamostras (empresas pontuais na divulgação das suas demonstrações financeiras e empresas privadas) em relação aos seus pares (empresas que atrasaram a divulgação das suas demonstrações financeiras e empresas estatais).

Evidenciação; Eficiência de Mercado; Governança Corporativa; Estudo de Evento; Mercados Emergentes


This study investigates whether disclosure of companies' financial statements influences the market pricing of their stocks by employing an event study in the Brazilian stock market. Also, it examines whether market reaction to the information contained in the financial statements is different for firms which signal good corporate governance practices in comparison with firms in general. The study comprises 3,682 observations of 255 firms over an 8-year period (1995-2002), representing the most liquid stocks listed in the Sao Paulo Stock Exchange (Bovespa). Eight subsamples are segmented from the "Total" sample, with the purpose of investigating investors' reaction to different types of firms. Empirical results indicate that investors react differently to firms that show some signs of good corporate governance practices. Significant abnormal returns are found for only two sub-samples (firms with timely financial statement disclosure and privately-owned firms) in relation to their peers (firms that delayed disclosure of their financial statements and state-owned firms).

Disclosure; Market Efficiency; Corporate Governance; Event Study; Emerging Markets


Governança corporativa e a reação do mercado de capitais à divulgação das informações contábeis** Artigo originalmente apresentado no XXVIII EnANPAD, Curitiba-PR, 2004.

Corporate governance and capital markets' reaction to financial statement disclosure

Paulo Renato Soares TerraI; João Batista Nast de LimaII

IProfessor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - RS. E-mail: prsterra@ea.ufrgs.br

IIProfessor Adjunto do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas do Centro Universitário Feevale - RS. E-mail: jnast@feevale.br

RESUMO

Este artigo investiga, através de um estudo de eventos, se a divulgação das informações contidas nas demonstrações financeiras, anuais e trimestrais, das empresas de capital aberto com ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) afeta igualmente as empresas em geral e aquelas com sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa. Foram analisadas 3.682 observações coletadas durante o período 1995-2002, representando as empresas com maior liquidez na Bovespa. Oito subamostras foram extraídas da amostra total, com a finalidade de verificar a reação dos investidores em relação à divulgação das demonstrações financeiras desses diferentes segmentos de empresas. Os resultados empíricos revelam que os investidores reagem de forma diferenciada a alguns sinalizadores de boas práticas de governança corporativa das empresas. Foi possível perceber retornos anormais significativos apenas em duas subamostras (empresas pontuais na divulgação das suas demonstrações financeiras e empresas privadas) em relação aos seus pares (empresas que atrasaram a divulgação das suas demonstrações financeiras e empresas estatais).

Palavras-chave: Evidenciação; Eficiência de Mercado; Governança Corporativa; Estudo de Evento; Mercados Emergentes.

ABSTRACT

This study investigates whether disclosure of companies' financial statements influences the market pricing of their stocks by employing an event study in the Brazilian stock market. Also, it examines whether market reaction to the information contained in the financial statements is different for firms which signal good corporate governance practices in comparison with firms in general. The study comprises 3,682 observations of 255 firms over an 8-year period (1995-2002), representing the most liquid stocks listed in the Sao Paulo Stock Exchange (Bovespa). Eight subsamples are segmented from the "Total" sample, with the purpose of investigating investors' reaction to different types of firms. Empirical results indicate that investors react differently to firms that show some signs of good corporate governance practices. Significant abnormal returns are found for only two sub-samples (firms with timely financial statement disclosure and privately-owned firms) in relation to their peers (firms that delayed disclosure of their financial statements and state-owned firms).

Keywords:Disclosure; Market Efficiency; Corporate Governance; Event Study; Emerging Markets.

1 INTRODUÇÃO

La Porta et al. (1998) destacam o relevante papel da contabilidade na governança corporativa, uma vez que os investidores se utilizam, entre outros instrumentos, das demonstrações financeiras para compor suas expectativas acerca da empresa na qual mantêm interesses. Nesse cenário, percebe-se a importância da qualidade dos padrões contábeis, bem como das próprias demonstrações financeiras, visto que essas auxiliam a redução das assimetrias informacionais no mercado de capitais. Na mesma linha, Shleifer e Vishny (1997) ressaltam o papel fundamental da contabilidade na governança corporativa uma vez que boa parte dos contratos de incentivos entre gestores e acionistas se baseia em medidas contábeis da companhia.

A maioria dos estudos empíricos sobre governança corporativa no Brasil (e.g. Valadares e Leal, 2000) dedicase à análise do conflito de agência entre acionistas controladores e acionistas minoritários. Contudo, menos atenção tem sido dedicada aos efeitos que a divulgação das informações contábeis e financeiras das companhias provoca no mercado de capitais.

Nesse contexto, este estudo se propõe a investigar se o mercado de capitais brasileiro reage de maneira diferente à divulgação das demonstrações financeiras trimestrais e anuais (ITR e DFP) na precificação das ações de empresas que apresentem sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa e que tenham suas ações negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA.

Este trabalho contribui para a literatura de diversas for-mas: primeiramente, por utilizar dados diários para a mensuração do impacto da divulgação das demonstrações nos preços das ações. Além disso, as empresas que compõem cada janela de evento foram selecionadas dentre aquelas com as ações mais negociadas a cada trimestre, assegurando o maior número possível de observações para cada evento. Finalmente, a amostra total foi segmentada de acordo com sinalizadores de governança corporativa para verificar o efeito diferenciado que essa pode ter sobre o mercado de capitais.

As principais conclusões deste estudo demonstram que o mercado reage diferentemente à divulgação das demonstrações financeiras no que tange à natureza do controle do capital (estatal versus privado) e no que tange à pontualidade da divulgação das demonstrações financeiras. O tamanho da empresa, a sua adesão às regras de governança da Bovespa e a emissão de ADR não produzem uma reação diferenciada significativa por parte do mercado.

O artigo está estruturado da seguinte forma: na próxima seção é apresentada uma breve revisão da literatura acerca do referencial teórico utilizado. A seção 3 detalha o método de pesquisa (estudo de evento), as variáveis utilizadas e os testes estatísticos. Nas seções 4 e 5 encontram-se, respectivamente, as análises dos resultados e as conclusões do estudo.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

Jensen e Meckling (1976) definem uma relação de agência como sendo um contrato no qual uma ou mais pessoas (o principal) engajam outra pessoa (o agente) para desempenhar alguma tarefa em seu favor, envolvendo a delegação de autoridade para a tomada de decisões pelo agente. Considerando que ambas as partes são maximizadoras da sua própria utilidade, é presumível que eventualmente o agente agirá em seu próprio benefício, a fim de maximizar o seu bem-estar. Dessa conturbada, mas necessária relação, surgem os custos de agência, que representam os gastos do principal com o monitoramento das atividades do agente.

Além do problema de agência entre gestores e acionistas, a presença de assimetrias informacionais, também, estimula a expropriação de riquezas do acionista. De acordo com Akerlof (1970), a assimetria de informações pode ser caracterizada como a situação na qual partes de uma transação não possuem toda a relevante informação necessária para averiguar se os termos do arranjo que está sendo proposto são comumente aceitáveis e serão implementados, bem como para avaliar a performance individual dos envolvidos.

Dessa forma, em um ambiente de equilíbrio, ou informações simétricas, no qual todas as partes envolvidas em uma transação pudessem estabelecer contratos completos, a governança corporativa teria papel nulo (ZINGALES, 1997). Portanto, a governança corporativa pode ser percebida como uma resposta às assimetrias informacionais e contratuais.

As discussões sobre governança corporativa são recentes tanto no meio acadêmico como empresarial. Carlsson (2001) comenta que, a partir da década de 90, o termo governança corporativa tem se tornado familiar ao público em geral. De acordo com Zingales (1997) o termo governança está associado com o exercício da autoridade, direção e controle. Entretanto, essa definição é passível de questionamento, pois se contrapõe aos preceitos de um ambiente econômico de livre mercado. Procurando dirimir essa ambigüidade, Zingales (1997, p.4) define governança da seguinte forma:

governance system is the complex set of constraints that shape the ex-post bargaining over the quasi-rents generated by a firm.

Conceitualmente, governança corporativa está, intrinsecamente, ligada aos mecanismos ou princípios que governam o processo decisório dentro de uma empresa. Nessa perspectiva, o Cadbury Report (1992) define governança corporativa como o sistema pelo qual as companhias são dirigidas e controladas, colocando os conselheiros de administração no centro de qualquer discussão. De fato, o conselho de administração é a essência de qualquer sistema de boa governança corporativa, devendo zelar pela integridade, transparência e prestação de contas da companhia e de sua gestão, incluindo a supervisão e orientação da Diretoria.

No que tange à perspectiva da proteção dos credores, Shleifer e Vishny (1997) comentam que governança corporativa trata dos mecanismos pelos quais os fornecedores de capitais se asseguram para obter um retorno adequado para os seus investimentos. A proteção aos minoritários, por sua vez, é uma questão central para a governança corporativa, uma vez que o efetivo desenvolvimento do mercado de capitais e os financiamentos de novos projetos das empresas deveriam, em tese, ter no acionista minoritário uma alternativa acessível de captação de recursos.

Portanto, é possível sintetizar que governança corporativa no âmbito societário consiste em um processo que visa garantir o correto relacionamento entre credores, acionistas minoritários, acionistas controladores e gestores de uma empresa, maximizando, dessa forma, o seu valor e o retorno aos acionistas. O desafio da governança corporativa consiste em estabelecer mecanismos que alinhem, efetivamente, os interesses dos diversos atores envolvidos nas corporações, sejam eles acionistas, gestores, empregados, credores etc. A convergência desses interesses objetiva, em última análise, a maximização da riqueza dos acionistas.

O ambiente institucional, no qual as empresas estão inseridas, molda o seu sistema de governança corporativa. Shleifer e Vishny (1997) constatam que os distintos modelos de governança corporativa ao redor do mundo têm relação direta com o grau de evolução do sistema financeiro e legal. Os autores evidenciaram que, em países menos desenvolvidos, a suas práticas de governança são quase que inexistentes.

Segundo Shleifer e Vishny (1997), os grandes investidores representam seus próprios interesses, que não necessariamente coincidem com os interesses dos outros investidores da empresa ou com os interesses dos gestores ou empregados. De forma geral, os custos potenciais de se ter grandes acionistas são a expropriação direta sobre os outros investidores, gerentes e empregados, e a expropriação pela ineficiência resultante da busca de objetivos pessoais nãomaximizadores de valor. La Porta, Shleifer e Lopez-de-Silanes (1999) comentam que a concentração de propriedade parece ser um mecanismo importante para assegurar o retorno dos investimentos em países com baixa proteção legal. Bebchuk (1999) acrescenta que, em países onde os benefícios privados de controle são grandes, as companhias abertas tendem a ter um acionista controlador.

No Brasil, a falta de proteção legal favorece a concentração de propriedade. De acordo com Valadares e Leal (2000), o maior acionista possui, em média, 58% das ações ordinárias, enquanto os três maiores acionistas juntos possuem 78% dessas ações. Mônaco (2000) constatou que, em média, 88% das ações com direito a voto estão concentradas nas mãos dos controladores. Essa concentração de propriedade evidenciada no Brasil é resultado da falta de proteção legal para investidores e credores. Porém, esse sistema prejudica os acionistas minoritários, que se sentem vulneráveis a potenciais expropriações.

Nesse contexto, a informação contábil divulgada pelas empresas ocupa um papel central para os acionistas minoritários das companhias, sendo, muitas vezes, a principal fonte de informações sobre a situação da empresa. É, portanto, oportuno investigar se a divulgação da informação contábil afeta de forma diferenciada a precificação das ações de empresas com níveis diferenciados de governança corporativa.

3 MÉTODO DE PESQUISA

3.1 Estudo de Evento

Foi utilizado o método empírico denominado "estudo de evento" com o objetivo de testar a Hipótese Nula (H0) de que o mercado de capitais brasileiro não reage de forma diferente à divulgação das demonstrações financeiras, anuais e trimestrais, na precificação das ações de empresas que apresentam sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa.

Em que ARjt é o retorno anormal verificado no preço da ação j (empresa com sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa), atribuído à ocorrência do evento analisado no período t; ARit é o retorno anormal verificado no preço da ação i (empresa sem sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa) atribuído à ocorrência do evento analisado no período t.

O estudo de eventos é um método que pode ser definido como a análise do efeito de informações específicas a determinadas empresas sobre os respectivos preços de suas ações. O método apóia-se nos retornos excedentes realizados em relação aos retornos esperados das ações, em torno ou na data de anúncio do evento. Tal performance é dada pela diferença entre o retorno esperado pelo modelo e o retorno observado no período sob análise. O pressuposto teórico para esse tipo de estudo é de que o mercado possui uma classificação de eficiência semiforte, isto é, a informação pública é rápida e integralmente refletida no preço das ações.

O estudo de Fama et al. (1969) é considerado como um marco na consolidação do método junto à comunidade acadêmica e científica. Ball e Brown (1968), também, utilizaram o método do estudo de eventos para analisar o efeito da divulgação dos relatórios anuais das empresas sobre o mercado de ações norte-americano. Os resultados encontrados nesse estudo confirmam esse método como uma ferramenta eficaz para medir a reação dos participantes do mercado a determinadas informações, através de variações anormais no preço das ações. Posteriormente, Brown e Warner (1980, 1985), MacKinlay (1997) e Binder (1998) contribuíram com o aprimoramento do método.

Atualmente, o estudo de eventos é amplamente utilizado pela comunidade científica para mensurar o impacto de um evento econômico no valor das empresas, mais especificamente, das suas ações. A sua aplicação nas pesquisas desenvolvidas no Brasil vem sendo percebida sistematicamente em periódicos e congressos. Soares, Rostagno e Soares (2002) fizeram um levantamento dos artigos apresentados nos Encontros Anuais da Associação Brasileira da Pós-Graduação em Administração - EnANPAD, no período compreendido entre 1997 e 2001, e identificaram 9 artigos que utilizaram a metodologia estudos de evento.

3.2 Definição de Variáveis

Para proceder ao estudo de evento, primeiramente foi definida a data da divulgação das demonstrações financeiras trimestrais e anuais (ITR e DFP) como sendo o evento a ser estudado (dia zero). De acordo com Leite e Sanvicente (1990), não há um padrão reconhecido pelo mercado quanto ao primeiro momento em que uma empresa divulga suas demonstrações financeiras. As empresas são obrigadas a apresentar as suas demonstrações à CVM, às Bolsas de Valores, em que suas ações são negociadas, e ao público em geral através de publicações na imprensa.

O presente estudo considerou como data de divulgação das demonstrações financeiras junto ao mercado, o dia em que o Boletim Diário de Informações (BDI) da Bovespa evidenciou as referidas divulgações. Essa sistemática é semelhante à adotada por Leite e Sanvicente (1990) e Perobelli e Ness Jr. (2000). Adicionalmente, Perobelli e Ness Jr. (2000) comentam que as informações recebidas pela Bovespa até o meio-dia são liberadas juntamente com aquelas recebidas após o meio-dia do dia anterior, constando, dessa forma, no BDI as duas datas de divulgação. Nesses casos, foi escolhida a data do dia posterior, metodologia semelhante a Leite e Sanvicente (1990), por acreditar que esse Boletim chega as mãos dos participantes mais ativos do mercado no início do dia seguinte.

A etapa seguinte consistiu em determinar os retornos diários das ações. A preferência pela fórmula logarítmica optou-se em função da distribuição das freqüências dos retornos. Extraindo-se o logaritmo natural da razão (Pit/Pit-1), a curva representativa da distribuição de freqüência torna-se simétrica. Já que os testes estatísticos paramétricos exigem que se trabalhe com uma distribuição normal, a fórmula logarítmica de cálculo foi a mais adequada (SOARES, ROSTAGNO e SOARES, 2002).

Em que Rit é a taxa de retorno da ação i no dia t e Pit é o preço nominal de fechamento da ação i na data t em moeda nacional.

A geração do retorno esperado, ou retorno de controle, é a fase inicial dos procedimentos necessários para a mensuração do retorno anormal. O retorno esperado pode ser definido como o retorno que a ação poderia ter obtido caso o evento não tivesse ocorrido. No presente estudo, o retorno esperado foi calculado através do modelo de Retorno Ajustado ao Risco e ao Mercado baseado no CAPM (Capital Assets Pricing Model). Abaixo segue a equação que representa esse modelo:

Em que E(Rit) é o retorno esperado da ação i no dia t; Rft é o retorno do ativo livre de risco no dia t; ßi é o parâmetro da regressão linear dos retornos da ação i sobre os retornos do mercado, fora da janela do evento e Rmt é o retorno da carteira de mercado no dia t. Convém salientar que o retorno de mercado foi calculado na sua forma logarítmica sobre o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo - IBOVESPA. Utilizou-se a taxa Selic como indicador para representar o ativo livre de risco. A taxa Selic representa a variação dos títulos públicos e é a taxa básica de juros da economia. Dessa forma, serve de parâmetro para determinar o custo do capital para todos os setores da economia que buscam financiamento.

Para a estimação do parâmetro beta de cada ação (ßi), necessário para o modelo de mensuração dos retornos anormais, foi preciso calculá-los fora da janela do evento. O beta para cada ação foi calculado no período de estimação (-165, -16), resultando em 151 dias de negociação. Somente foram consideradas as ações que apresentaram no mínimo 65 retornos durante esse período. Dessa forma, não foi possível utilizar os dados gerados pelo sistema Economática® para essa variável, visto que o sistema calcularia o beta considerando os últimos 151 retornos da ação, independente do número de dias necessários até se atingir esse status. Dessa forma, poderia haver um viés no beta, visto que essa variável, potencialmente, estaria contaminada com dados de um período muito superior à janela de estimação para as ações que tivessem maiores infreqüências de negociações.

A etapa posterior foi a mensuração do retorno anormal, que consiste na diferença entre o retorno estimado e o efetivo retorno da ação na data do evento. Conforme Brown e Warner (1980, 1985), existem três modelos capazes de capturar as anormalidades no preço das ações geradas a partir de determinado evento econômico: (1) Retorno Ajustado à Média; (2) Retorno Ajustado ao Mercado e (3) Retorno Ajustado ao Risco e ao Mercado. O presente estudo adotou o modelo de retorno anormal ajustado ao risco e ao mercado, baseado no CAPM. O critério estabelecido para escolha desse modelo foi alicerçado nos estudos desenvolvidos no Brasil por Kloeckner (1995) e Soares, Rostagno e Soares (2002), que buscaram evidências empíricas que justificassem a escolha entre um modelo ou outro. A equação que representa o modelo de Retorno Ajustado ao Risco e ao Mercado segue abaixo.

Em que ARit é o retorno anormal da ação i no período t e εit é o resíduo da regressão do retorno da ação i sobre o retorno da carteira de mercado no dia t.

Também foi utilizado o conceito de retorno anormal estandardizado. De acordo com Brown e Warner (1980, 1985), a variância dos retornos anormais médios aumenta em torno do dia do evento, podendo quase duplicar. Nessas condições, viola-se a suposição da distribuição normal dos retornos anormais, ocasionando a perda de especificação dos testes estatísticos. Para evitar a dependência transversal (cross-sectional) que pode estar presente nas séries de retornos ajustados, calculou-se o desvio padrão βi dos retornos anormais. Dessa forma, cada retorno ajustado apresenta a mesma variância. Esse método é conhecido como retorno ajustado estandardizado.

É conveniente medir o retorno anormal médio cumulativo para três janelas ao redor da data do evento a fim de capturar possíveis imperfeições do mercado, ou seja, se o mercado antecipa ou atrasa a sua reação diante da divulgação das demonstrações financeiras. Essa sistemática é similar à descrita por Brown e Warner (1980) e MacKinlay (1997).

Foram determinadas 3 janelas de acumulação para a amostra total e para cada segmento da amostra: 3 dias (-1, +1); 6 dias (0, +5) e 11 dias (-5, +5). Acerca desse processo, MacKinlay (1997) comenta que as acumulações possuem duas dimensões. Uma através do tempo para uma ação individual, que considera o período de tempo da acumulação, isto é, entre os dias t1 e t2. A segunda dimensão refere-se à acumulação entre os títulos e o tempo.

Assim sendo, procedeu-se à acumulação dos retornos anormais diários, descritos por Brown e Warner (1980) e MacKinlay (1997), durante o intervalo do evento com o objetivo de analisar os casos nos quais a reação do mercado difunde-se por alguns dias. Entretanto, quando se acumularam os retornos anormais diários estandardizados da ação i para o período compreendido entre (t1, t2), utilizouse a metodologia proposta por Dodd e Warner (1983).

A agregação dos retornos anormais médios é de suma importância para resumir as medidas individuais descritas anteriormente. Dessa forma, agregaram-se os resultados individuais de cada empresa a fim de se obter uma visão geral do fenômeno. Esse procedimento é descrito por Brown e Warner (1980, 1985), MacKinlay (1997) e Binder (1998). As séries geradas foram as seguintes: retorno anormal ajustado médio (AARt); retorno anormal médio estandardizado (ASARt), o retorno anormal médio cumulativo (CAARt1, t2) e o retorno anormal médio cumulativo estandardizado (CASARt1, t2).

3.3 Significância Estatística dos Retornos Anormais

Com o objetivo de testar a significância dos retornos anormais, utilizou-se o teste-t (paramétrico) e o teste de sinais (sign rank test) de Wilcoxon (não-paramétrico). O testet, utilizado na análise de significância das anormalidades em estudos de eventos, tem como objetivo analisar, estatisticamente, "o quanto" os retornos anormais na data do evento são diferentes de zero. Deve-se presumir que os retornos anormais são independentes e normalmente distribuídos.

Brown e Warner (1980) e MacKinlay (1997) sugerem a utilização de testes não-paramétricos que confirmem a validade das conclusões inicialmente obtidas por meio dos testes paramétricos. A utilização de testes não-paramétricos faz-se necessária quando a premissa de normalidade dos retornos anormais é violada; nesses casos, os testes paramétricos não são eficazes. Similarmente a Perobelli e Ness Jr. (2000), o estudo utilizou o teste de Wilcoxon, que demonstra ser mais robusto que o teste-t quando utilizado o modelo ajustado ao risco e ao mercado e em condições de relaxamento da premissa de distribuição normal, implícita nas estatísticas paramétricas.

As séries que foram testadas são: (a) retornos anormais médios; (b) retornos anormais médios cumulativos; (c) retornos anormais médios estandardizados e (d) retornos anormais médios estandardizados cumulativos.

3.4 Caracterização da Amostra

A determinação da amostra foi definida em torno de duas variáveis: o número de ações e o período abrangido pelo presente estudo. A busca de uma quantidade significativa de ações negociadas na Bovespa objetivou tornar os resultados significativos e representativos do mercado analisado. Em relação à definição do período, buscou-se atingir uma quantidade suficiente de observações de retornos de ações que permitiram a aplicação do modelo.

A amostra deste estudo foi composta por todas as companhias abertas que tiveram suas ações negociadas na Bovespa e que apresentaram um indicador de liquidez significativo no período compreendido entre os anos de 1995 e 2002. O termo liquidez pode ser entendido como a facilidade com que a ação é negociada e está relacionado ao tempo que o ativo leva para ser transacionado (VAN HORNE, 1997).

A utilização do indicador de liquidez em Bolsa como critério para a seleção da amostra alicerçou-se no fato de que a variação do preço de uma ação, conseqüência da divulgação de informações que alteram a expectativa do mercado em relação ao seu retorno futuro, depende diretamente do nível de negociação dessa ação na Bolsa de Valores. O indicador é calculado segundo a fórmula abaixo:

Em que LQit é o indicador de liquidez da ação i para o período t; Sit é o número de pregões no período t em que se constatou pelo menos 1 negócio com a ação i no mercado à vista (lote padrão); St é o número total de pregões ocorridos no período t; nit é o número de negócios com a ação i verificados no mercado à vista (lote padrão) no período t; Nt é o número de negócios registrados no mercado vista (lote padrão) da Bovespa no período t; vit é o volume financeiro gerado pelos negócios com a ação i no mercado à vista (lote padrão) no período t e Vt é o volume financeiro total registrado no mercado à vista (lote padrão) da Bovespa para o período t.

O estudo adotou como critério de seleção da amostra as empresas que apresentaram indicador de liquidez superior a 0,015, semelhante ao utilizado no trabalho desenvolvido por Schiehll (1996). A adoção dessa faixa de corte deveu-se ao fato de que empresa com liquidez muito baixa tem menores probabilidades de terem as suas cotações adequadas aos valores de mercado.

O critério consistiu em calcular o indicador de liquidez para o período em torno da data limite para a entrega da divulgação das demonstrações financeiras. Assim sendo, estabeleceu-se o período de 211 dias de negociação (-180, +30) circundante à data do evento como sendo a janela de tempo para a definição da amostra de pesquisa. Ressaltese que esse procedimento foi adotado para cada divulgação trimestral no período de 1995 a 2002, ou seja, foram geradas 32 diferentes amostras para o período do estudo.

Essa escolha foi motivada pela percepção da volatilidade do indicador de liquidez das ações, quando calculado para períodos grandes e para períodos menores. Poderia obterse uma amostra viesada se fosse considerada uma amostra única para o período de 8 anos, visto que as ações podem apresentar sazonalidade na freqüência das suas negociações, concentrando em alguns períodos os maiores volumes transacionados.Quanto aos diferentes tipos e classes de ações (ON, PN, PNA, PNB etc.), o critério adotado consistiu em escolher a ação que apresentou maior liquidez durante o período de análise. Dessa forma, buscaram-se as ações que apresentaram maior número de negociação, selecionando somente as que tiveram suas cotações mais ajustadas aos reais valores de mercado.

Após a aplicação do critério de liquidez mínima para definição da amostra de pesquisa, obtiveram-se 255 diferentes ações distribuídas ao longo de 32 diferentes amostras. Optou-se por considerar uma amostra para cada trimestre do período analisado (1995-2002), aplicando os critérios comentados anteriormente. Desse modo, o estudo apresentou 3.682 observações distribuídas nas 32 amostras (A-1 a A-32). Foram excluídas da amostra as ações das empresas das quais não foi possível evidenciar, junto aos BDI, a data exata das divulgações das demonstrações financeiras.

Uma dificuldade que se impõe na maioria dos estudos empíricos no campo da governança corporativa é a mensuração do nível de governança. Posto que não existe nenhum indicador objetivo de governança corporativa a priori, é necessário recorrer-se a proxies ou sinalizadores que sejam, hipoteticamente, correlacionados ao nível de governança. Neste estudo, optou-se por estratificar a amostra de empresas em subgrupos que, de uma forma ou de outra, discriminassem as empresas em diferentes níveis de governança. A constituição desses segmentos é, em última análise, arbitrária, mas ainda assim é uma forma de tornar menos subjetiva a avaliação do nível de governança.

Dessa maneira foram constituídos cinco segmentos, a fim de ampliar o horizonte de comparabilidade:

• Segmento I: Empresas que aderiram aos Níveis 1 e 2 de governança corporativa da Bovespa e ao Novo Mercado, pois a adesão voluntária da empresa às normas mais exigentes desses segmentos de mercado é um sinalizador de maior nível de governança;

• Segmento II: Empresas que emitiram ADR (qualquer nível), pois as empresas cujos títulos sejam negociados nos mercados internacionais estão sujeitas a um escrutínio maior por parte dos investidores e dos organismos internacionais;

• Segmento III: Empresas de controle estatal ou privado, posto que as empresas de controle estatal estão menos sujeitas às pressões do mercado de capitais e são mais suscetíveis a interferências de caráter político;

• Segmento IV: Tamanho da companhia, uma vez que as empresas maiores tendem a ser mais intensamente examinadas pela imprensa especializada, pelos investidores institucionais e pelos órgãos reguladores;

• Segmento V: Empresas que adiantaram ou atrasaram a publicação das suas informações financeiras (ITR e DFP), uma vez que o descumprimento de prazos é um sinal de pobre governança por parte da empresa.

Desse modo, cada segmento apresentou a seguinte composição ao longo das 32 amostras para o período do estudo, conforme o quadro abaixo :

4 ANÁLISE DOS RESULTADOSOS

Os resultados do estudo de evento estão apresentados nas Tabelas 1 a 5. Em benefício da concisão, apenas os resultados para os retornos anormais médios estandardizados são reportados, assim como apenas os gráficos referentes ao teste de Wilcoxon. Resultados completos estão disponíveis mediante solicitação aos autores. Os resultados do teste paramétrico são apresentados na Tabela 2. Para a "Amostra Total", o retorno anormal médio estandardizado (ASAR) no dia da divulgação das demonstrações financeiras é positivo e significativo. Esse é um indicador de ineficiência do mercado de capitais brasileiro à medida que a divulgação das demonstrações causam um efeito significativo sobre os retornos das ações. Entretanto, utilizando-se o teste não-paramétrico (Tabela 3) não é possível rejeitar a hipótese nula do retorno anormal igual a zero para a "Amostra Total". O estudo considerou os resultados do teste não-paramétrico, por serem mais robustos, uma vez que não dependem de uma distribuição normal.

Nos dias que sucedem à divulgação das demonstrações vários retornos significativos e negativos são observados (Tabela 3). Esse resultado é intrigante, à medida que seria um indício de que o mercado reage sistematicamente de forma pessimista nos dias seguintes ao evento. Esse resultado, combinado com o retorno positivo e significativo identificado no teste-t, sugere que o mercado de capitais brasileiro reage de forma otimista no dia da divulgação das demonstrações e em seguida reavalia para baixo suas expectativas nos dias seguintes.

Os resultados para cada uma das subamostras serão discutidos a seguir.

4.1 Reação do Mercado segundo o nível de Governança Corporativa da Bovespa

Esse segmento da "Amostra Total" considerou somente as empresas que aderiram aos níveis diferenciados de governança corporativa da Bovespa. Totalizaram 105 observações durante o período estudado. Essa foi a menor subamostra do estudo, pois a Bovespa instituiu os níveis diferenciados somente em 2001.

De acordo com a Tabela 3, na qual é possível comparar a significância dos retornos anormais médios estandardizados (ASAR) dessa subamostra em relação à "Amostra Total", a hipótese nula H0 não pôde ser rejeitada, uma vez que, em ambas as amostras, os retornos anormais no dia do evento foram insignificantes estatisticamente. Exceção faz-se aos resultados comparativos da estatística-t (Tabela 2) entre a mensuração dos retornos anormais (ASAR) da "Amostra Total" e da subamostra "GC". O gráfico 1 ilustra essa análise.


Esse resultado, possivelmente, está relacionado ao reduzido número de observações dessa subamostra (105). Dessa forma, é prudente aguardar a consolidação e a difusão dessa iniciativa da Bovespa a fim de obter-se um maior número de observações para não viesar os resultados.

Adicionalmente, de acordo com a Tabela 5, foram comparados os retornos anormais cumulativos estandardizados (CASAR) em três diferentes períodos: 3 dias (-1, +1), 6 dias (0, +5) e 11 dias (-5, +5). Constatou-se significância estatística ao nível de 1% na janela de 6 dias, e ao nível de 5% na janela de 11 dias. Esses resultados são qualitativamente diferentes da "Amostra Total", visto que são positivos.

4.2 Reação do Mercado segundo a emissão de American Depository Receipts

Foram analisadas, nessa subamostra, todas as empresas que emitiram ADR no período compreendido pelo estudo. Totalizaram 1.386 observações relativas a 87 empresas que fizeram parte da "Amostra Total" e emitiram qualquer tipo de ADR no mercado norte-americano. As empresas que atenderam a esses critérios somente foram incluídas nas amostras (A_1 a A_32) a partir do momento em que iniciaram a respectiva negociação de recibos. Essas datas foram coletadas junto ao website da CVM.

De acordo com a Tabela 3, não foi possível rejeitar a hipótese nula H0 para a subamostra "ADR", visto que não se verificou significância estatística nos retornos anormais (ASAR) dessa subamostra, nem tampouco na "Amostra Total". Confirmando a similaridade de ambas as amostras ("Total" e "ADR"), a Tabela 5 evidencia a igualdade qualitativa (sinais negativos) e quantitativa (significância ao nível de 1%) das amostras para os retornos anormais cumulativos (CASAR).

Observando o gráfico 2, percebe-se retornos anormais (ASAR) negativos significativos ao nível de 1% no terceiro dia que antecedeu o evento (-3). Esse resultado pode ser um sinalizador de vazamento de informações, caracterizando uma possível imperfeição do mercado.


Da mesma forma, no segundo dia após o evento (dia +2) constataram-se retornos anormais (ASAR) negativos e significativos estatisticamente. Acerca dessa possível imperfeição na reação do mercado pode-se inferir que seja em função da defasagem temporal que há entre a entrega das demonstrações financeiras à CVM e a sua posterior divulgação na mídia. Por outro lado, sabe-se que os grandes investidores dispõem dessas informações quase que instantaneamente, contradizendo, dessa forma, a afirmativa acima. Mas é possível que exista um tempo necessário para eles assimilarem e analisarem todos os impactos dessa nova informação nos seus ativos, ocasionando um hiato entre o conhecimento da informação e a tomada de decisão.

Assim, as evidencias empíricas demonstram que o fato de emitir ADR no mercado norte-americano, considerado neste estudo como um sinalizador diferenciado das boas práticas de governança corporativa, não se constituiu em um diferencial em relação às expectativas contidas na "Amostra Total".

4.3 Reação do Mercado segundo o tamanho das Empresas

O estudo considerou duas subamostras para analisar a relação entre o tamanho das empresas e a significância dos retornos anormais (ASAR) na data de divulgação das demonstrações financeiras. Ambas foram compostas por 938 observações, representando o 1º e o 4º quartil ao longo dos 32 eventos que compuseram o estudo. O critério adotado para determinar o tamanho das empresas foi o seu valor de mercado. Portanto, essas subamostras referiram-se, respectivamente, às menores e maiores empresas dentre aquelas que compuseram a "Amostra Total".

Em relação à hipótese nula H0, a Tabela 3 e o gráfico 3 demonstram a impossibilidade de sua rejeição para ambas as subamostras. As suposições iniciais especulavam que as empresas com maior valor de mercado (4º quartil) tenderiam a apresentar retornos anormais quantitativamente menores que as empresas com menor valor de mercado (1º quartil) no período de divulgação das suas demonstrações financeiras, pois a gestão estaria sujeita a um maior monitoramento dos acionistas e do mercado. Conseqüentemente, seriam estimuladas a desenvolver mecanismos mais sofisticados de governança corporativa como resposta aos conflitos de agência aos quais estão sujeitas.


Desse modo, pode-se concluir que, dentre as empresas consideradas no presente estudo, o tamanho da empresa não parece ser um diferencial em relação às boas práticas de governança corporativa. Possivelmente esse resultado decorre da própria característica do mercado de capitais brasileiros, em que as empresas de capital aberto estão entre as maiores companhias do país. Portanto, é possível que, uma vez atingido um certo porte crítico, não haveria diferenças nas práticas de governança dessas empresas.

4.4 Reação do Mercado segundo a natureza do Controle do Capital

O estudo segmentou da "Amostra Total" duas subamostras que agruparam as empresas de acordo com a natureza do controle acionário. A primeira subamostra, composta por empresas privadas, totalizou 3.157 observações distribuídas ao longo do período compreendido pelo estudo. Representou, aproximadamente, 85% da amostra total. Essa forte hegemonia das empresas privadas refletiuse na similaridade dos resultados estatísticos em relação à "Amostra Total".

A outra subamostra ("Estatais") considerou somente as empresas de controle estatal, nos níveis federal e estadual. Foram totalizadas 362 observações durante o período compreendido pelo estudo. As empresas privatizadas foram consideradas na subamostra somente até o mês anterior à privatização, após foram incluídas na subamostra de empresas privadas.

Considerando os aspetos da governança corporativa, inferiu-se que o fato de as empresas privadas estarem sujeitas a um monitoramento maior por parte dos acionistas, bem como do próprio mercado, pudesse ser um sinal crível aos investidores da possibilidade dessas terem práticas diferenciadas de governança corporativa. Dessa forma, a Tabela 2 evidencia que os resultados encontrados rejeitaram a hipótese nula H0, uma vez que a significância dos retornos anormais (ASAR) das empresas de controle privado é substancialmente diferente em relação aos das empresas de controle estatal, posto que essas apresentam retorno anormal negativo e significativo, enquanto aquelas apresentam retorno anormal positivo e significativo. Esse é um dos resultados mais relevantes desse estudo.

É importante comentar, também, os resultados comparativos do teste de Wilcoxon (Tabela 3 e Gráfico 4) para ambas as subamostras. É possível perceber que, nesse teste, os retornos anormais da subamostra "Privadas" são menos negativos que os da subamostra "Estatais".


Em ambas as subamostras, também, foi possível observar a inversão da trajetória dos retornos anormais no período que precede e sucede ao dia do evento (vide Gráfico 4). Entretanto, observaram-se reações opostas entre as subamostras; os retornos anormais (ASAR) das empresas privadas reduziram sua significância estatística no dia do evento, enquanto os das empresas estatais aumentaram. Esses resultados estão condizentes com os pressupostos implícitos do trabalho.

Esse resultado pode ser interpretado sob a perspectiva comportamental dos investidores. Nas empresas privadas, observou-se que o período anterior à divulgação das informações financeiras, as expectativas estavam subavaliadas, isto é, os investidores estavam conservadores. Com a proximidade da divulgação, criou-se uma expectativa em relação às informações vindouras. Após a divulgação, os investidores reavaliaram suas expectativas à luz das novas informações e procederam aos ajustes.

Entretanto, para as empresas estatais, percebeu-se que os investidores tendem a adotar serem menos otimistas em relação ao conteúdo informacional das demonstrações financeiras. Esse fato implicou em retornos anormais negativos e significativos no dia do evento. Após a divulgação, os investidores ajustam suas expectativas, tornando-se menos pessimistas.

4.5 Reação do Mercado segundo a pontualidade na entrega das Demonstrações Financeiras à CVM

Para avaliar a reação do mercado segundo a pontualidade na entrega das demonstrações financeiras, foram segmentadas duas subamostras da "Amostra Total". A primeira, denominada de "Pontual", agrupou as empresas que disponibilizaram junto à CVM as suas demonstrações financeiras dentro do prazo previsto, ou seja, até a data limite. Foram consideradas 2.827 observações.

A subamostra das empresas que entregaram à CVM suas demonstrações financeiras após o prazo previsto, denominada de "Atraso", totalizou 844 observações, representando aproximadamente 23% do total de observações para o período do estudo. Importante comentar que as incidências de atraso foram mais acentuadas nos primeiros anos do período estudado e concentrou-se nas demonstrações trimestrais (ITR).

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De acordo com os resultados apresentados na Tabela 2 e confirmados nas demais tabelas, foi possível rejeitar a hipótese nula H0. As empresas pontuais obtiveram um retorno anormal positivo e significativo enquanto as empresas que atrasaram a entrega das suas demonstrações apresentaram um retorno anormal negativo e significativo. Não parece haver dúvidas de que o respeito aos prazos regulares é positivamente recebido pelo mercado.

Observando o gráfico 5, visualiza-se que o teste de Wilcoxon para a subamostra das empresas em atraso tem maior significância negativa quando comparado com o das empresas que entregam suas demonstrações dentro do prazo estipulado. Esse resultado pode ser interpretado sob a perspectiva do investidor, ou seja, o atraso na divulgação constitui-se em um fator que aumenta a incerteza acerca das novas informações vindouras. Na dúvida, o investidor tende a subavaliar as suas expectativas.


Uma vez em atraso, as expectativas dos investidores são (acertadamente) revisadas para baixo explicando os dias com retornos significativos negativos antes do even-to. Após a divulgação das demonstrações financeiras essas expectativas são ajustadas em função da nova informação revelada.

É importante comentar que, mesmo sendo consideradas empresas que possuem sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa, a subamostra "Pontual" tende, em média, a divulgar suas demonstrações financeiras muito próximo da data limite estabelecida pela CVM. Esse fato, em si, já é um indicativo de que há muito que se evoluir nas práticas contábeis para sofisticar esse importante instrumento de comunicabilidade entre as empresas e o mercado.

4.6 Síntese dos Testes de Hipóteses

Em resumo podem-se sintetizar os principais resultados deste estudo no quadro abaixo .

Conclui-se da análise dos diversos segmentos que o mercado reage diferentemente à divulgação das demonstrações financeiras no que tange à natureza do controle do capital (estatal versus privado) e no que tange à pontualidade da divulgação das demonstrações financeiras. O tamanho da empresa, a sua adesão às regras de governança da Bovespa e a emissão de ADR não produzem uma reação diferenciada significativa por parte do mercado.

4.7 Teste de Robustez para coincidência de Subamostras

O fato de as subamostras do estudo serem provenientes do mesmo universo ("Amostra Total") levanta a possibilidade de uma possível correlação entre elas, viesando os resultados do estudo. Isto é, as empresas que atrasaram a divulgação das suas demonstrações financeiras poderiam ser, basicamente, as mesmas que são estatais. Para investigar essa possibilidade, procedeu-se ao teste de correlação de Pearson. O resultado encontrado revela correlação significativa (ao nível de 1%) porém negativa de -0,19 entre essas duas subamostras. Portanto, conclui-se que os resultados não decorrem da coincidência das empresas em cada subamostra.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho investigou, através de um estudo de eventos no mercado de capitais brasileiro, se a divulgação das informações contidas nas demonstrações financeiras das empresas que apresentaram sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa causa o mesmo nível de influência sobre o mercado, quando comparada às das empresas que não apresentaram esses sinalizadores. Foram analisadas 3.682 observações coletadas durante um período de 8 anos (1995 a 2002), representando as empresas com maior liquidez na Bolsa de Valores de São Paulo - BOVESPA. Oito subamostras foram extraídas da amostra total, com a finalidade de verificar a reação dos investidores em relação à divulgação das demonstrações financeiras desses diferentes segmentos de empresas.

Os testes de hipóteses aos quais as subamostras do estudo foram submetidas consideraram a premissa que relaciona a magnitude e o sinal dos retornos anormais, no dia do evento, a características em tese associadas à maior, ou menor, aderência das empresas às boas práticas de governança corporativa. Dessa forma, as expectativas iniciais do estudo, baseadas nessas suposições, especularam que as empresas das subamostras que apresentaram sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa ("Pontuais", "Maiores", "Privadas", "GC" e "ADR") tenderiam a ter retornos anormais quantitativamente diferentes, no dia do evento, em relação às empresas que não apresentaram esses sinalizadores ("Atraso", "Menores", "Estatais", e "Amostra Total").

Quanto à análise quantitativa dos resultados obtidos, percebeu-se que duas subamostras ("Privadas" e "Pontuais") apresentaram retornos anormais significativos e diferentes de seus pares ("Estatais" e "Atraso"), no dia da divulgação das suas demonstrações financeiras, rejeitando, dessa forma, a hipótese nula para essas subamostras. O fato de as subamostras "Privadas" e "Pontual" apresentarem sinais negativos (teste de Wilcoxon) parece inconsistente com as suposições feitas a priori, entretanto é importante notar que essas subamostras apresentaram retornos anormais menos negativos do que suas contrapartes nesse teste, conforme discutido abaixo. É conveniente observar que a estatística do teste de Wilcoxon depende do sinal da mediana dos retornos anormais e não da média, como a estatística-t.

As subamostras consideradas menos propensas às boas práticas de governança corporativa ("Estatais", "Atraso") apresentaram retornos anormais significativos e negativos. A magnitude, em módulo, desses retornos é superior à dos seus pares (teste de Wilcoxon). Esses resultados sugerem que a reação dos investidores penalizou mais acentuadamente esses segmentos de empresas do que os demais. Isto é, as novas informações, provenientes de empresas que não dispõem de sinalizadores diferenciados de boas práticas de governança corporativa, são esperadas com um certo grau de incerteza. Dessa maneira, os investidores ajustam as suas expectativas negativamente conforme a proximidade da divulgação das informações.

Em relação ao porte da empresa, que segregou as empresas de acordo com o seu valor de mercado em menores (1º quartil) e maiores (4 º quartil), este estudo não encontrou evidências que possam refutar a hipótese nula H0, pois em ambas as subamostras não se verificou retornos anormais significativos.

As demais subamostras ("GC" e "ADR") não apresentaram significância estatística nos seus retornos anormais na data do evento, comportamento igual ao verificado para a "Amostra Total". Desse modo, não foi possível rejeitar a hipótese nula H0 para essas duas subamostras. Esse resultado é antes a conseqüência do fato de a amostra total ter apresentado retornos anormais insignificantes para a divulgação das demonstrações financeiras das empresas em geral do que qualquer outra inferência possível sobre o grau de governança das empresas dessas duas subamostras.

As principais limitações do estudo referem-se a aspectos metodológicos específicos. A presença de empresas controladas e controladoras nas mesmas amostras pode ter influenciado a mensuração dos retornos anormais das controladoras, pois, se as divulgações não ocorrerem na mesma data, parte da informação das empresas controladoras se tornam conhecidas antes da divulgação das suas demonstrações financeiras.

Este estudo demonstrou que há indícios de que os investidores reagem positivamente a alguns sinalizadores de boas práticas de governança corporativa. Entende-se que há espaço para a contabilidade consolidar sua relação com o mercado de capitais. Iniciativas como o Novo Mercado e os níveis diferenciados de governança corporativa da Bovespa constituem-se em avanços rumo às evidenciações voluntárias. Espera-se que essas iniciativas, resultado da auto-regulação do mercado, estimulem as empresas a aprimorar o conteúdo informacional das suas demonstrações contábeis, tornado-as mais relevantes ao mercado.

O presente estudo não pretendeu esgotar o assunto sobre a discussão que trata da relevância das demonstrações financeiras para o mercado de capitais, mas sim incentivar o interesse por essa linha de pesquisa. Estudos adicionais podem dar continuidade e fornecer maior robustez aos resultados encontrados. Alguns rumos para futuras pesquisas incluem a verificação do efeito da inflação sobre a reação do mercado quanto à divulgação das demonstrações e os efeitos cruzados que podem ocorrer entre empresas controladas e controladoras, uma vez que a divulgação das informações nem sempre ocorre no mesmo momento para empresas de um mesmo grupo, o que pode converter-se em um canal alternativo para o vazamento de informações.

Recebido em 06.10.2005

Aceito em 21.03.2006

2ª versão aceita em 21.05.2006

NOTA - Endereço dos autores

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    Artigo originalmente apresentado no XXVIII EnANPAD, Curitiba-PR, 2004.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 2006
    • Revisado
      21 Mar 2006
    • Recebido
      06 Out 2005
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