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O efeito da diversificação corporativa na estrutura de capital das firmas brasileiras

Resumos

Este trabalho tem por objetivo verificar se a diversificação corporativa aumenta a capacidade de endividamento das firmas brasileiras por meio do cross-pledging. Utilizando o modelo de dados em painel, estimamos a relação entre alavancagem e o grau de diversificação corporativa usando uma amostra de empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) entre 2009 e 2011 e utilizando empresas brasileiras com acesso ao mercado internacional através de American Depositary Receipts (ADRs) no período de 2003 a 2011. Por meio dos testes empíricos, encontramos a não relação entre diversificação e endividamento em ambas as amostras, indicando que a estratégia de diversificação corporativa das empresas não deve ser utilizada como estratégia de expansão de sua capacidade de financiamento.

Garantia cruzada; Diversificação corporativa; Estrutura de capital


This study aims to determine whether corporate diversification increases the borrowing capacity of Brazilian companies by means of cross-pledging. Using a panel data model, we estimated the relationship between leverage and the degree of corporate diversification using a sample of companies listed on the São Paulo Stock Exchange (Bovespa) between 2009 and 2011 and Brazilian companies with access to international markets through American Depositary Receipts (ADRs) in the period 2003-2011. Using empirical tests, we found no relationship between diversification and debt in either sample, indicating that a strategy of corporate diversification should not be used as a strategy to expand a company's financing capacity.

Cross-pledging; Corporate diversification; Capital structure


ARTIGOS

O efeito da diversificação corporativa na estrutura de capital das firmas brasileiras1 1 Os autores são gratos a Fábio Moraes da Costa, Fernando Caio Galdi e também aos pareceristas anônimos pelos comentários que contribuíram para melhorar o artigo. Bruno Funchal agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) pelo apoio financeiro.

Jandir NicoliI; Bruno FunchalII

IMestre em Administração - Professor do Departamento de Administração da Faculdade FUCAPE Business School E-mail: jandirnicoli@gmail.com

IIProfessor Doutor do Departamento de Administração e Contabilidade da Faculdade FUCAPE Business School E-mail: bfunchal@fucape.br

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo verificar se a diversificação corporativa aumenta a capacidade de endividamento das firmas brasileiras por meio do cross-pledging. Utilizando o modelo de dados em painel, estimamos a relação entre alavancagem e o grau de diversificação corporativa usando uma amostra de empresas listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) entre 2009 e 2011 e utilizando empresas brasileiras com acesso ao mercado internacional através de American Depositary Receipts (ADRs) no período de 2003 a 2011. Por meio dos testes empíricos, encontramos a não relação entre diversificação e endividamento em ambas as amostras, indicando que a estratégia de diversificação corporativa das empresas não deve ser utilizada como estratégia de expansão de sua capacidade de financiamento.

Palavras-Chave: Garantia cruzada. Diversificação corporativa. Estrutura de capital.

1 Introdução

Desde os primeiros estudos de Modigliani e Miller (1958), a escolha da estrutura de capital é um tema central nas pesquisas em finanças e o uso da dívida, nesse contexto, é essencial para financiar o crescimento de muitas firmas. Entretanto, firmas muito endividadas podem encontrar dificuldade em obter recursos externos para novas oportunidades de investimento. A diversificação corporativa pode determinar vantagens de financiamento e investimento para as firmas.

A teoria sugere dois benefícios potenciais quando as firmas exploram linhas de negócios diferentes. Primeiro, as firmas diversificadas podem transferir capital escasso entre suas divisões para financiar alguns projetos em detrimento de outros (Williamson, 1975; Stein, 1997; Matsusaka & Nanda, 2002). Segundo, o efeito da correlação imperfeita entre os fluxos de caixa dessas divisões ou projetos reduz o risco de inadimplência, aumenta as garantias da firma, resultando em mais acesso a crédito (Diamond, 1984; Lewellen, 1971; Stein, 2003). Esse efeito é chamado por Tirole (2006) de "cross-pledging", isto é, as firmas podem utilizar a renda que receberem de um projeto bem sucedido como garantia para o financiamento de outro, desde que sejam independentes (Diamond, 1984).

Por outro lado, Lang e Stulz (1994) e Servaes (1996) mostram que os conglomerados sofrem descontos no seu valor quando comparados com firmas que mantêm sua atividade focada em sua atividade principal. No Brasil, o estudo mais recente foi realizado por Carvalho, Maia, e Barbedo (2012). Na visão tradicional, isso acontece porque o aumento no número de segmentos gera problemas de agência e agrava a distorção interna de capital (Berger & Ofek, 1995; Shin & Stulz, 1998; Rajan, Servaes, & Zingales, 2000; Scharfstein & Stein, 2000).

Artigos empíricos recentes têm estudado como a diversificação oferece vantagens de financiamento e investimento para as firmas (Hubbard & Palia, 1999; Campelo, 2002; Hovakimian, 2011). Os resultados dessas pesquisas indicam que a eficiência na alocação de recursos internos alivia as restrições de crédito geradas por condições adversas do mercado externo. De acordo com os autores, nessas condições, a diversificação pode oferecer vantagens de investimento, na medida em que as firmas diversificadas podem alocar recursos escassos em um projeto mais rentável em detrimento de outro.

Com relação às vantagens sobre financiamento, resultados mostram que, em momentos de crise financeira, conglomerados são significativamente mais alavancados que empresas focadas (e.g. Dimitrov & Tice, 2006; Yan, Yang, & Jiao, 2010; Kuppuswamy & Villalonga, 2010). Tal fato é explicado pela diversificação em projetos corporativos, que oferece um tipo de seguro aos investidores contra condições adversas do mercado. Assim, em geral, estudos anteriores concluíram que firmas diversificadas são mais alavancadas do que as firmas focadas, em um sentido estatístico (Berger & Ofek, 1995; Ahn, Denis, & Denis, 2006). No entanto, Comment e Jarrell (1995) questionam a validade empírica de tais resultados devido à baixa significância econômica na associação entre alavancagem e diversificação, quando a diversificação é medida com o índice Herfindahl.

Assim, a questão mais ampla que o trabalho visa responder é se a diversificação corporativa aumenta a capacidade de financiamento das firmas brasileiras, de tal forma que a renda dos fluxos de caixa das divisões ou projetos seja usada como garantia para o financiamento de novas oportunidades de investimento.

Note que a contribuição deste trabalho é investigar se firmas diversificadas são de fato mais alavancadas que as firmas focadas, não apenas como consequência de períodos de crise financeira, mas sim de forma sistemática, o que serviria de instrumento para política de financiamento das empresas. Além disso, agregamos para a discussão da literatura nacional sobre benefícios da diversificação corporativa no Brasil, que vem destacando seus efeitos sobre valor de mercado e desempenho corporativo (Carvalho, Maia, & Barbedo, 2012), mas trata das possibilidades geradas sobre a possível expansão da capacidade de endividamento das empresas.

O teste do cross-pledging foi realizado por meio de um painel de 335 empresas brasileiras listadas na Bovespa, Bolsa de Valores de São Paulo, entre 2009 e 2011, no total de 559 observações. O período de tempo está limitado aos anos de 2009 a 2011, pois apenas após o CPC 22 foi exigido das empresas listadas na bolsa informações específicas sobre segmentos de atuação. Dada essa limitação, a fim de testar a estabilidade dos resultados em relação ao período analisado, foi feito um teste de robustez apenas para empresas com ADR níveis II e III, que são listadas no mercado americano, para o período de 2003 a 2011, totalizando 191 observações. Esse conjunto de empresas já reportava tal informação por segmento dada a exigência da Securities and Exchange Commission (SEC).

Os dados financeiros para esta pesquisa foram coletados por meio do banco de dados da Economática e as demais informações necessárias para o cálculo das medidas de diversificação foram extraídas manualmente do relatório 20-F e nas Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) anuais de cada empresa, disponíveis no site da Bovespa.

O procedimento econométrico utilizado ao longo do estudo foi o modelo de painel com duplo efeito fixo. Como resultado geral não foi observada qualquer relação estatisticamente significativa entre diversificação e a capacidade de financiamento das firmas por meio do cross-pledging. Tal resultado mostra que, no ambiente econômico brasileiro, as empresas ainda não conseguiram obter os benefícios da diversificação corporativa traduzidos em sua estrutura de capital, o que ajuda a reduzir os incentivos a formação de conglomerados. Desta forma, a diversificação não deve ser utilizada como estratégia de expansão da capacidade de financiamento das empresas.

O restante deste trabalho está sob a seguinte organização: a seção 2 apresenta o modelo teórico adotado; a seção 3, o detalhamento da metodologia utilizada; na seção 4, os resultados empíricos são apresentados; e na última seção, a conclusão.

2 Modelo Teórico

Holmstrom e Tirole (1997) desenvolveram um modelo no qual uma firma teria incentivos a diversificar. Este modelo permite analisar os benefícios da diversificação no caso de dois ou mais projetos independentes. O modelo apresentado a seguir também pode ser encontrado em Tirole (2006).

2.1 Alavancagem com Diversificação: Cross-Pledging.

Como hipóteses do modelo, cada empresário, neutro ao risco, tem inicialmente um nível de ativos A, que serão utilizados na realização de um projeto de investimento. Em caso de sucesso, o projeto irá gerar retornos R > 0, mas em caso de fracasso, não produzirá renda R = 0. A probabilidade de sucesso é representada por p.

Cada projeto requer um investimento fixo de I, entretanto, assume-se que os ativos iniciais do empresário são insuficientes para a realização do projeto, portanto, A < I. Desse modo, cada empresário deve obter emprestado I–A de credores para implementar seus projetos.

Todo projeto está sujeito ao risco moral, isto é, o empresário pode escolher se faz um esforço alto, aumentando a probabilidade de sucesso do projeto (pH), ou se faz um esforço baixo, reduzindo a probabilidade de sucesso do projeto (pL). Se o empresário escolher um baixo nível de esforço, recebe benefícios (geralmente não pecuniários) como definido por B > 0 (medidos em unidades monetárias)2 2 Exemplos de benefícios normalmente observados na prática são: táticas de entrincheiramento, facilidade de implementação do projeto, contratação de pessoas ligadas ao gestor e regalias em geral. . Note que a probabilidade de sucesso em caso de esforço alto é estritamente maior que a de sucesso, caso escolha esforço baixo e que a escolha do nível de esforço por parte do empresário não é contratável e não observável, apenas o resultado do projeto.

Pelo lado da oferta de crédito, credores estão em um ambiente competitivo e são neutros ao risco. Por simplicidade, assume-se que a taxa de juros básica é zero. O contrato de empréstimo estipula como o lucro é dividido entre credores e tomadores. Os tomadores são protegidos pela responsabilidade limitada, isto é, sua renda não poderá assumir valores negativos e ambos os lados recebem 0 em caso de fracasso. No caso de sucesso, as duas partes dividem o lucro de R, sendo que Rb vai para o empresário e R1 para os credores.

Como o contrato só pode depender das variáveis observáveis, define-se um mecanismo de incentivo ao empresário baseado no recebimento em caso de sucesso. Assim, ele deve receber Rb em caso de sucesso e 0 em caso de fracasso. Para os credores, o valor esperado do recebimento deve compensar o valor do empréstimo3 3 Essa igualdade é resultado direto das hipóteses de neutralidade ao risco e mercado competitivo. :

Desta forma, a taxa de juroi é dada por:

O contrato de empréstimo deve ser estruturado de forma a induzir o empresário a comportar-se adequadamente. Dessa forma, o valor esperado do ganho do empresário deve ser maior se este escolher fazer esforço alto do que se escolher fazer esforço baixo (essa restrição chamamos de restrição de compatibilidade de incentivos), que pode ser representado por:

Assim, a maior renda em caso de sucesso que pode ser oferecida para os credores, sem comprometer os incentivos dos empresários, é:

Assim, o valor esperado do fluxo de caixa gerado pelo projeto que pode ser dada ao credor é:

Para financiar um projeto, os credores devem receber como garantia o montante definido em (5) que seja pelo menos igual ao valor que foi emprestado I - A. Essa condição é chamada de restrição de participação:

Porém, até agora isso é apenas uma condição necessária para o financiamento dos projetos de investimento das empresas. Como tal condição de financiamento poderia ser modificada com a inclusão de outros projetos de investimento?

Para compreensão do aumento da capacidade de endividamento por meio da diversificação, consideram-se dois projetos idênticos e independentes e com investimentos fixos de mesmo tamanho I. Serão mantidas as mesmas condições das premissas descritas acima.

Ao assumir que ambos os projetos são financiados, então o empresário pode comprometer-se a fazer esforço alto em ambos, em apenas um deles ou em nenhum dos projetos. Existem quatro resultados possíveis: os dois projetos serem bem sucedidos (R2), apenas um deles ser bem sucedido (R1) ou nenhum deles (R0). Para a realização de dois projetos é necessário que o incentivo ao empresário seja suficiente para fazê-lo exercer esforço alto em ambos. Assim, o retorno esperado dos projetos pode ser descrito por:

Ao considerar dois projetos sob uma única firma, a renda em um pode ser usada como garantia para outro projeto. Com relação ao contrato de empréstimo, considere um contrato tal que o tomador é recompensado apenas quando os dois projetos são bem sucedidos,

isto é, existe um esquema ótimo de incentivo que premia o gerente apenas em caso de sucesso completo. Com um sistema de incentivo ótimo, a restrição de compatibilidade de incentivos que garante o esforço ao tomador de trabalhar em ambos os projetos é4 4 Essa condição é resultado da desigualdade do retorno esperado de (7) com o retorno esperado em caso de esforço alto em apenas um projeto ou esforço alto em nenhum projeto. :

Assim, o valor esperado do fluxo de caixa do projeto que pode ser dado como garantia para o credor é, portanto, pHR + pHR - p2 2 Exemplos de benefícios normalmente observados na prática são: táticas de entrincheiramento, facilidade de implementação do projeto, contratação de pessoas ligadas ao gestor e regalias em geral. HR2b:

Note que e, portanto,

o que garante que o fluxo de caixa gerado pelos dois projetos independentes tem o poder de aumentar a capacidade de financiamento das empresas (primeira desigualdade de (10)).

Portanto, cross-pledging facilita o financiamento. Entretanto, os benefícios do cross-pledging vêm do efeito da diversificação. O argumento principal é que, por causa da independência dos projetos, o empresário (devedor) pode penhorar a renda de um projeto como garantia para um segundo que poderá falhar. Assim o financiamento em questão estabelece obrigações em projetos individuais (não relacionados), pois, quando os projetos são correlacionados e falham, a renda vinda é sem valor.

Com isso, esperamos que empresas com diversificação de projetos tendam a aumentar seu endividamento. Assim, o que queremos testar na prática é a forma reduzida da seguinte relação:

e esperamos encontrar β > 0 indicando tal relação positiva entre diversificação e endividamento.

3 Metodologia

Neste estudo, foi utilizado o modelo de dados em painel com duplo efeito fixo. A estimação por efeitos fixos foi utilizada com intuito de considerar as características individuais não observáveis e invariantes no tempo (efeito fixo no cross-section) e os choques comuns às firmas ao longo do tempo (efeito fixo de tempo), que podem contribuir para a variabilidade da nossa variável dependente. O modelo de efeitos aleatórios também será um modelo alternativo a ser considerado. Apesar de seu estimador ser mais eficiente, pelo fato de não gerar estimadores consistentes por construção5 5 A propriedade da consistência do estimador garante que o parâmetro amostral estimado converge para o verdadeiro parâmetro populacional para amostras suficientemente grandes. , como o modelo de efeitos fixos, será utilizado o teste de Hausman para garantir, mesmo que estatisticamente, sua consistência.

A fim de responder a questão principal desta pesquisa, isto é, se a diversificação corporativa aumenta a capacidade de financiamento das firmas, por meio do cross-pledging, verifica-se a relação entre o grau de diversificação e alavancagem. Nessa análise, a variável dependente é a dívida, representada pelo logaritmo natural da soma de todas as dívidas de curto e longo prazo do balanço e o grau de diversificação apresenta-se como variável explicativa.

O grau de diversificação foi definido por meio de duas medidas, a primeira é o número de segmentos que a firma reporta, a segunda, e mais importante, é o índice Herfindahl. O índice corresponde à soma dos quadrados do percentual da receita líquida de cada segmento reportado. Dessa maneira, se houver apenas um segmento, o índice será igual a um e, quanto mais diversificada for a firma, mais próximo de zero será o seu índice.

Essa metodologia é similar à utilizada por Lang e Stulz (1994), Comment e Jarrell (1995), Berger e Ofek (1995), estudos seminais sobre diversificação corporativa. O índice Herfindahl é calculado da seguinte forma:

Onde n é o número de segmentos que a empresa reporta e Pi é o valor da receita líquida de cada segmento de negócio ou operacional6 6 As informações são apresentadas conforme CPC 22 (IFRS 8). Um segmento operacional é um componente de entidade que desenvolve atividades de negócio das quais pode obter receitas e incorrer em despesas, cujos resultados operacionais são regularmente revistos pelo principal gestor das operações da entidade para a tomada de decisões e para o qual haja informação financeira individualizada disponível. e P corresponde à receita líquida total da empresa i, no ano t. Os dados de receita líquida por segmentos para a amostra inicial foram coletados nas notas explicativas divulgadas nas Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) de cada empresa anualmente; já para a subamostra, a coleta procedeu-se por meio do relatório 20-F7 7 O 20-F é um relatório que segue as regras da Securities and Exchange Commission, na qual as firmas reportam informações padronizadas. , ambos os dados foram coletados manualmente para cada empresa e ano.

Assim, para o teste do cross-pledging foi proposta a seguinte equação de regressão:

Onde,

- variável dependente, é o logaritmo natural da soma de todas as dívidas de curto e longo prazo do balanço;

- constante do modelo;

- representa o coeficiente da variável explicativa, isto é, a variação esperada na variável dependente, para uma unidade de variação na variável explicativa;

Seg - variável explicativa que representa o grau de diversificação da empresa (i) no período de tempo (t)

hhi - variável explicativa que representa o grau de diversificação da empresa (i) no período de tempo (t)

Controlesit - representa as variáveis de controle utilizadas no modelo, são atributos da empresa (i) no período de tempo (t)

- representa o erro da regressão no período de tempo

Além disso, foram considerados outros fatores que podem determinar a capacidade de endividamento das firmas. Seguem abaixo os fatores considerados e as variáveis de controle utilizadas para representar esses fatores:

Oportunidades de crescimento. Para Myers (1977), firmas muito alavancadas são mais prováveis de deixar passar boas oportunidades de investimento. Assim, firmas com expectativas de crescimento futuro deveriam manter um nível mínimo de dívida em seus balanços. Para Lang, Ofek, e Stulz (1996), firmas com mais oportunidades valiosas de crescimento tendem a ser menos alavancadas. Por isso, podemos esperar uma relação negativa entre alavancagem e oportunidades de crescimento. Foi utilizado o Price to Book como proxy para as oportunidades de crescimento.

  • Tamanho. Empresas maiores tendem a ter um maior grau de diversificação e menor risco de falência, o que resultaria em mais acesso a crédito (Lewellen, 1971; Stein, 2003; Rajan & Zingales, 1995; Rajan et al., 2000). Para representar o Tamanho foi utilizado o logaritmo natural do ativo total.

  • Tangibilidade. Araújo, Ferreira, e Funchal (2012) argumentam que os ativos tangíveis são mais fáceis de hipotecar, tendo assim um efeito direto sobre as características da dívida. Rajan e Zingales (1995) também consideram que os ativos tangíveis da firma podem ser usados como garantia (colateral) para os credores, desse modo, empresas com maiores quantidades de ativos seriam mais alavancadas. A Tangibilidade foi obtida pela razão entre o imobilizado e ativo total das firmas.

  • Rentabilidade. Rajan e Zingales (1995) argumentam que firmas mais rentáveis tendem a ser mais alavancadas. Para os autores, os credores são mais dispostos a firmar contratos de empréstimo com empresas mais rentáveis porque esses índices refletem resultados operacionais das empresas. Além disso, as firmas mais rentáveis podem elevar o seu nível de endividamento devido ao benefício fiscal dessa fonte de financiamento (Myers, 1984). A rentabilidade é representada pelo indicador de retorno sobre os ativos (ROA), calculado pela razão entre

    Earnings Before Interest and Taxes (EBIT) e ativo total.

  • Risco de falência e liquidez. Empresas com mais problemas de liquidez devem enfrentar maior risco de falência (Araújo, Ferreira, & Funchal, 2012). Desse modo, empresas mais arriscadas tendem a ser menos alavancadas, pois apresentam maior probabilidade de inadimplência, reduzindo a disponibilidade de crédito externo. Seguindo Araújo et al. (2012), o Risco de falência e liquidez foi calculado pela razão entre o lucro antes de juros e impostos (EBIT) e as despesas financeiras.

3.1 Dados e Amostra.

O teste empírico do cross-pledging foi realizado em dois grupos de empresas, a amostra inicial é composta por 335 empresas listadas na Bovespa entre os anos de 2009 a 2011, totalizando 559 observações. O segundo grupo, a subamostra, corresponde às empresas brasileiras com acesso ao mercado internacional ADRs (American Depositary Receipts) de níveis II e III, foram 24 empresas pesquisadas no período de 2003 a 2011, no total de 191 observações.

Os dados financeiros consolidados das empresas foram obtidos na Economática e as demais informações necessárias para o cálculo das medidas de diversificação foram extraídas do relatório 20-F e das Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFP) que são divulgadas anualmente por empresa, disponíveis no site da Bolsa de Mercadorias e Futuros BM&F/Bovespa. A coleta procedeu-se manualmente, sendo a consulta realizada no relatório de todas empresas durante os anos propostos de observação.(Tabela 1)

4 Resultados

A Tabela 2 apresenta a estatística descritiva das variáveis utilizadas neste estudo. A amostra inicial para o teste do cross-pledging é composta por 335 empresas brasileiras listadas na Bovespa entre o período de 2009-2011. Já a subamostra é constituída de 24 empresas brasileiras ADRs, com ações na bolsa de valores norte-americana, observadas entre os anos de 2003 a 2011. A variável Dívida está expressa em milhões e foi dividida pelo ativo total.

As diferenças apresentadas nos valores das variáveis devem-se ao tamanho de cada amostra. Em relação ao grau de diversificação, conforme Tabela 2, verifica-se uma alta concentração entre os projetos ou segmentos operacionais das firmas brasileiras, sendo que a média do índice Herfindahl para a amostra inicial é de 0,75 e para a subamostra de 0,67.

4.1 Regressão em Painel.

A análise do cross-pledging consiste em verificar o impacto do grau de diversificação, medido pelo índice Herfindahl e o número de segmentos que a empresa reporta, sobre a dívida.

A amostra analisada na Tabela 3 é composta por 335 empresas listadas na Bovespa e observadas durante os anos de 2009-2011. Foram estimados ambos os modelos em painel, com efeitos fixos e com efeitos aleatórios. Entretanto, após realizar o teste de Hausman não se pode garantir estatisticamente a consistência dos parâmetros estimados por efeitos aleatórios e, portanto, serão reportados apenas os resultados dos modelos com efeitos fixos.

O resultado da regressão aponta uma relação estatisticamente não significativa entre diversificação, medido pelo índice HHI, e o nível de endividamento das empresas e, portanto, a diversificação corporativa não oferece vantagens de financiamento para as firmas, nessa amostra.

Esse resultado parece ser, à primeira vista, contraditório com os resultados do modelo teórico previamente apresentado. Para entender de fato esse resultado, é preciso analisar se o resultado do modelo teórico é válido para todas as situações. Note que uma hipótese essencial para a validade dos resultados é a independência dos projetos de investimentos, isto é, os fluxos de caixa gerados não podem ser altamente correlacionados, pois, caso fossem, não haveria possibilidade de diversificação do risco.

O que acontece é que, na prática, os segmentos reportados pelas firmas brasileiras são de setores altamente correlacionados e, portanto, a alta correlação impede os benefícios do cross-pledging, uma vez que é por causa da independência entre os projetos ou unidades de negócio que a renda de um pode ser utilizada como garantia para financiar a realização de outro, como previsto por Diamond (1984), Lewellen (1971), Stein (2003) e Tirole (2006).

Uma segunda possível explicação é o baixo nível de endividamento das firmas brasileiras. Benefícios da diversificação são maiores para firmas com altos níveis de alavancagem, permitindo uma nova possibilidade de financiamento via cross-pledging. Finalmente, uma terceira possível causa para a ausência de correlação é a pouca diversificação apresentada pelas empresas que compõem a amostra. Note que a média do índice Herfindahl-Hirschman para a amostra de empresas listadas na Bovespa foi de 0,75, o que representa ainda um nível bastante baixo de diversificação (HHI igual a 1 é concentração total).

Uma limitação empírica dos nossos resultados é o fato de a nossa amostra estar limitada ao período de 2009 a 2011. Como discutido anteriormente, as informações estão disponíveis para todas as empresas listadas na bolsa brasileira apenas a partir de 2009, por conta de uma nova exigência relativa a divulgação por segmento.

Para testar a robustez em relação ao período da amostra analisada, utilizamos como amostra empresas com ADR níveis II e III para o período de 2003 a 2011. Tais empresas são listadas no mercado americano e, portanto, divulgavam tal informação por segmento dada a exigência da SEC. Os resultados estão apresentados na Tabela 4.

Os resultados apresentados no teste de robustez, assim como na Tabela 3, também não apresentaram significância estatística entre a diversificação, representada pelo índice Herfindahl-Hirschman, e o endividamento das empresas com ADR. Esses resultados também continuam corroborando com os apresentados por Comment e Jarrel (1995), os autores também não encontraram significância estatística nessa relação quando mediram o grau de diversificação pelo índice Herfindahl.

Assim, a ausência de correlação está potencialmente correlacionada com os fatores anteriormente citados como projetos altamente correlacionados, altos níveis de concentração de projetos de investimento e níveis de endividamento ainda baixos.

5 Conclusão

Este trabalho teve como objetivo principal determinar se a diversificação corporativa aumenta a capacidade de endividamento das firmas brasileiras por meio do cross-pledging. Para isso, verificou-se a relação entre o grau de diversificação e a alavancagem.

Utilizando o modelo de dados em painel, não encontramos evidências de que a diversificação ofereça vantagens de financiamento para as firmas brasileiras dessa amostra. Tal resultado nos permite dizer que utilizar a estratégia de diversificação corporativa como tem sido feito no Brasil não traz resultados positivos sobre a capacidade de financiamento das empresas. Assim, gestores que tenham como foco aumentar seu potencial de financiamento devem pensar em estratégias alternativas à diversificação corporativa.

A partir das análises realizadas, identificamos possíveis explicações para esse resultado. A primeira refere-se à alta correlação entre os segmentos reportados pelas firmas dessa amostra, uma vez que é por causa da independência entre os projetos ou unidades de negócio da firma que a renda de um pode ser utilizada como garantia para financiar a realização de outro. Uma explicação alternativa é o baixo nível de endividamento das firmas, pois os benefícios da diversificação são maiores para firmas com altos níveis de alavancagem, permitindo uma nova possibilidade de financiamento via cross-pledging.

Por fim, as firmas apresentaram pouca diversificação, sendo que a média do índice Herfindahl para a amostra de empresas listadas na Bovespa foi de 0,75 e, para as firmas com ações listadas na bolsa de valores norte-americana, foi de 0,67.

Como sugestão para pesquisas futuras seria interessante a análise mais profunda do motivo que leva a tal inexistência de correlação entre a diversificação e o endividamento. Uma forma de fazer isso é criar uma medida de correlação entre os diversos negócios de cada empresa e adicionar esse elemento na especificação que relaciona a diversificação com o endividamento. Assim, a interação da correlação com a diversificação nos diria exatamente se empresas diversificadas e com projetos não correlacionados têm o benefício do cross-pledging.

Recebido em 28.11.2012

Aceito em 14.03.2013

2ª versão aceita em 22.05.2013

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  • Wooldridge, J. M. (2006). Introdução a econometria: uma abordagem moderna São Paulo: Thomson.
  • 1
    Os autores são gratos a Fábio Moraes da Costa, Fernando Caio Galdi e também aos pareceristas anônimos pelos comentários que contribuíram para melhorar o artigo. Bruno Funchal agradece ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (FAPES) pelo apoio financeiro.
  • 2
    Exemplos de benefícios normalmente observados na prática são: táticas de entrincheiramento, facilidade de implementação do projeto, contratação de pessoas ligadas ao gestor e regalias em geral.
  • 3
    Essa igualdade é resultado direto das hipóteses de neutralidade ao risco e mercado competitivo.
  • 4
    Essa condição é resultado da desigualdade do retorno esperado de (7) com o retorno esperado em caso de esforço alto em apenas um projeto ou esforço alto em nenhum projeto.
  • 5
    A propriedade da consistência do estimador garante que o parâmetro amostral estimado converge para o verdadeiro parâmetro populacional para amostras suficientemente grandes.
  • 6
    As informações são apresentadas conforme CPC 22 (IFRS 8). Um segmento operacional é um componente de entidade que desenvolve atividades de negócio das quais pode obter receitas e incorrer em despesas, cujos resultados operacionais são regularmente revistos pelo principal gestor das operações da entidade para a tomada de decisões e para o qual haja informação financeira individualizada disponível.
  • 7
    O 20-F é um relatório que segue as regras da
    Securities and Exchange Commission, na qual as firmas reportam informações padronizadas.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Nov 2012
    • Aceito
      22 Maio 2013
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