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Governança corporativa na América Latina: a relevância dos princípios da OCDE na integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros

Corporate governance in Latin America: the relevance of OECD principles for the board's integrity and directors' independence

Resumos

Os conselhos de administração são caracterizados como um importante elemento da boa governança corporativa. Nesse sentido, este trabalho busca identificar as práticas de governança das empresas latino-americanas aos princípios recomendados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, para essa região (Brasil, Argentina, México e Chile). Dentre os sete princípios por ela recomendados para a América Latina, este trabalho tem como foco apenas o quinto princípio, que trata das "Responsabilidades do Conselho de Administração", mais especificadamente das recomendações com respeito à "Integridade dos Conselhos e Autonomia dos Conselheiros". O principal objetivo é de verificar o posicionamento das empresas em relação às responsabilidades e a supervisão dos administradores como forma de garantir o controle e os resultados esperados pelos acionistas. Para atingir esse objetivo, formulou-se um questionário que expressa as principais recomendações de governança da OCDE para a América Latina e confrontou-se com as legislações desses quatro países e com as práticas societárias das empresas da amostra, de modo a identificar procedimentos adicionais em relação aos exigidos pela legislação. Os resultados evidenciam que o México é o país com maior índice de atendimento às recomendações da OCDE, seguido do Brasil, Argentina e Chile. Os principais pontos fracos, de modo geral, são a ausência de comitês específicos, compostos, no mínimo, por maioria de conselheiros independentes, e proibições de práticas como reuniões prévias ou instruções de voto dadas por acionistas controladores a conselheiros.

Governança corporativa; América Latina; OCDE; Conselho de Administração


Boards of directors are characterized as important elements for good corporate governance. In this regard, the present study aims to associate governance practices of Latin American companies to the principles recommended by the Organization for Economic Cooperation and Development, OECD, for that region (Brazil, Argentina, Mexico and Chile). Among the seven principles recommended for Latin America, this work focused only on the fifth principle, which addresses the "Responsibilities of the Board" and, more specifically, the recommendations concerning the "Board's Integrity and Directors' Independence". The main objective is to evaluate companies' attitudes in relation to managers' responsibilities and supervision as a way to ensure control and the results expected by shareholders. To that end, a questionnaire expressing the major OECD governance recommendations for Latin America was designed and confronted with the laws of those four countries and the corporate practices of the companies in the sample, in order to identify additional procedures in relation to those required by legislation. Results showed that Mexico is the country with the highest rates of compliance with OECD recommendations, followed by Brazil, Argentina and Chile. In general, the major weak points are the absence of specific committees composed of at least a majority of independent directors and the prohibition of practices like previous meetings or voting instructions by shareholders to directors.

Corporate Governance; Latin America; OECD; Board of Directors


ARTIGOS

Governança corporativa na América Latina: a relevância dos princípios da OCDE na integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros* * Artigo apresentado no 31º EnANPAD, Rio de Janeiro-RJ, 2007.

Corporate governance in Latin America: the relevance of OECD principles for the board's integrity and directors' independence

Carlos Henrique KitagawaI; Maísa de Souza RibeiroII

IMestre em Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo • E-mail: carloshenriquek@usp.br

IIProfessora Doutora Associada do Departamento de Contabilidade da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo • E-mail: maisorib@usp.br

RESUMO

Os conselhos de administração são caracterizados como um importante elemento da boa governança corporativa. Nesse sentido, este trabalho busca identificar as práticas de governança das empresas latino-americanas aos princípios recomendados pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, OCDE, para essa região (Brasil, Argentina, México e Chile). Dentre os sete princípios por ela recomendados para a América Latina, este trabalho tem como foco apenas o quinto princípio, que trata das "Responsabilidades do Conselho de Administração", mais especificadamente das recomendações com respeito à "Integridade dos Conselhos e Autonomia dos Conselheiros". O principal objetivo é de verificar o posicionamento das empresas em relação às responsabilidades e a supervisão dos administradores como forma de garantir o controle e os resultados esperados pelos acionistas. Para atingir esse objetivo, formulou-se um questionário que expressa as principais recomendações de governança da OCDE para a América Latina e confrontou-se com as legislações desses quatro países e com as práticas societárias das empresas da amostra, de modo a identificar procedimentos adicionais em relação aos exigidos pela legislação. Os resultados evidenciam que o México é o país com maior índice de atendimento às recomendações da OCDE, seguido do Brasil, Argentina e Chile. Os principais pontos fracos, de modo geral, são a ausência de comitês específicos, compostos, no mínimo, por maioria de conselheiros independentes, e proibições de práticas como reuniões prévias ou instruções de voto dadas por acionistas controladores a conselheiros.

Palavras-chave: Governança corporativa. América Latina. OCDE. Conselho de Administração.

ABSTRACT

Boards of directors are characterized as important elements for good corporate governance. In this regard, the present study aims to associate governance practices of Latin American companies to the principles recommended by the Organization for Economic Cooperation and Development, OECD, for that region (Brazil, Argentina, Mexico and Chile). Among the seven principles recommended for Latin America, this work focused only on the fifth principle, which addresses the "Responsibilities of the Board" and, more specifically, the recommendations concerning the "Board's Integrity and Directors' Independence". The main objective is to evaluate companies' attitudes in relation to managers' responsibilities and supervision as a way to ensure control and the results expected by shareholders. To that end, a questionnaire expressing the major OECD governance recommendations for Latin America was designed and confronted with the laws of those four countries and the corporate practices of the companies in the sample, in order to identify additional procedures in relation to those required by legislation. Results showed that Mexico is the country with the highest rates of compliance with OECD recommendations, followed by Brazil, Argentina and Chile. In general, the major weak points are the absence of specific committees composed of at least a majority of independent directors and the prohibition of practices like previous meetings or voting instructions by shareholders to directors.

Keywords: Corporate Governance. Latin America. OECD. Board of Directors.

1 INTRODUÇÃO

As legislações societárias dos países, geralmente, requerem que os negócios das empresas abertas sejam conduzidos por um conselho de administração. Essas leis, segundo Baysinger e Hoskisson (1990, p. 72), também concedem aos conselheiros a autoridade formal de aprovar e avaliar as iniciativas e performances dos gestores e distribuir recompensas e penalidades de acordo com os critérios que refletem os interesses dos acionistas.

De acordo com Baysinger e Butler (1985, p. 101), o conselho de administração é uma importante parte da estrutura de governança de muitas grandes empresas. Hermalin e Weisbach (2001, p. 3) definem-no como uma instituição econômica que, em teoria, ajuda a resolver os problemas de agência inerentes à gestão de uma organização. A teoria de agência argumenta que o conselho, com sua autoridade legal para contratar, demitir e compensar os gestores, protege o capital investido e, desse modo, é um importante elemento da governança corporativa (WILLIAMSON, 1984).

Diante dessa breve contextualização, este trabalho tem como objetivo analisar as práticas de governança corporativa em quatro países da América Latina (Brasil, Argentina, México e Chile), sobre o prisma das recomendações da OCDE com relação à integridade dos conselhos de administração e à autonomia de seus membros.

A OCDE elaborou, em 1999, uma lista de princípios básicos contendo recomendações de práticas de governança que, segundo Jesover e Kirkpatrick (2005, p. 128), se tornaram benchmark internacional para práticas de governança corporativa em todo o mundo, formando a base para inúmeras iniciativas de reformas para os governos e setores privados. Esses princípios proveem uma orientação específica para os legisladores, órgãos reguladores e participantes do mercado, numa tentativa de convergência das regras de governança para um modelo aceito internacionalmente, aperfeiçoando as estruturas legais, institucionais e reguladoras, com foco nas empresas que possuem suas ações negociadas no mercado. Além disso, possuem orientações práticas e sugestões para as bolsas de valores, investidores, empresas e as demais partes interessadas no processo de governança corporativa. Essas recomendações são instrumentos que contêm normas não vinculativas e boas práticas, bem como linhas orientadoras sobre sua aplicação, podendo ser adaptados às características específicas de cada país e região.

A partir desses princípios, a OCDE, com a cooperação do Banco Mundial, passou a realizar fóruns regionais objetivando a adaptação de seus princípios à realidade econômica e social de cada região. Foram realizados encontros na Ásia, Eurásia, América Latina, Rússia e Sudeste Europeu, em que se debatiam suas características e seus principais problemas, identificando as áreas prioritárias para reforma e formulando os Princípios de Governança Corporativa específicos para cada região, considerando suas peculiaridades e características, e tendo como base as diretrizes da OCDE. No caso específico da América Latina, os encontros foram realizados no Brasil, Argentina, México e Chile, no período de 2000 a 2003. Ao final, foi desenvolvido um documento intitulado de White Paper on Corporate Governance in Latin America, objetivando sumarizar objetivos políticos em comum e reformas prioritárias para a região, com o propósito de melhorar a governança corporativa e, consequentemente, aumentar os investimentos, a eficiência dos mercados de capitais, as performances das empresas e o bem-estar social. Após a discussão desses itens, o relatório expõe suas recomendações de práticas de governança corporativa para serem aplicadas na América Latina. Ao todo são sete princípios recomendados (OCDE, 2003): (1) Direitos dos acionistas; (2) Tratamento equitativo dos acionistas; (3) Relacionamento com Stakeholders; (4) Evidenciação e transparência; (5) Responsabilidades dos Conselhos de Administração; (6) Melhoria no cumprimento de leis e sua exequibilidade e (7) Cooperação regional.

Esses sete princípios são subdivididos em categorias, descrevendo sua base conceitual e exemplificando sua aplicabilidade. Diante disso, pergunta-se: as empresas latino-americanas têm trabalhado em conformidade com as recomendações internacionais de governança corporativa propostas pela OCDE?

Essa é a pergunta a que este trabalho pretende responder, porém com foco apenas no quinto princípio da OCDE (Responsabilidades dos Conselhos de Administração) que trata especificadamente da integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros.

2 REVISÃO DA LITERATURA

Na literatura, é comum encontrar classificações de modelos de governança. Entretanto, apesar do grande desenvolvimento acadêmico acerca desse tema, ainda não existe um consenso no mundo empresarial de quais seriam as melhores práticas de governança. Numa pesquisa realizada por La Porta, Lopez-de-Silanes e Shleifer (1999), eles constataram que um dos fatores de diferenciação entre os modelos se dá em virtude da concentração da propriedade acionária e isso é uma consequência da fraca proteção legal em relação aos acionistas minoritários. Os mesmos autores sugerem que uma das formas de reduzir esse problema é de prover uma estrutura legal de tal modo a dificultar a expropriação dos acionistas minoritários.

O modelo latino-americano de governança corporativa é caracterizado, segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 157), por mercados de capitais poucos expressivos. As empresas de maior porte da região estão migrando suas operações com títulos mobiliários para mercados mais estáveis, como o de ADRs nos Estados Unidos, nos quais elas devem se adaptar às regras norte-americanas e que, consequentemente, melhoram o nível de evidenciação e práticas de governança. Em relação à estrutura de propriedade, prevalecem as suas formas concentradas. Nesse caso, a alta concentração acionária resulta numa alta sobreposição entre propriedade e gestão executiva, dando origem ao principal conflito de agência presente nessa região, ou seja, conflito entre acionistas majoritários e minoritários. O grande problema desse conflito é que as partes minoritárias não são plenamente protegidas contra a expropriação pelos majoritários e isso se deve principalmente à fraca estrutura legal (enforcement) dos países em relação à proteção dos acionistas minoritários.

Segundo Berghe e Levrau (2004, p. 462), um dos assuntos amplamente discutidos na literatura acadêmica diz respeito em como estruturar, adequadamente, o conselho de administração e o tamanho da influência que a constituição do conselho tem sobre as suas ações e a performance corporativa. Entretanto, a questão do papel dos conselhos não se mostra esgotada na esfera internacional, menos ainda no caso específico da América Latina.

Apesar de vastamente discutido na literatura, existem poucos trabalhos acadêmicos com objetivos semelhantes a esta pesquisa. Num desses, Jesover (2001) comparou as práticas de governança corporativa da Rússia, estabelecidas pelas leis e regulamentações do mercado, com os dois primeiros princípios da OCDE: direito dos acionistas e tratamento equitativo. Suas conclusões foram que, apesar do progresso no desenvolvimento extensivo da legislação e das regulamentações, há, ainda, um longo caminho a percorrer para alcançar os padrões recomendados de governança corporativa na Rússia.

Outro trabalho com objetivos semelhantes, realizado por Tsipouri e Xanthakis (2004), buscou identificar se as empresas da Grécia estão em conformidade com as melhores práticas internacionais. Baseado em 37 indicadores (compostos por 54 questões), os autores constataram que as empresas gregas demonstram um grau satisfatório de conformidade com os princípios da OCDE. Dentre os pontos mais fracos constatados estão: o tratamento dispensado aos stakeholders e responsabilidade social corporativa; organização das práticas de governança; a independência dos membros do conselho de administração e a evidenciação da remuneração de seus conselheiros.

Não foram encontrados estudos específicos que comparem as práticas de governança da América Latina aos princípios recomendados pela OCDE. Existem, apenas, alguns trabalhos que exploram a situação específica de determinado país. Por exemplo, Wigodski e Zúñiga (2003) exploram esse assunto, porém de forma superficial, comparando as recomendações da OCDE com a situação do Chile após aprovação da Ley de Opas. No Brasil, pode-se citar a pesquisa realizada por Kitagawa (2005), na qual foi feita uma análise comparativa dessas recomendações internacionais da OCDE aos segmentos de listagem da Bovespa que possuem práticas diferenciadas de governança (Níveis 1, 2 e Novo Mercado). Porém esse trabalho possui uma grande limitação, pois a sua amostra é composta por empresas que já adotam algum tipo de procedimento de governança exigido pela Bovespa e não necessariamente representam as características das empresas brasileiras.

3 MÉTODO DE PESQUISA

O objeto de estudo deste trabalho são as legislações societárias, regulamentações do mercado e as práticas societárias das empresas abertas do Brasil, Argentina, México e Chile, que possuem ações negociadas em bolsas de valores.

Para a amostra de empresas desses quatro países, foram selecionadas as mais representativas de cada país, ou seja, as integrantes da carteira teórica que medem os índices de cada mercado, conforme demonstrado na Tabela 1.

A utilização dessa metodologia para a seleção das amostras de empresas de cada país é justificável pelo fato de que as empresas que compõem esses índices são as mais representativas do mercado em que atuam. Foram utilizadas as composições das carteiras teóricas de cada mercado, tendo como base o mês de janeiro de 2007. A partir da composição da amostra de cada país, foram realizados ajustes de modo a agrupar as empresas que possuíam diferentes classes de ações no mesmo índice (exemplo, Petrobrás PN e Petrobrás ON) e empresas do mesmo grupo empresarial (exemplo, Bradesco e Bradespar). A Tabela 2 resume os ajustes realizados nas empresas da amostra.

Diante desses critérios, a amostra final de empresas é composta por 144 empresas, sendo 47 brasileiras, 24 argentinas, 33 mexicanas e 40 chilenas.

Para a coleta de dados, primeiramente, foi elaborado um questionário, cuidadosamente estruturado com base no quinto princípio recomendado pela OCDE para os países da América Latina (Responsabilidades do Conselho de Administração), com foco mais especificadamente no subgrupo que trata da "integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros". No intuito de validar o questionário, foi realizado um pré-teste com sua aplicação em oito empresas que não fazem parte da amostra final deste trabalho, mas que também possuem suas ações negociadas em bolsa de valores. Tal procedimento se fez necessário para ajustar as questões, deixando-as com conteúdo de modo mais objetivo possível, para extração de respostas confiáveis da amostra escolhida.

A aplicação do questionário às empresas da amostra deu-se em duas etapas: A primeira etapa consiste na confrontação de cada pergunta do questionário às legislações societárias e regulamentações do mercado de cada país. Pode-se denominar essa primeira etapa como "Governança Corporativa Institucional", ou seja, verificou-se o nível em que se encontram as legislações dos países em relação às recomendações da OCDE.

A segunda etapa da coleta de dados consiste na verificação das práticas empresariais. Pode-se denominar essa etapa como "Governança Corporativa Contratual", ou seja, foram verificadas as práticas voluntárias, normatizadas pelas empresas, em relação às recomendações da OCDE. O objetivo dessa etapa é de verificar a adoção de práticas adicionais de governança em relação ao que é exigido pelas legislações e, quando possível, averiguar o efetivo cumprimento (compliance) dos requisitos legais. Nessa etapa, a aplicação do questionário foi baseada em informações divulgadas para o público externo, disponibilizadas, principalmente, pelos sites de Relacionamento com Investidores das empresas da amostra ou pelas comissões de valores dos respectivos países. As análises foram fundamentadas, principalmente, nos Estatutos Sociais, Relatórios Anuais (ano base de 2005) e demais documentos relevantes que apontam as políticas e diretrizes da sociedade e sejam disponibilizadas aos seus usuários externos.

A utilização de duas etapas para a coleta de dados é justificável pelo seguinte motivo: uma empresa, qualquer que seja a sua nacionalidade, estará atuando num ambiente institucional, ou seja, deverá seguir as leis desse país. Além disso, a empresa também é gerida pelo disposto em seu regulamento interno, ou seja, os estatutos sociais, que são regras contratuais da sociedade com seus acionistas. Essas normas estatutárias deverão estar de acordo com as disposições legais de cada país, porém podem conter orientações de práticas adicionais em relação ao que é exigido pela legislação, no intuito de proteger seus investidores, com mecanismos mais sofisticados e atualizados de governança corporativa.

O questionário possui três opções de resposta: "Atende Plenamente", "Atende Parcialmente" e "Não Atende". Essas respostas foram organizadas e agrupadas por países, para posterior análise dos dados obtidos. Ao final, busca-se identificar o nível em que as empresas latino-americanas têm trabalhado em relação às recomendações internacionais de governança corporativa da OCDE, sob o prisma da integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros. Cabe ressaltar que este trabalho não teve a participação ativa das empresas, ou seja, o questionário foi respondido pelo próprio pesquisador nas duas etapas de coletas de dados, podendo uma etapa ser validada pela outra. A escolha dessa forma de coleta de dados se deve à presunção de que somente as empresas mais interessadas por governança corporativa e com outros atributos corporativos tenderiam a responder ao questionário, enviesando os resultados da pesquisa. Dessa forma, a utilização dessa metodologia para responder ao questionário garante maior independência das respostas, sem vieses na coleta de dados.

O questionário foi baseado em perguntas fechadas, ou seja, teve a opção de assinalar somente "Atende Plenamente", "Atende Parcialmente" e "Não Atende". Como as perguntas foram formuladas com base nas recomendações da OCDE, as respostas marcadas com "Atende Plenamente" ou "Atende Parcialmente" foram interpretadas como se a empresa atendesse os requisitos sugeridos pela OCDE (de forma plena ou parcialmente, com a devida justificativa) e, caso as respostas sejam "Não Atende", entende-se que a legislação ou a prática das empresas não seguem as diretrizes recomendadas pela OCDE.

Os dados coletados foram organizados e classificados em uma planilha, para a conversão das respostas em números, de modo a permitir a utilização de instrumentos estatísticos descritivos para análise dos dados. As informações extraídas do questionário foram agrupadas por países e por tópico da pesquisa, para, então, identificar em que nível as empresas latino-americanas seguem as recomendações de governança corporativa da OCDE.

A principal limitação dessa metodologia, característica das pesquisas de ordem qualitativa, são diferentes interpretações a respeito do mesmo assunto, em que tal fato pode ocorrer principalmente por envolver a análise da legislação societária de quatro países. Para minimizar esse efeito, cada questão analisada foi acompanhada pela justificativa de classificação da resposta e sua fundamentação jurídica. Outra limitação dessa metodologia é que a coleta de dados foi realizada pelo próprio pesquisador, ou seja, o questionário não foi enviado para as empresas para que elas o respondessem. Conforme já exposto, a utilização dessa metodologia, considerada mais imparcial e independente quando se trata da identificação de práticas governança corporativa, visa a anular o possível viés de empresas respondentes, porém esses dados coletados estão sujeitos a erros na interpretação dos fatos.

A seleção de empresas da amostra também pode ser considerada uma limitação da pesquisa. Embora as empresas que componham esses índices de mercados sejam as mais representativas da região, elas são, geralmente, representadas pelas maiores empresas locais, ou seja, não necessariamente representam as práticas do mercado como um todo. Além disso, apesar de haver menção de que serão identificadas as práticas de governança na América Latina, este trabalho está limitado a apenas quatro países (Brasil, Argentina, México e Chile). Esse procedimento é justificável pelo fato de que a OCDE elaborou as suas recomendações com base nesses países. Cabe ressaltar, ainda, que, de todos os Princípios recomendados pela OCDE, este trabalho aborda apenas um subgrupo do Princípio V, que trata da Integridade do Conselho e da Autonomia dos Conselheiros.

4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS RESULTADOS

Dentre todas as recomendações da OCDE para a América Latina, este trabalho tem como foco, apenas, um dos subgrupos abordados no Princípio V (Responsabilidades do Conselho de Administração). O questionário apresentado, a seguir, expressa as recomendações em relação à "Integridade do Conselho e Autonomia dos Conselheiros".

Em síntese, essas recomendações têm como objetivo verificar o posicionamento das empresas em relação às responsabilidades e supervisão dos administradores como forma de garantir o controle e os resultados esperados pelos acionistas (OCDE, 2003). Essas recomendações são expressas nas nove questões seguintes.

(Questão 01): São expressas proibições de práticas, tais como, "reuniões prévias" e instruções de voto dadas por acionistas a conselheiros eleitos com seus votos?

Segundo a OCDE (2003, p. 25), devem ser evitadas, nos atos constitutivos e demais documentos pertinentes à sociedade, disposições que permitam aos acionistas interferir no exercício, pelos conselheiros, do respectivo dever de agir no melhor interesse da sociedade e de todos os acionistas em determinadas matérias incluídas na competência do conselho. A orientação é de que os acionistas devem expressar sua vontade e proteger seus próprios interesses no exercício de seus direitos contratuais e estatutários, além de participarem das assembléias de acionistas, mas não orientando conselheiros sobre como votar nas reuniões do conselho. É, nesse sentido, que a OCDE recomenda que a estrutura jurídica e os atos constitutivos da sociedade não devem permitir práticas (como "reuniões prévias" e instrução de voto dadas por acionistas a conselheiros eleitos com seus votos) mediante as quais os acionistas possam limitar a capacidade de cumprimento, pelos conselheiros, de seu dever de agir no melhor interesse da sociedade e de todos os acionistas.

Os resultados da comparação entre essa recomendação e as legislações são de que nenhum país da região atende ao disposto pela OCDE. No Brasil e na Argentina, não foram encontrados dispositivos legais que tratem desse assunto. No caso do México, a legislação trata dessa questão de modo superficial, mencionando apenas no Art. 29 da Ley del Mercados de Valores (LMV) que os conselheiros devem desempenhar seus cargos sem favorecer a um determinado acionista ou grupo de acionistas, porém não é explícita ao coibir práticas de reuniões prévias e instruções de votos. Já o Chile, por meio do Art. 39 da Lei 18.046/02, também trata, implicitamente, desse assunto, mencionando que os conselheiros eleitos por um grupo ou classe de acionistas têm os mesmos deveres para com a sociedade e aos demais acionistas que os conselheiros restantes, não podendo faltar a isso e aquela a pretexto de defender os interesses de quem os elegeu. Por não haver declaração explícita, foi considerado que essas duas legislações não atendem ao recomendado pela OCDE.

De modo a identificar práticas societárias, com regras estabelecidas por meio dos estatutos sociais das empresas, foi realizada a segunda etapa da coleta de dados, cujos resultados são apresentados na Tabela 3.

Os resultados da Tabela 3 mostram que poucas empresas estabelecem a proibição de tais práticas. A grande maioria das empresas brasileiras e mexicanas, com 98% e 88%, respectivamente, e a totalidade das empresas argentinas e chilenas não estabelecem regras estatutárias em relação a essa recomendação.

(Questão 02): Existe definição e divulgação de regras em que seja estipulado o número de conselheiros independentes da administração e dos acionistas controladores?

De modo a promover a integridade do conselho, a OCDE (2003, p. 26) recomenda que os acionistas devem empenhar-se para manter número suficiente de conselheiros que não dependam da administração e dos acionistas controladores.

Os motivos explanados pela OCDE são devidos ao fato de que a administração da sociedade deve visualizar o conselho como um instrumento valioso ao qual recorrer. Porém, isso pressupõe uma composição segundo a qual fazem parte do conselho membros dispostos e capazes de realizar julgamentos independentes e de oferecer orientação objetiva à administração. A OCDE ressalta, ainda, que os conselheiros independentes podem desempenhar um papel importante em algumas funções vitais do conselho, tais como as de análises das operações com partes relacionadas e as de supervisão fiscal e controles internos.

De acordo com a OCDE, existem diferentes critérios para determinar a "independência" dos conselheiros, podendo variar de país para país e de empresa para empresa. Nesse sentido, a OCDE recomenda que a definição de independência seja feita com base em códigos ou regulamentos nacionais ou em diretrizes de melhores práticas que reflitam as circunstâncias no contexto nacional. Independentemente do critério adotado pela empresa para definir "independência", os acionistas devem ter um papel ativo no processo de desenvolvimento desse critério.

De acordo com as análises realizadas nas legislações, apenas o México atende plenamente a essa recomendação, estipulando no Art. 24 da LMV que 25% dos conselheiros devem ter caráter de independência. Nos demais países, Brasil, Argentina e Chile, não foram encontradas normas que definam tais práticas.

Com o intuito de verificar a existência de práticas voluntárias, foram realizadas análises nos estatutos sociais das empresas brasileiras, argentinas e chilenas de modo a identificar a estipulação dos números de conselheiros independentes no conselho de administração. Os resultados desse levantamento são apresentados na Tabela 4.

Pela análise da Tabela 4, verifica-se que as empresas brasileiras são as que mais adotam, voluntariamente, disposições estatutárias prevendo a existência de conselheiros independentes, com um índice de 38%. Entretanto, cabe ressaltar que esse resultado é limitado às empresas da amostra e não representam a realidade como um todo, pois a figura do conselheiro independente é pouco comum nas empresas brasileiras. O fato é que as empresas da amostra já possuem algumas boas práticas de governança, em virtude de listagem em níveis diferenciados de governança da Bovespa, como, por exemplo, o Novo Mercado, ou por terem suas ações negociadas em bolsas dos Estados Unidos.

Na Argentina, os resultados evidenciam uma baixa adesão a essa recomendação da OCDE, com um índice de 4% e, no Chile, nenhuma prevê essa prática.

Embora não tenham sido coletados dados das empresas mexicanas para essa questão, elas foram incluídas na Tabela 4, pois se presume um atendimento pleno a essa recomendação, em função do disposto pela legislação societária.

(Questão 03): Existe separação de cargos do "Diretor Presidente" e do "Presidente do Conselho"?

Nos países em que não é obrigatório, a OCDE (2003, p. 26) considera como uma boa prática a separação da figura do Diretor Presidente da do Presidente do Conselho, com o intuito de promover a integridade do conselho e dar-lhe maior independência.

Dos resultados levantados pela confrontação das legislações com essa recomendação, somente o Chile atende, plenamente, ao recomendado pela OCDE, declarando, expressamente, que o cargo de gerente geral (CEO) é incompatível com o de conselheiro, conforme previsto no Art. 49 da Lei 18.046/02. No caso brasileiro, a legislação societária não impõe impedimentos em relação a uma pessoa assumir os dois cargos referidos acima. O 1º§ do Art. 143 da Lei 6.404/76 prevê que, até 1/3 dos membros do conselho de administração, poderão ser eleitos para cargos de diretores. Na Argentina, o Art. 270 da lei 19.550/84 estabelece que as empresas podem designar gerentes gerais (equivalente ao Diretor Presidente exposto na questão), os quais podem ser ou não conselheiros. No México, a terceira seção da Ley General de Sociedades Mercantiles (LGSM), que trata da administração da sociedade, não explicita a separação dos cargos de "Diretor Presidente" e do "Presidente do Conselho". O Art. 145 da referida lei apenas menciona que a assembléia geral e os conselheiros poderão nomear um ou vários diretores gerais (equivalente a diretor presidente), podendo ser ou não acionistas.

Objetivando identificar a adoção voluntária dessa recomendação por parte das empresas, foram verificados se os cargos do presidente do conselho e diretor presidente eram ocupados por pessoas distintas. Os resultados desse levantamento são apresentados na Tabela 5.

Pelos resultados apurados, verifica-se que mais da metade da amostra atende à recomendação da OCDE de separação dos cargos, com destaque para as empresas brasileiras, com um índice de 85%. As empresas argentinas e chilenas ficaram praticamente no mesmo nível, com 67% e 58%, respectivamente.

No Chile, apesar de haver um atendimento pleno da legislação societária em relação a esse assunto, a coleta de dados dessa segunda etapa foi realizada de modo a averiguar o efetivo cumprimento dessa lei. Os resultados mostram que todas as empresas da amostra estão em conformidade com a legislação e, consequentemente, com as recomendações da OCDE.

(Questão 04): Existem regras no sentido de que os conselheiros, afiliados a qualquer parte interessada em determinada operação sob análise, se absterão de debater e votar essa matéria específica?

Segundo a OCDE (2003, p. 27), toda empresa deve ter uma política que defina claramente a forma pela qual o conselho avaliará e decidirá assuntos que representem potenciais conflitos de interesses. A recomendação é de que essa política do conselho de administração deva prever que os conselheiros, afiliados a qualquer parte interessada em determinada operação sob análise, se absterão de debater e votar essa matéria específica.

Pelos resultados obtidos da confrontação das legislações desses quatro países com essa recomendação, constata-se que Brasil, Argentina e Chile atendem, plenamente, ao disposto pela OCDE. No caso brasileiro, esse assunto é tratado no Art. 156 da lei 6.404/76, proibindo o administrador intervir em qualquer operação social em que tiver interesse conflitante com o da companhia, bem como na deliberação que a respeito tomarem os demais administradores. Na Argentina, o Art. 272 da Lei 19.550/84 é clara no sentido de orientar a abstenção do conselheiro em intervir na deliberação caso tenha possível conflito de interesses. Já na legislação mexicana, o Art. 156 da LGSM estabelece que qualquer operação em que o conselheiro tenha interesse oposto ao da sociedade, deverá comunicar tal fato aos demais conselheiros e abster-se de toda a deliberação e resolução.

Apenas a legislação do Chile não é tão explícita em relação aos demais países da região. De acordo com o Art. 44 da Lei 18.046/02, apenas quando o contrato for de valor relevante e caso não seja possível determinar preço de forma equitativa ao de mercado, o conselheiro, com interesse no negócio, deverá abster-se de votar. Para efeitos dessa lei, entende-se como valor relevante os contratos que superem 1% do patrimônio líquido. Nesse sentido, conclui-se que a legislação chilena atende parcialmente ao recomendado pela OCDE, pois os conselheiros se abstêm de votar apenas nessas condições e não em todas as operações em que possua interesses.

Então, por haver um atendimento parcial ao que é recomendado pela OCDE nessa questão, entende-se que esse é o patamar mínimo das práticas societárias das empresas chilenas. De modo a identificar práticas adicionais ao exigido pela legislação, foram analisados os estatutos sociais dessas empresas, verificando a existência de dispositivos estatutários que prevejam a abstenção de debater e votar as matérias em que os conselheiros tenham interesse. Os resultados são apresentados na Tabela 6.

Os resultados da Tabela 6 mostram que apenas 15% das empresas chilenas estabelecem esse mecanismo em seus estatutos sociais. As demais empresas, 85% da amostra, atendem apenas o que é exigido pela lei, ou seja, atendem parcialmente o recomendado pela OCDE.

Embora não tenham sido analisados os estatutos sociais das empresas brasileiras, argentinas e mexicanas para essa questão, elas aparecem representadas na tabela acima, pois se presume que elas cumprirão o estabelecido na lei, ou seja, atenderão plenamente ao recomendado pela OCDE.

(Questão 05): Existe comitê de auditoria composto de, no mínimo, uma maioria de conselheiros independentes?

De acordo com a OCDE (2003, p. 27), as práticas societárias estão nitidamente evoluindo para que os comitês específicos instituídos pelo conselho de administração desempenhem um papel mais importante, particularmente nas áreas de auditoria e definição da remuneração. Nesse sentido, a recomendação é de que medidas devam ser tomadas para acelerar o processo de estabelecimento desses comitês específicos, compostos de, no mínimo, uma maioria de conselheiros independentes, para exercer funções que possam representar conflitos de interesses. Ainda segundo o relatório, existe um crescente consenso de que esses comitês específicos podem representar um meio eficiente não só de garantir que o próprio conselho desenvolva efetivamente suas atividades fundamentais, mas também para inspirar confiança nos investidores. Os resultados apurados da confrontação das legislações dos países a essa recomendação são explicitados a seguir.

A legislação brasileira estabelece, por meio dos Artigos 160 e 163 da Lei 6.404/76, que o conselho de administração poderá criar novos órgãos técnicos e consultivos, mediante estatuto social. Prevê, também, a criação de um Conselho Fiscal, cujo objetivo principal é fiscalizar os atos dos administradores, verificando o cumprimento de seus deveres legais e estatutários.

Embora a legislação preveja a existência de um Conselho Fiscal, entende-se que o mesmo não possui funções similares às de um Comitê de Auditoria. Essa conclusão está baseada no fato de que os membros do Conselho Fiscal não são membros independentes, e possuem funções eminentemente fiscalizadoras. Já o Comitê de Auditoria tem caráter não somente fiscalizador, mas também administrador, principalmente por ser composto por membros do conselho de administração. Sendo assim, entende-se que a legislação societária brasileira não atende aos quesitos da OCDE. Argentina e México são os únicos países que preveem a existência explícita de um comitê de auditoria, atendendo plenamente o recomendado pela OCDE. No primeiro, o Art. 15 do Decreto 677/01 é explícito ao decretar a criação de um comitê de auditoria nas sociedades que fizeram oferta pública de suas ações, composta por três ou mais membros do conselho, sendo a maioria deles independentes, segundo o critério estabelecido pela comissão de valores. Já no segundo, a legislação mexicana, mediante Art. 25 da LMV, prevê a existência de um comitê de auditoria e os membros desse comitê serão integrados exclusivamente por conselheiros independentes.

Já a legislação chilena não prevê a existência de um comitê de auditoria. Na seção da Lei 18.046/02 que trata da fiscalização das sociedades, prevê apenas que, nas companhias abertas, as assembleias de acionistas deverão designar os auditores independentes e, caso haja previsão estatuária, existe a possibilidade de haver os inspetores de contas. Nesse sentido, entende-se que o Chile não atende as recomendações da OCDE.

A segunda etapa da coleta de dados consiste em identificar práticas adicionais em relação ao que é exigido pela legislação. Dessa forma, foram analisados os estatutos sociais das empresas brasileiras e chilenas, averiguando a existência de dispositivos estatutários que prevejam o comitê de auditoria, composto em sua maioria por conselheiros independentes. Os resultados desse levantamento são apresentados na Tabela 7.

Os resultados apresentados mostram que 21% das empresas brasileiras e 37% das chilenas atendem à recomendação da OCDE, ou seja, possuem um comitê de auditoria composto em sua maioria por conselheiros independentes. Mais uma vez cabe ressaltar que os resultados da Tabela 7 refletem apenas as empresas que compõem a amostra desta pesquisa, e não necessariamente refletem o comportamento das empresas como um todo.

Embora não tenha havido coleta de dados nas empresas argentinas e chilenas nessa questão, elas aparecem na Tabela 7, pois se presume que atenderão ao disposto na lei, ou seja, a recomendação da OCDE.

(Questão 06): Existe comitê de remuneração composto de, no mínimo, uma maioria de conselheiros independentes?

Os motivos reportados pela OCDE (2003, p. 27) sobre essa questão são os mesmos explanados na questão anterior. Procurou-se evidenciar, nessa questão, a existência de um comitê específico que trate somente das políticas de remuneração. Os resultados da primeira etapa da coleta de dados apontam que as legislações do Brasil, Argentina e Chile não tratam desse assunto, e, portanto, não atendem às recomendações da OCDE. No caso da legislação chilena, o Art. 50 da Lei 18.046/02 estabelece que as empresas abertas que possuam um patrimônio igual ou superior a 1.500.000 unidades de fomento deverão constituir um comitê de conselheiros, cuja função é, entre outras, deliberar a respeito das políticas de remuneração de gerentes e executivos principais. Porém, como esse comitê não é específico para tratar exclusivamente de remuneração e de não ser obrigatório para todas as empresas, entende-se que o Chile também não atende ao proposto nessa questão.

No intuito de identificar as empresas que possuem, voluntariamente, um comitê de remuneração composto em sua maioria por conselheiros independentes, foram analisados os estatutos sociais de todas as empresas da amostra, averiguando a existência de mecanismos estatutários que estipulam essa prática. Os resultados são apresentados na Tabela 8.

Pelos resultados da Tabela 8, verifica-se que o grande destaque fica com as empresas mexicanas, sendo que 67% delas possuem esse comitê. Nas empresas brasileiras, argentinas e chilenas, esse número é muito baixo, chegando a 6%, 8% e 2%, respectivamente.

(Questão 07): Existe comitê de análise de operações realizadas com partes relacionadas da empresa composto de, no mínimo, uma maioria de conselheiros independentes?

Os motivos da OCDE (2003, p. 27) para essa questão, também, são os mesmos explanados na quinta questão. Busca-se averiguar a existência de um comitê que trate especificamente das operações com partes relacionadas.

Pela análise das legislações, constata-se que nenhum dos países prevê a existência desse comitê. Diante disso, essa questão foi respondida conforme as práticas societárias, ou seja, a análise baseou-se na verificação da existência de dispositivos estatutários que prevejam a existência desse tipo de comitê, composto por maioria de conselheiros independentes. Os resultados são apresentados na Tabela 9.

A Tabela 9 evidencia que poucas empresas possuem um comitê específico para tratar da análise de operações com partes relacionadas. Apenas 12% das empresas mexicanas e 2% das brasileiras preveem a existência desse tipo de comitê. A grande maioria das empresas não possui esse comitê e, na Argentina e no Chile, esse índice chega a 100% das empresas da amostra.

(Questão 08): Se existirem comitês específicos na sociedade, há definição e divulgação formal das atribuições, composição, normas de trabalho e suas atividades principais?

A recomendação da OCDE (2003, p. 27) é que, ao constituir comitês com objetivos específicos, se deve documentar formalmente e divulgar as respectivas atribuições, composição, normas de trabalho e atividades principais. A explicação é de que se, por um lado, a utilização de comitês específicos instituídos pelo conselho expandiu-se mundialmente nos últimos anos, por outro lado, ainda existe muita confusão em várias jurisdições quanto à sua situação legal, responsabilidades, composição etc. Para que esses comitês melhorem efetivamente o funcionamento do conselho e garanta aos investidores de que se destinam a um propósito significativo, o seu papel, mandato, situação e composição devem ser esclarecidos e divulgados ao mercado, inclusive com a emissão de relatórios periódicos acerca de suas principais atividades aos acionistas.

Os resultados da confrontação das legislações com essa recomendação apontam que nenhum país atende ao disposto pela OCDE nessa questão. No Brasil, o Art. 60 da Lei 6.404/76 deixa claro que o conselho poderá criar, mediante estatuto, órgãos consultivos e, dentre eles, podem se enquadrar os comitês especificados nas questões cinco, seis e sete, porém não é especificado se os estatutos devem conter as atribuições, composição, normas de trabalho e atividades principais. O mesmo tratamento é encontrado na legislação mexicana, por meio do Art. 25 da LMV. Portanto, entende-se que ambos os países não atendem o requisito dessa questão.

Nas legislações da Argentina e Chile não foram encontrados dispositivos legais que tratem desse assunto. Diante desses resultados, a segunda etapa da coleta de dados consistiu em averiguar as práticas empresariais, ou seja, verificar se existe documentação formal que estabeleça as diretrizes de funcionamento nas empresas que possuam alguns dos comitês previstos nas questões cinco, seis e sete. A Tabela 10 resume os resultados obtidos desse levantamento das práticas societárias.

Os resultados apresentados mostram que as empresas mexicanas são as que obtiveram os maiores índices percentuais de adesão ao recomendado pela OCDE, com disponibilização aos usuários externos do regulamento interno de funcionamento dos comitês específicos criados pela sociedade, atingindo cerca de 94% das empresas da amostra.

Brasil e Argentina obtiveram resultados semelhantes, com pelo menos metade das empresas da amostra desses dois países. Já as empresas chilenas foram as que obtiveram menor índice de adesão, com apenas 25% delas.

(Questão 09): Existem regras coibindo a participação e/ou atuação de conselheiros "suplentes" ou "adjuntos" no conselho de administração?

A orientação da OCDE (2003, p. 28) para essa questão é de que a estrutura jurídica ou os atos constitutivos da sociedade devem abolir a participação de conselheiros suplentes no conselho de administração. Essa recomendação é baseada no fato de que a existência de suplentes pode reduzir o grau de envolvimento dos conselheiros titulares, inclusive em relação a seu comparecimento às reuniões do conselho, ao mesmo tempo em que emite um sinal aos suplentes no sentido de que eles são algo mais do que meros observadores. A consequência final é que o grau de envolvimento fique possivelmente abaixo daquele que seria considerado ideal.

Os resultados obtidos da confrontação dessa recomendação com as legislações dos países apontam que nenhum país atende ao requisito dessa questão. No Brasil, o Art. 140 da Lei 6.404/76 não proíbe a figura do conselheiro suplente, porém permite que cada estatuto social estabeleça suas regras de substituição de conselheiros. A legislação argentina, por intermédio do Art. 258 da Lei 19.550/84, trata, da mesma forma, esse assunto.

Também no México e Chile, as legislações estabelecem que as empresas poderão admitir a figura do conselheiro suplente, desde que prevista no estatuto social. Esses procedimentos estão fundamentados no Art. 24 da LMV e no Art. 32 da Lei 18.046/02, respectivamente.

A segunda etapa da coleta de dados, nessa questão, baseia-se na análise dos estatutos sociais de todas as empresas da amostra, com o intuito de verificar a existência de normas estatutárias que proíbam a figura do conselheiro suplente. Os resultados são apresentados na Tabela 11.

A análise dos resultados acima evidencia que as empresas brasileiras e chilenas são as que mais proíbem a existência de conselheiro suplente no conselho de administração, porém esse resultado não é expressivo, atingindo 55% e 45% da amostra, respectivamente. Argentina e Chile estão numa situação pior, com um nível de adesão de apenas 17% e 3% das empresas da amostra, respectivamente.

4.1 Análise Geral

De modo a analisar o comportamento geral desses quatro países em relação aos princípios recomendados pela OCDE, sob o prisma da integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros, foi calculada a média dos resultados obtidos. Esses resultados são apresentados na Tabela 12.

Os resultados evidenciam que o México é o país com maior percentual de atendimento pleno às recomendações da OCDE, num total de aproximadamente 61%, cujos pontos fortes estão concentrados nas questões dois, quatro e cinco, que tratam, respectivamente, da independência dos conselheiros, abstenção de debater e votar em matérias em que possuam interesses, e existência de comitê de auditoria composto por maioria de membros independentes. As questões de número um, sete e nove são os principais pontos fracos das empresas mexicanas, que tratam, respectivamente, da proibição de orientações dadas por acionistas controladores aos conselheiros, existência de comitê de análise de operações com partes relacionadas e a proibição da existência de conselheiros suplentes.

O Brasil aparece em segundo lugar, com um índice médio de 40% de atendimento pleno às recomendações. Os destaques no caso brasileiro são as questões três (separação de cargos do "Diretor Presidente" e do "Presidente do Conselho") e quatro (abstenção de voto de conselheiro afiliado a qualquer parte interessada em determinada operação). Os pontos fracos são evidentes na questão de número um (proibição de orientações dada por acionistas aos conselheiros), questão seis (existência de comitê de remuneração) e questão sete (existência de comitê de análise de operações com partes relacionadas).

Argentina e Chile não obtiveram um índice elevado em função da alta frequência de não atendimento em várias questões. Os pontos fracos em comum entre esses dois países são a primeira, segunda, sexta e sétima questão, com altos índices de não atendimento às recomendações, que tratam, respectivamente, da proibição de orientações dadas por acionistas controladores aos conselheiros, determinação do número de conselheiros independentes, existência de comitê de remuneração e a existência de comitê de análise de operações com partes relacionadas. Entretanto, cabe ressaltar que, no caso argentino, as questões de números quatro (abstenção de voto de conselheiro afiliado a qualquer parte interessada em determinada operação) e cinco (existência de comitê de auditoria) e a terceira questão (separação de cargos do "Diretor Presidente" e do "Presidente do Conselho") no caso chileno, obtiveram índices máximos de adesão aos princípios recomendados pela OCDE.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os mercados de capitais na América Latina têm se desenvolvido muito nos últimos anos. Diante desse desenvolvimento, as grandes corporações dessa região têm buscado formas que garantam uma gestão mais transparente e justa, fazendo com que seus administradores atuem de forma a garantir o controle e resultados esperados pelos acionistas. Essa é a essência das recomendações da OCDE em relação a esse tema, orientando as empresas e órgãos reguladores a implantarem mecanismos que garantam a integridade dos conselhos e autonomia de seus membros. Nesse sentido, este trabalho teve como objetivo averiguar o nível de adesão das empresas latino-americanas, mais especificadamente Brasil, Argentina, México e Chile, em relação aos princípios de governança corporativa recomendados pela OCDE para essa região, focando, apenas, as orientações que dizem respeito à integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros.

Os resultados apontam que o México é o país com maior nível de adesão às recomendações da OCDE, seguido do Brasil, Argentina e Chile. Entretanto, esses resultados não podem ser considerados satisfatórios, pois se verifica uma grande distância entre o cenário ideal e o real dessa região. Pelos resultados das médias gerais apresentados na Tabela 12, verifica-se que, cerca de 57% das recomendações da OCDE, não são seguidas em relação à integridade dos conselhos e autonomia dos conselheiros. Os principais pontos fracos, de modo geral, da América Latina, são as recomendações expostas nas questões de número um e sete, que tratam, respectivamente, de proibições de reuniões prévias e instruções de votos dadas por acionistas controladores a conselheiros, e a não existência de comitê para tratar de transações com partes relacionadas. Os pontos fortes da região estão concentrados, de modo geral, nas recomendações expostas na terceira e quarta questão, que tratam da separação dos cargos de "diretor presidente" e do "presidente do conselho", e na existência de regras que proíbem os conselheiros de debater e votar matérias nas quais tenha algum tipo de interesse.

Os resultados permitem concluir que muito ainda deve ser feito para melhorar as práticas de governança na América Latina, de modo a se adequarem ao nível máximo de atendimento às recomendações internacionais.

Este trabalho pretendeu contribuir para o estudo da governança corporativa, principalmente no sentido de identificar o nível de adesão de empresas latino-americanas aos padrões recomendados internacionalmente. Com esse mapeamento, podem-se traçar estratégias para uma efetiva implementação de boas práticas de governança na região, tendo em vista os benefícios que podem ser advindos dessa adoção. Uma maior adesão aos princípios da OCDE pode significar uma abertura maior do mercado de capitais dessa região para investimentos externos, ou seja, pressupõe-se uma maior canalização de recursos externos pelo atendimento de regras internacionais de governança. Esforços para melhoria dessas práticas são extremamente necessários, ainda mais num ambiente financeiro globalizado. Sugere-se, como tema de pesquisas futuras, uma análise mais detalhada das práticas de governança nesses quatro países, comparando-os com os demais princípios de governança recomendados pela OCDE para a América Latina.

Recebido em 14.07.2007

Aceito em 07.03.2008

2ª versão aceita em 26.05.2008

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    Artigo apresentado no 31º EnANPAD, Rio de Janeiro-RJ, 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      14 Jul 2007
    • Aceito
      26 Maio 2008
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